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Processo nº 689/2012 Data: 15.11.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Contravenção laboral.
Contradição insanável.
Reenvio.



SUMÁRIO

1. O vício de contradição insanável ocorre quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.

Pressupõe uma relação entre duas ideias, dois juízos ou dois conceitos que afirmam ou negam o mesmo objecto, ou um elemento do objecto de conhecimento. Como princípio do conhecimento, a contradição é um princípio ontológico cuja compreensão se resume na máxima «é impossível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto».

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 689/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença do Mmo Juiz do T.J.B. decidiu-se condenar a “B MACAU S.A.” como autora da prática de 1 infracção (por “falta de remuneração do trabalho extraordinário”) p. e p. pelos art°s 59°, n.° 1, al. 2), art. 62°, n.° 3 e art. 85°, n.° 1, al. 6) da Lei n.° 7/2008, na pena de multa de MOP$24.000,00 e no pagamento de uma indemnização de MOP$14.109,00 e juros a favor de C; (cfr., fls. 192 a 199 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformada, a arguida recorreu.
Motivou para concluir que:

“1.° A Acusação encontra-se ferida das seguintes nulidades:
(i) a falta de inquérito por omissão da descrição na Acusação de todos os elementos que levaram a que a DSAL subsumisse a conduta da B, ao artigo 85.° n.° 1, alínea 2) da LRT, nos termos do disposto no artigo 2) da LRT, nos termos do disposto no artigo 106.°, alínea d)do CPP (aplicável por remissão do artigo 89.° CPT); e
(ii) a violação do direito de defesa da B porque tal omissão impediu que a Arguida se pronunciasse sobre a globalidade da Acusação, designadamente quanto aos elementos subjectivos do tipo contravencional, direito que está consagrado no artigo 50.° n.° 1, alínea b) do CPP) e no artigo 29.° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China.
Assim sendo, deve a Acusação ser considerada nula com tais fundamentos.
2.° O Tribunal a quo – à semelhança da Acusação – nada refere quanto ao elemento subjectivo da (suposta) subsunção da conduta da Arguida à prática do ilícito contravencional que lhe é imputada na Sentença Recorrida, limitando-se a estabelecer uma multa no valor de 23.126,80 MOP, sem mais.
Porém, quais sejam tais detalhes concretos da conduta supostamente ilícita, o grau de responsabilidade da Arguida ou, sequer, a capacidade económica da B - todos elementos cumulativos de que dependia a condenação da Arguida - a Sentença Recorrida nada esclarece ...
Não se clarifica se a (pretensa) contravenção teria sido praticada a título doloso ou meramente negligente ou, tão pouco, qual o grau de culpa da ora Recorrente, elementos essenciais à conclusão da operação de subsunção dos factos ao Direito aplicável.
3.° A contravenção não é um ilícito punido a título de responsabilidade objectiva, requer a verificação de elemento subjectivo na modalidade de dolo ou negligência, não podendo esta pressupor-se mas antes exigindo a respectiva comprovação em sede de prova dos factos constitutivos do ilícito, mediante a demonstração de que o arguido violou intencionalmente disposições legais ou direitos de terceiros ou que não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado.
