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Proc. nº 755/2011
(Recurso Contencioso)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 29 de Novembro de 2012
Descritores:
-Art. 2º e 8º da Lei nº 21/2009
-Autorização de contratação de trabalhadores não residentes


SUMÁRIO

I- A autorização para a contratação de trabalhadores não residentes depende da observância dos princípios estabelecidos no art. 2º, designadamente o vertido na alínea 8), da Lei nº 21/2009, de 27/10, bem como da verificação dos critérios e factores previstos no art. 8º do mesmo diploma.

II- A actividade da Administração neste domínio é de discricionariedade, sem prejuízo da co-existência de um conjunto de conceitos indeterminados, onde se permeiam zonas de incerteza e de juízos de prognose.

III- Em ambos os casos, só em caso de erro grosseiro e palmar é possível a sua sindicância.








Proc. nº 755/2011
(Recurso Contencioso)

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
“A Limitada”, com sede em Macau, na Alameda xxx, nºs xx, xxx, xº andar, x, interpõe recurso contencioso do despacho proferido em 26/10/2011 pelo Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças, que indeferiu o pedido de importação de seis trabalhadores não residentes.
Concluiu a sua petição inicial da seguinte forma:
“(1) O despacho recorrido indeferiu o pedido de importação de 6 (seis) trabalhadores não residentes formulado pela recorrente.
(2) A recorrente é uma empresa criada legalmente em Macau dedicando-se à actividade de investimento comercial e de consultadoria de investimento.
(3) Desde o estabelecimento da recorrente, o volume de trabalho tem vindo a aumentar, pelo que, a recorrente não parou de recrutar pessoal, também recorreu a à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais para recrutar pessoal local, mas sempre não conseguia recrutar a mão-de-obra local.
(4) Pelo que, a recorrente viu-se obrigada a pedir junto do Gabinete para os Recursos Humanos para recrutar trabalhador não residente no sentido de contratar mais empregados.
(5) O despacho recorrido teve em consideração os dados fornecidos pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, que em Macau já há recurso humano local habilitado, e isso também é o factor a considerar nos critérios objectivos previstos no art.º 8º, n.º1 da Lei nº 21/2009, quanto à concessão de autorização.
(6) Mas no despacho recorrido também ficou provado que a recorrente já, através da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, procedeu ao recrutamento, não tendo contudo, até à presente data, conseguido recrutar a mão-de-obra local.
(7) Embora estejam previstos no art.º 8º da Lei n.º 21/2009 os critérios objectivos quanto à concessão de autorização de trabalhadores não residentes, o art.º 2º da mesma lei também rege os princípios gerais quanto à contratação de trabalhadores não residentes.
(8) Ao ponderar os critérios objectivos previstos no art.º 8º, n.º 1 da Lei n.º 21/2009, não se pode considerá-los de forma fechada, também há-de considerar a actual situação de recrutamento em Macau, o ambiente económico e a tendência de desenvolvimento de produtos.
(9) É do conhecimento comum, a actual situação de recrutamento de trabalhador de Macau mostra-se inclinada, e para maior parte dos candidatos, para além da vontade de integrar-se na função pública, os quais normalmente escolhem empresas de grande dimensão (tal como nos sectores do jogo, da hotelaria e serviços). Contudo, a recorrente, tal como outras empresas de pequena e média dimensão, durante o processo de recrutamento, tem que aguardar as respostas dos candidatos para saber se recebem ou não os postos, causando uma cena de que os postos forem escolhidos pelos candidatos.
(10) Pelo que, de acordo com essa situação extraordinária existente em Macau, apesar de que em Macau exista certa quantidade de candidatos locais habilitados, é previsto que seja relativamente mais difícil o recrutamento de mão-de-obra local feito pela recorrente como uma empresa de média e pequena dimensão e que durante muito tempo ainda não consiga recrutar mão-de-obra local.
(11) Ao ponderar os critérios objectivos previstos no art.º 8º, n.º 1 da Lei n.º 21/2009, também há de se considerar a situação de recrutamento existente no actual mercado de mão-de-obra de Macau.
