打印全文
Processo nº 655/2012
(Recurso Laboral)

Data: 13/Dezembro/2012

   Assuntos:

- Nulidade da sentença; oposição entre decisão e fundamentos
- Erro de julgamento
- Contrato de trabalho de não residentes
- Regime mais favorável decorrente de um contrato celebrado
entre empregador e uma empresa agenciadora de mão de obra
- Contrato a favor de terceiro
    
    
    SUMÁRIO :
    
    1. Não pode a parte pretender o aditamento de quesitos que integrem matéria contida em contrato diferente àquele por si aceite como regulador de uma dada relação jurídico-laboral.

    2. Não há erro de julgamento nem oposição entre a decisão e fundamentos se o contrato ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado está perfeitamente identificado.
    
    3. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
    
    4. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
    
    5. O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais
    
    6. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
    
    7. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
    
    8. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
    
    9. Será o que acontece quando um dado empregador assume o compromisso perante outrem de celebrar um contrato com um trabalhador, terceiro em relação a esse primitivo contrato, vinculando-se a determinadas estipulações e condições laborais.
    
    10. O facto de a empregadora ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere.
    
    11. Nada obsta que da relação entre o promitente e o terceiro (agência prestadora de serviços e mão de obra), para além do assumido nesse contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).


O Relator,

               
                (João Gil de Oliveira)







Processo n.º 655/2012
(Recurso Civil e Laboral)

Data: 13/Dezembro/2012

RECORRENTE :
Recurso Final
Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada

Recurso Interlocutório
Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada

RECORRIDO :
A

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    1. Vêm interpostos dois recursos por Guarforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada:
    - um recurso do despacho de fls 540 que indeferiu o aditamento à base instrutória de novos quesitos;
    - um segundo, da sentença proferida a final, interposto pela empregadora, Guardforce (Macau)
    2. Guarforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada, mais bem identificada nos autos, no primeiro recurso, alega, em síntese conclusiva:
    I. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido a fls. 540 na parte que indeferiu o requerimento apresentado pela Ré em sede de audiência de discussão e julgamento para aditar à base instrutória novos quesitos.
    II. Conforme se afere do douto despacho datado de 07/11/2011 proferido na sequência do requerimento apresentado pela Recorrente para ampliação da base instrutória, o douto Tribunal a quo considerou que, face ao acervo de documentos existentes nos autos, seria de ampliar a base instrutória nos termos do artigo 41.º, n.º 1 do CPT.
    III. Contudo, antes de proceder à referida ampliação, o douto Tribunal a quo entendeu oficiar a DSAL para remeter cópia de todos os contratos de prestação de serviços ao abrigo dos quais foi autorizada a contratação do Autor ao longo do tempo, sem prejuízo de qualquer das partes os poderem juntar aos autos caso estejam na posse de todos eles.
    IV. Devidamente oficiada para juntar aos presentes autos cópias de todos os contratos de prestação de serviços ao abrigo dos quais foi autorizada a contratação do Autor ao longo do tempo, a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais procedeu à junção de (i) cópia do pedido de renovação dos contratos de trabalhadores não residentes apresentado pela ora Recorrente em 31/11/1996;(ii) cópia do Despacho de autorização proferido pelo Secretário Adjunto para a Economia e Finanças de 11 de Dezembro de 1993, ao abrigo do qual foi celebrado em 3 de Janeiro de 1994 o contrato de prestação de serviços 2/94; (iii) cópia do contrato de prestação de serviços 2/94, celebrado em 3 de Janeiro de 1994; (iv) cópia do requerimento datado de 02/10/1997 para efeitos de renovação do contrato de prestação de serviços 2/94, apresentado pela Ré; (v) cópia do ofício do Gabinete para os Recursos Humanos 13550/OFI/GRH/2007, donde consta o contrato de prestação de serviços 1/1 celebrado em 29 de Maio de 2007 e válido até 31 de Maio de 2008; (vi) cópia do despacho de autorização 09501/IMO/DSAL/2007; e (vii) cópia dos contratos de trabalho celebrados entre a Recorrente e o Recorrido.
    V. Em 16/01/2012 a Recorrente procedeu à junção do contrato de prestação de serviços 2/94 e respectivas renovações e cópia dos contratos de prestação de serviços 1/1 e respectivas renovações, tendo todos esses contratos sido facultados à Recorrente pelo Gabinete de Recursos Humanos.
    VI. Tendo a DSAL junto a renovação contrato de prestação de serviços 1/1 para o período compreendido entre 12/06/2007 e 31/05/2008, na sequência do ofício do douto Tribunal a quo, resulta claro que o Autor esteve ao serviço da Ré também em virtude da celebração daquele contrato de prestação de serviços 1/1.
    VII. Para uma relação laboral que durou entre 28 de Fevereiro de 1994 e 31 de Maio de 2008, resultam manifestamente insuficientes os documentos juntos pela DSAL na sequência do ofício do Tribunal a quo, porém isso não poderá ser forma alguma ser imputado à ora Recorrente e nem contra ela utilizado.
    VIII. Mal andou o douto Tribunal a quo ao indeferir a ampliação da base instrutória com base na falta das listas nominativas da qual conste o nome do A. não resulta sequer indiciado que o contrato de prestação de serviços 1/1 tenha qualquer interesse para a decisão da causa", já que é nítido que da resposta da DSAL e dos documentos pela mesma juntos resulta que o Autor esteve ao serviços da Ré não só em virtude do contrato de prestação de serviços 2/94, mas também do contrato de prestação de serviços 1/1.
    IX. Reputa-se manifestamente insuficiente que na discussão fáctica da causa, esteja apenas assente que foi ao abrigo do contrato de prestação de serviços 2/94, com uma duração limitada, que o Autor foi contratado pela Ré, quando dos autos constam cópias de todas as renovações desse contrato 2/94, bem como do contrato prestação de serviços 1/1 e suas renovações e que, de acordo com a resposta da DSAL, também justificou a contratação do Autor.
    X. Nos presentes autos o Autor formulou um pedido com expressão numérica e monetária e que se encontra impugnado, sendo que a prova desse pedido (e desses valores) terá que ter em consideração elementos de prova dos quais resulte o mesmo, pelo que importaria portanto apurar-se ao abrigo de que contratos de prestação de serviço celebrados entre a Recorrente e Agência de Emprego o Autor permaneceu ao serviço da Ré até Maio de 2008, por forma a que se apure o eventual quantum indemnizatório.
    XI. Nenhum dos contratos de prestação de serviços mencionados nos factos Assentes, e mormente o contrato mencionado na alínea D) ao abrigo do qual, efectivamente o A. foi contratado e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré - cfr. documento n.º 2 junto com a contestação -, têm um período de validade e duração que permitam ao douto Tribunal a quo deles extrair consequências para todo o período que durou a relação laboral entre a Ré e o Autor
    XII. A Ré, ora Recorrente, não confessou que o contrato de prestação de serviços 2/94 fundamentou a subsistência da relação laboral que se estabeleceu entre as partes desde o seu começo até ao seu termo.
    XIII. Cada um dos contratos de prestação de serviços cuja inclusão à base instrutória se requereu têm datas ou períodos de validade que não podem ser ultrapassados, nem sequer por via judicial, nos termos do princípio geral da liberdade contratual e da prova, dos mesmos resultando ainda diferentes obrigações e diferentes montantes.
    XIV. Seria assim de extrema relevância saber-se se o Autor permaneceu ao serviço da Ré ao abrigo do Despacho de Autorização e do Contrato de Prestação de Serviços através do qual foi inicialmente contratado, ou se, a sua permanência na RAEM, como trabalhador da Ré, se deveu à prolação de outros Despachos de Autorização e da celebração de outros Contratos de Prestação de Serviços, matéria que seria passível de resposta após a ampliação da base instrutória nos termos requeridos pela ora Recorrentes.
    XV. A ampliação da base instrutória nos termos requeridos pela Recorrente, ou outros que o douto Tribunal considerasse adequados, ajudaria na descoberta do motivo pelo qual o Autor permaneceu durante tantos anos ao serviço da Ré, atenta a duração limitada do contrato de prestação de serviços 2/94, e também permitiria proceder ao calculo das diferenças salariais existentes entre os vários contratos de prestação de serviços celebrados com a Agência de Emprego e os vários contratos individuais de trabalho celebrados entre a Ré e o Autor, conforme aliás foi reconhecido pelo douto Tribunal a quo.
    XVI. A douta decisão ora sob recurso padece assim do vício de erro na aplicação do direito, por força da violação do disposto no artigo 41.º, n.º 1 do CPT.
    Nestes termos, propõe, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser o despacho sub judice ser revogado e substituído por outro que defira o requerimento de ampliação da base instrutória apresentado pela ora Recorrente.
    
