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Proc. nº 947/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 13 de Dezembro de 2012
Descritores:
-Suspensão de eficácia
-Actos negativos
-“Permanência” e “residência” na RAEM

SUMÁRIO:

I- Um acto negativo puro é aquele que deixa intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de com ele, ou por ele, nada ter sido criado, modificado retirado ou extinto relativamente a um status anterior. Nessa medida, a sua eficácia é insuspensível, porque o deferimento da providência nenhuma vantagem ou benefício àquele traria.

II- “Permanência” e “residência” são conceitos diferentes assentes em requisitos legais distintos.

III- É acto puramente negativo aquele que indefere ao interessado um pedido de “autorização de residência” na RAEM, mesmo que ele tenha vivido em Macau ao abrigo de “autorizações de permanência” por curtos períodos.

IV- E enquanto acto negativo, não pode ser objecto de suspensão de eficácia.
Proc. Nº 947/2012

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, viúva, de nacionalidade chinesa, nascida em 9/02/1933 em Pyongyang, na Coreia do Norte, titular do passaporte chinês nº G40374XXX emitido pela Embaixada da República Popular da China na Coreia do Norte, residente na Rua de Seng Tou, Nova Taipa Garden Bloco 312, Cereja, XXX, Taipa, Macau, veio requerer a suspensão de eficácia do despacho do Ex.mo Secretário para a Segurança de 26/09/2012, que indeferiu o pedido de autorização de residência apresentado pela requerente.
Invocou, para tanto, que a decisão suspendenda lhe provocará prejuízos de difícil reparação, que a suspensão não determina grave lesão do interesse público e que não há indícios de ilegalidade na interposição do recurso.
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A entidade requerida apresentou contestação, pugnando pela improcedência do pedido por, entre outras razões, considerar ser negativo o acto suspendendo.
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Também o digno Magistrado do MP opinou no sentido do indeferimento do pedido, dada a natureza puramente negativa do acto.
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Cumpre decidir.
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II- Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III- Os Factos
1. A requerente nasceu em 09/02/1933 em Potonggang-guyok da cidade de Pyongyang da Coreia do Norte
2. A requerente casou em 02/05/1953 em Pyongyang com um cidadão da China B.
3. A requerente e o cônjuge viveram na Coreia do Norte, tendo 5 filhos dentro do casamento. Duas filhas vivem no interior da China, um filho na Coreia do Norte, e o outro filho e filha vivem na RAEM, sendo respectivamente titulares de BIRNPM e BIRPM.
4. C, filha da requerente, residente de Macau, titular do BIRPM n.º1232XXX(6), residente na Rua de Seng Tou, Nova Taipa Garden, Bloco 31-Cereja, XXX, Taipa, Macau (anexo 1);
5. O casamento da requerente terminou em 06/11/1994, altura em que o cônjuge faleceu.
6. A morte do cônjuge fez com que a requerente vivesse sozinha na Coreia do Norte.
7. Até 2003, a pedido da sua filha C, a requerente entrou em Macau com Passaporte chinês. Desde então, a recorrente tem residido em Macau em casa da filha em períodos de permanência de curto prazo.
8. Com 79 anos de idade, a requerente tem estado ao cuidado da sua filha C durante os períodos de permanência em Macau.
9. O período de permanência autorizada à requerente é presentemente de 7 dias, pelo que a requerente tem que sair de Macau na data de vencimento e voltar para a obtenção duma autorização de permanência por mais 7 dias.
10. C, filha da recorrente, residente de Macau, subscreveu termo de fiança, para comprometer-se a tomar conta de todos os encargos produzidos pela permanência da requerente em Macau. A fim de reforçar o efeito do compromisso, aquela exigiu ao Banco Tai Fung que emitisse a certidão para suportar o facto de que ele é financeiramente capaz de cuidar da sua mãe em Macau.
13. A requerente pediu em 28/12/2011 autorização de residência com o objectivo de passar a residir com a filha.
14. Foi emitido um parecer constante do Relatório nº MIG.446/2012/FR do Serviço de Migração do CSPSP:
“1. A requerente, de sexo feminino, viúva, com 79 anos de idade, titular do Passaporte chinês emitido em Pyongyang, Coreia do Norte e da certidão do estrangeiro neste país. Vem agora a mesma pedir a autorização de fixação de residência em Macau, para reunir-se com a filha que é titular do BIRPM.
2. Dos dados constantes dos autos resulta que, para além da filha que é residente de Macau, a requerente também tem 4 filhos, todos casados, entre os quais a filha mais velha e a segunda são titulares do Bilhete de Identidade de Residente da China e ora lá residem; o filho mais velho é titular do Passaporte chinês e da certidão do estrangeiro na Coreia do Norte, onde reside; o segundo filho é titular do BIRNPM e agora reside em Macau.
3. Tendo em conta que não todos os filhos da requerente são residentes de Macau, esta não preenche o critério da autorização por parte do Secretário para a Segurança em relação aos casos de mesma natureza; a par disso, não há indício de a mesma precisar especialmente de cuidado, que será exclusivamente prestado pela filha que reside em Macau. Caso necessário, a requerente poderia estar ao cuidado dos outros filhos; pelo que tal requerimento não deve ser deferido.
4. Realizada a audiência escrita, foi recebida no Serviço a alegação escrita, juntamente com os seus anexos, do advogado da requerente (Hugo Au, Advogado Estagiário).
5. Os fundamentos da audiência não são suficientes, pelo que sugiro que, atento o artigo 9, n.º 2, al. 5), al. 3) e al. 6) da Lei n.º 4/2003, seja indeferido o pedido de fixação de residência e de prorrogação adequada de permanência”.
15. O Ex.mo Secretário para a Segurança, em 26/09/2012, decidiu indeferir o pedido com base nesse parecer.
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IV- O Direito
Pretende a requerente obter a suspensão de eficácia do acto que lhe negou a requerida autorização de residência na RAEM.
Como é sabido, e de acordo com o disposto no art. 120º do CPAC, a suspensão de eficácia só pode ser decretada se o acto suspendendo tiver conteúdo positivo (al.a)) ou, tendo conteúdo negativo, apresente uma vertente positiva e a suspensão for circunscrita a essa vertente (al. b)).