(12) Pelo que, o despacho recorrido não teve uma correcta interpretação do disposto no art.º 8º da Lei n.º 21/2009, padecendo assim do vício de errada interpretação da lei, bem como violando os princípios gerais previstos no art.º 2º, n.º 8 da mesma lei, assim sendo, deve o despacho recorrido ser declarado revogado.
(13) Por outro lado, ao proferir a decisão de não autorização, o despacho recorrido fundamentou-se só na dimensão do estabelecimento do recorrente e na actual situação da sua contratação de trabalhadores locais.
(14) A área do estabelecimento declarada pela recorrente é cerca de 1000 pés2. A recorrente, na qualidade de consultora de investimento dedica-se principalmente a ajudar os investidores do estrangeiro para explorar o mercado de Macau e também a recorrente, por sua própria, faz investimento em vários âmbitos de Macau. Pelo que, conforme a área, o ambiente e a dimensão do estabelecimento da recorrente, tudo isso pode fornecer aos empregados um ambiente de trabalho confortável e seguro.
(15) Por outro lado, os empregados da recorrente têm que sair do estabelecimento por muito tempo para negociar com clientes, a fim de procurar e explorar os itens de investimento em Macau. Por isso, no estabelecimento, não há empregado para acompanhar e tratar os trabalhos internos quotidianos.
(16) Apesar de a autoridade já ter autorizado à recorrente, 2 trabalhadores não residentes para prestarem auxílio, neste momento ainda não dão para responder à quantidade de trabalho quotidiano.
(17) Quanto à contratação de empregado local, tal como indicada pela recorrente, esta, de nenhuma maneira, não consegue obter a mão-de-obra local, caso contrário, a recorrente não necessitou de solicitar à autoridade a autorização de trabalhador não residente para prestar auxílio.
(18) Pelo que, o despacho recorrido só se fundamentou na dimensão do estabelecimento do recorrente e na actual situação da sua contratação de trabalhadores locais, concluindo que isso já dá para responder à quantidade de trabalho, de tal modo a indeferir o seu pedido de autorização de trabalhadores não residentes. Quanto a isso, já padece do vício por existir erro nos factos dados por provados, devendo assim ser o despacho recorrido declarado revogado”.
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Na contestação, a entidade recorrida manifestou-se contra a procedência do recurso.
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Na oportunidade, apenas a entidade recorrida se dignou produzir alegações facultativas, que concluiu nos seguintes termos:
“1. A apreciação e aprovação da contratação de trabalhadores não residentes deve ter como primário factor de consideração a garantia da prioridade aos trabalhadores locais no acesso ao emprego. Pertence apenas ao secundário factor se os empregadores têm necessidade de contratar trabalhadores não residentes e dificuldades na contratação daqueles locais.
2. No facto, todos os empregadores que contratam trabalhadores não residentes declaram que têm necessidade de contratar trabalhadores não residentes e dificuldades na contratação daqueles locais. Mesmo que seja facto este tipo de declaração, não se implica a aprovação sem dúvida do pedido, porque a Administração tem em primeira consideração a garantia da prioridade aos trabalhadores locais no acesso ao emprego.
3. Quando dados mostram que ainda há trabalhadores locais registos para serem contratados para cargos determinados, é razoável que a Administração não aprova o pedido da contratação de trabalhadores não residentes para estes cargos.
4. A Administração tem um amplo poder discricionário no tratamento do pedido da contratação de trabalhadores não residentes, a fim de resolver cada caso com adequação e flexibilidade, tendo como pressuposto garantir a prioridade aos trabalhadores locais no acesso ao emprego.
5. A consideração do despacho recorrido consiste na prioridade aos trabalhadores locais e competentes no acesso ao emprego, o que é o primário factor de consideração requisito pela lei na apreciação e aprovação da contratação de trabalhadores não residentes.
6. Se considera o pedido do recorrente com base simplesmente na sua necessidade de contratar trabalhadores não residentes e nas suas dificuldades na contratação daqueles locais, e por isso, despreza o facto de que ainda existem trabalhadores locais a procurarem empregos, o despacho recorrido ignora a garantia da prioridade aos trabalhadores locais ao emprego, o que viola o princípio fundamental da Lei da contratação de trabalhadores não residentes.
Solicitando que seja o presente recurso contencioso rejeitado pelo tribunal colectivo”.