    A, Autor já identificado nos autos à margem indicados, contra-alega neste recurso, dizendo, em suma:
    1. Ao contrário do alegado pela Recorrente, o Despacho proferido que indeferiu a ampliação da base instrutória procedeu a uma correcta aplicação das normas legais aplicáveis e, bem assim, a uma correcta aplicação e não enferma de uma qualquer contradição;
    2. Com efeito, a questão trazida pela Recorrente é uma questão que por diversas vezes já foi objecto de análise por parte do douto TSI para situações análogas à presente, pelo que nem se percebe a insistência da Recorrente em pretender trazer aos autos o conteúdo do contrato de prestação de serviço n.º 1/1, sabido que o mesmo não tem qualquer interesse para a decisão da causa;
    3. Por outro lado é, no mínimo, estranho que a Recorrente se surpreenda e insurja quanto ao facto de a resposta da DSAL ao oficio do douto Tribunal a quo "não se reputa(r) satisfatória ( ... ) tendo ficado por juntar por parte daquela entidade os contratos de prestação de serviços ao abrigo dos quais o Autor terá sido autorizado a permanecer ao serviço da Ré ( ... )".
    4. Sem prejuízo da gravidade da afirmação, não se entende que tratando-se de documentos, maxime de contratos de prestação de serviço outorgados pela própria Recorrente, a mesma não os tenha junto atempadamente aos presentes autos, procurando refugiar-se na existência ou não existência dos mesmos junto de uma entidade pública ... ;
    5. Uma vez mais se sublinha que tão-só a Recorrente estava em condições de mostrar ao Tribunal a quo a existência de outros contratos de prestação de serviços que quiçá tenham regulado a relação de trabalho com o Recorrido ou com outros trabalhadores não residentes;
    6. Ou melhor, só a Recorrente poderia ter junto a lista nominativa de trabalhadores que estavam sob a alçada do Contrato de prestação de Serviços n.º 1/1 ... se não o fez, tal acto ou omissão apenas à Recorrente poderá ser imputado ... ;
    7. Ademais, é sabido que a Recorrente, em sede de Contestação, juntou aos autos cópia do contrato de prestação de serviços n.º 2/94 afirmado expressamente tratar-se do contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor;
    8. E nada referiu a propósito da existência de outros contratos de prestação de serviços que tivessem regulado a relação laboral do Autor;
    9. Em suma, a Ré afirmou, aceitou e confessou que as cláusulas do Contrato de Prestação de Serviço n.º 2/94 eram válidas, eficazes e aplicáveis à relação laboral durante todo o seu período;
    10. Ora, sabido que II as afirmações expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte (...)"; e que" a confissão é irretractável" (cfr. art. 80.° e 489.° do CPC), não pode agora a Recorrente vir a “dar o dito por não dito”! e procurar retractar o que a Lei imperativamente consagra ser irretractável, por resultante da sua própria Confissão!
    11. A ser assim, o único contrato de prestação de serviços sobre o qual o douto Tribunal se teria de pronunciar seria o contrato de prestação de serviços n.º 2/94, isto é, o concreto contrato que permitiu ao Recorrido ter sido contrato pela Recorrente e, com base no qual foram celebrados os contratos individuais de trabalho com a mesma;
    12. De onde, o conjunto de quesitos que a Recorrente pretende(ia) aditar à base instrutória e relativos ao contrato de prestação de serviços n.ºs 1/1 jamais estiveram em causa nos presentes autos e, como tal, a sua concreta análise mostra-se de todo em todo desnecessária tendo em conta o concreto pedido e a concreta causa de pedir apresentada pelo Autor na sua Petição Inicial e aceite pela Ré na sua Contestação;
    13. Ademais, do próprio teor do contrato de prestação de serviços n.º 1/1 nada resulta a respeito de o mesmo ter por objecto ou finalidade a “revogação” e / ou “substituição” de qualquer um dos contratos prestação de serviços n.º 9/92, 6/93, 2/94, 29/94, 45/94, 40/94 e 45/94;
    14. Isto é, em lado nenhum do contrato de prestação de serviços n.º 1/1 se faz uma alusão, por mínima que seja, ao facto de o mesmo contrato se destinar a substituir ("fundir" ou "agrupar") o conteúdo de qualquer um ou de todos os contratos de prestação de serviços n.ºs 9/92, 6/93, 2/94, 45/94 ... ou, que o mesmo contrato se destinasse efectivamente a regular a concreta situação jurídico-laboral do Recorrido, visto que a Recorrente não juntou aos autos qualquer documento comprovativo de tal conclusão;
    15. Tratava-se, ademais, uma vez mais repete, de uma prova de fácil demonstração: bastava que, em momento próprio, a Recorrente tivesse junto aos presentes autos a lista nominativa dos trabalhadores a recrutar no âmbito do referido contrato, tal qual, aliás, o exigia a al. j) do ponto 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro;
    16. De onde, sem a apresentação da referida lista e sem a demonstração de um mínimo de conexão entre o contrato n.º 1/1 e a contratação e / ou manutenção da contratação do Recorrido, não se vê como o referido contrato pudesse ter uma qualquer relevância para o concreto ihema decídenduum e, neste sentido, como devesse ter sido aditada matéria sobre o seu concreto conteúdo;
    17. Ademais, ocupando-se os contratos de prestação de serviços n.º 1/1 e 14/1 tão-só das "vagas" dos contratos de prestação de serviços n.ºs 9/92, 6/93, 2/94, 45/94 e 45/94, seria até estranho que os mesmos se destinassem a regular a concreta situação profissional do Recorrido que, ao tempo, se encontrava a exercer a sua actividade laboral para a Recorrente, ao abrigo de um outro contrato de prestação de serviços plenamente válido e em plena execução ... ;
    18. Assim, ao contrário do alegado pela Recorrente, do concreto conteúdo do contrato de prestação de serviços n.º 1/1 nada se extrai com um mínimo de conexão para a boa discussão da causa e para a descoberta da verdade material e, como tal, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir a inclusão na base instrutória de um conjunto de quesitos respeitantes ao contrato de prestação de serviços n.º 1/1;
    19. In casu, se num primeiro momento o douto Tribunal a quo terá ficado em dúvida quanto ao possível interesse de se apurar a existência de outros contratos de prestação de serviços, em face dos elementos de prova trazidos pela Recorrente e, bem assim, pela DSAL, num segundo momento, compulsados os documentos com facilidade concluiu não se justificar proceder à ampliação da Base instrutória, por manifesta falta de interesse material do conjunto de novos quesitos formulados pela Recorrente;
    20. Tal decisão não incorre em qualquer contradição ou erro na aplicação do Direito, pelo que o douto Despacho se deve manter na íntegra.
    Nestes termos, entende, o presente recurso ser julgado totalmente improcedente.
    3. GUARDFORCE (MACAU) - SERVIÇOS E SISTEMAS DE SEGURANÇA, LIMITADA, no recurso da decisão final, alega, em síntese:
    I) Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo douto Tribunal, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ora Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de MOP$304,440.93 (trezentas e quatro mil, quatrocentas e quarenta patacas e noventa e três avos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal.