4.° A omissão da descrição de todos os elementos que levaram a que o Tribunal a quo subsumisse a conduta da Recorrente ao artigo 85.° n.° 1, alínea 2) da LRT resulta numa manifesta falta de fundamentação da Sentença Recorrida, nulidade insanável nos termos do disposto nos artigos 360.°, alínea a) e 355.° n.° 2, ambos do CPP, aplicáveis por remissão do artigo 89.° do CPT.
5.° A Acusação imputou à B a prática de uma contravenção laboral por (suposta) diminuição indirecta da remuneração de base do trabalhador prevista e punida pelo disposto no artigo 85.° n.° 1, alínea 2) da LRT.
6.° O Tribunal veio efectivamente a condenar a B pela prática de uma contravenção prevista pelos artigos 59. ° n.° 1, alínea 2), 62.° n .° 3 e punida pelo artigo 85.° n.° 1, alínea 6), todos da LRT.
7. ° Ou seja, o Tribunal imputou à Arguida a prática de um ilícito contravencional distinto do constante da Acusação e cuja pena de multa, por via do previsto no artigo 87.° da LRT, poderá ser convertível em pena de prisão, circunstância que não se verifica quanto ao ilícito de que a Arguida vinha acusada - vide artigo 85. ° n.° 1, alínea 2) da LRT.
8.° Para além disso, como vimos, não constam da Acusação factos susceptíveis de subsunção à contravenção prevista no artigo 85.° n.° 1, alínea 6) da LRT.
9.° Estamos, pois, perante o necessário apuramento de factualidade relevante distinta num e noutro caso.
10.° Nos termos do disposto no artigo 1.°, n.° 1, alínea f) do Código de Processo Penal ("CPP"), constitui uma alteração substancial dos factos: aquela que ti ver por efeito a imputação ao arguido de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
De acordo com o disposto no artigo 340.° n.° 1 do CPP, se do decurso da audiência resultar fundada suspeita da verificação de factos não descritos na pronúncia ou, se a não tiver havido, na acusação ou acusações, e que importem uma alteração substancial dos factos descri tos, o juiz que preside ao julgamento comunica-os ao Ministério Público, valendo tal comunicação como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, os quais não podem ser tomados em conta para o efeito de condenação no julgamento em curso (sublinhado e destacados nossos).
Ou seja, ainda que o Tribunal a quo viesse a verificar no decurso do julgamento dos presentes autos, que, em resultado da prova produzida, existia fundada suspeita da prática de contravenção não descrita na Acusação - o que não se admite -, tal circunstância apenas poderia dar origem a um novo processo por iniciativa do Ministério Público, devendo o presente processo prosseguir para estrita apreciação dos factos e sua qualificação jurídica tal como constam da acusação.
11.° O desrespeito pelo disposto no artigo 340.° n.°1 do CPP em virtude da condenação da Arguida por factos não descritos na Acusação, para além de constituir uma violação inaceitável das garantias de defesa da Arguida, não poderá deixar de constituir nulidade à luz do disposto no artigo 360.° alínea b) do CPP.
12.° In casu, O Tribunal entendeu atribuir uma indemnização à trabalhadora oficiosamente, tendo condenado a B no seu pagamento - por (alegado) trabalho extraordinário prestado.