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O digno magistrado do MP opinou no sentido da improcedência do recurso.
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Cumpre decidir.
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II- Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que cumpra conhecer e obstem ao conhecimento de mérito.
***
III- Os factos
- A recorrente é uma empresa dedicada à actividade de investimento comercial e de consultadoria de investimento.
- Após um ano desde o seu estabelecimento, pediu junto do Gabinete para os Recursos Humanos para recrutar trabalhadores não residentes como seus empregados.
- Em 29/07/2011 o Coordenador do Gabinete proferiu o seguinte despacho nº Despacho n.º 18811/IMO/GRH/2011:
“Em 7 de Junho de 2011, a A, LIMITADA, requereu a importação de 6 (seis) trabalhadores não residentes, tal como a seguir se indicam:
Número de TNRs
Designação das categorias requeridas
2
Empregado de limpeza (9132)
2
Auxiliar (9190)
2
Escriturário responsável pelas diligências externas (9151)
   Tendo em conta que:
1. Existem trabalhadores residentes em condições que estão à procura dos respectivos empregos;
2. Conforme a dimensão do estabelecimento da requerente e a actual situação de contratação de trabalhadores residentes, este Gabinete concedeu à requerente a autorização de contratação de dois trabalhadores não residentes, sendo assim, neste momento não há condições para lhe conceder mais quota de trabalhadores não residentes.
   Nos termos do art.º 8º da Lei n.º 21/2009, de 27 de Outubro, e no uso das competências subdelegadas por Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 69/2010, publicado no Boletim Oficial da R.A.E.M. n.º 17, II Série, de 28 de Abril de 2010, indefiro o referido pedido” (fls. 36 do p.a.).
- Em 11/08/2011 o recorrente apresentou reclamação desse despacho (fls. 27 a 29 do p.a. e fls. 69 a 75 do apenso “traduções”).
- Em 29/08/2011 foi mantida a decisão, por despacho nº 2152/INO/GRH/2011 (fls. 53-54 do apenso “traduções”).
- Essa decisão tem o seguinte teor:
“Despacho n.º 21512/IMO/GRH/2011
   A A LIMITADA apresentou em 11 de Agosto de 2011 uma reclamação em relação à decisão proferida no Despacho n.º 18811/IMO/GRH/2011 de 29 de Julho de 2011, que tem como teor o indeferimento do pedido da importação de 6 trabalhadores não residentes para os postos de trabalho que se seguem:
Número de pessoa
Designação de posto
2
Empregado de limpeza (9132)
2
Estafeta itinerante (9151)
2
Empregados de serviços auxiliares (9190)
   Ponderando que:
   1. A explicação por escrito entregue pelo Recorrente não constitui uma outra justificação suficiente e convincente para sustentar o seu pedido. Além disso, há locais qualificados que estejam a arranjar emprego do tipo.
   2. No caso específico de requerente, considerando a dimensão do seu escritório bem como o facto de ele já ter empregados locais, foram-lhe atribuídas duas vagas para empregados não residentes.
Nos termos do artigo 8.º da Lei n.º 21/2009 de 27 de Dezembro, usando da faculdade conferida pelo Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 69/2010 publicado no Boletim Oficial, Número 17, II SÉRIE, da Região Administrativa Especial de Macau, decido que mantenho a decisão anterior inalterada”.
- Em 7/10/2011 a recorrente interpôs recurso hierárquico nos termos que seguem (fls. 12-14 do p.a; fls. 43-47 do apenso “traduções”):
- Desse despacho foi pela interessada apresentada reclamação para o Chefe de Gabinete para os Recursos Humanos de Macau (fls. 48-50 do apenso “traduções”):
“A A Limitada (A有限公司), interessada nos autos em epígrafe, melhor identificada nos autos, mostrando-se desconforme com o acto da emissão do Despacho n.º 21512/IMO/GRH/2011 em 29 de Agosto de 2011 pelo Director do Gabinete (mais adiante designado simplesmente por “acto reclamado”), despacho esse constante na Notificação n.º 21512/0FI/GRH/11 remetido pelo vosso Gabinete, vem por este meio apresentar ao director, nos termos dos artigos 153.º, 154.º, 155.º e 156.º do Código do Procedimento Administrativo ratificado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, a sua Reclamação que se fundamenta no seguinte:
   1. A notificação feita pela vossa entidade diz respeito ao Despacho n.º 21512/IMO/GRH/2011.
   2. No Despacho supradito, o vosso Gabinete já explicitou as razões pelas quais não autorizou a importar 6 trabalhadores não residentes.