    II) Salvo devido respeito por melhor opinião, a Sentença sub judíce padece da nulidade prevista n.º 571 n.º 1 al. c) do CPC, por se verificar contradição entre a fundamentação fáctica e a decisão.
    III) Na alínea d) dos factos assentes o douto Tribunal a quo dá como provado que foi com base no contrato de prestação de serviços 2/94 que a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, contudo este contrato de prestação de serviços tem um prazo de duração de apenas 1 ano.
    IV) Nos presentes autos não se apurou se o referido contrato de prestação de serviços n. 2/94, que esteve na base da contratação do Autor, decorrido o período de um ano pelo qual foi celebrado, foi ou não renovado, por quantas vezes, e até quanto vigorou.
    V) Pretendendo o Réu beneficiar de valores constantes de outro documento que não o seu contrato de trabalho, e constituindo esse documento um contrato com um termo de duração limitado no tempo, o Réu tem o ónus de alegar e provar que esse contrato esteve em vigor para além do termo nele previsto, o que não sucedeu.
    VI) Sem a prova de que o contrato de prestação de serviços 2/94 foi ou não renovado, por quantas vezes, e até quanto vigorou, o douto Tribunal a quo apenas poderia ter tido em conta a duração prevista em tal contrato, não a extrapolando, conforme fez, condenado a Recorrente a pagar ao Recorrido as diferenças salariais vencidas num período superior a 10 anos, com base num contrato de prestação de serviços com uma duração de 1 ano.
    VII) Ademais, a decisão assim tomada entra em manifesta contradição com o teor do documento numero 2 junto pelo Autor com a sua petição inicial, donde resulta que as vagas do contrato de prestação de serviços n.º 2/94 (assim como todos os outros mencionados na alínea d) da matéria de facto assente), se fundiram em 2001 no contrato de prestação de serviços nº 1/1 ou no contrato de prestação de serviços 14/1.
    VIII) Depois de 2001 todos os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré passaram a estar abrangidos pelo contrato de prestação de serviços 1/1 ou 14/1, o que também se comprova através dos documentos juntos aos presentes autos pela DSAL donde resulta que também o contrato de prestação de serviços 1/1 esteve na base da manutenção do Autor como trabalhador não residente da Ré
    IX) É assim patente que os fundamentos da decisão (designadamente o entendimento de que o contrato de prestação de serviços 2/94, com um prazo de vigência de 1 ano fundamentou a manutenção de uma relação laboral que durou mais de 10 anos) estão em oposição com a decisão da sua aplicabilidade para todos os anos em que o Recorrido esteve a trabalhar para a Recorrente.
    X) O ponto d) da fundamentação fáctica da decisão reporta-se a prova que intrinsecamente é incompatível com o período de trabalho a que a sentença se reporta, pelo que a sentença padece de nulidade nos termos do 571 nº 1 al. c) do CPC, por se verificar contradição entre a fundamentação fáctica e a decisão.
    XI) Não obstante o devido respeito pelo entendimento que vem sendo sufragado por este douto Tribunal ad quem, e que é também invocado na sentença em recurso, a ora Recorrente não pode deixar de discordar com a classificação como contrato a favor de terceiro do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
    XII) Na verdade, conforme consta do também douto Acórdão 1026/2009 de 15 de Dezembro de 2009 proferido por este douto Tribunal de Segunda Instância: “[...] Voltando ao caso dos autos a Ré/Recorrente é parte do referido contrato de prestação de serviços, mas o Autor (...) desta acção não é parte do mesmo, como talo contrato não o vincula, por força do disposto no artigo 400º/2 do CCM (correspondente ao artigo 406º/2 do cc de 1996), que prescreve: "2. Em relação a terceiros o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei." (...) tal contrato não é convenção colectiva de trabalho, muito menos acordo tipo que vincula os trabalhadores (...) Aliás, o contrato de trabalho individual assinado pelo Autor, em lado nenhum remete para o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e o terceiro [...]”. ~
    XIII) À celebração do referido contrato de prestação de serviços não está, nem nunca esteve, subjacente a criação de direitos/deveres na esfera jurídica de outrem que não dos seus originais outorgantes, sendo que a aprovação administrativa a que foi sujeito não lhe conferiu tal virtualidade.
    XIV) Por força do contrato a favor de terceiro, e segundo a definição legal e doutrinal, o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior, ao que acresce que a obrigação do promitente é a de efectuar uma prestação e não a de celebrar um outro contrato.
    XV) Através do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, a ora Recorrente não se obrigou a prestar ou atribuir a um terceiro uma vantagem patrimonial imediata, mas antes a celebrar um outro contrato, concretamente, de trabalho, ao abrigo do qual nasceriam na esfera jurídica do terceiro não só direitos, mas também obrigações, como seja a prestação de trabalho e todas as demais inerentes à relação laboral.
    XVI) Não resultam dos autos quaisquer elementos que permitissem concluir que os contra entes ou seja a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau - agiram com a intenção de atribuir directamente ao Autor uma vantagem patrimonial, intenção essa que constitui um elemento essencial do contrato a favor de terceiro e que permite ao este mesmo terceiro exigir o cumprimento da promessa.
    XVII) De contrário, sempre se estará perante uma figura próxima, mas distinta do contrato a favor de terceiro, como será o caso dos contratos a que a doutrina alemã denomina de autorizativos de prestação a terceiro, em que, apesar de a prestação se destinar ao terceiro beneficiário, este não adquire a titularidade dela, isto é, não assume a posição de credor e por conseguinte não pode exigir do obrigado a satisfação da prestação.
    XVIII) Assim, o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau vincula apenas as partes contratantes, não podendo beneficiar directa ou indirectamente o Autor, e não tem interferência na validade e eficácia do contrato celebrado entre este e a Recorrente, nem no seu concreto conteúdo.
    XIX) Pelo que, ao ter qualificado o contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau com um contrato a favor de terceiro, o douto Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 400.º, 437.º e 438.º, todos do Código Civil.
    Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deverá ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo e substituída por acórdão que absolva a ora recorrente do pedido, ou,
    Caso assim se não entenda, o que por mera cautela de patrocínio concede, deve a sentença em recurso ser revogada e substituída por acórdão que condene a ora recorrente a pagar ao recorrido apenas o valor das diferenças salariais que se reportam ao período de vigência do contrato de prestação de serviços 2/94 .
    
