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Processo nº 707/2012 Data: 22.11.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Contravenção laboral.
Contradição insanável da fundamentação.
Alteração substancial dos factos.
Alteração de qualificação jurídica.
Contraditório.
Nulidade.



SUMÁRIO

1. Ocorre contradição insanável da fundamentação quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.

O vício em questão pressupõe uma relação entre duas ideias, dois juízos ou dois conceitos que afirmam ou negam o mesmo objecto, ou um elemento do objecto de conhecimento. Como princípio do conhecimento, a contradição é um princípio ontológico cuja compreensão se resume na máxima «é impossível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto».

2. A diversa qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido não constitui “alteração dos factos”, sujeita ao regime dos art°s 339° e 340° do C.P.P.M..

3. O Tribunal pode efectuar uma diversa qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido, devendo, por aplicação analógica do art. 399° do C.P.P.M., observar previamente o contraditório, sob pena de incorrer em nulidade.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 707/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença do T.J.B. decidiu-se condenar a SOCIEDADE VENETIAN MACAU, S.A.:
- pela prática de uma transgressão laboral, p.p. pelos artº 10º, al. 1) e artº 85º, nº 1, al. 2) da Lei nº 7/2008 - Lei das Relações de Trabalho (opor-se a que o trabalhador exerça os seus direitos) na pena de multa de vinte e três mil patacas (MOP23.000).
- pela prática de uma transgressão laboral, p.p. pelos artº 49º e artº 85º, nº 2, al. 2) da Lei nº 7/2008 (violação do direito a férias) na pena de multa de doze mil patacas (MOP12.000).
- em cúmulo jurídico, na pena única de multa no valor de trinta e cinco mil patacas (MOP35.000).
- mais condena a infractora Sociedade Venetian Macau, S.A. a pagar a A uma quantia no valor de trinta e uma mil e cento e treze patacas (MOP31.113,00), acrescida de juros legais, a contar da data do trânsito em julgado desta decisão até ao integral pagamento; (cfr., fls. 323 a 323-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformada, a arguida recorreu.
Motivou para concluir nos termos seguintes:

“1.° A Acusação encontra-se ferida das seguintes nulidades:

(i) a falta de inquérito por omissão da descrição na Acusação de todos os elementos que levaram a que a DSAL subsumisse a conduta da Venetian, ao artigo 85.° n.° 1, alínea 2) da LRT, nos termos do disposto no artigo 106.°, alínea d) do CPP (aplicável por remissão do artigo 89.° CPT); e
(ii) a violação do direito de defesa da Venetian porque tal omissão impediu que a Arguida se pronunciasse sobre a globalidade da Acusação, designadamente quanto aos elementos subjectivos do tipo contravencional, direito que está consagrado no artigo 50.° n.° 1, alínea b) do CPP) e no artigo 29.° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China.
Assim sendo, deve a Acusação ser considerada nula com tais fundamentos.
2.° O Tribunal a quo - à semelhança da Acusação - não fundamenta as conclusões a que chegou quanto ao elemento subjectivo da (suposta) subsunção da conduta da Arguida à prática dos ilícitos contravencionais que lhe são imputadas na Sentença Recorrida, limitando-se a estabelecer uma multa no valor global de 35.000,00 MOP, sem mais.
Porém, quais sejam tais detalhes concretos da conduta supostamente ilícita, o grau de responsabilidade da Arguida ou, sequer, a capacidade económica da Venetian - todos elementos cumulativos de que dependia a condenação da Arguida - a Sentença Recorrida nada esclarece ...
Não se clarifica se as (pretensas) contravenções teriam sido praticadas a título doloso ou meramente negligente ou, tão pouco, qual o grau de culpa da ora Recorrente, elementos essenciais à conclusão da operação de subsunção dos factos ao Direito aplicável.
3.° A Acusação imputou à Venetian a prática de duas contravenções laborais por (suposta) diminuição indirecta da remuneração de base do trabalhador prevista e punida pelo disposto no artigo 85.° n.° 1, alínea 2) da LRT.
4.° O Tribunal veio efectivamente a condenar a Venetian pela prática de duas contravenções:
(i) por se ter oposto ao exercício do (suposto) direito do trabalhador A a gozar o intervalo de descanso dentro do período normal de trabalho de 8 horas diárias, em (suposta) violação do disposto no artigo 10.° alínea 1) da LRT; e
(ii) por (supostamente) ter negado o direito do trabalhador ao descanso, em (alegada) violação do disposto no artigo 49.° da LRT.