   3. No entanto, o acto administrativo patenteado no Despacho em causa prejudica os direitos e interesses da interessada.
   4. No que se refere a essas decisões lesivas aos direitos e interesses da interessada, está estabelecido nas leis mecanismo de reclamação a fim de proteger os relativos bens jurídicos.
   5. Falta ainda decidir sobre a reclamabilidade do acto e da decisão administrativa e não é aplicável ao caso o n.º 2 do artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo.
   6. Pelo que consoante as alíneas c) e d) do artigo 70.º do Código do Procedimento Administrativo, da notificação devem constar o órgão competente para apreciar a impugnação do acto e o prazo para esse efeito, bem como a indicação de o acto ser ou não susceptível de recurso contencioso, com o objectivo de garantir direitos de defesa dos interessados.
   7. Eis é por falta de conteúdo da notificação quanto aos meios assim como ao prazo de reclamação.
   8. Nestes termos, o Despacho violou as alíneas c) e d) do artigo 70.º do Código do Procedimento Administrativo e existem vícios de forma de direito. Por isso, é de ser revogado por quem seja competente.
   Tudo exposto, fica claro que há medidas de coacção na notificação em causa respeitante à interessada mas que estão escassos os meios e o prazo de reclamação no mesmo documento, pelo que o Despacho violou as alíneas c) e d) do artigo 70.º do Código do Procedimento Administrativo e existem vícios de forma de direito. Por isso, pede-se que seja revogada a Notificação por quem seja competente”.
- Em 7/10/2011 a recorrente interpôs recurso hierárquico nos seguintes termos:
“A A Limitada (A有限公司), interessada nos autos em epígrafe, melhor identificada nos autos, mostrando-se desconforme com o acto da emissão do Despacho n.º 21512/IMO/GRH/2011 em 29 de Agosto de 2011 pelo Director do Gabinete para os Recursos Humanos (mais adiante designado simplesmente por “acto recorrido”), vem por este meio apresentar, nos termos dos artigos 153.º, 154.º, 155.º e 156.º do Código do Procedimento Administrativo, o seu
Recurso Hierárquico Necessário
   que se fundamenta nos seguintes:
   1. Fica aqui reproduzida parte do conteúdo do Despacho supra referido:
“Tendo em conta que:
1. A explicação por escrito entregue pelo Recorrente não constitui uma outra justificação suficiente e convincente para sustentar o seu pedido. Além disso, há locais qualificados que estejam a arranjar emprego do tipo.
2. No caso especifico de requerente, considerando a dimensão do seu escritório bem como o facto de ele já ter empregados locais, foram-lhe atribuídas duas vagas para empregados não residentes.
Em conformidade com o artigo 8.º da Lei n.º 21/2009 de 27 de Dezembro, decido manter a decisão anteriormente tomada.”
2. A este respeito, a interessada não está de acordo com o acto recorrido.
3. Desde logo, a interessada é uma companhia legitimamente fundada há mais de um ano em Macau conforme todos os processos legais, na área de investimento comercial e consultaria de investimento.
4. À medida da evolução do sector turístico de Macau e do desenvolvimento da pujante economia local, a interessada vê-se envolvida em cada vez mais projectos, o que leva ao aumento significativo do volume do seu trabalho.
5. Tomando em conta a equipa altamente especializada com que a empresa conta, a fim de aumentar a sua produtividade de uma forma mais eficaz, fazendo com que eles se concentrem mais nos projectos, a empresa tem procurado trabalhadores qualificados em Macau, sendo que entre as medidas tomadas pela empresa se encontram os anúncios de emprego oferecido pela entidade publicados através da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais e em vários jornais de Macau.
6. Na realidade, foi mencionado no acto recorrido que existem pessoas locais qualificadas para fazer tais trabalhos.
7. Por outro lado, a interessada tão-pouco nega que há operários que possam ser incluídos na linha de consideração cá em Macau.