    A, Autor já identificado nos autos à margem indicados, contra-alega este recurso, dizendo, a final:
    1. Ao contrário do que por diversas vezes foi afirmado pela Recorrente, não é verdade que não existe nos autos prova de que o contrato de prestação de serviços n.º 2/94 (contrato com base no qual o Autor prestou trabalho para a Ré) tenha sido objecto de renovação e até quando terá vigorado.
    2. Basta, para o efeito, atender ao disposto na alínea f) dos Factos Assentes para se concluir que “A Ré sempre apresentou junto da entidade competente, maxime junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), cópia dos contratos de prestação de serviços supra referidos, para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes”.
    3. O mesmo será dizer que, durante todo o período da relação laboral entre as partes, a Recorrente sempre apresentou junto da então DSTE cópia do Contrato de Prestação de Serviços com base no qual o Autor prestou a sua actividade profissional para a Recorrente.
    4. A apresentação do contrato de prestação de serviço junto da entidade competente, para efeitos de aprovação do respectivo conteúdo, tratava-se, ademais, de um requisito ou exigência legal e, como tal, estranho teria sido que a Recorrente não tivesse o feito ao longo de todos estes anos.
    5. Ao que acresce que, a demonstração ou ónus de que o Contrato de prestação de serviço em causa não terá sido objecto de qualquer renovação após o seu primeiro período de vigência caberia tão-só à própria Recorrente, enquanto única entidade interessada na sua renovação.
    6. Certo é que, em momento nenhum a Recorrente questionou o facto de o contrato de prestação de serviços n.º 2/94 não ter sido reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e de aprovação por parte da entidade competente, a pedido da própria Recorrente, ou a seu mando.
    7. Pelo contrário, o que resulta dos Autos é a confissão por parte da Recorrente de que: “(...) à data de assinatura dos mesmos (isto é, dos contratos individuais de trabalho assinados entre a Ré e o Autor) o contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato de trabalho do Autor era o CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS N.º 2/94 (...)”, tendo anteriormente sublinhado (para efeitos de aplicação de uma cláusula arbitral constante do mesmo contrato de prestação de serviço n.º 2/94) que: “(…) as cláusulas dos referidos contratos de prestação de serviços ainda se encontram em vigor, designadamente aquele que diz respeito ao Autor, pelo que são válidas, eficazes e aplicáveis aos presentes autos" (cfr. artigos 39º e 18º da Contestação, respectivamente).
    8. É estranho que a Recorrente venha, de novo, e em sede de recurso, procurar questionar acerca da validade ou do limite temporal dos contratos de prestação de serviços por si outorgados com vista à importação de mão-de-obra não residente e, in casu, com vista à contratação do Recorrido, visto que, em momento próprio, a Recorrente nada conseguiu demonstrar a este respeito e nada mais se apurou para além da realidade já dada como assente pelo Tribunal a quo aquando da selecção da matéria de facto;
    9. Ademais, em momento nenhum a Recorrente questionou o facto de o contrato de prestação de serviços n.º 2/94 não ter sido reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e de aprovação por parte da entidade competente, a pedido da própria Recorrente, ou a seu mando, enquanto única entidade interessada na sua renovação;
    10. Ou melhor, o que resulta da matéria provada é que o contrato de prestação de serviços n.º 2/94 foi sucessivamente apresentado pela Recorrente junto da entidade competente, maxime junto da DSTE, para efeitos de contratação e renovação de mão-de-obra não residente;
    11. Por outro lado, sabido que a renovação do contrato de prestação de serviços teria de ser requerida mediante acordo das partes, in casu entre a própria Recorrente e a Sociedade de Apoio Lda., salta à vista que o ónus de prova quanto à existência ou não existência de renovações ao contrato de prestação de serviço supra referido caberia à Recorrente e nunca ao Recorrido;
    12. Certo é que, em momento nenhum a Recorrente conseguiu demonstrar que as condições pelas quais o Autor/Recorrido havia sido contratado se haviam modificado ou mesmo extinto, ou que os contratos de prestação de serviços por si outorgados tinham sido substituídos por outros de igualou diferente conteúdo;
    13. De onde, não tendo a Recorrente praticado o acto processual em momento próprio, precludido está o direito de o praticar neste momento, porquanto a omissão de impugnação dos factos alegados pelo Autor e a sua aceitação expressa pela Recorrente, conforme ocorreu nos presentes autos, obstam a que estas questões sirvam agora de fundamento em sede de recurso jurisdicional;
    14. A não se entender assim, serão beliscados todos os mais elementares princípios que dão corpo ao nosso Processo Civil (Princípio do dispositivo, Princípio do contraditório, Princípio da cooperação e Princípio da prec1usão).
Por outro lado,
    15. Do conteúdo literal do contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda. resulta tratar-se de um contrato a favor de terceiros, maxime de um contrato celebrado a favor dos trabalhadores não residentes que seriam recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e que posteriormente seriam cedidos à Ré, de entre os quais se inclui o Autor (cfr. a este respeito, entre outros, o Ac. do TSI, de 16/06/2011, Proc. n.º 779/2010 ou o Proc. n.º 69/2010);
    16. Isto mesmo tem sido, aliás, concluído de forma unânime pelo douto Tribunal de Segunda Instância, para dezenas de casos similares ao presente, ao dispor-se que: "Tendo sido celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré, estamos em face de um contrato a favor de terceiro, pois se trata de um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. (promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor dos trabalhadores estranhos ao contrato (beneficiários). (Cfr. entre outros, o Ac. do TSI, de 23/06/2011, Processo n.º 69/2010);
    17. De onde, tratando-se de um «contrato a favor de terceiro» e repercutindo-se o mesmo na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, mais do que líquido que o beneficiário da promessa (in casu, o Recorrido) adquire o(s)direito(s) - ou parte dele(s) - constantes do mesmo contrato independentemente de aceitação (art. 438.°, n.º 1 do C. Civil de Macau) e, em consequência, poderá exigir o seu cumprimento directamente do obrigado (in casu, da Recorrente), tal qual concluiu o Tribunal a quo;
    18. De onde se conclui que, ao contrário do alegado pela Recorrente, a douta Sentença posta em crise procedeu a uma correcta interpretação dos factos e das normas legais aplicáveis e, bem assim, a uma correcta aplicação da Lei e do Direito.
    Nestes termos, conclui, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente.
    
