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Reclamação nº 14/2012


I – Relatório

A, arguida e demandada civil nos autos do processo comum colectivo nº CR4-11-0117-PCC do 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, foi condenada na primeira instância pelo Acórdão proferido em 20JUL2012 pela prática de um crime de ofensa à integridade física negligente e absolvida do pedido civil.

Inconformada com o Acórdão, veio recorrer dele impugnando quer a parte da condenação penal contra ela proferida quer a parte da condenação civil do Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo a pagar à demandante civil, a título de indemnização pelos danos morais e patrimoniais, a quantia de MOP$169.133,00.

Por despacho da Exmª Juiz a quo, foi admitido o recurso do Acórdão condenatório apenas na parte que diz respeito à condenação penal e não foi admitido o recurso na parte respeitante à parte da condenação civil.

Notificada do despacho que não admitiu o recurso por ela interposto do Acórdão na parte que diz respeito à condenação civil, vem, nos termos do artº 395º do CPP formular a presente reclamação dizendo que:

1.º
Entendeu o Digno Tribunal "a quo" que relativamente ao recurso apresentado pela arguida a fls. 957 a 1009 dos autos, "Como já foi absolvida do pedido de indemnização civil da sentença recorrida, a arguida não tem interesse processual no recurso sobre a decisão de indemnização e, por isso, o presente Tribunal não admite a parte do recurso sobre a referida matéria."
2.º
Contudo, a arguida, e é com todo o respeito que o faz, não concorda com tal fundamento,
3.º
Porquanto, a arguida tem interesse em agir nos presentes autos quanto à fixação da indemnização Cível.
4.º
Isto porque, dependendo do montante que for fixado na Indemnização a título de danos Patrimoniais e Não Patrimoniais vão sempre influenciar a esfera jurídica da Arguida, na medida em que a mesma estará sempre sujeita ao reembolso dessas quantias quando o Fundo de Garantia Automóvel (doravante FGA), demandado civil nos presentes autos, exercer esse direito que a lei lhe concede.
5.º
E, na verdade, vendo bem os factos, tem maior interesse em agir a arguida do que o próprio FGA, na medida em que este Instituto terá sempre certo o pagamento da indemnização por parte da arguida, dando a própria Lei essa possibilidade de reembolso dessas quantias numa acção de regresso.
6.º
E em última instância caberá à arguida reembolsar o FGA dessa indemnização,
7.º
por isso terá a arguida todo o interesse em que, se for confirmada a sua condenação no pagamento de uma indemnização, seja em montante inferior ao fixado pelo Tribunal "a quo".
8.º
e para isso tem a mesma interesse em agir e assim recorrer da decisão que condena o FGA no pagamento da indemnização,
9.º
sendo esta a única sede e, por conseguinte, a sede própria para a arguida objectar o montante arbitrado pelo Tribunal a quo a titulo de danos Patrimoniais e não patrimoniais à ofendida.
10.º
Estabelece o artigo 391º do CPP de Macau, designadamente no nº 1, b) que: Tem legitimidade para recorrer: o arguido e o Assistente, de decisões contra eles proferidas.
11.º
Estatuindo o nº 2 que: "Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir."
12.º
Considera Manuel Lopes Maia Gonçalves in Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 12a Edição, 2001, pagina 761, que: "A norma n º2 significa que para recorrer, além dos requisitos da legitimidade, deve ainda o recorrente ter necessidade de, no caso concreto, para realizar o seu direito usar do meio processual que é o recurso. (Sublinhado nosso)
Dada a extensão dos deveres do MP, este requisito do interesse em agir dificilmente não lhe será aplicável. Porém quanto a outros interessados no recurso poderá assim não suceder ficará para a jurisprudência a função de avaliar da existência ou inexistência do interesse de agir, tal-qualmente tem sucedido em processo civil. Enquanto a legitimidade é subjectiva e valorada à priori, o interesse em agir é objectivo e terá de se verificar em concreto."
13.º
Ou seja, caso a caso, tendo em conta a situação concreta.
14.º
Ora, in casu, e face ao acima exposto, considera a arguida, salvo melhor e Douta opinião, que existe aqui um interesse legítimo da arguida em recorrer da sentença que a condena ao pagamento de uma indemnização cível, de modo a poder realizar o seu direito.
15.º
Devendo por isso ser o seu recurso admitido também nesta parte relativa à indemnização cível.
Fazendo-se assim, JUSTIÇA!


II – Fundamentação

Como vimos supra, a Exmª Juiz não admitiu o recurso apenas na parte que diz respeito à condenação do Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo no pagamento à demandante civil a quantia de MOP$169.133,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e morais, com fundamento na falta de interesse, por a recorrente, na veste da demandada civil, ter sido absolvida do pedido cível.

Ora, dispõe o artº 391º que:

1. Têm legitimidade para recorrer:

a) O Ministério Público, de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido;

b) O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas;

c) A parte civil, da parte das decisões contra ela proferidas;

d) Aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão.

2. Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.

Tratando-se de um pedido civil inserto no processo penal, não podemos deixar de interpretar o artº 391º/1-c) sem levar em conta o que está previsto no artº 585º do CPC, que reza:

1. Os recursos, exceptuada a oposição de terceiro, só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.

2. As pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem dela recorrer, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.

Alega a ora reclamante que ela tem interesse em agir “na medida em que este Instituto (Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo) terá sempre certo o pagamento da indemnização por parte da arguida, dando a própria Lei essa possibilidade de reembolso dessas quantias numa acção de regresso”.

Ora, obviamente a situação alegada pela reclamante não se integra na previsão no artº 585º/1 do CPC, uma vez que ela, como demandada civil, parte principal na matéria cível, foi absolvida do pedido.

Resta saber se se integra no nº 2 do mesmo artigo.

A lei exige, para ter legitimidade de recorrer de uma decisão, que a pessoa seja directa e efectivamente prejudicada pela mesma decisão.

A propósito da expressão “pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão”, utilizada no preceituado no artº 585º/2 do CPC, defende Amâncio Ferreira que a elas “estão automaticamente excluídas, em primeiro lugar, as pessoas a quem a decisão cause um prejuízo indirecto ou reflexo e, em segundo lugar, as pessoas a quem a decisão seja susceptível de produzir um prejuízo eventual, longínquo e incerto. Somente têm legitimidade para recorrer os terceiros que sofram um prejuízo actual e positivo com a decisão que pretendem impugnar.” (sub. nosso) – Cf. Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 5ª ed., pág. 131.

Ora, face à eventualidade de uma acção de regresso a intentar pelo Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo contra ela, a ora reclamante não é mais do que portadora de um interesse indirecto ou reflexo, ou seja, o interesse de afastar as eventuais repercussões, que a condenação civil de que ora pretende recorrer pode ter, na acção de regresso que o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo poderá vir a intentar contra ela.

Assim, face ao disposto no artº 585º/2 do CPC, não sendo pessoa directa e efectivamente prejudicada pela condenação civil, mas apenas portadora de um interesse indirecto e reflexo, a reclamante carece da legitimidade para recorrer da condenação civil do Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo no pagamento das indemnizações a favor da sinistrada.

Tudo visto, resta decidir.

III – Decisão

São bastantes as razões acima expostas, cremos nós, para que indefiramos, como indeferimos, a reclamação deduzida, confirmando na íntegra o despacho reclamado.

Custas pela reclamante, com taxa de justiça fixada em 5 UC.

Cumpra o disposto no artº 597º/4 do CPC, ex vi do disposto o artº 4º do CPP.

R.A.E.M., 13DEZ2012


O presidente do TSI

Lai Kin Hong







Recl. 14/2012-1