8. Todavia, foram poucos os candidatos que foram à entrevista. Pior ainda eles rejeitaram todos a proposta de emprego que a interessada lhes tinha feito.
9. Mesmo que haja pessoas locais contratadas, a taxa de afastamento voluntário de posto é eminentemente elevada (por via de regra, vão-se embora um ou dois meses depois de começar a trabalhar) de tal maneira que a interessada não possui funcionários suficientes para atender os trabalhos corriqueiros intensos e penosos.
10. Tal situação é totalmente incontrolável, pelo menos não pela interessada. No entanto, o Despacho recorrido negligenciou o status quo da distribuição prática dos recursos humanos de Macau.
11. Além disso, faz parte das estratégias de evolução da companhia estudar o mercado de Macau e alagar subsequentemente o seu negócio a todos os ramos cujo espaço de desenvolvimento se mostre promissor. Mas nas circunstâncias actuais caracterizadas pela falta de empregado, não tem como colocar o pessoal de uma forma razoável porque não tem o número suficiente ao seu dispor. Desse modo, a empresa não consegue de forma alguma realizar investigação ou análise de todos os projectos em que está envolvida, nem é possível destacar qualquer empregado para analisar outros ramos de negócio e abrir novas fronteiras do seu comércio.
12. Tudo isso se traduz num estorvo à sua sobrevivência, até uma ameaça à existência em Macau pois a empresa se vê numa situação difícil em que está privada de condições para expandir o seu negócio.
13. No entanto, o Despacho recorrido só considerou os seguintes factores de uma forma parcial: que há locais qualificados à procura de emprego do género; a dimensão do escritório da interessada; e que já foi concedida uma quota de dois trabalhadores não residentes para satisfazer as necessidade de todos os trabalhos.
14. Aqui importa reiterar que a empresa tem como negócio principal projectos de investimento e desenvolvimento e que a interessada já conta com a sua equipa especializada em elaborar estratégias de desenvolvimento.
15. Os postos que está a pretender oferecer a trabalhadores não residentes não são técnicos. Considerando as opiniões dos vários candidatos e dos funcionários que já deixaram o emprego, mesmo que a emprega dê um salário que esteja à altura do nível salarial de Macau dos empregos do género, eles preferiam antes trabalhar para casinos ou hotéis de Macau em vez de na empresa.
16. Portanto, está visto que no contexto actual de Macau, neste particular, no que toca ao desenvolvimento económico e ao mercado de emprego, enquanto empresa de média dimensão, a Companhia interessada não tem como recrutar ninguém de Macau que queira trabalhar no seu escritório.
17. Por via de regra, conjugando com as práticas da área, a quota de 6 trabalhadores importados é sem dúvida excessiva para uma empresa média.
18. Contudo, convém termos em mente o ritmo de evolução da indústria turística no contexto actual de Macau que é evidenciado pelo desenvolvimento contínuo dos projectos na área imobiliária e arquitectónica, pelo aumento sucessivo do número de turistas, bem como pelo aparecimento um pouco “como cogumelos” por Macau fora, apercebemo-nos de que tendencialmente pessoas não locais vão investindo cada vez mais fundo no mercado de Macau.
19. Devia ter sido previsto no Despacho recorrido um acréscimo de volume de trabalho na empresa interessada.
20. Neste momento, os funcionários que a empresa tem já não são suficientes para responder à necessidade de desenvolvimento.
21. Portanto, convinha proceder às análises caso a caso ao invés de generalizar o assunto.
22. Outrossim devia era que prestar atenção em particular ao status quo de Macau, à aspiração social, à dimensão e à natureza da empresa.
23. Não é certo de forma alguma não fazer discriminação positiva a favor da interessada, levando em consideração apenas a correspondência proporcional entre o número dos trabalhadores não residentes pretendidos e a dimensão do escritório.
24. Nestes termos, o Despacho recorrido errou ao julgar que não assistiam à interessada condições suficientes para recrutar mais empregados não residentes, sem que tenha considerado todos os factores que interessem de uma forma cabal.