    4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
     Vêm provados dos documentos juntos aos autos a folhas 369/415 pela DSAL e de folhas 420/533 pela Ré, à mingua de lista nominativa da qual conste o nome do A. não resulta sequer indiciado que o contrato de prestação de serviços 1/1 tenha qualquer interesse para a decisão da causa.
    
    Destarte, porque não surgiu qualquer facto novo que justifique a ampliação da base instrutória vai o Requerimento da Ré nesse sentido indeferido.
    Mais vai indeferido que se oficie à DSAL como requerido a folhas 419 uma vez que é informação que a Ré pode obter – se existir – não se justificando que o Tribunal se lhe substitua na obtenção da mesma. Por outro lado, na ausência de lista nominativa quanto ao contrato 1/1, face às diligências já realizadas não se vislumbra de que daquela possa resultar qualquer informação com interesse para a decisão dos autos com a segurança jurídica necessária.

Os factos seguintes:
    a) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores;
    b) Desde o ano de 1993, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior»;
    c) Desde 1992, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os «contratos de prestação de serviços»: n.° 9/92, de 29/06/1992; nº 6/93, de 01/03/1993; nº 2/94, de 03/01/1994; nº 29/94, de 11/05/1994; nº 45/94, de 27/12/1994;
    d) O contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o “Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/94”, ao abrigo do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 11 de Dezembro de 1993, de admissão de oitenta novos trabalhadores vindos do exterior;
    e) Do contrato referido em d) cuja cópia está a de fls. 32 a 37 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a titulo de subsidio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau;
    f) A Ré sempre apresentou junto da entidade competente, maxime junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), cópia dos «contratos de prestação de serviço» supra referidos, para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes;
    g) Entre 28.02.1994 e 31.05.2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”;
    h) Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré;
    i) Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades;
    j) Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor;
    k) A Ré apresentou ao Autor um contrato individual de trabalho o qual foi assinado pelo Autor, assim como outros cinco contratos individuais de trabalho, cujas cópias constam de fls. 48 a 73 e aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais;
    l) Entre Março de 1994 e Setembro de 1995, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1,500.00;
    m) Entre Outubro de 1995 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1,700.00;
    n) Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MüP$1,800.00 mensais;
    o) Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00 mensais;
    p) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,100.00 mensais;
    q) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,288.00 mensais;
    r) Entre Março de 1994 e Junho de 1997 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8.00 por hora;
    s) Entre 01.07.1997 e 30.06.2002 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora;
    t) Entre 01.07.2002 e 31.12.2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10.00 por hora;
    u) Entre 01.01.2003 e 28.02.2005 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.00 por hora;
    v) Entre 01.03.2005 e 28.02.2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.30 por hora;
    w) Entre 01.03.2006 e 31.12.2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.50 por hora;
    x) O Autor só teve conhecimento do efectivo e concreto conteúdo de um «contrato de prestação de serviços» assinado entre a Ré e Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, já depois de cessada a relação de trabalho com a Ré, mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) em 2008;
    y) Entre Março de 1994 e Junho de 1999 o A. trabalhou em turnos de 12 horas por dia;
    z) Entre 01.07.1999 e 30.06.2002 o A. prestou 5395,25 horas de trabalho extraordinário;
    aa) Entre 01.07.2002 e 31.12.2002 o A. prestou 774 horas de trabalho extraordinário;
    bb) Entre 01.01.2003 e 28.02.2005 o A. prestou 3958,75 horas de trabalho extraordinário;
    cc) Entre 01.03.2005 e 28.02.2006 o A. prestou 1798 horas de trabalho extraordinário;
    dd) Entre 01.03.2006 e 31.12.2006 o A. prestou 1742 horas de trabalho extraordinário;
    ee) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação;
    ff) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho;
    gg) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias»;
    hh) Entre 10.01.2000 e 18.01.2002 o Autor não gozou de dias de descanso semanal;
    ii) Pela prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo e não lhe foi concedido um dia de descanso compensatório;
    
    
    III – FUNDAMENTOS
    A - Recurso interlocutório
    Insurge-se a recorrente contra o seguinte despacho, na parte respeitante ao indeferimento da quesitação requerida:
    “Dos documentos juntos aos autos a folhas 369/415 pela DSAL e de folhas 420/533 pela Ré, à mingua de lista nominativa da qual conste o nome do A. não resulta sequer indiciado que o contrato de prestação de serviços 1/1 tenha qualquer interesse para a decisão da causa.
    Destarte, porque não surgiu qualquer facto novo que justifique a ampliação da base instrutória vai o Requerimento da Ré nesse sentido indeferido.
    Mais vai indeferido que se oficie à DSAL como requerido a folhas 419 uma vez que é informação que a Ré pode obter – se existir – não se justificando que o Tribunal se lhe substitua na obtenção da mesma. Por outro lado, na ausência de lista nominativa quanto ao contrato 1/1, face às diligências já realizadas não se vislumbra de que daquela possa resultar qualquer informação com interesse para a decisão dos autos com a segurança jurídica necessária.”
    Não tem razão a recorrente quanto à quesitação pretendida e se prende com a matéria concernente ao contrato de prestação de serviços 1/1 qua não se mostra ter interesse para a decisão da causa, aliás como já decidido noutros processos nesta Instância (v.g. 131/2012 e 779/2011).
    Na verdade não se percebe a insistência da Ré em tal quesitação à revelia das posições que tomou nos autos.
    Vejamos.
    - É a ré que alega claramente que aceita quais os contratos aplicáveis à relação laboral em presença (artigo 25º do contestação), dizendo que o contrato aplicável ao caso era o 2/94- cfr. art. 39º do contestação;
    - não se percebe como, posteriormente, vem a ré alegar que afinal esse contrato foi substituído por um outro, o n.º 1/1, sendo esse aplícável ao caso;
    - alegação que sendo superveniente não corresponde a qualquer facto novo, fosse em termos de conhecimento, fosse em termos de ocorrência superveniente;
    - aliás, como se justifica que, enquanto entidade empregadora, sujeito da relação jurídico-laboral em presença, só perante a junção do documento por parte da DSAL , viesse dizer que era tal contrato que se aplicava, como decorre de fls 418 ?
    - acresce que, analisando esse contrato, dele não resulta que tenha substituído o 2/94 ou qualquer outro, nem que se aplique ao trabalhador em causa, como aliás, bem anotou o Mmo Juiz;
    - a matéria quesitada em sede de julgamento deve emanar da alegação das partes nos seus articulados, o que não foi o caso – art. 553º, n.º 2, f) e 5º do CPC;
    - se é verdade que o n.º 1 do art. 41.° do CPT dispõe que “se no decurso da produção da prova surgirem factos que (...) é ampliada a base instrutória”, ainda por aí não devia ter tido lugar tal ampliação pois que esses factos, como se frisou já, não são factos novos;

Donde, por sermos a considerar o aditamento à quesitação perfeitamente dispensável, se julga improcedente o presente recurso.
    
    B - Recurso da decisão final
    1. O segundo recurso, da decisão final tem por objecto:
    a) Nulidade decorrente da oposição entre os fundamentos e a decisão;
    b) Erro na aplicação do direito.
    
    2. Não há oposição entre os fundamentos e a decisão, pois que a partir do momento em que se definiu qual o contrato aplicável à relação laboral em concreto, foram essas as condições que serviram de base à prolação da sentença e respectivos cálculos.
    Resulta dos autos que durante o aludido tempo o trabalhador esteve ao serviço da ré, com contrato scessivamente renovado e ao abrigo do aludido contrato de prestação de serviços, contrato esse que definiu as condições de contratação.
    Caberia ao tribunal, sustenta a recorrente, decorrido o ano pelo qual o contrato foi celebrado, ter apurado da sua renovação e do tempo da sua vigência.
    Ainda aqui não anda bem a recorrente, ao invocar uma insuficiência que não invocou em sede própria, sendo certo que não pôs em causa o referido contrato enquanto fonte reguladora da relação laboral em causa.
    E mesmo a existirem diferenças para menos importa referir que não se percebe como se poderiam retirar direitos que integraram uma dada contratação e muito naturalmente se mantêm aquando das renovações, não tendo o empregador feito prova que contratou diferentemente no caso concreto, diminuindo ou retirando as regalias, dentro do princípio do favor laboratoris, para mais não tendo ele alegado essas alterações nos seus articulados.
    Importa ainda não esquecer que o aludido contrato era renovável, sendo indiscutível que após o período da sua vigência o trabalhador continuou a trabalhar, pelo que é de crer que aquele contrato se renovou, cabendo ao empregador alegar e provar que renovou noutras condições.
    Acresce que, mesmo a considerar-se o pretenso contrato de prestação de serviços n.º 1/1, a condição base da remuneração salarial aponta para um mínimo de 2.000,00 patacas mensais ( num deles fala-seem MOP3.500,00) o que não exclui um pagamento superior.
    Estamos aqui perante um facto que foi alegado pelo autor, referimo-nos à base contratual, ou, melhor, às condições contratuais emanadas de um dado contrato que foram reger toda a prestação de trabalho do trabalhador e que a empregadora não pôs em causa.
    Vir agora dizer que esse contrato não se aplicava durante todo o contrato afigura-se extemporâneo e não consentido pelas regras do processo.
    