5. ° É face à acusação e após conhecer o seu teor (os factos aí descritos e respectiva qualificação jurídica) que o arguido está em condições de exercer o direito de defesa que lhe assiste no âmbito do processo de natureza sancionatória (como é o caso do processo contravencional), direito que se encontra consagrado quer na legislação processual penal (artigo 50.° n.° 1, alínea b) do CPP), quer pela Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (vide artigo 29.°).
6.° Exigia-se à acusação - ao Ministério Público - que, antes da fase de julgamento, descrevesse toda a factualidade relevante que lhe permitiu concluir pela verificação não só dos pressupostos específicos previstos no artigo 85.° n. ° 2, alínea 2) da LRT, mas também dos pressupostos gerais de que depende a imputação da prática de um novo ilícito contravencional: tipicidade, ilicitude, culpa e punibilidade - o que o Ministério Público não fez.
7.° A contravenção não é um ilícito punido a título de responsabilidade objectiva, requer a verificação de elemento subjectivo na modalidade de dolo ou negligência, não podendo esta pressupor-se mas antes exigindo a respectiva comprovação em sede de prova dos factos constitutivos do ilícito, mediante a demonstração de que o arguido violou intencionalmente disposições legais ou direitos de terceiros ou que não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado.
8.° A omissão da descrição de todos os elementos que levaram a que o Tribunal a quo subsumisse a conduta do Recorrente ao artigo 85.0 n.° 1, alínea 2) e n.° 2, alínea 2) da LRT resulta numa manifesta falta de fundamentação da Sentença Recorrida, nulidade insanável nos termos do disposto nos artigos 360.°, alínea a) e 355.° n.° 2, ambos do CPP, aplicáveis por remissão do artigo 89.° do CPT.
9.° Na medida em que o Tribunal a quo inviabilizou a possibilidade de apresentação de uma defesa plena por parte da Arguida, a Sentença Recorrida é nula por violação inaceitável do direi to de defesa da Venetian, consagrado no artigo 50.° n.° 1, alínea b) do CPP) e no artigo 29.° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China.
10.° A Sentença Recorrida é, ainda, nula nos termos do disposto no artigo 360.°, alínea b) do CPP, na medida em que condena a Arguida por factos (jurídicos) não descritos na acusação (i.e., o Auto de Notícia, de acordo com o disposto no artigo 91.° n.° 4 do CPT e artigo 383.° n.°2 do CPP).
11.° Ainda que assim não se entendesse, - o que apenas se alega por mero dever de patrocínio e sem conceder -, sempre se dirá que, em qualquer caso, nunca poderá ser imputada à Venetian, a prática de qualquer contravenção laboral.
12.° Quanto à oposição ao exercício pelo trabalhador do seu (suposto) direito a gozar o intervalo para descanso/refeição dentro do período normal de trabalho, em virtude da “alteração” ao Guia de Benefícios de 26.12.2006, efectuada em 03.08.2007, decorre da factualidade demonstrada que o período normal de trabalho do trabalhador não sofreu qualquer alteração desde o início da sua prestação de actividade até ao seu termo, nunca tendo ultrapassado as 48 horas de trabalho semanal contratualizadas.
Não se tendo alterado o período normal de trabalho do trabalhador ao longo de toda a duração da respectiva relação laboral com a Venetian (no período relevante), não se vislumbra em que medida poderia existir qualquer alteração (designadamente desfavorável) das condições de trabalho do trabalhador reclamante.
13.° Acresce considerar que - ao contrário do entendimento expresso na Sentença Recorrida - o Guia de Benefícios elaborado para o Venetian, datado de 03.08.2007, em nada alterou a organização do período de trabalho do trabalhador reclamante.
14.° Face à prova constante dos autos e salvo o devido respeito, deveria o Tribunal a quo ter considerado demonstrado que, relativamente aos trabalhadores da ora Recorrente e, designadamente ao trabalhador reclamante, nunca o intervalo para descanso/refeição esteve incluído no período normal de trabalho.
15.° E, na medida em que o trabalhador reclamante podia gozar livremente o intervalo para refeição, podendo sair incondicionalmente das instalações da ora Recorrente, este período deverá ter-se por excluído do período normal de trabalho à luz do disposto no artigo 33. ° n.° 4 da LRT, a contrario.
16.° Deveria, pois, o Tribunal a quo ter-se abstido de dar como provados os factos elencados nos parágrafos segundo a quarto da sentença Recorrida (cfr. pág. 2) por falta de fundamentação, devendo, em consequência, a Sentença Recorrida ser declarada nula nessa parte, à luz do disposto no artigo 360.°, alínea a) e 355.° n.° 2, ambos do CPP, aplicáveis por remissão do artigo 89.° do Código de Processo do Trabalho.
17.° O Tribunal a quo parece basear todas as conclusões constantes da Sentença Recorrida num equívoco essencial: o de que teria de existir um Guia de Benefícios em vigor à data da contratação do trabalhador A.
18.° Segundo o disposto no artigo 1.° n.° 1 do DL 24/89/M, "(a) contratação relativa a relações de trabalho entre empregadores directos e trabalhadores residentes é livre, sem prejuízo da observância dos condicionalismos mínimos que se encontram estabelecidos na lei, ou resultem de normas convencionais livremente aceites pelos respectivos representantes associativos, de regulamentos de empresa ou de usos e costumes geralmente praticado."
E, nos termos do artigo 14.° da LRT, "(o)s empregadores e trabalhadores podem celebrar livremente contratos de trabalho reguladores das condições de trabalho, sem prejuízo do disposto nos números seguintes".
Ou seja, dentro dos limites previstos por disposições imperativas da lei, empregador e trabalhador são livres de fixar o conteúdo do contrato de trabalho, que é auto-suficiente no que concerne à regulação da relação laboral - o que ocorreu com A.
19.° De resto, resulta da cláusula 12.a do contrato de trabalho em questão que "(o) s detalhes dos programas de benefício estão descritos no Team Member Handbook e materiais semelhantes, que lhe serão facultados" (tradução nossa), documento distinto do Guia de Benefícios da empresa.
20.° Estando assente que o trabalhador sempre prestou 48 horas de trabalho semanal efectivo e que o intervalo de descanso/refeição não estava incluído no respectivo período normal de trabalho, não há lugar ao pagamento de qualquer montante ao trabalhador.
Com efeito, de acordo com as disposições legais e contratuais aplicáveis (cfr. artigo 2.°, alínea e) do Decreto-Lei n. ° 24/89/M, de 03.04 e cláusula 8. a alínea b) do contrato de trabalho junto aos autos), apenas o trabalho que fosse prestado para além do seu período normal de trabalho - i.e., das 48 horas semanais - poderia ser considerado e não ficou demonstrado que o trabalhador tenha, alguma vez, prestado actividade não compensada para além deste limite.
21.° Deve, pois, concluir-se que nunca foram as condições de trabalho do trabalhador A alteradas desfavorave1mente conforme descrito na Sentença Recorrida, pelo que deverá a mesma ser declarada nula e substituída por outra de absolvição da Arguida, sob pena de violação do "disposto nos artigos 10. °, alínea 1) e 85.° n.° 1, 2), ambos da LRT, e 360.°, alínea a) e 355.° n.° 2, ambos do CPP, aplicáveis ex vi do artigo 89.° do CPT.
22.° E quanto à (suposta) negação do direi to ao descanso do trabalhador reclamante, a possibilidade de conversão de 6 faltas anuais por doença remuneradas em dias de férias remunerados a gozar no ano civil seguinte encontrava-se prevista, como um bónus ou prémio a atribuir aos trabalhadores pela sua assiduidade, no Sands Team Member Handbook, manual preparado unilateralmente pela Arguida e que constitui suporte distinto do contrato de trabalho, pelo que, desde logo, não se encontrava a Venetian impedida de rever os benefícios atribuídos por esta via aos seus trabalhadores.
23.° Ao alterar o Team Member Handbook no sentido de que aquelas 6 faltas anuais por doença ou acidente remuneradas que não fossem gozadas no ano civil a que dissessem respeito, acumulassem até um máximo de 60 dias remunerados, a ser gozados em caso de hospitalização do trabalhador, a Arguida limitou-se a rever os benefícios atribuídos unilateralmente ao seu pessoal, fora do âmbito dos termos convencionados com cada trabalhador.
24.° A simples alteração do benefício unilateralmente atribuído ao trabalhador não constitui uma revogação do benefício, não podendo, em qualquer caso, ser considerada como qualquer negação, ainda que 'parcial, do direito dos trabalhadores ao descanso, na precisa medida em que o benefício se mantém tendo apenas sido alteradas as condições em que o mesmo poderá ser gozado pelos trabalhadores: de dias de férias remunerados para dias de baixa com hospitalização remunerados.
25.° Face ao exposto, é de concluir que a Arguida nunca negou o direito do trabalhador reclamante ao gozo do período de descanso anual, o qual se encontra expressa e exclusivamente definido no respectivo contrato de trabalho, sendo inaplicável in casu o disposto conjugadamente nos artigos 85.° n.° 2, alínea 2) e 49.°, ambos da LRT.
26.° Deveria, ainda, o Tribunal a quo ter-se abstido de referir que a Arguida agiu livre, voluntária e conscientemente uma vez que nenhum elemento probatório de ponderação foi indicado para sustentar tal conclusão, encontrando-se a Sentença Recorrida ferida de falta de fundamentação, devendo, em consequência, ser declarada nula nessa parte, à luz do disposto no artigo 360.°, alínea a) e 355.° n.° 2, ambos do CPP, aplicáveis por remissão do artigo 89.° do CPT”; (cfr., fls. 332 a 347-v).