25. Tudo exposto, pede ao Ex.mo Sr. Secretário para revogar o acto recorrido”
- Foi prestada a seguinte informação emitida pelo Director:
“Ex. Mo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças,
Apesar das explicações por escrito apresentadas pelo requerente, estas não se mostram suficientes para sustentar o seu pedido. Outrossim, tendo em conta que:
1. Segundo os arquivos da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, há locais qualificados que estão a arranjar emprego do tipo e o requerente anda a tentar encontrar pessoal através da Direcção;
2. No caso específico de requerente, considerando a dimensão do seu escritório bem como o facto de ele já ter empregados locais, foram-lhe concedidas duas vagas para empregados não residentes com vista a os dois prestarem apoio aos trabalhos, propõe-se que se mantenha a decisão do despacho anterior.
Nestes termos, pede deferimento.
(Rubrica: vide o original)
O Director
Aos 24 de Dezembro de 2011”
- Em 26/10/2011 o Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças proferiu o seguinte despacho:
“Concordo com a proposta” (fls. 6, do p.a.).
***
IV- O Direito
1- O caso dos autos
A recorrente, dizendo ver-se a braços com dificuldades em recrutar trabalhadores locais para fazer face às necessidades de empregados para a sua empresa, pediu a importação de seis1 trabalhadores não residentes.
O despacho impugnado, praticado em sede de recurso hierárquico, manteve o indeferimento da pretensão decidido pelo Coordenador do Gabinete para os Recursos Humanos em 29/07/2011.
Os fundamentos para a decisão, essencialmente, baseiam-se no facto de:
a) Existirem trabalhadores residentes à procura de emprego do tipo daqueles que a recorrente pretendia oferecer;
b) Ter sido já autorizada à interessada a contratação de dois trabalhadores não residentes e não reunir ela mais condições para obter alargamento de quota para recrutamento de trabalhadores não residentes, face à dimensão do seu estabelecimento e à actual situação de contratação de trabalhadores residentes.
A recorrente não se conforma com o acto sindicado, acometendo-lhe dois vícios:
1º - Violação de lei, por errada interpretação dos arts. 2º, nº 8 e 8º da Lei nº 21/2009;
2º - Erro sobre os pressupostos de facto.
*
2- Apreciando
2.1 – Da violação de lei
O art. 2º da Lei nº 21/2009, de 27/10, dispõe do seguinte modo:
“A contratação de trabalhadores não residentes está sujeita aos seguintes princípios:
(…)
8) Especificidade – a contratação de trabalhadores não residentes tem em consideração a especificidade de cada sector de actividade económica ou categoria profissional, consoante as necessidades do mercado, a conjuntura económica e as tendências de crescimento sectoriais”.
E o art. 8º da mesma Lei, com a epígrafe «critérios de concessão da autorização», textua como segue:
“A autorização de contratação de trabalhadores não residentes depende da verificação do respeito pelos princípios enunciados no artigo 2.º e tem em conta os seguintes factores:
1) A disponibilidade de trabalhadores residentes para o exercício das mesmas funções em condições de igualdade de custos e de eficiência e as diligências efectuadas pelo empregador para os contratar;
2) As necessidades do mercado de trabalho e dos diversos sectores da economia da RAEM;
3) A aptidão física e a adequação da formação e experiência profissionais do trabalhador ao posto de trabalho;
4) As condições de trabalho garantidas ao trabalhador;
5) A capacidade económica do empregador requerente para assegurar o cumprimento das suas obrigações relativamente ao trabalhador”.
Para se concluir que a concatenação dos dois artigos legais nos fornece a indicação precisa de que a actividade administrativa de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes é discricionária, não é necessário hercúleo esforço.
E assim é que, para poder indeferir uma pretensão como aquela, basta que, na análise que a entidade administrativa fizer de cada caso, chegue à conclusão de que “as necessidades do mercado de trabalho” (art. 8º, al.2)) não justifiquem a contratação ou que a “capacidade económica do empregador” não assegure o cumprimento das suas obrigações. Trata-se de uma observação subjectiva que requer uma interpretação dos conceitos ali patentes e que revela a possibilidade de decisão plúrima, circunstância que inibe a sindicância pelo tribunal do acto praticado em concreto e em cada momento, salvo em casos de erro tosco e manifesto pelo administrador na escolha da solução administrativa escolhida.
