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 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 14 de Junho de 2013, condenou o arguido A, pela prática em co-autoria material, na forma consumada de um crime de sequestro, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão e, em concurso, em autoria material, na forma consumada de um crime de usura para jogo, previsto e punível pelo artigo 13.º da Lei n.º 8/96/M e artigo 219.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 30 de Julho de 2013, rejeitou o recurso interposto pelo arguido.
Ainda inconformado, recorre o arguido para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando com as seguintes conclusões úteis:
- Em relação ao 1.º fundamento do recorrente - o crime de sequestro não foi preenchido porque houve consentimento do ofendido – o acórdão do TSI foi omisso, pelo que foi inevitavelmente violado o disposto no n.º 2 do artigo 355.º do CPPM concernente à fundamentação, devendo o acórdão do TSI ser declarado nulo por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 360.º, alínea a) do CPPM.
- Se o Mm.º Juiz não concordar com tal entendimento, o recorrente passa agora a expor novamente os mesmos fundamentos ao Venerando Tribunal de Última Instância:
- O crime de sequestro não foi preenchido porque houve consentimento do próprio ofendido.
- Não foram verificados os elementos constitutivos subjectivos e objectivos do crime de sequestro.
- Devia ser concedido ao recorrente o benefício de atenuação especial da pena e de suspensão na execução.
  A Ex.ma Procuradora-Adjunta, na resposta à motivação, pronuncia-se pela manifesta improcedência do recurso.
No seu parecer, o Ex.mo Procurador-Adjunto manteve a posição já assumida na resposta à motivação.

II – Os factos
Estão provados os seguintes factos:
  Factos provados:
  1. Em 9 de Fevereiro de 2006, pelas 18h00, no lobby do [Hotel (1)], os arguidos A e B emprestaram ao ofendido C a quantia de HKD $150.000,00 para apostar nos jogos, com a condição de que, em cada aposta feita, independentemente de o ofendido ter ganho ou perdido, os arguidos retiravam uma percentagem de 10% como juro do empréstimo, ao que o ofendido C consentiu.
  2. Às 21h57 do mesmo dia, os arguidos A e B levaram o ofendido C para apostar na Sala do Casino.
  3. Durante o jogo, o arguido B ficou com a tarefa de retirar o tal juro acima mencionado em cada aposta feita pelo ofendido, ao passo que o arguido A ficava ao lado para vigiar.
  4. Até às 22h19 do mesmo dia, momento em que o ofendido perdeu todo o dinheiro emprestado, os arguidos A e B já retiraram, na totalidade, cerca de HKD $20.000,00~ $30.000,00 a título de juros.
  5. Pelas 23h00 do mesmo dia, o arguido A ligou para D (contra quem já foi instaurado outro processo penal), combinando com ele um encontro nas Portas do Cerco, com o objectivo de, junto com ele, levar o ofendido C para o Interior da China, para recuperar a dívida.
  6. Nesta altura, o arguido B deixou o local e foi-se embora sozinho.
  7. Às 23h06, o arguido A levou o ofendido C para Gongbei via posto fronteiriço, e ali juntou-se com D.
  8. Depois, tomando um táxi, D e o arguido A levaram o ofendido C para o [Hotel (2)] de Zhuhai, e alugaram em nome de D o quarto XXX daquele hotel.
  9. Dentro do referido quarto, o arguido A ficou a vigiar o ofendido C, não o deixando sair sozinho.
  10. Em 10 de Fevereiro de 2006, às 11h35, o arguido B foi para Gongbei via posto fronteiriço, com a intenção de substituir o arguido A na vigilância do ofendido C.
  11. O arguido B chegou ao dito quarto pelas 17h00 do mesmo dia.
  12. Durante o período compreendido entre 9 e 14 de Fevereiro de 2006, o ofendido C foi sempre vigiado no dito quarto pelos arguidos A e B, ficando privado da sua liberdade.
  13. Em 14 de Fevereiro de 2006, às 15h37, os arguidos A e B levaram o ofendido C de volta para Macau via posto fronteiriço, com o objectivo de se dirigirem à loja sita no rés-do-chão do Edifício, para receber o dinheiro que a mãe do ofendido C ia entregar lá.
  14. Os arguidos A e B agiram livre, voluntária, consciente e dolosamente.
  15. Os arguidos A e B, contra a vontade do ofendido C, mantiveram-no num espaço fechado e privaram-lhe a liberdade por mais de 2 dias, bem sabendo que se tratava de uma conduta proibida.
  16. Os arguidos A e B bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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  Mais se provou:
  De acordo com o CRC, o 1.º arguido A tem antecedente criminal: foi condenado, no processo penal n.º CR2-04-0012-PCC (antigo processo PCC-042-04-1), pela prática de um crime de receptação, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, e já declarada extinta a respectiva pena.
  De acordo com o CRC, o 2.º arguido B é primário.
  O 1.º arguido declara ser motorista de uma companhia privada, auferindo cerca de MOP $12.000,00 mensais, tendo uma filha e um filho a seu cargo, possuindo como habilitação literária o ensino do 6.º ano da escolaridade.
  O 2.º arguido declara ser desempregado, tendo os seus pais e a sua irmã mais velha a seu cargo, possuindo como habilitação literária o ensino do 6.º ano da escolaridade.
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  Factos não provados:
  Não há outros factos relevantes a provar.
  