13.° Não foi, porém, dada a possibilidade à ora Recorrente, de se pronunciar quanto aos concretos factos ponderados pelo Tribunal a quo e que terão contribuído para a conclusão expressa na Sentença Recorrida, na medida em que apenas após a fase de produção de prova foi a Arguida notificada da possibilidade de alteração da qualificação jurídica da sua conduta face ao teor da Acusação.
Deve, pois, a Sentença Recorrida ser anulada na parte em que condenou a Arguida no pagamento de uma indemnização ao trabalhador reclamante, com fundamento em violação do princípio do contraditório, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 147.° e 3.° do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão dos artigos 1.° n.° 1 e 103.° n.° 3 do CPT (que se encontra igualmente previsto no artigo 39.° n.° 2 do CPT) , sob pena de violação do disposto no artigo 100.° n.° 2 do CPT.
14.° Quanto ao alegado trabalho extraordinário prestado pela trabalhadora reclamante, resulta dos autos que ficou claramente estabelecido e aceite por ambas as partes que a trabalhadora iria prestar 48 horas de trabalho semanais e só quaisquer horas que excedessem as 48 horas semanais seriam remuneradas a título de trabalho extraordinário (vide o respectivo contrato de trabalho junto aos autos).
15.° Na verdade, a trabalhadora podia gozar livremente o intervalo para descanso/refeição, podendo esta, se assim entendesse, ausentar-se das instalações da Arguida.
Por esta razão, não poderá o intervalo de descanso da trabalhadora reclamante ser contabilizado no período normal de trabalho também de acordo com o disposto no artigo 33.° n.° 4, a contrario, da LRT.
16.° O período normal de trabalho da trabalhadora não sofreu qualquer alteração desde o início da sua prestação de actividade até ao seu termo, nunca tendo ultrapassado as 48 horas de trabalho semanal contratualizadas.
Ora, não se tendo alterado o período normal de trabalho da trabalhadora ao longo de toda a duração da respectiva relação laboral com a B, não se vislumbra em que medida poderia existir um redução (ainda que indirecta) da remuneração da trabalhadora como pretende a Acusação.
Acresce considerar que – ao contrário do entendimento expresso na Sentença Recorrida – o Guia de Benefícios elaborado para o B, datado de 03.08.2007, em nada alterou a organização do período de trabalho do trabalhador reclamante.
17.° Deveria, pois, o Tribunal a quo ter-se abstido de dar como provados os factos elencados nos parágrafos quarto a oitavo da Sentença Recorrida por falta de fundamentação, devendo, em consequência, a Sentença Recorrida ser declarada nula nessa parte, à luz do disposto no artigo 360.°, alínea a) e 355.° n.° 2, ambos do CPP, aplicáveis por remissão do artigo 89.° do Código de Processo do Trabalho.
18.° Deveria, ainda, o Tribunal a quo ter-se abstido de referir que a Arguida agiu livre, voluntária e conscientemente (cfr. factos elencados nos parágrafos nono e décimo da Sentença Recorrida) uma vez que nenhum elemento probatório de ponderação foi indicado para sustentar tal conclusão, encontrando-se a Sentença Recorrida ferida de falta de fundamentação, devendo, em consequência, ser declarada nula nessa parte, à luz do disposto no artigo 360.°, alínea a) e 355.° n.° 2, ambos do CPP, aplicáveis por remissão do artigo 89.° do CPT.
