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Processo n.º 621/2012 Data do acórdão: 2012-9-27 (Autos de recurso penal)
  Assuntos:
– art.o 95.o, n.o 4, do Código de Processo Civil
– art.o 97.o, n.o 2, do Código de Processo Penal
– processo penal
– prática de acto processual fora do prazo mediante pagamento da
 multa
– justo impedimento
S U M Á R I O
1. Em processo penal, não é aplicável o mecanismo do art.º 95.º, n.º 4 (e 5 e 6), do Código de Processo Civil.
2. De facto, o art.º 97.º, n.º 2, do Código de Processo Penal reza que “Os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, …, a requerimento do interessado …, desde que se prove justo impedimento”. E a utilização aí do advérbio “só” afasta qualquer ilusão acerca da possibilidade da prática de acto processual fora do prazo mediante o mecanismo de pagamento da multa previsto no art.º 95.º, n.º 4 (5 e 6), do Código de Processo Civil.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 621/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Fundo de A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 530 a 540 dos autos de Processo Comum Colectivo n.o CR3-09-0006-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que o condenou a pagar solidariamente MOP248.655,20 de indemnização de danos patrimoniais e morais à autora B (XXX) do pedido cível enxertado nesses autos penais emergentes de acidente de viação, veio o Fundo de A interpor recurso ordinário para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar, através da motivação apresentada a fls. 571 a 595 dos presentes autos correspondentes, a revogação parcial da decisão cível constante no dito aresto.
Em sede de exame preliminar destes autos recursórios, opinou o relator, a fls. 624v a 625, pela inadmissibilidade do recurso por intempestivo.
Notificado, veio responder o recorrente a fls. 627 a 632 no sentido de admissão do recurso.
É, pois, de decidir, em conferência, da questão suscitada no exame preliminar do relator, depois de dados os vistos pelos dois M.mos Juízes-Adjuntos para o efeito.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, flui o seguinte, pertinente à decisão:
1. Por força do acórdão proferido a fls. 530 a 540 dos autos penais subjacentes emergentes de acidente de viação (com o n.o CR3-09-0006-PCC do 3.o Juízo Criminal do TJB) e lido em 14 de Março de 2012, o Fundo de A foi condenado a pagar solidariamente MOP248.655,20 de indemnização de danos patrimoniais e morais à senhora B, autora do pedido cível aí enxertado.
2. Em 27 de Março de 2012, por requerimento de fls. 560 a 562, o Fundo de A pediu à Primeira Instância a admissão da prática do acto de interposição de recurso ordinário do dito acórdão, por alegada verificação de justo impedimento na apresentação tempestiva da motivação do recurso, ou, subsidiariamente, mediante o pagamento imediato da multa relativa à prática desse acto no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo como tal referida no art.º 95.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (CPC), tendo, ao mesmo tempo, juntado (a fls. 571 a 595) a motivação do recurso para rogar a revogação parcial da decisão cível tomada no mencionado acórdão.
3. Sobre isso, decidiu a M.ma Juíza titular do processo em primeira instância (a fl. 601), no sentido de não haver justo impedimento e o requerente poder pagar a multa ao abrigo do art.º 95.º, n.º 4, do CPC.
4. Paga a multa referida (cfr. o teor de fl. 603) sem impugnação pelo requerente Fundo da decisão referente ao justo impedimento, foi judicialmente mandado cumprir o disposto no art.º 401.º, n.º 4, do CPP (cfr. o despacho de fl. 604).
5. E a final, foi proferido em 21 de Junho de 2012 (a fl. 612) o despacho de admissão do recurso como tempestivo.
6. Subido o recurso para este TSI, foi proferido o seguinte despacho pelo relator (a fls. 624v a 625) em sede de exame preliminar:
 – < No despacho judicial de fls. 601, foi julgado não verificado o justo impedimento então alegado por esse recorrente a fls. 560 e ss., mas foi admitida a possibilidade de pagamento da “multa ao abrigo do art.º 95.º, n.º 4, do CPCM”.