  
III - O Direito
1. As questões a resolver
As questões suscitadas pelo recorrente são as de omissão de pronúncia do acórdão recorrido, se não se provaram factos que integrem os elementos constitutivos do crime de sequestro, se a pena deve ser especialmente atenuada e suspensa na sua execução.

2. Omissão de pronúncia
O recorrente entende que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão suscitada nas alegações segundo a qual o crime de sequestro não foi preenchido porque houve consentimento do ofendido. Mas não exacto já que a p. 11 o acórdão recorrido diz não ser crível que alguém fique hospedado vários dias num hotel, que não escolheu, quase sempre acompanhado, de livre vontade. Pronunciou-se, pois, sobre o consentimento do ofendido, isto é a vontade de o ofendido estar num hotel durante vários dias.

3. Crime de sequestro. Consentimento do ofendido.
Defende o recorrente que não praticou o crime de sequestro porque houve consentimento do ofendido.
Saber se houve ou não consentimento do ofendido é uma questão de facto, que o TUI não sindica, nos termos do artigo 47.º, n.º 2, da Lei de Bases da Organização Judiciária.
Por outro lado, não se mostra ter havido erro notório na apreciação da prova.

4. Elementos constitutivos do crime de sequestro
Ao contrário do que alega o recorrente, provaram-se factos que integram os elementos constitutivos do crime de sequestro, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, visto que o recorrente e outro indivíduo levaram o ofendido para um quarto de hotel em Zhuhai, onde ficou vários dias (mais de dois, concretamente, cinco) contra a sua vontade. Tendo o recorrente agido voluntária e conscientemente.

5. Atenuação especial e suspensão da pena.
O único facto que poderia favorecer a pretensão do recorrente no sentido da atenuação especial da pena é o tempo entretanto decorrido desde a prática dos factos, que ocorreram há cerca de sete anos. Mas não é suficiente, já que o arguido não é delinquente primário, não confessou os factos. Não há, assim, circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (artigo 66.º, n.º 1, do Código Penal).
E, face ao quantum da medida da pena, nunca seria possível a suspensão da execução (artigo 48.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que sempre seria de excluir dada a gravidade dos factos e a necessidade de defesa da sociedade e de prevenir o cometimento de futuros crimes (artigo 43.º, n.º 2, do Código Penal).
O recurso é, assim, manifestamente improcedente, impondo-se a sua rejeição (artigo 410.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

IV – Decisão
Face ao expendido, rejeita-se o recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 5 UC, indo, ainda condenado no pagamento de MOP$2.000,00 a título de rejeição do recurso.
Macau, 13 de Novembro de 2013.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai





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Processo n.º 60/2013