Mas não é tudo. A montante da própria observação dos “factores” ou dos “critérios de concessão da autorização” estabelecidos no art. 8º, ergue-se no ar, como um manto de luz, um conjunto de predefinições de normas padronizadas em princípios2, que não podem deixar de encorpar a decisão administrativa ante cada caso particular. Ora, um deles, precisamente o previsto no art. 2º, al. 8), embora vincule a Administração a apreciar a “especificidade de cada sector de actividade ou categoria profissional”, deixa-a imune à sindicância judicial nas decisões que nesse âmbito tomar quando as relaciona com as “necessidades do mercado, a conjuntura económica e as tendências de crescimento sectoriais”. Isto é, a apreciação feita pelo administrador em circunstâncias destas, mesmo que a responsabilize em termos económicos e sociais, acaba por ser parte de uma actividade que se insere no reduto da sua competência político-administrativa, cuja responsabilidade o tribunal não pode querer para si. Interpretar e densificar estes conceitos indeterminados obriga a juízos administrativos de prognose sobre o desenvolvimento futuro de cada actividade económica, coisa que, como é sabido, geralmente escapa ao poder judicial3.
Ora, como pode o tribunal dizer que a decisão aqui sindicada padece de erro grosseiro, se o que está em causa é precisamente o exame das condições do mercado de trabalho, da apreciação das condições do exercício da actividade comercial da requerente, da análise da conjuntura económica actual e da sua projecção para o futuro?! Que dados tem o tribunal para se não vergar ao peso do juízo político-enomómico-social, quase de carácter técnico, feito pela entidade competente sobre este assunto?!
Para além disso, ou sem prejuízo disso, e tal como este TSI já o afirmou, também pensamos que este é um campo igual àqueles em que a actividade da Administração se caracteriza, portanto, por uma larga margem de livre apreciação ou determinação, em que o legislador lhe reserva o direito de escolher a melhor, a mais conveniente e mais oportuna opção em cada caso. Vale dizer que a sua actividade é, neste domínio, de valor eminentemente discricionário4, embora pontuado por regras de vinculação e por conceitos jurídicos indeterminados, e, assim, dificilmente avaliável do ponto de vista substantivo, salvo nos referidos casos de manifesto erro5.
Estamos em parte de acordo com as alegadas preocupações da recorrente, e até mesmo a elas sensíveis, quando chama à atenção para as dificuldades de contratação de trabalhadores locais por valores remuneratórios razoáveis, perante o apelo de determinadas actividades ligadas ao jogo, mais apelativas do ponto de vista salarial. Todavia, nas políticas de emprego e de protecção à empregabilidade local dos seus residentes que o executivo empreende, este move-se por razões e critérios que não coincidem necessariamente com os objectivos dos empresários, tal como por este mesmo TSI foi já afirmado6. Isso compreendemos muito bem e não há forma como interferir no seu domínio de acção, em respeito pelo princípio da separação de poderes.
Assim, não podemos concordar com a posição da recorrente a propósito do vício invocado de violação dos arts. 2º, nº8 e 8º da Lei nº 21/2009, com tradução na sua alegadamente errada interpretação e na pretensa violação do princípio da especificidade.
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2.2- Do erro nos pressupostos de facto
Quanto a este aspecto, a recorrente parece querer dizer que dois trabalhadores não residentes cuja contratação havia sido já autorizada são insuficientes, face à quantidade de trabalho quotidiano que deles é exigido.
O que agora releva é uma matéria de facto que a recorrente torna no alvo da sua atenção crítica. Mas o problema, ainda assim, apresenta contornos que dificilmente merecem o acolhimento por que a recorrente suspira. Efectivamente, uma coisa é o eventual reconhecimento de uma actividade económica em expansão, causa provável de regozijo para a recorrente, outra é a necessidade de reforço na contratação, motivo que ninguém contesta, nem é fundamento questionado no acto.