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Também o Exmo. Magistrado do Ministério Público discordou do decidido, tendo também interposto recurso, onde, em sede de motivação produziu as seguintes conclusões:

“1. Não concordamos com as decisões do Tribunal a quo: 1. a infractora Venetian Macau, S.A., praticou uma transgressão laboral (opor-se a que o trabalhar exerça os seus direitos) p.p. pelo art.º 85.º n.º 1 e art.º 10.º al. 1) da Lei n.º 7/2008 - Lei das Relações de Trabalho; 2. deve a infractora pagar ao trabalhador A a quantia no valor de MOP$ 31.113,00 (trinta e um mil, cento e treze patacas).
2. Entende que padece do vício previsto no art.º 400.º n.º 1 do Código de Processo Penal, ao mesmo tempo, viola os dispostos do art.º 10.º al.s 1) e 5) da Lei n.º 7/2008 - Lei das Relações de Trabalho, bem como padece do vício de contradição insanável da fundamentação previsto no art.º 400.º n.º 2 al. b) do Código de Processo Penal.
3. O Tribunal a quo entende que a empregadora se opôs a que o trabalhador exercesse o seu direito a almoçar durante o período de trabalho de 8 horas acordado no contrato, este trabalhador podia almoçar durante o período de trabalho de 8 horas mas passou a almoçar no seu tempo particular. Pelo exposto, a empregadora praticou uma transgressão laboral (opor-se a que o trabalhador exerça os seus direitos) p.p. pelos artº 10º, al. 1) e artº 85º, nº 1, al. 2) da Lei nº 7/2008 - Lei das Relações de Trabalho.
4. Contudo, desde entrada no cargo, este trabalhador trabalhava conforme a escala de serviço de 9 horas, nas quais uma hora de almoço. Apenas essa hora de tomar almoço é remunerada conforme a Orientação sobre Regalias de Trabalhadores do ano de 2006, enquanto não é remunerada conforme a Orientação do ano de 2007.
5. Portanto, a empregadora não se opôs a que esse trabalhador tomasse almoço, mas sim não fixou o horário de serviço conforme as cláusulas do contrato desde entrada no cargo desse trabalhador, e considerou o horário por turnos de 9 horas como horário de trabalho de 8 horas para calcular, diminuindo a remuneração de base de cada unidade de serviço prestado (por exemplo: hora) por esse trabalhador. Deve aplicar o disposto do art.º 10.º al. 5) da Lei das Relações de Trabalho, Lei n.º 7/2008: diminuir a remuneração de base do trabalhador.
6. Sendo assim, o Tribunal a quo violou os dispostos do art.º 10.º al.s 1) e 5) da Lei n.º 7/2008 - Lei das Relações de Trabalho.
7. O Tribunal a quo entende, por um lado, que a parte empregadora concedia uma hora para os trabalhadores tomarem almoço, por outro lado, entende que é necessário 30 minutos, pelo menos, para tomar uma refeição, pelo que tomou o tempo de 30 minutos como critério de cálculo de indemnização.
8. Prestamos respeito às opiniões do Tribunal a quo, mas não concordamos com isso.
9. Em primeiro lugar, segundo a antiga Orientação sobre Regalias de Trabalhadores do ano de 2006 constante dos autos, “a duração do trabalho dos trabalhadores da categoria F era de 48 horas semanais e 8 horas diárias (incluindo hora de almoço)”, a hora de almoço era incluída no tempo de trabalho diário de 8 horas e a parte empregadora fixou uma hora para almoçar, quer dizer, essa hora de almoço era incluída no tempo de trabalho diário de 8 horas, portanto, segundo as cláusulas do contrato, essa hora não se serve para trabalhar mas pode ser incluída nas horas de serviço. Sendo assim, essa hora de almoço foi admitida e é uma cláusula de regalia que o trabalhador pode receber retribuição nessa uma hora.
10. Em segundo lugar, é uma hora por dia que a parte empregadora concedia aos trabalhadores para tomarem almoço. Se essa uma hora de almoço já foi verificada, o Tribunal não pode fixar 30 minutos, pelo menos, como hora de almoço e critério de cálculo de indemnização.
11. Em terceiro lugar, uma hora por dia para tomar almoço é uma regalia dada pela parte empregadora aos seus trabalhadores, ficando no âmbito disponível das partes e não violando as normas imperativas que é uma declaração válida emitida pela parte empregadora. Desde primeiro dia de trabalho, o trabalhador, conforme a disposição da parte empregadora, já começou a gozar de uma hora, nem mais nem menos, para tomar almoço por dia, isso mostra que essa declaração foi aceite pelo trabalhador. Em seguida, a regra de uma hora de almoço diária era executada material e repetidamente a longo prazo. Portanto, mesmo que essa regra não seja fixada por escrito, era uma regalia dada pela parte empregadora ao trabalhador e era executada constante e repetidamente, já constituindo direito e dever na relação laboral entre as duas partes. Portanto, o Tribunal a quo não pode alterar, segundo as circunstâncias comuns, a declaração da parte dos autos e diminuir o direito já obtido pelo empregado.
12. Sendo assim, o Tribunal a quo, por um lado, entende que a empregadora concedia uma hora de almoço diária aos seus trabalhadores, por outro lado, tomou o tempo de 30 minutos como critério de cálculo da indemnização. Esta decisão padece do vício de contradição insanável da fundamentação previsto no art.º 400.º n.º 2 al. b) do Código de Processo Penal.
13. O Tribunal a quo deve tomar uma hora como critério de cálculo da indemnização, ao mesmo tempo, o tempo de serviço desse trabalhador fixado pela parte empregadora já excede 8 horas por dia, pelo que essa uma hora deve ser compensada como trabalho extraordinário”; (cfr., fls. 348 a 353).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Da douta sentença de fls.218 a 223 verso dos autos, emergiram-se dois recursos, interpostos respectivamente pela arguida «VENETIAN Macau, S.A.» e pelo M.°P.°.
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1. Do recurso da arguida/recorrente
1.1. Na Motivação do recurso (fls.332 a 347 verso), a arguida/recorrente arguiu, em primeiro lugar, a nulidade da Acusação, alegadamente derivada da "falta de inquérito" por omissão na Acusação da descrição de todos os elementos e, ainda, da violação do direito de defesa.
Sem prejuízo do respeito pela opinião, afigura-se-nos que se trata dum argumento desprovido de qualquer sentido.
Repare-se que logo no início da audiência de julgamento ocorrida em 03/05/2012, a Exma. colega junto do Tribunal a quo requereu aditar, à Acusação deduzida mediante a conversão do Auto de Notícia (cfr. fls.287 dos autos), dois factos, a saber: 1) 餘下未使用之病假資方未有將之轉換為年假准許員工享用,亦沒有給予金錢補償; 2)資方在自由、自願及有意識情況下作出上述行為,且清楚知道其行為是法律所禁止的.
Tendo ouvido o ilustre mandatário da arguida/recorrente, a Mesma. Juiz a quo despachou: 1) 由於辯護律師要求時間就檢察官之申請作出準備,現根據澳門«刑事訴訟法典» 第339條規定給予十天時間,即埸將答辯狀退回辯護律師。2) 將本庭審改期至2012年5月24日,下午04時00分進行。
Vê-se que com aqueles aditamentos, a Acusação adquiriu a descrição do elemento subjectivo das contravenções nas quais a arguida veio a ser condenadas, e que a Mema. Juiz a quo lhe concedeu prazo de 10 dias para organizar a defesa.
E, a natureza contravencional do processo in casu toma impossível que a "omissão" invocada pela recorrente integre na «falta de inquérito» prevista na d) do art.l06° do CPP, como a boa doutrina inculca, a qual é privativa do processo comum e exige a falta absoluta do acto (José da Costa Pimenta: Código de Processo Penal Anotado, Lisboa, p.380).