19.° A trabalhadora C sempre esteve obrigada a prestar 48 horas semanais de trabalho efectivo, conforme estabelecido no respectivo contrato de trabalho, não havendo, por isso, lugar a qualquer redução, ainda que indirecta, da respectiva remuneração ou prestação de trabalho extraordinário para além dessas 48 horas.
20.° De acordo com o artigo 2.°, alínea e) do Decreto-Lei n.° 24/89/M, de 03.04 ("DL 24/89/M"), o trabalho extraordinário corresponde a "todo o trabalho prestado além do período normal de trabalho".
21.° O contrato de trabalho celebrado entre a Arguida e a trabalhadora em questão é muito claro ao estipular o seu período normal de trabalho: 48 horas por semana.
22.° Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo parece basear todas as conclusões constantes da Sentença Recorrida num equívoco essencial: o de que teria de existir um Guia de Benefícios em vigor à data da contratação da trabalhadora C.
23.° Segundo o disposto no artigo 1.° n.° " 1 do DL 24/89/M, "(a) contratação relativa a relações de trabalho entre empregadores directos e trabalhadores residentes é livre, sem prejuízo da observância dos condicionalismos mínimos que se encontram estabelecidos na lei, ou resultem de normas convencionais livremente aceites pelos respectivos representantes associativos, de regulamentos de empresa ou de usos e costume s geralmente praticado."
E, nos termos do artigo 14.° da LRT, "(o)s empregadores e trabalhadores podem celebrar livremente contratos de trabalho reguladores das condições de trabalho, sem prejuízo do disposto nos números seguintes".
Ou seja, dentro dos limites previstos por disposições imperativas da lei, empregador e trabalhador são livres de fixar o conteúdo do contrato de trabalho, que é auto-suficiente no que concerne à regulação da relação laboral.
24.° Foi precisamente isto que ocorreu com a trabalhadora C.
25.° É de notar que, na altura em que o B Macau Resort Hotel abriu ao público, em XX.XX.20XX, já estava em vigor o Guia de Benefícios, datado de 03.08.2007.
26.° De resto, resulta da cláusula 12.a do contrato de trabalho em questão que "(o)s detalhes dos programas de benefício estão descritos no Team Members Handbook e materiais semelhantes, que lhe serão facultados" (tradução nossa), documento distinto do Guia de Benefícios da empresa.
27.° Estando assente que a trabalhadora sempre prestou 48 horas de trabalho semanal efectivo, não há lugar ao pagamento de qualquer montante à trabalhadora, uma vez que, de acordo com as disposições normativas aplicáveis, apenas o trabalho que fosse prestado para além do seu período normal de trabalho - i.e., das 48 horas semanais - poderia ser considerado e não ficou demonstrado que a trabalhadora tenha, alguma vez, prestado actividade não compensada para além deste limite.
28.° Deve, pois, concluir-se que nunca foi a remuneração da trabalhadora C reduzida – ainda que indirectamente -, nem prestou esta trabalhadora qualquer trabalho extraordinário nos termos descritos na Sentença Recorrida, pelo que deverá a Sentença Recorrida ser declarada nula e substituída por outra de absolvição da Arguida, sob pena de violação do disposto no artigo 9.° n.° 1, alínea d) do DL 24/89/M, nos artigos 10.°, alínea 5) e 85.° n.° 1, d) e alínea 6), todos da LRT, e 360.°, alínea a) e 355.° n.° 2, ambos do CPP, aplicáveis ex vi do artigo 89.° do CPT”; (cfr., fls. 206 a 220).