Paga assim a multa, foi finalmente considerado pelo Tribunal “a quo” como tempestivo o recurso (cfr. o despacho de admissão de recurso de fls. 612).
Entretanto, afigurando-se plausível a tese jurídica de inaplicabilidade do mecanismo do art.º 95.º, n.º 4 (e 5 e 6), do CPC de Macau ao processo penal, dada a natureza suficientemente autónoma das regras dos art.os 93.º e 97.º do CPP de Macau, as quais não contêm nenhuma lacuna a ser integrada pelo dito art.º 95.º, n.º 4 (e 5 e 6) do CPC, notifique o recorrente para se pronunciar, em dez dias, sobre a eventual não admissão do seu recurso com fundamento na apresentação extemporânea do mesmo, ainda que o recurso seja circunscrito à causa cível de pedido de indemnização enxertado no presente processo penal.
[…]>>.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Em face dos elementos processuais já referidos na parte II do presente acórdão, o prazo de dez dias contínuos para efeitos de interposição do recurso ordinário do referido acórdão da Primeira Instância deverá ter findo em 26 de Março de 2012.
Pediu, então, o ora recorrente a admissão da prática do acto de interposição do pretendido recurso ordinário no primeiro dia útil seguinte ao termo do dito prazo com fundamento na alegada verificação de justo impedimento, ou, subsidiariamente, mediante o pagamento da multa referida no art.º 95.º, n.º 4, do CPC.
Não aceite judicialmente o fundamento relativo ao justo impedimento, o recorrente foi entretanto admitido a pagar a dita multa.
Foi assim que veio a ser admitido o recurso em questão por decisão do Tribunal recorrido.
Contudo, essa decisão de admissão do recurso como tempestivo (por causa do admitido pagamento da multa destinada à “prorrogação do prazo”) não pode vincular o Tribunal ad quem, isto porque é o próprio art.º 407.º, n.º 3, alínea a), do CPP que manda ao relator verificar, em exame preliminar dos autos recursórios a ele conclusos, se há alguma circunstância a obstar ao conhecimento do recurso.
Daí que há-de improceder o argumento de “caso julgado formal” invocado pelo recorrente (na resposta à observação preliminar do relator), no tocante à questão da tempestividade da prática do acto de interposição do recurso através do pagamento da multa.
É, pois, de colher o entendimento jurídico vertido no despacho liminar do relator, segundo o qual, e em síntese, em processo penal, não é aplicável o mecanismo do art.º 95.º, n.º 4 (e 5 e 6), do CPC, pelo que o recurso então interposto pelo recorrente nos autos penais subjacentes (ao qual se aplica a lei processual penal), embora com objecto circunscrito à matéria cível, não deixa de ser extemporâneo, porquanto não logrou ver aceite pelo Tribunal a quo o alegado justo impedimento na apresentação oportuna da motivação do recurso, nem chegou a impugnar tempestivamente esta decisão feita em seu desfavor pelo Tribunal a quo no uso da competência exclusivamente própria referida no art.º 97.º, n.º 2, do CPP.
De facto, o art.º 97.º, n.º 2, do CPP reza que “Os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, …, a requerimento do interessado …, desde que se prove justo impedimento”. E a utilização do advérbio “só” afasta qualquer ilusão acerca da possibilidade da prática de acto processual fora do prazo mediante o mecanismo de pagamento da multa previsto no art.º 95.º, n.º 4 (5 e 6), do CPC.
Do exposto, decorre a não admissão do recurso, com consequente devolução ao recorrente da multa então paga a seu pedido subsidiário.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em não admitir o recurso, por extemporâneo.
Pagará o recorrente as custas pelo presente incidente, com duas UC de taxa de justiça.
E devolva a multa então paga por ele (cfr. fl. 603).
Macau, 27 de Setembro de 2012.
________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
________________________
José Maria Dias Azedo (Vencido, segue declaração)
(Segundo Juiz-Adjunto)