No ordenamento jurídico de Macau, o preceito nos arts.265° e 266° do CPP revela que a Acusação não define a situação jurídica de qualquer arguido, apesar de o juiz do julgamento, ao contrário do que acontecia no domínio do CPP11929, não poder ordenar diligências complementares de prova ou convidar o M.O P.O a reformar a acusação (Manuel Leal-Henriques e Manuel Sima-Santos: Código de Processo Penal de Macau. Macau 1997, pp.586).
Em conformidade com o princípio do contraditório, o direito de defesa reconhecido pelo legislador ao arguido no processo penal destina-se a defender da Acusação, pelo que deve ser exercido perante o Juiz e na fase de Julgamento.
Sendo assim e ao abrigo do princípio de in dubio pro reu, não nos parece possível que o direito de defesa de arguido possa ser lesado por omissão, insuficiência, imprecisão ou inexactidão da "narração" exigida na b) do n.o3 do art.265° do CPP.
Tudo isto implica a insubsistência da 1ª Conclusão formulada na Motivação do recurso em apreço.
1.2. Quanto à sentença em questão, a recorrente invocou nulidade resultante da falta de fundamentação traduzida em não referir o elemento subjectivo e, em consequência, da violação do direito de defesa (as 23 a 93 conclusões), e ainda falta de fundamentação respeitante ao elemento subjectivo (a 263 conclusão).
No entanto, a própria sentença recorrida mostra, de forma nítida e incontestável, que a Mema. Juiz a quo deu por provado o facto de que a arguida agiu livre, consciente e voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta é proibida por lei (違法者在自由、自願及有意識情的況下作出上述行為,且清楚知道其行為是法律所禁止的).
Tal menção expressa e propositada sobre o elemento subjectivo da arguida toma manifestamente inviáveis as 2ª a 9ª e 26ª conclusões.
Vale apontar que bem vistos, os argumentos aduzidos nas 2ª a 9ª conclusões estão em confrontal contradição com o na 26a conclusão.
1.3. Na sentença em crise, a Mema. Juiz a quo esclareceu concisamente: 二) 本法庭詳細分析及考慮卷宗所載之書證,以及在庭上證人的證言而對事實作出判斷。
Importa notar que uma sentença se mostra fundamentada quando se revela o procedimento lógico seguido pelo Tribunal na formação da decisão, confrontando-a com o seu acerto e segurança, permitindo-se assim dar a conhecer as razões que levaram à decisão do juiz e sindicar o juízo que foi feito pelo julgador. (Acórdão do TSI no Processo n.°225/2006)
Daí se possa compreender que a nulidade da sentença por falta de fundamento de facto e direito só se verifica na ausência total de fundamentação; se se tiver por deficiente ou incompleta não há nulidade. (Acórdãos do TSI e do TUI, nos Processos respectivamente n.°662/2009 e n.°1/2012)
E, O Venerando TUI vem consolidando duas jurisprudências: Em primeiro lugar, a extensão e o conteúdo da motivação são função das circunstâncias específicas do caso concreto, nomeadamente da natureza e complexidade do processo; e em segundo, não há norma processual que exige que o julgador exponha pormenorizada e completamente todo o raciocínio lógico ou indique os meios de prova que se encontram na base da sua convicção de dar como provado ou não provado um determinado facto, nem a apreciação crítica das provas em ordem a permitir a sua apreciação pelo tribunal de recurso, sem prejuízo, naturalmente, de maior desenvolvimento quando o julgador entenda fazer.
Em esteira das ponderadas jurisprudências supra referida, podemos crer que são descabidas as 11ª a 16ª e 26ª conclusões.
1.4. Ora, militam-se nos autos suficientes provas que demonstram seguramente seguintes factos:
其後,資方單方面且在沒有取得員工的同意下,於2007年8月3日更新相關員工褔利指引,將工作時數“每星期48小時(包括用膳時間)”,改為“每星期48小時”,資方安排員工每日工作8小時及用膳時間1小時,但資方依舊給予原訂立之基本工資。
……
另外,根據員工入職條件,詳見員工手冊第三章第6條(見第170頁),“員工的有薪病假為每年6日,於年內未使用之有薪病假,可於年終作為年假使用”。
員工李洛夫在2009年度及2010年度分別享受了1天及5天的有薪病假;然而,違法者沒有將員工A未享受的病假轉換為年假准許員工享用,亦沒有給予金錢補償。
Sendo assim, não podem deixar de ser insubsistentes os argumentos expendidos nas 17ª a 21ª conclusões,
1.5. Sem prejuízo do respeito pela opinião diferente, divisamos que não existe a condenação da arguida/recorrida por factos (jurídicos) não descritos na acusação, pelo que não se vislumbra a alteração substancial dos factos.
Contudo, afigura-se-nos que no caso sub judice, surge a alteração da qualificação jurídica, por as duas contravenções nas quais a arguida foi condenadas serem diversas das acusadas. E, não se encontra que a Mema. Juiz a quo procedesse à prévia comunicação de tal alteração.
Em harmonia com as jurisprudências reiteradamente propugnadas pelo Venerando TUI (vide. por ex., Acórdãos decretados nos Processos n.°8/2001, n.°6/2003 e n.°11/2003), parece-nos que a douta sentença recorrida fere da nulidade nos termos da alínea b )do art.360° do CPP, por não observar o preceituado no art.339° do mesmo diploma legal.
1.6. Bem, as 22ª-25ª conclusões concernem à douta sentença recorrida apenas na parte respeitante a possibilidade de conversão dos 6 dias de faltas anuais por doença remuneradas em dias de férias remunerados a gozar no ano civil seguinte
Neste ponto, basta-nos, para todos os devidos efeitos, sufragar inteiramente as criteriosas e equilibradas explanações da Exma. Colega na Resposta (fls.356 a 360 verso), no sentido de ofender o direito a férias anuais de trabalhadores a alteração unilateral pela arguida daquela possibilidade de conversão, sem devida compensação.
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2. Do recurso do M.oP.o
2.1. Na motivação (fls.348 a 353 dos autos), a digna colega assacou, à mesma sentença, o erro de direito traduzido em não observar as disposições nas alíneas 1) e 5) do art. 10° da Lei n. °7/2008 (Lei das relações de trabalho e, deste modo, as na alínea b) n.°2 do art.400° do CPP.
Acompanhamos a tese da colega, por, na nossa óptica, se verifica in casu erro da qualificação jurídica do facto dado por provado de «資方單方面且在沒有取得員工的同意下,於2007年8月3日更新相關員工福利指引,將工作時數“每星期48小時(包括用膳時間)” 改為海星期48小時”,資方安排員工每日工作8小時及用膳時間1小時,但資方依舊給予原訂立之基本工資。»
A nosso ver, esta alteração unilateral pela arguida/recorrente do horário de trabalho sem pagar correspondente compensação não negou ou prejudicou o direito (do trabalhador) de tomar refeição dentro do horário de trabalho de 8 horas.
Pois bem, a lesão efectivamente sofrida por trabalhador consiste em prestar trabalho por prolongar o horário, sem retribuição. Daí flui que aquela alteração unilateral do horário de trabalho sem compensação causou indirectamente a diminuição da remuneração e, desta medida, ofender o disposto na alínea 5) do art. 10° da Lei n.°7/2008 (Lei das relações de trabalho).
2.2. Como fundamento, a colega invocou ainda «12. 基此,原審法庭一方面認定資方安排員工每日一小時用膳,另一方面又以三十分鐘作為賠償的計算標準。該決定存在«刑事訴訟法典»第400條第2款b項之瑕疵,在說明理由方面出現不可補救之矛盾。»
Sem prejuízo do respeito pela opinião da ilustre colega, parece-nos que o parâmetro de indemnização utilizado pela Mema. Juiz a quo (meia hora) não se configura na contradição insanável da fundamentação, mas outra vez erro de direito.
Não obstante, concordamos com a colega no sentido de que aquele parâmetro para se apurar o montante concreto da indemnização devida ao trabalhador A pela arguida/recorrente deveria ser uma hora por dia, e não 30 minutos por dia.
***
Por todo o expendido acima, entendemos que:
- merece parcial provimento o recurso da arguida/recorrente, por não lhe ter sido dada comunicação da alteração da qualificação jurídica;
- deverá ser julgado procedente por completo o recurso interposto pelo M.°P.°”; (cfr., fls. 379 a 382).