Um acto negativo é aquele que deixa intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de com ele, ou por ele, nada ter sido criado, modificado, retirado ou extinto relativamente a um status anterior. O indeferimento de uma pretensão constitutiva exemplifica muito bem a situação: se alguém pede o licenciamento para iniciar a exploração de um bar, o indeferimento deixa o requerente exactamente como se encontrava antes; nada na sua esfera mudou. Sendo assim, trata-se de um acto administrativo que para o interessado é neutro, do ponto de vista dos efeitos, uma vez que para si tudo permanece como anteriormente1.
A jurisprudência tem considerado que a eficácia de tais actos não é susceptível de ser suspensa, com a justificação de que não seria possível extrair de uma sentença favorável um efeito contrário ao que deles emanava (no exemplo fornecido, a suspensão nunca permitiria que o requerente pudesse dar início à exploração do negócio) porque isso poderia representar uma usurpação de poderes administrativos pelos tribunais, e na medida em que, portanto, dessa suspensão não adviria qualquer efeito útil para o interessado, nomeadamente o afastamento do espectro de uma situação de facto danosa com a caracterização qualitativa e quantitativa que o art. 121º, nº1, al. a), estabelece. Por isso, são actos normalmente arredados da suspensibilidade (cfr. a contrario, art. 121º, al. a), do CPAC).
É certo que há situações em que para alguns interessados o mesmo acto administrativo é inerte, na acepção acabada de referir, ao passo que simultaneamente para outros ele é positivo, na medida em que interfere com o seu anterior status ou, noutras palavras, com a sua situação jurídica substantiva anterior. Podemos dizer que, em tal hipótese, é acto misto do ponto de vista dos efeitos plurisubjectivos. Todavia, quando falamos em acto de conteúdo negativo em termos da providência de suspensão de eficácia, apenas nos atemos à correspondência entre os efeitos directos do acto para o requerente e o objectivo que se pretende alcançar com a providência. Quer dizer, não é pelo facto de o acto introduzir alterações na situação jurídica de alguns interessados que ele passa a ser acto positivo tout court. O que interessa neste particular é que seja negativo para aquele interessado directo no incidente em que nos encontramos. E neste caso, como veremos adiante, o acto é negativo para a requerente em apreço.
Mas é preciso ainda considerar outra classe de actos. Falamos das situações em que o acto só aparentemente é negativo ou em que é acto negativo com efeitos positivos. Trata-se, esta última de uma categoria de decisões em que há efectivamente uma utilidade na suspensão, na medida em que deles advêm efeitos secundários positivos. Nesse sentido, são suspensíveis (art. 120º, al. b) do CPAC). São actos de que resulta o indeferimento da manutenção de uma situação jurídica anterior: por exemplo, quando denegam a renovação ou prorrogação de uma situação jurídica pré-existente e que, por isso, além de ferirem legítimas expectativas de conservação dos efeitos jurídicos de um acto administrativo anterior, colocam o interessado numa posição jurídica substantiva diferente da que detinham até ao momento da sua prática. Nessas hipóteses, os actos alteram realmente a situação jurídica ou de facto do requerente2.
E até se diz, ainda, que se alguma utilidade puder advir da suspensão, a ponto de o requerente ir, provisória ou condicionalmente, obtendo algum ganho até ser decidida em definitivo a questão no recurso contencioso, a suspensão será de conceder, mesmo que o acto seja negativo (seria o caso, por exemplo, de rejeição ou recusa de admissão a concursos e exames ou à frequência do estudante a algum curso). A utilidade adviria do facto de o candidato ‘entrar” no curso, por exemplo, ir adquirindo os conhecimentos nele ministrados e, assim, estar habilitado, tal como os restantes colegas, a mostrá-los no exame final sem prejuízo do julgamento da impugnação contenciosa entretanto desencadeada.
Em todos os casos citados há, como se vê, um efeito positivo imediato para a esfera do interessado/requerente em resultado da suspensão.
Todavia, esse não é o caso dos autos.
Realmente, a requerente, se tem estado em Macau, não o tem feito ao abrigo de nenhuma “autorização de residência”, mas sim em consequência de uma situação de “permanência” por curtos períodos como cidadã não residente. A “autorização de residência” ao abrigo do art. 9º a 11º da Lei nº 4/2003, de 17/03 é diferente da “autorização de permanência” na RAEM (art. 9º a 13º do Regulamento Administrativo nº 5/2003) porque assente em requisitos legais distintos3.
Por conseguinte, se a requerente não tinha autorização de residência, continuou a estar sem essa autorização após o acto suspendendo. Este acto nem a beneficiou, nem a prejudicou relativamente à situação anterior. Ou seja, ficou na mesma: nada se alterou no seu “status”. Aliás, a requerente vai poder, certamente, continuar a beneficiar da possibilidade de visitar a sua filha ao abrigo do regime de permanência temporária, que, em princípio, não lhe será negado. O que não poderá é, como pretendia, obter para já o estatuto jurídico de “residente de Macau”.
Esta é, claramente, uma situação que preenche a noção de acto negativo4
A reverência à provecta idade da senhora requerente, que fará 80 anos em Fevereiro do próximo ano, ainda por cima viúva, o apelo forte a razões humanitárias e até de saúde, o respeito pela anciã e pelos valores nobres de protecção na velhice, a honorabilidade do sentimento de carinho e amor familiares, por muito que sejam respeitáveis, toquem fundo no coração das pessoas e mereçam compreensão e um olhar terno, solidário e sensível, só podem relevar em sede substantiva no concernente à eventual satisfação da pretensão. Isto é, podem levar a Administração a condoer-se com a situação e, discricionariamente, deferir o pedido. Já não podem, todavia, constituir razões para o atropelo à lei processual que estabelece uma base de condições mínimas de acesso à justiça. O art. 120º citado, que se mostra imperativo e sem cedência a excepções, afirma que nestes casos o acto não pode ser objecto de suspensão de eficácia.
Assim sendo, o pedido terá que improceder.
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V- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em indeferir o pedido de suspensão de eficácia.
Custas pela requerente, com taxa de justiça em 3 UC.
TSI, 13 / 12 / 2012
José Cândido de Pinho
Presente Lai Kin Hong (com declaração de voto)
Vitor Coelho Choi Mou Pan