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Respondendo, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 223 a 230-v).

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Neste T.S.I. e em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação do presente recurso (fls. 206 a 220 dos autos), a recorrente arguiu, em primeiro lugar, a nulidade da Acusação, alegadamente derivada da “falta de inquérito” por omissão na Acusação da descrição de todos os elementos e, ainda, da violação do direito de defesa.
Sem prejuízo do respeito pela opinião, afigura-se-nos que se trata dum argumento desprovido de qualquer sentido.
Pois bem, pese embora seja verdade que o Auto de Notícia de fls. 4 a 5 dos autos não contem a explícita indicação da modalidade da culpa da recorrente, o seu teor dá-se a perceber que ela agiu com dolo. O que nos leva a acompanhar a opinião manifestada pela Exma. Colega na Resposta (fls. 223 a 230 verso), no sentido de o elemento subjectivo da contravenção pela qual a recorrente foi condenada estar conotada na narração dos elementos objectivos.
E, a natureza contravencional do processo in casu torna impossível que a “omissão” invocada pela recorrente integre na «falta de inquérito» prevista na d) do art. 106° do CPP, como a boa doutrina inculca, a qual é privativa do processo comum e exige a falta absoluta do acto (José da Costa Pimenta: Código de Processo Penal Anotado, Lisboa, p. 380).
No ordenamento jurídico de Macau, o preceito nos arts. 265° e 266° do CPP revela que a Acusação não define a situação jurídica de qualquer arguido, apesar de o juiz do julgamento, ao contrário do que acontecia no domínio do CPP/1929, não poder ordenar diligências complementares de prova ou convidar o M.° P.° a reformar a acusação (Manuel Leal-Henriques e Manuel Sima-Santos: Código de Processo Penal de Macau, Macau 1997, pp. 586).
Em conformidade com o princípio do contraditório, o direito de defesa reconhecido pelo legislador ao arguido no processo penal destina-se a defender da Acusação, pelo que deve ser exercido perante o Juiz e na fase de Julgamento.
Sendo assim e ao abrigo do princípio de in dubio pro reu, não nos parece possível que o direito de defesa de arguido possa ser lesado por omissão, insuficiência, imprecisão ou inexactidão da “narração” exigida na b) do n.° 3 do art. 265° do CPP.
Tudo isto implica a insubsistência da 1ª Conclusão formulada na Motivação do recurso em apreço.
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Quanto à sentença em questão, a recorrente invocou, nulidade nos termos dos arts. 360°-a) e 355° n.° 2 do CPP, por falta de fundamentação traduzida em não referir o elemento subjectivo, e a falta de fundamentação dos parágrafos 4° a 8° referentes aos factos dados por provados, e dos 9° e 10° respeitantes ao elemento subjectivo da contravenção.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da nossa Exma. Colega na Resposta.
Ora, a douta sentença recorrida menciona expressamente que «嫌犯在自由、自願及有意識的情況下作出上述的行為» e ainda «明知此等行為是法律所禁止和處罰的». Estas indicações revelam a flagrante inviabilidade das 2a a 4a Conclusões da recorrente (nulidade nos termos dos arts. 360° -a) e 355° n.° 2 do CPP, por falta de fundamentação traduzida em não referir o elemento subjectivo).
Note-se que uma sentença se mostra fundamentada quando se revela o procedimento lógico seguido pelo Tribunal na formação da decisão, confrontando-a com o seu acerto e segurança, permitindo-se assim dar a conhecer as razões que levaram à decisão do juiz e sindicar o juízo que foi feito pelo julgador. (Acórdão do TSI no Processo n.° 225/2006)
Daí se possa compreender que a nulidade da sentença por falta de fundamento de facto e direito só se verifica na ausência total de fundamentação; se se tiver por deficiente ou incompleta não há nulidade. (Acórdão do TSI e do TUI, nos Processos respectivamente n.° 662/2009 e n.° 1/2012)