*

Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Está provada a factualidade seguinte:

“O trabalhador A (portador do BIR de Macau nº XXX), foi contratado como cozinheiro pela infractora entre 16 de Julho de 2007 e 6 de Março de 2011, auferindo um salário mensal de MOP10.000,00 no período de 16 de Julho de 2007 a 31 de Maio de 2008, um salário mensal de MOP10.600,00 no período de 1 de Junho de 2008 a 31 de Julho de 2010 e um salário mensal de MOP10,971 no período de 1 de Agosto de 2010 a 6 de Março de 2011.
Segundo o contrato celebrado entre as duas partes, o trabalhador pertencia à categoria F e começou a prestar trabalho à parte empregadora em 16 de Julho de 2007. Em tal contrato foi fixado que o trabalhador podia gozar das regalias proporcionadas aos trabalhadores da categoria a que pertencia e, de acordo com a Orientação sobre Regalias de Trabalhadores actualizada em 26 de Dezembro de 2006 pela parte empregadora, “a duração do trabalho dos trabalhadores da categoria F era de 48 horas semanais (incluindo horário de almoço)”. O trabalhador já teve conhecimento desta condição de trabalho quando ingressou na empresa.
Depois, em 3 de Agosto de 2007 a parte empregadora actualizou unilateralmente, sem obter o consentimento de trabalhadores, a Orientação sobre Regalias de Trabalhadores, alterando o termo “de 48 horas semanais (incluindo horário de almoço)” para “de 48 horas semanais”. A parte empregadora fixou para o trabalhador a jornada de trabalho de 8 horas diárias e uma hora para almoçar. No entanto, a parte empregadora ainda lhe pagou o salário de base fixado no contrato.
Por um lado, a parte empregadora não obteve consentimento do trabalhador quanto à alteração da condição de trabalho e, por outro lado, não formulou pedido à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais.
Conforme as condições de ingresso (vd. o artº 6º do Capítulo 3 da Guia para Trabalhadores em fl. 170), “os trabalhadores têm direito a gozar 6 dias de falta por doença remunerados. Os dias desta falta não usados podem ser gozados como férias ao fim de ano”.
O trabalhador A gozou de 1 dia e 5 dias de falta por doença em 2009 e 2010, respectivamente. Todavia, a infractora não transitou os dias de falta por doença não gozados de A para dias de férias para ele gozar, nem lhe pagou compensação pecuniária.
A infractora agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
***
Factos provados na contestação:
De acordo com as disposições do contrato, o trabalho prestado fora do período de 48 horas de trabalho era remunerado, sendo a remuneração correspondente ao valor da hora de trabalho multiplicada por 1,1 por cada hora de trabalho prestado.
A parte empregadora não obrigou o trabalhador a ficar no local de trabalho durante a hora de almoço, podendo o trabalhador utilizar livremente esta hora de descanso.
O trabalhador A podia decidir livremente como utilizar a hora de almoço.
A parava de trabalhar durante esta uma hora de almoço e voltava ao posto de trabalho depois de uma hora.
Na hora de almoço, o trabalhador podia sair do local de trabalho ou optar por almoçar na cantina da empresa ou fora.
***
Factos não provados: Não se provaram outros factos constantes da acusação e da contestação que estejam em contradição com os assentes e que tenham relevância para a decisão da causa, designadamente:
Durante a sua prestação de serviço na empresa, a parte empregadora fixou que o trabalhador A trabalhasse 9 horas diariamente.
A orientação das regalias de 26 de Dezembro de 2006 só se aplicava aos trabalhadores do Sands, não sendo aplicável ao trabalhador A.
A parte empregadora nunca entregou a A a orientação das regalias de 26 de Dezembro de 2006.
A partir de 1 de Janeiro de 2009, os 6 dias de falta por doença não gozados podem transitados para dias de falta por internamento remunerados, podendo estes ser acumulados até um máximo de 60 dias”.