    3. Do recurso da matéria de direito: da qualificação do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada.
    Entende a ora recorrente que no plano do Direito aplicável ao caso a decisão recorrida interpretou e aplicou incorrectamente as normas que lhe serviram de fundamento,
    Porquanto, nada na lei fez nascer na esfera jurídica do autor os direitos a que se arrogou e reclamou.
    Nem o Despacho 12/GM/88, nem o despacho de autorização administrativa,sustenta a recorrente, nem mesmo o contrato de prestação de serviços celebrado entre a recorrente e a entidade fornecedora de mão-de-obra geram os direitos que o Autor pretendeu ver reconhecidos na sua esfera jurídica, não tendo a virtualidade de reger a relação laboral estabelecida entre as partes, ao contrário do decidido pelo douto Tribunal a quo.
    Entende a recorrente que no plano do Direito aplicável a decisão recorrida interpretou e aplicou incorrectamente as normas que lhe serviram de fundamento.
    4. A este concreto assunto e relativamente às questões identificadas, trata-se de matéria já sobejamente tratada por este Tribunal, pelo que reproduzimos aqui o já exarado noutros arestos (cfr. entre outros, o Ac. do TSI proc. n.º 574/2011, de 12 de Maio de 2012; proc. n.º 779/2010, de 16/6/011; 131/2012, de 31 de maio de 2012).
Passamos a transcrever a posição unanimemente aceite:
    « (...)
    2. Que se tratou de um contrato de trabalho entre o A. e a Ré parece não haver quaisquer dúvidas.
    Em face do artigo 1079.º do Código Civil, decorre, vista a factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho, em que o trabalhador, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções da entidade patronal, começou a trabalhar como guarda de segurança.
    Dispõe o artigo 1079º do CC:
    1. Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.
2. O contrato de trabalho está sujeito a legislação especial.
    
    3. A questão está em saber qual o regime aplicável a tal relação laboral.
    Enquanto o Mmo Juiz a quo entendeu dever ser tal relação regulada apenas pelo contrato de trabalho celebrado entre o A. e Ré, defende o trabalhador ora recorrente que essa relação laboral decorre, para além do regulado nesse contrato, pelo regime legal aplicável mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre a Ré e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado, ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
    
4. Importa atentar no regime da contratação dos não residentes.
     Não sem que se observe que, em princípio, só em relação aos residentes há liberdade negocial. A contratação dos não residentes está condicionada a uma autorização administrativa e se é assim actualmente, também o foi no passado.
Esta nota é muito importante para a bordagem do caso vertente, na medida em que os termos e condicionamentos de uma contratação como a presente não dependem ou não podem depender por e simplesmente da vontade dos contratantes, empregador e trabalhador.
    Ora, na lógica do defendido pela recorrida e de certa forma com acolhimento na douta sentença recorrida este condicionalismo é marginalizado.
A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n." 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 01 de Janeiro de 2009 (altura em que entrou em vigor a Lei n." 7/2008, Lei das Relações de Trabalho) e aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, esclareceu ele próprio que não seria aplicável a alguns conjuntos de relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontrem em vigor, nos termos do artigo 3.°, n." 3, alínea d).
Essas normas especiais foram (não se conhecem outras), até à entrada em vigor da Lei n." 21/2009 de 27.10, no dia 25 de Abril de 2010, as previstas no Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, considerando que o Dec.-Lei n.º 101º/84(M, de 25 de Agosto, onde no capítulo VII se previa a contratação de trabalhadores estrangeiros, apátridas e no capítulo VIII a de cidadãos chineses provenientes da RPC, aí se regulando os pressupostos de contratação e, em relação ao primeiro grupo ainda um conjunto de princípios que deviam enformar essa contratação, em particular a não discriminação baseada na nacionalidade (artigo 51º), foi revogado pelo já referido Decreto-lei n." 24/89/M, de 03 de Abril.
5. Convém aqui fazer um parêntisis e analisar a pretensa invalidade desse despacho Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, até porque é questão que vem colocada em sede de contra-alegações pela ora recorrida.
Defende a recorrida que esse Despacho foi proferido pelo então governador no âmbito das suas funções executivas (art. 16º, n.º 2 do estatuto Orgânico de Macau - EOM - então em vigor), que a função legislativa que ao Governador então incumbia e devia ser exercida por Decreto-Lei, conforme dispunha o artigo 13º e que a regulamentação das relações laborais, ainda que com não residentes não podiam caber dentro das funções executivas e ser regulada por um simples Despacho.
Cita até, em abono da sua tese, António dos Santos Ramos, mas o que este autor refere é uma questão algo diferente e que se prende com o facto de tal despacho ser regulamentador de uma lei, na altura, o DL 101/84/M, entretanto revogado, perdendo sentido a sua eficácia regulamentar quando já não havia lei a regular. Embora seja esse mesmo autor a reconhecer que não havia outras disposições atinentes ao regime a observar na contratação dos não residentes e que ao longo dos anos foi esse diploma que enquadrou as contratações dos não residentes.1
Bom, sobre isto, o que dizer?
Muito sumariamente que, aliás como a própria recorrida reconhece, o Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
Não se trata de um regime jurídico de determinadas relações laborais, antes de um prontuário procedimental a que devem obedecer as contratações de um determinado grupo de trabalhadores, traduzindo-se muitas das normas em condicionamentos e instruções dirigidas aos respectivos Serviços, não tendo ma natureza normativa instituidora de direitos e obrigações para os sujeitos da relação laboral.
    As normas específicas, constantes desse Despacho normativo, vigente enquanto esteve em execução o contrato de trabalho junto aos autos, regulam o procedimento para admissão em Macau de mão-de-obra não residente, impondo, nomeadamente, à Ré, enquanto empresa empregadora, elencam as condições mínimas de contratação que estava disposta a conceder ao trabalhador não residente, para obter a necessária aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, mas esse Despacho nada refere quanto aos princípios, às condições, aos direitos, deveres e garantias a que fica sujeita essa relação de trabalho.

Esta questão não se coloca na actualidade uma vez que o artigo 20.° da Lei n.º 21/2009 de 27/Out. (Lei da contratação de trabalhadores não residentes) estabelece a aplicação subsidiária do regime geral das relações de trabalho aos contratos com trabalhadores não residentes (aplicação subsidiária essa que já é consentânea com a redacção do artigo 3.°, n." 3, 1) da Lei n." 7/2008, Lei das Relações de Trabalho), mas no âmbito do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, não existia qualquer remissão para o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.? 24/89/M, de 03 de Abril, sendo certo que este último diploma mesmo referia, como supra se consignou, que os contratos de trabalho celebrados entre empregadores e trabalhadores não residentes não seriam por ele abrangidos por estarem reguladas pelas normas especiais que se encontrem em vigor, como já acima dito.
Perante este quadro, não temos grande dificuldade em superar as críticas quanto a uma pretensa ineficácia por invalidade formal do dito Despacho, uma vez que não se trata de um diploma legislativo - no sentido estrito e formal de lei, enquanto disposição genérica provinda do órgão competente no limite da sua competência legislativa2 - e não tem razão a recorrida ao pretender ver nele força bastante para coarctar a liberdade negocial dos cidadãos pois que tal argumento não colhe pela razão simples de que a limitação e condicionamento do trabalho de não residentes em Macau resulta de diplomas legislativos próprios, sob pena de ter de se considerar que como não se podia limitar a liberdade contratual dos empregadores por essa via seria a franqueada a porta de Macau para qualquer pessoa não residente que aqui pretendesse trabalhar. Ou seja, não é esse Despacho que condiciona a admissão de não residentes. Estes não podem trabalhar, em princípio, pela razão simples de que aqui não podem residir.
Como perde alguma razão o autor citado, enquanto pretende ver no referido Despacho uma natureza regulamentadora de um outro diploma, sendo certo que tal diploma tem força autónoma relativamente aos condicionamentos e procedimentos enformadores da autorização de mão-de-obra não residente.
Temos, por conseguinte, por inabalada a eficácia do Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro.