E, o Venerando TUI vem consolidando duas jurisprudências: E, primeiro lugar, a extensão e o conteúdo da motivação são função das circunstâncias específicas do caso concreto, nomeadamente da natureza e complexidade do processo; e em segundo, não há norma processual que exige que o julgador exponha pormenorizada e completamente todo o raciocínio lógico ou indique os meios de prova que se encontram na base da sua convicção de dar como provado ou não provado um determinado facto, nem a apreciação crítica das provas em ordem a permitir a sua apreciação pelo tribunal de recurso, sem prejuízo, naturalmente, de maior desenvolvimento quando o julgador entenda fazer.
Em esteira das ponderadas jurisprudências supra referidas, podemos crer que a parte «事實的判斷(A convicção do tribunal baseou-se) » assegura a existência in casu da fundamentação, daí flui que não se verifica a invocada «falta de fundamentação» e, nesta medida, não podem deixar de falecer as 2a a 4a e 14ª a 18ª Conclusões.
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No que concerne à sentença em questão, a recorrente invoca ainda a nulidade à luz do art. 360°-b) por, perante a alteração substancial dos factos, desrespeitar o disposto no art. 340° n.° 1 do CPP, desrespeito que constituiria uma violação inaceitável das garantias de defesa.
Na nossa óptica, não lhe assiste razão.
Note-se que aos factos descritos no Auto de Notícia, a Mesma. Juiz a quo não acresceu nenhum facto novo, pelo que não se vislumbra a alteração substancial de factos. O que aconteceu é que Mema. Juiz alterou a qualificação jurídica indicada no dito Auto de Notícia.
Na Acta da Audiência de Julgamento de fls. 175 a 177 dos autos, lê-se: 隨後,法官作出如下批示:
經過庭審聽取了上述證人的證言,結合本卷宗現有的書證資料,本法院認爲對於嫌疑人現有被指控的事實的相應法律定性可能存在變更,有關行為不排除屬於第7/2008號法律«勞動關係法»第59條第2款第(2)項及第62條第3款所規定,並受第85條第1款第(6)項所處罰的一項「否定獲得超時工作報酬權利」的輕微違反。
對於此法律定性變更,法官對控辯雙方作出通知,並指出可申請期間進行辯(類推適用«刑事訴訟法典»第339條的規定)。
……
辯護人示不放棄法定的10日辯護期間‚并將就此作出書面辯護。
Reza expressamente a Acta da Audiência de Julgamento de fls. 178 e verso: 隨後,法官作出如下批示:
現中止本審判聽證,繼續等待辯護人於餘下法定期間提及書面辯護及有關自願超時工作協議書的相關資料,並訂定於2012年4月19日下午03時45分繼續審判聽證并進行結案陳詞。
Tudo isto torna, Segundo nos parecer, indiscutível que a Mema Juiz a quo assegurava, com toda a cautela e prudência, à recorrente a oportunidade do tempestivo exercício do direito de audiência e defesa, para se defender da alteração da qualificação jurídica.
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No caso vertente, a indemnização civil foi oficiosamente arbitrada pela Mema. Juiz a quo ao abrigo do preceito nos arts. 74° do CPP e 100° do CPT, cuja quantia concreta foi apurada de acordo com os documentos juntos aos autos pela recorrente sob ordem do Tribunal.
Nos termos do n.° 2 do art. 74° do CPP e do n.° 2 do art. 100° CPT, a produção de prova para arbitramento oficioso de reparação rege-se pelo princípio do contraditório.
No presente caso, é incontestável que a Mema. Juiz a quo ordenou a recorrente a prestar as provas para fixar o valor da indemnização. Daí decorre que a Mema. Juiz a quo observou, com bom rigor, o princípio do contraditório.
Deste modo, não podemos deixar de entender que é descabida a violação do princípio do contraditório imputada pela recorrente, nas 12ª e 13ª conclusões das suas Alegações, à douta sentença na parte da condenação da indemnização civil.
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Afinal, a recorrente entende que nunca a remuneração da trabalhadora C foi reduzida – ainda que indirectamente, nem prestou esta trabalhadora qualquer trabalho extraordinário nos termos descritos na sentença recorrida, pelo que a qual deveria ser declarada nula e substituída por outra de absolvição.
Basta-nos, para todos os devidos efeitos, sufragar inteiramente as criteriosas e equilibradas explanações da Exma. Colega na Resposta e nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
***
Por todo o exposto, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 244 a 246).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Deu o Tribunal a quo como provada a factualidade seguinte:

“Trabalhadora, C (C) (titular do BIRM n.º XXXXXXX (4), tel. 66XXXXXX), foi empregada pela arguida, B Macau, S.A., desde 23 de Julho de 2007, em funcionamento até hoje, como empregada de limpeza.
A trabalhadora supracitada auferia mensalmente, no valor de MOP 5.300,00desde 23 de Julho de 2007 a 30 de Setembro de 2007, no valor de MOP 5.500,00 desde 1 de Outubro de 2007 a 31 de Maio de 2008, no valor de MOP 5.830,00 desde 1 de Junho de 2008 a 31 de Março de 2010, no valor de MOP 7.000,00 desde 1 de Abril de 2010 a 31 de Julho de 2010, no valor de MOP 7.245,00 desde 1 de Agosto de 2010 a 28 de Fevereiro de 2011, no valor de MOP 7.571,00 desde 1 de Março de 2011.
A trabalhadora supracitada pertencia os da categoria F – trabalhadores do Grupo de Funcionamento, trabalhava 6 dias por semana e 48 horas por semana.
Durante o período entre 23 de Julho de 2007 e 13 de Julho de 2008, o Chefe da Secção de Housekeeping exigiu à trabalhadora supracitada a prestação de 8,5 horas de trabalho por dia como critério de turnos, nas quais 1 hora de almoço, isto é, a trabalhadora deve fornecer efectivamente 7,5 horas de trabalho e ter 30 minutos de almoço com remuneração, mais 30 minutos de almoço sem remuneração.
Durante o período entre 14 de Julho de 2008 e 31 de Março de 2011, a arguida exigiu unilateralmente, através da Secção de Housekeeping, à trabalhadora a prestação de 9 horas de trabalho por dia, nas quais 1 hora de almoço, sem consentimento desta, isto é, a trabalhadora deve fornecer efectivamente 8 horas de trabalho e ter 1 hora de almoço sem remuneração.
A arguida actualizou unilateralmente a Orientação das Regalias dos Trabalhadores do Grupo de Funcionamento – Categoria F, em 3 de Agosto de 2007, sem consentimento da trabalhadora, alterando o tempo de trabalho de “48 horas por semana (incluindo o tempo de almoço)” para “48 horas por semana”.
Portanto, durante o período compreendido entre 14 de Julho de 2008 e 31 de Março de 2011, além das horas de trabalho normal, a trabalhadora tem mais de 30 minutos de trabalho adicional, mas a arguida não aumentou o salário desta trabalhadora, nem lhe concedeu compensação pelo trabalho extraordinário.
A arguida não apresentou o requerimento, nem notificação deste assunto junto da DSAL.
A arguida ainda não pagou à trabalhadora, até hoje, a compensação pelo trabalho extraordinário durante o período de 14 de Julho de 2008 e 31 de Março de 2011, no valor de MOP$ 14.109,00 (vide o mapa de conta).
A arguida praticou o acto supracitado de forma livre, voluntária e consciente.
Sabia bem que a sua conduta era proibida e punida pela lei.
Segundo o contrato laboral assinado entre a arguida e a trabalhadora supracitada em 12 de Julho de 2007, a duração de trabalho da respectiva trabalhadora é de 48 horas e as regalias desta são fixadas conformes a respectiva classificação das categorias na Guia de Equipa e nos respectivos dados fornecidos. A remuneração do trabalho extraordinário é equivalente a 1,1 vezes a remuneração normal .
A trabalhadora já teve conhecimento da condição de “48 horas de trabalho por semana (incluindo a duração de almoço) e 6 dias de trabalho por semana”, isto é, 8 horas de trabalho por dia, incluindo 30 minutos de almoço com remuneração, quer dizer, a prestação de 7,5 horas de trabalho efectivo por dia e mais 30 minutos de almoço sem remuneração.
Esta trabalhadora consentiu previa e voluntariamente a prestação do trabalho extraordinário durante o período de 1 de Maio de 2010 e 31 de Agosto de 2011 (vide fls. 180 a 187)”.
Seguidamente, em sede de “factos não provados” consignou o Tribunal o que segue:
“O mapa de conta constante da fl.7 dos autos e da acusação e outros factos importantes contrários aos factos provados, designadamente:
A arguida exigiu à trabalhadora supracitada a prestação de 8,5 horas de trabalho por dia (incluindo 1 hora de almoço) durante o período de 23 de Julho de 2007 e 13 de Julho de 2008, prática essa alterou a condição de “48 horas de trabalho por semana” fixadas inicialmente entre a arguida e a trabalhadora, acrescendo a duração de trabalho normal”.