Do direito

3. Procedendo ao enquadramento jurídico da factualidade provada e atrás retratada, assim ponderou o Mmo Juiz do T.J.B.:

“O artº 9º, nº 1, al. d) do DL nº 24/89/M (Garantias do trabalhador) estabelece:
“1. É proibido ao empregador:
a) Obrigar o trabalhador a adquirir ou a utilizar serviços fornecidos pelo empregador ou por pessoa por ele indicada;
b) Obrigar os trabalhadores a utilizar quaisquer cantinas, refeitórios, economatos ou outros estabelecimentos directamente relacionados com o trabalho, para fornecimento de bens ou prestação de serviços aos trabalhadores;
c) Opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como pôr termo à relação de trabalho, aplicar sanções ou prejudicar o trabalhador por motivo de haver reclamado, alegando discriminação;
d) Diminuir a retribuição dos trabalhadores, salvo quando, precedendo autorização do Gabinete para os Assuntos de Trabalho, haja acordo do trabalhador.”
***
Dispõe o artº 10º (Garantias do trabalhador) da Lei das Relações de Trabalho:
“É proibido ao empregador:
1) Opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como prejudicá-lo pelo exercício desses direitos;
2) Obstar injustificadamente à prestação efectiva do trabalho;
3) Ceder o trabalhador, sem o seu consentimento escrito, a outro empregador que sobre aquele exerça poderes de autoridade e direcção;
4) Baixar injustificadamente a categoria do trabalhador;
5) Diminuir a remuneração de base do trabalhador, salvo nos casos previstos na presente lei;
6) Obrigar o trabalhador a adquirir bens ou a utilizar serviços fornecidos directamente por si ou por pessoa por si indicada;
7) Reter documentos de identificação do trabalhador.”
***
E dispõe o artº 4º (Condições de trabalho) da Lei das Relações de Trabalho:
“1. As condições de trabalho reguladoras de uma relação de trabalho são estabelecidas por normas legais imperativas gerais ou específicas do sector de actividade em causa, por regulamentos de empresa e pelo contrato de trabalho.
2. A presente lei não pode ser interpretada no sentido de implicar a redução ou eliminação de condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores, vigentes à data da sua entrada em vigor.”
*
O artº 46º da Lei das Relações de Trabalho (direito a férias) prevê:
“1. O trabalhador cuja relação de trabalho seja superior a um ano tem direito a gozar, no ano seguinte, um mínimo de seis dias úteis de férias anuais remuneradas.
2. O trabalhador cuja relação de trabalho seja inferior a um ano mas superior a três meses tem direito a gozar, no ano seguinte, metade de um dia de férias por cada mês de trabalho prestado, assim como pelo tempo de trabalho remanescente, se for igual ou superior a quinze dias.
3. As férias são gozadas no ano civil em que se vencem, podendo, mediante acordo entre as partes, ser acumuladas, no máximo, férias de dois anos.
4. As faltas justificadas não têm efeito sobre o direito a férias do trabalhador.”
*
O artº 47º da Lei das Relações de Trabalho (marcação das férias) prevê:
“1. O período de férias é marcado por acordo entre o empregador e o trabalhador.
2. Na falta de acordo, o período de férias é fixado pelo empregador, tendo em conta as exigências do funcionamento da empresa.
3. A marcação das férias é feita com uma antecedência mínima de trinta dias.”
*
Dispõe o artº 49º da Lei das Relações de Trabalho (violação do direito a férias):
“O empregador que, por facto que lhe seja imputável, obstar ao gozo do direito a férias fica obrigado a pagar ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da remuneração de base correspondente ao período de férias anuais não gozadas.”
***
Segundo o artº 85º da Lei nº 7/2008 (Lei das Relações de Trabalho):
“1. É punido com multa de $ 20 000,00 (vinte mil patacas) a $ 50 000,00 (cinquenta mil patacas) por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção, o empregador que:
1) …;
2) Violar as garantias do trabalhador previstas no artigo 10.º;
3) …;
4) …;
5) …;
6) ….
2. É punido com multa de $ 10 000,00 (dez mil patacas) a $ 25 000,00 (vinte e cinco mil patacas) por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção, o empregador que:
1) …;
2) Negar, total ou parcialmente, o direito ao descanso, em violação do disposto no artigo 33.º, n.º 3 do artigo 36.º, n. os 1 a 3 do artigo 38.º, n.os 3 e 4 do artigo 40.º, n.º 1 do artigo 42.º, n.º 3 do artigo 43.º, n.º 2 do artigo 44.º, n. os 1 e 2 do artigo 46.º e artigo 49.º;
3. ….”
***
Analisados os factos provados, o Tribunal entende que o acto de a parte empregadora alterar a jornada de trabalho de 8 horas (incluindo o tempo para almoço) para 8 horas (excluindo o tempo para almoço) corresponde à diminuição das condições de trabalho dos empregados, ou seja, opôs-se a que o trabalhador exercesse o seu direito a almoçar durante o período de trabalho de 8 horas acordado no contrato, este não se tratando da diminuição de remuneração de base. O trabalhador podia almoçar durante o período de trabalho de 8 horas mas passou a almoçar no seu tempo particular. Pelo exposto, a parte empregadora praticou, na forma continuada, uma transgressão laboral (opor-se a que o trabalhador exerça os seus direitos) p.p. pelos artº 10º, al. 1) e artº 85º, nº 1, al. 2) da Lei nº 7/2008 - Lei das Relações de Trabalho.
Por outro lado, a Guia dos Trabalhadores indica expressamente que os seis dias de falta por doença não usados podem ser gozados como férias anuais ao final de ano. O ponto-chave desta causa é de esclarecer se os dias de falta por doença não gozados podem ser considerados como dias de férias anuais previstos na Lei das Relações de Trabalho.
Dispõe o artº 46º, nº 1 da Lei das Relações de Trabalho que o trabalhador tem direito a gozar um mínimo de seis dias úteis de férias anuais remuneradas. In casu, para além de 12 dias de férias anuais remuneradas o trabalhador tinha ainda direito a gozar de seis dias de falta por doença remunerados. Aponta a Guia dos Trabalhadores que os dias de falta por doença não usados podem ser gozados como dias de férias anuais ao final de ano. Para os trabalhadores este termo é uma das condições de trabalho, entendendo os mesmos, aquando do ingresso na empresa, que têm direito a gozar de 18 dias de férias anuais remunerados caso não fiquem doentes. Uma vez que foi acordado por ambas as partes que os dias de falta por doença não gozados fossem transitados para dias de férias anuais, no nosso entender, isso quer dizer que ambas as partes acordaram que o trabalhador tinha direito a gozar de 18 dias de férias anuais, nesta conformidade, os dias de falta por doença não gozados são considerados como férias anuais previstas na Lei das Relações de Trabalho.
Igualmente a lei nova (sic) prevê que os trabalhadores têm direito a seis dias de falta por doença remunerados, não indicando, no entanto, o que vai acontecer com os dias de falta por doença que não foram gozados. Assim sendo, os trabalhadores não têm direito a receber compensação relativa aos dias de falta por doença não gozados salvo indicação expressa no contrato. No contrato em causa, foi estabelecido que os dias de falta por doença não usados eram transitados para dias de férias anuais, por isso, não há dúvida que a infractora violou as disposições sobre férias anuais.
A empregadora viola o direito a férias, mas não as disposições sobre a diminuição de remuneração de base, quando não deixar o trabalhador gozar dos dias de falta por doença como férias anuais e não lhe pagar a respectiva indemnização.
Com base nos factos provados e no artº 93º da Lei das Relações de Trabalho, a infractora cometeu uma transgressão laboral, p.p. pelos artº 49º e artº 85º, nº 2, al. 2) da Lei nº 7/2008 (violação do direito a férias).
*
Assim, o Tribunal decide condenar a infractora
* pela prática de uma transgressão laboral, p.p. pelos artº 10º, al. 1) e artº 85º, nº 1, al. 2) da Lei nº 7/2008 - Lei das Relações de Trabalho (opor-se a que o trabalhador exerça os seus direitos) na pena de multa de vinte e três mil patacas (MOP23.000).
* pela prática de uma transgressão laboral, p.p. pelos artº 49º e artº 85º, nº 2, al. 2) da Lei nº 7/2008 (violação do direito a férias) na pena de multa de doze mil patacas (MOP12.000).
* em cúmulo jurídico, condená-la na pena única de multa no valor de trinta e cinco mil patacas (MOP35.000).
*
No que diz respeito à indemnização, a parte empregadora concedia ao trabalhador uma hora diária para almoço, mas este Tribunal não consegue definir, conforme os factos provados, que esta uma hora foi ou não contabilizada no período de trabalho (artº 33º, nº 4 da Lei nº 7/2008), portanto, a indemnização não pode ser calculada por uma hora e multiplicada por 1,1, pois não foi indicada concretamente no contrato celebrado entre as duas partes a duração da hora de almoço (48 horas incluindo o horário de almoço). Em caso geral, o tempo necessário para almoço é, pelo menos, 30 minutos. Assim, a indemnização é calculada da seguinte forma:
1) A
Dados pessoais do trabalhador
Cargo: Cozinheiro
Data de ingresso: 16 de Julho de 2007
Último dia no trabalho: 6 de Março de 2011