Processo nº 621/2012
(Autos de recurso penal)



Declaração de voto


Vencido.

Sem prejuízo do muito respeito pelo entendimento pelos meus Exmos. Colegas assumido no douto Acórdão que antecede – e ainda que se entenda que em processo penal, aplicável não é o mecanismo do pagamento da multa do art. 95° do C.P.C.M. – não se nos mostra de subscrever a decisão de “não admissão do recurso interposto”.

É verdade que nos termos do art. 404°, n.° 3, do C.P.P.M., “a decisão que admita o recurso, que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal a que o recurso se dirige”.

E em sintonia com o disposto no art. 407°, n.° 3, al. a), do mesmo Código, “no exame preliminar o relator verifica se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso”.

Porém, importa não olvidar que no caso, em causa não está uma (mera) “decisão tabelar” que, na normal tramitação processual, admitiu o recurso e o remeteu a este T.S.I..

Como se deixou consignado, in casu, e perante o requerimento pelo recorrente então apresentado, proferiu o Mmo Juiz do T.J.B. decisão “no sentido de não haver justo impedimento e o recorrente poder pagar a multa ao abrigo do art. 95°, n.° 4 do C.P.C.M.”, (multa esta que foi efectivamente paga), certo sendo também que do assim decidido foram todos os restantes sujeitos processuais, (nomeadamente os recorridos e Ministério Público), devida e regularmente notificados, nada tendo dito.

Assim, e independentemente de se saber se a prorrogação do prazo determinada pela decisão judicial do T.J.B. corresponde a uma correcta interpretação e aplicação das disposições legais sobre a matéria, claro nos parece que, uma vez “produzidos os efeitos dessa decisão”, eles não poderiam ser posteriormente destruídos por uma revogação oficiosa, abalando-se, desta forma, as expectativas do recorrente relativamente ao prazo de que disporia para recorrer, alicerçadas numa decisão judicial que se pronunciou sobre pretensão apresentada e que não foi impugnada.

Com efeito, o que em causa está não é uma questão de “disponibilidade dos prazos processuais”, mas antes a “confiança legítima que o Tribunal a quo criou com a sua decisão sobre questão expressamente colocada e não impugnada”.

E ainda que, por hipótese, se entenda não constituir tal revogação oficiosa uma patente violação ao “caso julgado formal”, (cfr., art. 575° do C.P.C.M. aqui aplicável), não se afigura de olvidar que o princípio do Estado de Direito impõe uma vinculação do Estado em todas as suas manifestações, e, portanto, também dos Tribunais, ao Direito antes criado ou determinado de modo definitivo.

Nesta conformidade, não se nos mostra pois de considerar adequado e legal que, uma decisão, ao abrigo da qual se constituiu um direito de intervenção processual, (ainda que baseada numa eventual interpretação errónea do direito, mas não arbitrária ou flagrantemente violadora de direitos), venha a ser destruída, pondo-se em causa o prosseguimento, com boa fé, da actividade processual.

Na verdade, há que reconhecer que um processo assim configurado, não pode ser considerado um due process of law, sendo, frontalmente, ofensivo dos “princípios da segurança e certeza jurídica”; (neste sentido, e sobre idêntica questão, cfr., v.g., os Acs. do T. Constitucional português n.° 39/04, 44/04, 722/04 e 103/06 in, “www.tribunalconstitucional.pt”, aqui citados a título de mera referência).

Aliás, este parece ser também – se bem ajuizamos – o entendimento pelo Vdo T.U.I. assumido aquando da prolação do seu douto Acórdão de 28.07.2004, (Proc. n.° 27/2004), e onde, perante análoga questão de “prorrogação de prazo para recurso”, consignou que: “se, ilegalmente, o juiz prorroga o prazo para apresentação da motivação de recurso da sentença, o recorrente, para defender a tempestividade deste recurso, não pode invocar a confiança legítima depositada naquela decisão nem os princípios da segurança e da certeza jurídicas, desde que seja interposto recurso do despacho de prorrogação”.

Ora, no caso, e como se viu, não foi interposto recurso do despacho proferido pelo Mmo Juiz a quo, (que não é um mero “despacho tabelar”), pelo que correcta não nos parece a decisão ora proferida.

Por fim, não se vêm motivos para diferenciar a situação dos presentes autos, (pagamento da multa), com aquelas em que o Mmo Juiz a quo, perante invocação de justo impedimento do recorrente para justificar o atraso do seu recurso, declara o mesmo verificado. De facto, se nestas situações tem este T.S.I. considerado que a decisão faz caso julgado formal, qual o motivo de assim não suceder no presente recurso?

Daí, a presente declaração.

Macau, aos 27 de Setembro de 2012
José Maria Dias Azedo



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