Do direito

3. Vem a arguida recorrer da decisão proferida pelo T.J.B. que a condenou como autora da prática de 1 infracção (por “falta de remuneração do trabalho extraordinário”) p. e p. pelos art°s 59°, n.° 1, al. 2), art. 62°, n.° 3 e art. 85°, n.° 1, al. 6) da Lei n.° 7/2008, na pena de multa de MOP$24.000,00 e no pagamento de uma indemnização de MOP$14.109,00 e juros.

–– Começa por dizer que:

“1.° A Acusação encontra-se ferida das seguintes nulidades:
(i) a falta de inquérito por omissão da descrição na Acusação de todos os elementos que levaram a que a DSAL subsumisse a conduta da B, ao artigo 85.° n.° 1, alínea 2) da LRT, nos termos do disposto no artigo 2) da LRT, nos termos do disposto no artigo 106.°, alínea d)do CPP (aplicável por remissão do artigo 89.° CPT); e
(ii) a violação do direito de defesa da B porque tal omissão impediu que a Arguida se pronunciasse sobre a globalidade da Acusação, designadamente quanto aos elementos subjectivos do tipo contravencional, direito que está consagrado no artigo 50.° n.° 1, alínea b) do CPP) e no artigo 29.° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China”.

Cremos que não tem a ora recorrente razão.

De facto, e como bem se salienta no douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, o elemento subjectivo da infracção imputada à recorrente infere-se da narração dos factos, sendo também que importa atentar na natureza “contravencional” dos presentes autos.

Por sua vez, não nos parece que se possa acolher a alegada “violação do direito de defesa”, pois que os autos demonstram que a arguida, (para além de ter interposto recurso hierárquico do despacho administrativo que confirmou o auto de notícia; cfr., fls. 4 a 5 e 17 a 21), apresentou (também) “contestação ao pedido civil” (cfr., fls. 152 a 155-v), assim como a sua “defesa” (escrita), (cfr., fls. 170 a 174).

Certo sendo ainda que provado ficou o elemento subjectivo em

questão, já que provado ficou que a arguida “agiu de forma livre, voluntária e consciente”, e que “sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei”, mais não é preciso dizer sobre a questão.

–– Aqui chegados, e antes de se apreciar da adequação da decisão no seu aspecto substantivo, afigura-se de consignar o que segue.

Pois bem, desde já, consigna-se que se mostra de considerar que os “vícios da matéria de facto” são de conhecimento oficioso; (cfr., v.g., o recente Ac. de 27.09.2012, Proc. n.° 706/2012).

Também, repetidamente, temos vindo a afirmar que o vício de contradição insanável ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; (cfr., v.g. o Acórdão deste T.S.I. de 24.05.2012, Proc. n° 179/2012).

A dita contradição, (como se refere no recente Ac. da Rel. de Coimbra de 17.10.2012, Proc. n.° 58/09-7, in www.dgsi.pt, aqui citado

como mera referência), “pressupõe uma relação entre duas ideias, dois juízos ou dois conceitos que afirmam ou negam o mesmo objecto, ou um elemento do objecto de conhecimento. Como princípio do conhecimento, a contradição é um princípio ontológico cuja compreensão se resume na máxima «é impossível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto»”.

E, no caso, cremos que se verifica tal vício.

De facto, deu o Tribunal a quo como “provado” que:

“Durante o período entre 23 de Julho de 2007 e 13 de Julho de 2008, o Chefe da Secção de Housekeeping exigiu à trabalhadora supracitada a prestação de 8,5 horas de trabalho por dia como critério de turnos, nas quais 1 hora de almoço, isto é, a trabalhadora deve fornecer efectivamente 7,5 horas de trabalho e ter 30 minutos de almoço com remuneração, mais 30 minutos de almoço sem remuneração”.

E, em simultâneo, como “não provado”, que:

“A arguida exigiu à trabalhadora supracitada a prestação de 8,5 horas de trabalho por dia (incluindo 1 hora de almoço) durante o período de 23 de Julho de 2007 e 13 de Julho de 2008, prática essa alterou a condição de “48 horas de trabalho por semana” fixadas inicialmente entre a arguida e a trabalhadora, acrescendo a duração de trabalho normal”.

E, sendo, em nossa opinião esta matéria “incompatível”, observado que foi o contraditório sobre o vício em questão (na audiência de julgamento do presente recurso), e sendo o mesmo insanável, há que decidir em conformidade, ordenando-se o reenvio dos autos para novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M., prejudicada ficando a apreciação das restantes questões.

Decisão

4. Em face do exposto, determina-se o reenvio dos autos para novo julgamento no T.J.B..

Pelo seu decaimento, pagará a arguida a taxa de justiça de 4 Ucs.

Macau, aos 15 de Novembro de 2012

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng (opinando, porém, pelo carácter não oficioso do conhecimento dos vícios do n.º 2 do art.º 400.º do CPP, incluindo o de contradição insanável da fundamentação).

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