O salário básico mensal recebido:
O salário básico mensal pago no período de 16 de Julho de 2007 a 31 de Maio de 2008: MOP10.000
O salário básico mensal pago no período de 1 de Junho de 2008 a 31 de Julho de 2010: MOP10.600
O salário básico mensal pago no período de 1 de Agosto de 2010 a 6 de Março de 2011: MOP10.971

Indemnização (por mês) relativa a 30 minutos para almoço:
A indemnização devida por mês no período de 16 de Julho de 2007 a 31 de Maio de 2008: MOP10.000/30/8/2x30=MOP625
A indemnização devida por mês no período de 1 de Junho de 2008 a 31 de Julho de 2010: MOP10.600/30/8/2x30=MOP662,5
A indemnização devida por mês no período de 1 de Agosto de 2010 a 6 de Março de 2011: MOP10.971/30/8/2x30=MOP685,6
***


Ano de 2007
Mês
7
8
9
10
11
12
Salário básico recebido
$5.348,6
$10.000
$10.000
$10.000
$10.000
$10.000
Indemnização por 30 minutos
$333,3
$625
$625
$625
$625
$625

Ano de 2008
Mês
1
2
3
4
5
6
Salário básico recebido
$10.000
$10.000
$10.000
$10.000
$10.000
$10.600
Indemnização por 30 minutos
$625
$625
$625
$625
$625
$662,5
Ano de 2008
Mês
7
8
9
10
11
12
Salário básico recebido
$10.600
$10.600
$10.600
$10.600
$10.600
$10.600
Indemnização por 30 minutos
$662,5
$662,5
$662,5
$662,5
$662,5
$662,5

Ano de 2009
Mês
1
2
3
4
5
6
Salário básico recebido
$10.600
$10.600
$10.600
$10.600
$10.600
$10.600
Indemnização por 30 minutos
$662.5
$662.5
$662.5
$662.5
$662.5
$662.5
Mês
7
8
9
10
11
12
Salário básico recebido
$10.600
$10.600
$10.600
$10.600
$10.600
$10.600
Indemnização por 30 minutos
$662.5
$662.5
$662.5
$662.5
$662.5
$662.5

Ano de 2010
Mês
1
2
3
4
5
6
Salário básico recebido
$10.600
$10.600
$10.600
$10.600
$10.600
$10.600
Indemnização por 30 minutos
$662,5
$662,5
$662,5
$662,5
$662,5
$662,5
Mês
7
8
9
10
11
12
Salário básico recebido
$10.600
$10.971
$10.971
$10.971
$10.971
$10.971
Indemnização por 30 minutos
$662,5
$685,6
$685,6
$685,6
$685,6
$685,6

Ano de 2011
Mês
1
2
3
Salário básico recebido
$10.971
$10.971
$2194,2
Indemnização por 30 minutos
$685,6
$685,6
$68,57

A indemnização total devida: MOP28.676,1
***
Falta ainda o pagamento relativo a 5 dias de falta por doença em 2009 e a 1 dia de falta por doença transitado para dia de férias em 2010:
(MOP403,8 x 5) + (MOP417,9 x 1) = MOP2.436,9 (duas mil e quatro centos e trinta e seis patacas e noventa avos)

Total: MOP2.436,9 (duas mil e quatro centos e trinta e seis patacas e noventa avos)
***
A infractora Sociedade Venetian Macau, S.A. deve pagar uma quantia no valor total de trinta e uma mil e cento e treze patacas (MOP31.113,00) ao trabalhador A”.

Aqui chegados, apreciemos.

4. Dois são os recursos traduzidos à apreciação deste T.S.I..

Um da arguida, (“Venetian”), e o outro, do Exmo. Magistrado do Ministério Público.

No seu recurso coloca a arguida as questões seguintes:
- “nulidade da acusação”;
- “nulidade da sentença por falta de fundamentação”;
- “nulidade por alteração substancial dos factos”;
- “diversa e errada qualificação jurídico-penal”.

Por sua vez, no seu recurso, entende o Exmo. Magistrado do Ministério Público que a decisão recorrida padece do vício de contradição insanável, colocando também uma questão de direito, mais concretamente, a da “errada qualificação da conduta da arguida”.

Vejamos.

–– Começando-se pelo recurso da arguida, e no que toca às suas duas primeiras questões de “nulidade da acusação” e “nulidade da sentença por falta de fundamentação”, cabe desde já dizer que, sobre tais questões, mostra-se de acompanhar, na íntegra, o entendimento pelo Ministério Público assumido na sua Resposta de fls. 356 a 360-v assim como no douto Parecer que atrás se deixou transcrito, e que aqui se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.

Aliás, e como bem se nota no referido Parecer, na audiência de julgamento foram pelo Ministério Público aditados os “elementos subjectivos” alegadamente em falta, sem esforço se concluindo também, (de uma mera leitura), que fundamentada está a decisão recorrida, (atrás transcrita), ociosas parecendo assim outras considerações sobre a matéria.

–– Passa-se agora para a questão do vício da matéria de facto – de “contradição insanável” – colocada pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público, pois que, sem uma boa decisão da matéria de facto, inviável é uma boa decisão de direito, sendo também que, a existir tal contradição, e sendo a mesma insanável, a mesma dará origem à anulação do julgamento e reenvio dos autos para novo julgamento, prejudicadas ficando as restantes questões.

Pois bem, é sabido que o vício em questão apenas ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. no Acórdão deste T.S.I. de 24.05.2012, Proc. n° 179/2012).

Com efeito, e como se consignou também no recente Acórdão deste T.S.I. de 15.11.2012, Proc. n.° 689/2012 “pressupõe uma relação entre duas ideias, dois juízos ou dois conceitos que afirmam ou negam o mesmo objecto, ou um elemento do objecto de conhecimento. Como princípio do conhecimento, a contradição é um princípio ontológico cuja compreensão se resume na máxima «é impossível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto»”.

No caso, e para fundamentar o vício que o Exmo. Magistrado do Ministério Público detecta da decisão recorrida afirma-se o que segue:

“O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
“...... a duração do trabalho dos trabalhadores da categoria F era de 48 horas semanais (incluindo hora de almoço) ......”;
“...... A parte empregadora fixou para o trabalhador a jornada de trabalho de 8 horas diárias e uma hora para almoçar ......”;
“A parte empregadora não obrigou o trabalhador a ficar no local de trabalho durante a hora de almoço ......”;
O trabalhador A podia decidir livremente como utilizar a hora de almoço.
A parava de trabalhar durante esta uma hora de almoço e voltava ao posto de trabalho depois de uma hora.”
No entanto, o Tribunal a quo indicou na fundamentação que:
“No que diz respeito à indemnização, a parte empregadora concedia ao trabalhador uma hora diária para almoço, mas este Tribunal não consegue definir, conforme os factos provados, que esta uma hora foi ou não contabilizada no período de trabalho (artº 33º, nº 4 da Lei nº 7/2008), portanto, a indemnização não pode ser calculada por uma hora e multiplicada por 1,1, pois não foi indicada concretamente no contrato celebrado entre as duas partes a duração da hora de almoço (48 horas incluindo hora de almoço). Em caso geral, o tempo necessário para almoço é, pelo menos, 30 minutos.” (sublinhado nosso)
O Tribunal a quo entende por um lado que a parte empregadora concedia uma hora para os trabalhadores tomarem almoço, por outro lado entende que é necessário 30 minutos, pelo menos, para tomar uma refeição, pelo que tomou o tempo de 30 minutos como critério de cálculo de indemnização.
Prestamos respeito às opiniões do Tribunal a quo, mas não concordamos com isso.
Em primeiro lugar, segundo a antiga Orientação sobre Regalias de Trabalhadores do ano de 2006 constante dos autos, “a duração do trabalho dos trabalhadores da categoria F era de 48 horas semanais e 8 horas diárias (incluindo hora de almoço)”, a hora de almoço era incluída no tempo de trabalho diário de 8 horas e a parte empregadora fixou uma hora para almoçar, quer dizer, essa hora de almoço era incluída no tempo de trabalho diário de 8 horas, portanto, segundo as cláusulas do contrato, essa hora não se serve para trabalhar mas pode ser incluída nas horas de serviço. Sendo assim, essa hora de almoço foi admitida e é uma cláusula de regalia que o trabalhador pode receber retribuição nessa uma hora.
Em segundo lugar, ambos o próprio trabalhador e a testemunha da parte empregadora declararam na audiência que, quer no período da vigência da antiga Orientação sobre Regalias de Trabalhadores, quer da nova Orientação actualizada, é uma hora por dia que a parte empregadora concedia aos trabalhadores para tomarem almoço. Se essa uma hora de almoço já foi verificada, o Tribunal não pode fixar 30 minutos, pelo menos, como tempo de almoço e como critério de cálculo de indemnização.
Em terceiro lugar, uma hora por dia para tomar almoço é uma regalia dada pela parte empregadora aos seus trabalhadores, ficando no âmbito disponível das partes e não violando as normas imperativas que é uma declaração válida emitida pela parte empregadora. Desde primeiro dia de trabalho, o trabalhador, conforme a disposição da parte empregadora, já começou a gozar de uma hora, nem mais nem menos, para tomar almoço por dia, isso mostra que essa declaração já foi aceite pelo trabalhador. Em seguida, a regra de uma hora de almoço diária era executada material e repetidamente a longo prazo. Portanto, mesmo que essa regra não seja fixada por escrito, era uma regalia dada pela parte empregadora ao trabalhador e era executada constante e repetidamente, já constituindo direito e dever na relação laboral entre as duas partes. Portanto, o Tribunal a quo não pode alterar, segundo as circunstâncias comuns, a declaração da parte dos autos e diminuir o direito já obtido pelo empregado.
Sendo assim, o Tribunal a quo, por um lado, entende que a empregadora concedia uma hora de almoço diária aos seus trabalhadores, por outro lado, tomou o tempo de 30 minutos como critério de cálculo da indemnização. Esta decisão padece do vício de contradição insanável da fundamentação previsto no art.º 400.º n.º 2 al. b) do Código de Processo Penal. O Tribunal a quo deve tomar uma hora como critério de cálculo da indemnização, ao mesmo tempo, o tempo de serviço desse trabalhador fixado pela parte empregadora já excede 8 horas por dia, pelo que essa uma hora deve ser compensada como trabalho extraordinário”.

“Quid iuris”?

Pois bem, cremos que a razão está do lado do Ilustre Procurador Adjunto.

De facto, tal como vem identificada a questão, e da apreciação por nós efectuada à decisão recorrida, não nos parece que em causa esteja o vício de “contradição insanável” assacado ao Tribunal a quo, mas sim, (e a se verificar, o que mais adiante se verá), um “erro de direito”, ou melhor, um “erro de julgamento” na interpretação e enquadramento da factualidade dada como provada.

–– Dito isto, voltemos ao recurso da arguida, passando-se agora para a questão da “alteração substancial dos factos”.

Pois bem, na alínea f), n.° 1 do art. 1° do C.P.P.M. define-se tal alteração (substancial dos factos) como “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.

Preceitua o art. 399° da dita lei adjectiva que:

“1. Se do decurso da audiência resultar fundada suspeita da verificação de factos com relevo para a decisão da causa mas não descritos na pronúncia ou, se a não tiver havido, na acusação ou acusações, e que não importem uma alteração substancial dos factos descritos, o juiz que preside ao julgamento, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.

2. Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa”.

E, nos termos do art. 340° do mesmo Código:

“1. Se do decurso da audiência resultar fundada suspeita da verificação de factos não descritos na pronúncia ou, se a não tiver havido, na acusação ou acusações, e que importem uma alteração substancial dos factos descritos, o juiz que preside ao julgamento comunica-os ao Ministério Público, valendo tal comunicação como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, os quais não podem ser tomados em conta para o efeito de condenação no julgamento em curso.

2. Ressalvam-se do disposto no número anterior os casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal.

3. Nos casos referidos no número anterior, o juiz que preside ao julgamento concede ao arguido, a requerimento deste, prazo para preparação da defesa não superior a 10 dias, com o consequente adiamento da audiência, se necessário”.

Todavia, cotejando a factualidade dada como provada e o teor do auto de notícia, não nos parece que se tenha efectuado qualquer “alteração substancial dos factos”, pois que não se pode entender que o Tribunal esteja absolutamente impedido de “clarificar” a matéria constante da “acusação”, (se assim resultar da audiência de julgamento), o que, no caso, foi o que sucedeu.

O que não pode é introduzir “factos novos”, sem o conhecimento dos sujeitos processuais.

Porém, na situação dos autos, não houve “introdução de factos novos”, e, nesta conformidade, também nesta parte, improcede o recurso da arguida.

–– Todavia, quanto à “diversa qualificação jurídica” mostra-se de reconhecer razão à recorrente.

De facto, nesta parte, a decisão condenatória não coincide com a imputação efectuada pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público, e constante do “auto de notícia”, onde se dava como cometida uma infracção por “redução do rendimento do trabalhador”, p. e p. pelo art. 9°, n.° 1, al. a) do D.L. n.° 24/89/M e art. 10°, n.° 5 da Lei n.° 7/2008, e uma outra, por “alteração das condições de trabalho”, p e p. pelo art. 10°, n.° 5 e art. 85°, n.° 1, al. 2) da Lei n.° 7/2008, e assim, certo sendo que observado não foi o contraditório, há pois inobservância do preceituado no art. 339° do C.P.P.M., (aqui aplicável por analogia, cfr., v.g., o Ac. do Vdo T.U.I. de 09.07.2003, Proc. n.° 11/2003), o que implica a revogação da decisão recorrida, prejudicada ficando a apreciação da questão da “adequação da qualificação” efectuada, (colocada pela arguida e Ministério Público).

Decisão

5. Nos termos e fundamentos expostos, acordam conceder parcial provimento ao recurso da arguida, negando-se provimento ao recurso do Ministério Público no que toca à questão da contradição insanável da fundamentação.

Pelo seu decaimento, pagará a arguida a taxa de justiça de 4 UCs, não se tributando o Ministério Público dada a sua isenção.

Macau, aos 22 de Novembro de 2012
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa

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