Se bem atentarmos nos fundamentos do acto, em lado nenhum dele foi dito que a recorrente não carece de mais empregados. Aliás, essa seria uma afirmação temerária, porque a iniciativa privada é a dona do seu próprio sentimento a respeito do que sejam em cada momento as suas necessidades a prover, nomeadamente em sede de contratação de empregados. O que está em causa no acto é a prognose expressa a propósito da falta de condições (da inconveniência, bem entendido) na contratação de mais trabalhadores não residentes, para além dos dois já autorizados, face à dimensão do estabelecimento da recorrente e à actual situação de contratação de trabalhadores residentes. Este acervo de fundamentos coloca a tónica na não contratação de trabalhadores não residentes, correlacionando-a com a necessidade de dar prioridade em contratar trabalhadores locais. Está ali, uma vez mais, patente a preocupação da Administração em promover políticas públicas de emprego dos seus residentes e não em travar o desenvolvimento da actividade económica e privada da recorrente.
Ora, a ser assim, o que importaria era a demonstração de que não há trabalhadores locais para satisfazer a procura por parte da recorrente. Contudo, nem ela mesma se dignou oferecer prova na petição inicial sobre isso (prova testemunhal, por exemplo), nem a causa de pedir por si desenhada nesse articulado suporta a sua tese. Efectivamente, de acordo com o seu traço, não é propriamente a falta de pessoal local que a levou ao pedido de recrutamento de trabalhadores não residentes, mas sim a perda de interesse dos trabalhadores locais em aceitarem a sua oferta de emprego face aos salários que ela lhes propunha (ver, v.g., art. 7º, 19, 20º a 25º, da p.i.).
Ou seja, há trabalhadores locais; o que parece, segundo as suas próprias palavras, é não haver trabalhadores locais que se conformem com a remuneração que lhes era oferecida. Isso, todavia, é já uma questão que contende com outro tipo de políticas concretas que se relacionam directamente com o modelo liberal vigente e que obriga os agentes económicos a centrar a sua atenção na gestão que lhes for mais criteriosa e útil aos seus fins empresariais. O empresário deve retirar o melhor que o modelo de mercado lhes proporcionar, embora tenha que suportar alguma desvantagem que dele pontualmente derive. Ora, se a Administração visa, em primeiro lugar, acudir à população residente, será nesse campo de recrutamento que a recorrente, como qualquer outro agente económico, deve procurar preencher o seu quadro laboral, aceitando a economia de mercado e os benefícios e custos do jogo da oferta e da procura, mesmo que isso, num dado instante, signifique algum esforço extra no seu plano financeiro e de tesouraria.
Para dizer, em suma, que a necessidade na contratação não local que a recorrente invoca assenta num aparente falso silogismo. Não parece que seja uma necessidade absoluta para suprir carências de empregados; será talvez, antes, uma necessidade relativa para fugir a custos.
Mas, como o que está em causa é uma alegada necessidade de contratação de trabalhadores não residentes, a situação descrita não preenche o vício de erro nos pressupostos de facto invocado. Para infirmar esta conclusão deveria a recorrente trazer prova aos autos no sentido de demonstrar pelos meios possíveis (documentais, testemunhais, etc.) tudo ter feito para contratar residentes e não o ter conseguido sem qualquer culpa sua. Mas quanto a isso nenhuma prova ofereceu a recorrente7.
Improcede, pois, o referido vício.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto impugnado.
Custas pela recorrente, com imposto de justiça em 4 UC.
TSI, 29 / 11 / 2012
Presente José Cândido de Pinho
Vítor Coelho Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 Dois “empregados de limpeza”; dois “auxiliares” e dois “escriturários responsáveis pelas diligências externas”.
2 Sobre princípios e regras, vide, v.g., J. J. Gomes CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000.
3 Sobre a problemática dos juízos de prognose e da sua sindicabilidade, ver Ac. do TSI de 17/10/2012, Proc. nº 127/2012.
4 Como flagrante é o exemplo de revogação das autorizações que “podem ser revogadas em qualquer momento” (discricionariedade) embora com fundamento em “razões ponderosas de interesse público” (conceito indeterminado), nos termos do art. 13º, nº 1, da referida lei.
5 Neste sentido, Acs. do TSI de 31/01/2002, Proc. nº 171/2001; de 20/03/2003, Proc. nº 18/2002; de 27/03/2003, Proc. nº 106/2003; de 3/07/2003, Proc. nº 40/2001.
6 Ac. citado de 3/07/2003, Proc. nº 40/2001.
7 Situação semelhante aconteceu com o caso tratado no Ac. deste TSI de 6/10/2005, Proc. nº 133/2005.
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