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Processo nº 435/2012 Data: 04.10.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “reentrada ilegal”.
Suspensão da execução da pena.



SUMÁRIO

1. O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.

2. Verificando-se que a arguida insiste em não acatar as ordens de expulsão que lhe são dadas, desafiando, consecutivamente, as autoridades da R.A.E.M., tornando assim totalmente inviável um “juízo de prognose favorável”, no sentido de se poder concluir que a censura do facto e a mera ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, inviável é pois dar por verificado o pressuposto previsto no n.° 1 do transcrito art. 48°.

Por sua vez, sendo a criminalidade relacionada com a “imigração ilegal” uma preocupação constante das Polícias locais e um factor de instabilidade social, (atenta-se nos índices deste tipo de criminalidade), há que reconhecer que fortes são também as razões de prevenção geral.


O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 435/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. decidiu-se condenar A, arguida, com os sinais dos autos, como autora da prática de 1 crime de “reentrada ilegal”, p. e p. pelo art. 21°, da Lei n.° 6/2004, na pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos; (cfr., fls. 32 a 34-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o Exmo. Magistrado do Ministério Público recorreu.
Pede, a revogação da decretada suspensão da execução da pena; (cfr., fls. 37 a 44).

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Respondendo, pugna a arguida pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 46 a 50).

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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Cremos assistir razão à Exma Colega recorrente.
Com efeito, tendo em atenção que na condenação anterior, pelo mesmo tipo de crime, se suspendeu a execução da pena aplicada com a ponderação de que a aqui recorrida era primária e se mostrava arrependida, mal se compreende que, tendo, de novo, prevaricado passado pouco tempo, se venha agora a suspender a execução da pena “ponderando o comportamento anterior e posterior ao crime, as circunstâncias e que se mostra arrependida, tem familiares a cargo e promete nunca vir a entrar em Macau”.
A valoração, que nós próprios sublinhámos, é contrariada pela própria factualidade que a recorrente fez questão de explicitar relativamente às circunstâncias da condenação anterior da arguida, sendo que a contrição, pelas mesmas razões, também mal se alcança, sendo certo que a mesma se não poderá retirar da confissão, no caso, de diminuto valor, mal se compreendendo, pois, como, nestes parâmetros, validamente concluir que a suspensão em causa “realiza suficientemente o efeito de ameaça do crime e as finalidades da punição”.
Razões por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, somos a entender merecer provimento o presente recurso”; (cfr., fls. 93).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Está provada a seguinte matéria de facto:

“No dia de 12 de Abril de 2012, pelas 3H13, ao efectuar a operação de verificação de viatura nas proximidades da estação de Rua 2 Iao Hon, um guarda constatou a arguida, que estava a passar o lugar referido com aspecto nervoso, interceptou-a e exigiu-lhe exibir o seu documento de identificação. Por conseguinte, levou-a para proceder à investigação ulterior na Secção de Contra do Departamento de Informações.
Realizada investigação respectiva às informações de identidade da arguida A pelo guarda da Secção de Contra do Departamento de Informações do CPSP, foi apurado que a arguida foi expulsa e repatriada em 12 de Outubro de 2010 pelo CPSP e lhe imposta a inibição de entrada na RAEM pelo período de 3 anos (a partir de 12 de Outubro de 2010 até 11 de Outubro de 2013).
Verificou-se também que foi expulsa e repatriada de novo em 19 de Janeiro de 2011 pelo CPSP e lhe imposta a inibição de entrada na RAEM pelo período de 5 anos (a partir de 21 de Janeiro de 2011 até 20 de Janeiro de 2016).
A arguida assinou respectivamente em 12 de Outubro de 2010 e 20 de Janeiro de 2011 as ordens de expulsão n.° 1730/2010/C.I. e n.° 80/2011-P°.223 emitidas pelo CPSP, sabendo perfeitamente a mesma que era proibida de entrar na RAEM, sob pena de prisão, nos períodos contados de 12 de Outubro de 2010 até 11 de Outubro de 2013 e de 21 de Janeiro de 2011 até 20 de Janeiro de 2016.
Entretanto, em 5 de Abril de 2012, pelas 4H00, com ajuda dum indivíduo feminino de identidade desconhecida e tendo como objectivo vir jogar nos casinos, a arguida embarcou num local marginal incerto da Cidade de Zhu Hai da China e chegou clandestinamente a um local marginal incerto do NAPE do Território, entrando ilegalmente em Macau.
A arguida agiu de forma livre, voluntária e conscientemente ao praticar as condutas acima referidas.
Declarou a arguida a sua situação individual seguinte:
Arguida A, operadora dum bar em Zhu Hai da China, auferindo mensalmente RMB30,000, tem um filho a seu cargo e está grávida há um mês.
Habilitação literária da arguida: 3° ano do ensino primário.
A arguida foi condenada em 19 de Janeiro de 2011, no processo n. CR4-11-0013-PSM, pela prática dum crime de reentrada ilegal na pena de prisão de 3 meses, cuja execução lhe ficou suspensa por 1 ano. A sentença referida transitou em julgado no dia de 31 de Janeiro de 2011 e a pena extinguiu-se em 23 de Fevereiro de 2012 por causa da expiração do prazo da suspensão de execução”; (cfr., fls. 67 a 68).

Do direito

3. Vem o Exmo. Magistrado do Ministério Público recorrer da decisão proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que condenou a arguida dos autos como autora da prática de 1 crime de “reentrada ilegal”, p. e p. pelo art. 21°, da Lei n.° 6/2004, na pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos.

Pede, a revogação da decretada suspensão da execução da pena.

Vejamos se tem razão.

Nos termos do art. 48° do C.P.M.:

“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.

4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.

5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

E, sobre o instituto em questão já teve este T.S.I. oportunidade de afirmar que: “o artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 22.03.2012, Proc. n° 703/2011).

Na situação dos autos, face ao que provado ficou, cremos que razão tem o Exmo. Magistrado recorrente.

Com efeito, verifica-se que a arguida insiste em não acatar as ordens de expulsão que lhe são dadas, desafiando, consecutivamente, as autoridades da R.A.E.M., tornando assim totalmente inviável um “juízo de prognose favorável”, no sentido de se poder concluir que a censura do facto e a mera ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não sendo de se dar, assim, por verificado, o pressuposto previsto no n.° 1 do transcrito art. 48°.

Por sua vez, sendo a criminalidade relacionada com a “imigração ilegal” uma preocupação constante das Polícias locais e um factor de instabilidade social, (atenta-se nos índices deste tipo de criminalidade), há que reconhecer que fortes são também as razões de prevenção geral.

Nesta conformidade, e dado que não preenchidos os pressupostos materiais estatuídos no art. 48° do C.P.M., impõe-se a revogação da decisão recorrida na parte que decretou a suspensão da execução da pena fixada à arguida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixaram expostos, acordam conceder provimento ao recurso.

Custas pela arguida recorrida com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Honorários à Exmo. Defensora no montante de MOP$1.200,00.

Macau, aos 04 de Outubro de 2012
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 435/2012 Pág. 12

Proc. 435/2012 Pág. 1