Processo nº 947/2012
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente em tudo quanto não colide com a minha posição já tomada relativa ao entendimento do acto negativo, nomeadamente na declaração de voto de vencido que juntei aos Acórdãos tirados nos processos nºs 815/2011A e 163/2012A.

RAEM, 13DEZ2012
Lai Kin Hong


1 Sobre o acto negativo e sua implicação no quadro do meio provisório da suspensão de eficácia, v. CLAUDIO RAMOS MONTEIRO, in Suspensão de eficácia de actos administrativos de conteúdo negativo, pag. 125 e sgs.
2 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, Coimbra, 2001, p. 279; MARIA FERNANDA MAÇÃS, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº2, 13 e 16, JOSÉ CARLOS VIEIRA de ANDRADE, in A Justiça administrativa, pag. 143; M. ESTEVES DE LIVEIRA e outros, in Código de Procedimento Administrativo, 2ª ed., pag. 716/717; SÉRVULO CORREIA in, “Noções de Direito Administrativo”, Vol. I, pág. 527; Ac. do TSI de 13/10/2005, Proc. n. 238/2005-A.




3 Neste mesmo sentido, Ac. do TSI, de 3/10/2002, Proc. nº 186/2002/A.
4 Neste sentido, ver Acs. do TUI de 7/Dez/2005, Proc. nº 29/2005 e do TSI, de 15/12/2011, Proc. nº 569/2011/A.
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