6. Importa, então, apurar sobre o regime jurídico aplicável a este contrato de trabalho, sabido que o mesmo se iniciou em (...)
Não é difícil perceber que ele deve ser iluminado por um conjunto de fontes reguladoras do regime jurídico aplicável ao caso - contratação administrativamente condicionada -, a saber:
- o Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro;
- o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
- o contrato celebrado entre o A. e a Ré;
- o RJRL ( DL24/89/M, de 3/Abril), na medida em que remissivamente aplicável.

Tanto mais que está provado que a Ré foi autorizada a contratar trabalhadores não residentes, entre os quais o ora Autor, para a prestação de funções relacionadas com a actividade de segurança privada.
O que foi feito ao abrigo do artigo de um contrato de prestação de mão de obra com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda, conforme previsto nos artigos 3º, 7º, 8º, 9º do Despacho n.º 12/GM/88.
Isto é, o contrato com o A. só foi celebrado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88:
“9. O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes:
a) O requerimento da entidade interessada será presente no Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos que despachará, mandando ouvir sobre o mesmo o Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia, ou determinará a prestação dos esclarecimentos que julgue convenientes;
b) O Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia pronunciar-se-ão sobre o pedido no prazo de 10 dias úteis;
c) Obtidos os pareceres referidos na alínea anterior, será proferido despacho que decidirá da admissão solicitada, determinando à requerente que, em caso afirmativo, faça presente o contrato de prestação de serviços com entidade habilitada como fornecedora de mão-de-obra não-residente, tal como previsto no n.º 7;
d) O contrato será remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho, a quem compete verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, designadamente os seguintes:
d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores;
d.2. Pagamento do salário acordado com a empresa empregadora;
d.3. Assistência na doença e na maternidade;
d.4. Assistência em caso de acidentes de trabalho e de doenças profissionais;
d.5. Repatriamento dos trabalhadores considerados indesejáveis. (Os deveres mencionados em d.3. e d.4. serão obrigatoriamente garantidos através de seguro);
e) Fornecidos os elementos de informação referidos na alínea anterior será proferido despacho que decidirá da aprovação das condições de contratação dos trabalhadores não-residentes, fazendo remeter o processo ao Comandante das Forças de Segurança de Macau;
f) O Comandante das Forças de Segurança de Macau proferirá despacho, determinando lhe seja presente a lista nominativa dos trabalhadores a recrutar, e decidindo, posteriormente, sobre a sua entrada e permanência no Território.”
    É assim que as condições previstas no aludido contrato ganham força, sendo, como é óbvio, vista a natureza da relação laboral e os contornos administrativos a que é sujeita, que as condições de trabalho menos favoráveis para o trabalhador, resultantes do contrato de trabalho entre este e o empregador, hão-de ceder necessariamente perante as resultantes do contrato celebrado entre o empregadora e a empresa fornecedora mão-de-obra, condição decorrente da autorização de relação laboral em causa.
    É certo que o contrato de trabalho, como negócio jurídico obrigacional, se baseia na autonomia privada, a qual engloba para além da liberdade de celebração, a liberdade de estipulação. Como ensina Pedro Romano Martinez, “como em qualquer negócio jurídico, as partes têm, liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador”.
    Razões estas, se não apodípticas, observáveis na nota preambular do referido Despacho n.º 12/GM/88, em que para além da contemplação dos interesses protagonizados pela defesa da mão-de-obra local e dos protagonizados pelos interesses empresariais se sublinhou o seguinte:
    “Da parte do Governador há ainda a considerar um terceiro aspecto da questão, que é o de não consentir no Território situações que contendam com o padrão mínimo, ou que como tal seja aceite pela consciência social, relativamente às condições de alojamento da população trabalhadora, Entendeu-se assim que Q solução do problema passava por uma clara destrinça. entre as situações de emprego dos residentes, estas reguladas pela lei aplicável entre empregador e empregado como sujeitos autónomos de direitos e obrigações, e as situações de emprego de não-residentes, que, ao contrário das primeiras, traduzirão um vínculo de contrato de prestação de serviços com terceiras entidades. Estas tem que se responsabilizar pelo alojamento dos trabalhadores ocasionais e pelo pagamento dos salários que lhes sejam devidos, bem como pelo seu repatriamento quando os considerem dispensáveis. Fica claro, de qualquer forma, que esses trabalhadores ocasionais não têm qualquer direito de permanência em Macau. Nem de outra forma seria possível avançar, como é firme propósito do Governador, em defesa dos interesses dos trabalhadores residentes no Território. Para tal, estes hão-de constituir uma massa determinada, com peso específico próprio.
    Nesta primeira fase, tal defesa consiste na regulação das condições de oferta do mercado, pedindo que os trabalhadores sob custódia de uma terceira entidade contratados por via de contrato de prestação de serviços possam constituir-se numa pressão que resulte em prejuízo dos trabalhadores residentes, quer no que diz respeito à estabilidade do emprego, quer no que diz respeito ao nível dos salários. E trata-se, é bom que se diga, de uma solução que se aceita a titulo experimental, determinada pela extrema complexidade da matéria e pela urgência que havia em dar-lhe encaminhamento. Por isso, aliás, se introduz por via do simples despacho, aproveitando a feliz circunstância de não parecer que algum normativo de grau superior a tal se oponha.”
    Torna-se assim mais claro o enquadramento que deve presidir ao estabelecimento do regime jurídico da relação em apreço e que passa pela aplicação das normas mais favoráveis que de qualquer um dos contratos em referência resulte, até em nome do princípio do favor laboratoris, entendido este como um princípio geral do Direito do Trabalho, entendido este com assento na concepção das opções legislativas pro operario e não como derrogando as regras imperativas da interpretação das normas decorrentes do Direito Civil.3
    7. Face à defesa, por banda da empregadora, aqui recorrida, das posições desenvolvidas na douta elaboração presente na sentença recorrida a propósito da incursão pelo Direito das Obrigações, para excluir em termos de caracterização do contrato entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda, a natureza ínsita a qualquer dos contratos-tipo analisados - contrato de trabalho, contrato para pessoa a nomear, contrato a favor de terceiro, contrato de cedência de trabalhadores, contrato de promessa - não nos eximiremos a algumas poucas palavras sobre o assunto.
    Antes de mais, reafirmamos que a força da vinculação a tal regime resulta das normas condicionantes da autorização de trabalho, administrativamente contempladas. Isto é, só o trabalho prestado naquele condicionalismo seria autorizado. Donde, tais clásulas, previstas nesse contrato serem condição de concessão de autorização de trabalho para aquela situação em concreto.
    Não se pode proceder a uma análise desgarrada desse enquadramento e desse condicionalismo, donde, repete-se, o regime jurídico aplicável resultar desse acervo clausulado.
    Mas, mesmo numa perspectiva de direito obrigacional puro, não somos a acompanhar, sem escolhos a leitura, aliás com mérito, que o Mmo Juiz faz dos diferentes institutos, muito particularmente no que se refere ao contrato a favor de terceiro.
    Mas antes de prosseguirmos importa referir que não poucas vezes a realidade da vida é mais rica do que a realidade conceptualizada e, assim, as soluções do legislador não são bastantes para abarcar toda a factualidade.
    Isto, para enfatizar que, por isso mesmo, os institutos previstos pelo legislador não são o bastante para regular toda a realidade negocial e daí que se devam conjugar, até em nome da liberdade contratual, diferentes contratos, surgindo-nos as situações de negócios mistos ou inominados.
    É a partir desta constatação que nos damos a perguntar a nós próprios o que impede, em termos meramente de autonomia privada e de liberdade contratual, que alguém assuma perante outrem a obrigação de dar trabalho a um terceiro, mediante certas condições e estipulações. Sinceramente que não nos ocorre nenhum obstáculo.
    Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.4
    Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
    O objecto imediato do contrato a favor de terceiro pode ter, na verdade, diversa natureza jurídica e os mais diferentes conteúdos económicos, bastando que a aquisição pelo terceiro seja de um benefício ou de uma vantagem.5
    A razão excludente da configuração de um contrato a favor de terceiros, na tese do Mmo Juiz a quo, parece-nos algo limitativa.
    Porque a obrigação assumida consiste numa prestação e não na celebração de um contrato, tal enquadramento não caberia ao caso.
    Não estamos certos desta aparente linearidade.
    A Ré compromete-se com uma dada Sociedade a dar trabalho ao A. e assume o compromisso de o fazer em determinadas condições.
    Sinceramente que não vemos onde não exista aqui a assumpção de uma prestação, qual seja a de dar trabalho a A, a de contratar com ele e a de lhe pagar X.
    
    Prestação é a conduta a que o devedor está obrigado ou seja o comportamento devido, na expressão lapidar de Pessoa Jorge.6
    Ora o facto de a Ré ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere. Uma prestação de facto, na verdade, pressupõe o desenvolvimento, em prol do credor, de determinada actividade e pode até traduzir-se numa prestação de um facto jurídico quando as actividades desenvolvidas são jurídicas.7
    As coisas, postas assim, tornam-se agora mais claras e o instituto em referência mais se encaixa no nosso caso.
    Nem o facto de a Ré se ter comprometido a celebrar um contrato exclui o enquadramento que se persegue.
    O benefício para o terceiro está, como bem se alcança, não só na chance de obter trabalho (para mais enquanto não residente) e das utilidades e vantagens materiais que daí decorrem para o trabalhador, parte terceira nesse contrato, bem como das condições que a Ré se compromete a observar em benefício do trabalhador.
    
    Aliás, esta possibilidade de acopulação entre o contrato primitivo e o contrato de trabalho posteriormente celebrado entre A. e Ré resulta como uma decorrência das obrigações primitivamente assumidas. É a primeira relação contratual, a relação de cobertura, que origina e modela a segunda relação, a relação entre o promitente e o terceiro.8
    Ora, nada obsta que desta relação entre o promitente e o terceiro, para além do assumido no primitivo contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).9
    Esta aproximação encontramo-la também em Pires de lima e A. Varela, enquanto anotam que “o artigo 443º(leia-se 437º) trata não só dos casos em que todo o contrato estabelecido a favor de terceiro, como daqueles em que o contrato ou negócio a favor de terceiro se insere no contexto de um outro contrato, ao lado dele, sem prejuízo de um e outro se integrarem unitariamente na mesma relação contratual. É o que sucede, por exemplo, na doação ou no legado com encargo a favor de terceiro que pode ser um direito de preferência sobre a coisa doada ou legada, ou ainda na instituição de uma fundação com encargo a favor de pessoa ou pessoas determinadas.”10
    Quanto ao argumento avançado na sentença, aliás douta, de que do contrato a favor de terceiros não podem nascer obrigações para o terceiro beneficiário, como está bem de ver, elas não resultam desse contrato, mas sim do contrato de trabalho entre o patrão e o empregado.
    Nem se diga que esta posição contraria o sufragado por este Tribunal quando chamado a decidir sobre a excepção relativa à competência do Tribunal, nos termos da qual a ré propugnava pelo cometimento ao tribunal arbitral.
    Como nessas decisões já se afirmou, configurar uma ou mais cláusulas do referido contrato, estranho ao trabalhador, como estipuladas a favor de terceiro (neste caso o A.), daí não decorre que essa qualificação se projecte, sem mais, sobre todo o contrato (cfr. art. 400.°, n.º 2 e 437º, n.º 1 do Código Civil).
    O Código Civil, no artigo 438.°, n.º 1, dispõe que "O terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação"
    Ora o direito que se estabelece traduz-se num concreto direito à prestação, independentemente de aceitação; nada mais.
    Nem outros direitos a favor de outrem estabelecidos no contrato, muito menos deveres, encargos ou sujeições integrarão a esfera jurídica do terceiro a favor de que tenha sido concretamente instituído um determinado direito.
    Para além de que será de entender que essa cláusula compromissória de competência abrange apenas a relação de cobertura ou de provisão entre o promitente e o promissário e não já relação provisionada entre o promitente e o terceiro, ou a relação de valuta entre o promissário e o terceiro.
    8. Estamos, pois, em condições de aplicar ao caso os valores reclamados com base naquele contrato celebrado entre a Ré e a dita Sociedade, aliás, nos termos previstos e condicionados pela necessária autorização administrativa, normativamente enquadrada.
    Antes dos cálculos apenas uma referência quanto à aplicação do RJRL.
    Pretende-se em certas posições e decisões até que nos têm chegado que esse regime seria supletivo do regime contratualizado.
    Mas não é preciso, pelo menos no presente caso, pelo menos por ora, enveredar por aí, tecer tão elaborado engenho interpretativo, porquanto vem comprovado nos autos que na relação estrita e directa estabelecida entre a empregadora e o trabalhador, face aos contratos celebrados e juntos aos autos, vista a cláusula 24, em todos os outros termos e condições não expressamente ali previstas seriam reguladas de acordo com o regime legal laboral comum, ou seja, ao tempo, o Dec.-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
    9. Quanto às fórmulas de compensação dos descansos não gozados, considerando que se trata de matéria mais do que analisada e decidida na Jurisprudência deste TSI, vamo-nos remeter para a Jurisprudência quase uniforme deste Tribunal, com a redacção que foi dada no recente acórdão deste TSI, no proc. n.º 780/2007, de 31 de Março de 2011, onde aquela uniformidade sofreu apenas uma ligeira inflexão.
    Resta, pois, proceder aos cálculos em função do pedido e dos valores que lhes servirão de padrão, a partir dos montantes definidos, tendo em conta o aludido contrato entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
    Por outro lado, o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro é, um diploma com natureza e intencionalidade assumidamente normativa imperativa, a, definindo imperativamente um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à mesma contratação (cfr., entre outros, o Ac do TSI de 6 de Janeiro de 2010, Proc. n.º 739/2009).»
    5. Nesta conformidade, será de aplicar à relação laboral em presença o referido contrato celebrado a favor do trabalhador com entidade terceira, contrato esse normativamente enquadrado nos termos supra vistos.
    Face ao exposto, o recurso não deixará de improceder, devendo manter-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em julgar improcedente o recurso interlocutório e em negar provimento ao recurso da decisão final, confirmando a decisão recorrida.
    Custas de ambos os recursos pela recorrente Guardforce (Macau).

Macau, 13 de Dezembro de 2012,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho

    
    
1 - in Formação do Contrato Individual de Trabalho, RAPM (Rev. Edm. Pública de Macau), n.º 8/9, 343 e segs
2 - Cfr. art. 1º do CC; Oliveira Ascensão, IAED, AAFDL, 1970, 241
3 - Pedro Romano Martinez, ob. cit., 220
4 - Diogo Leite Campos, Contrato a favor de terceiro, 2ª ed., 1991, 13
5 - Leite de Campos, ob. cit., 17
6 - Obrigações, 1966, 55
7 - Menezes Cordeiro, Dto Obrig., 1980, 1º, 336 e 338
8 - Leite de Campos, ob. cit.27
9 - Leite Campos, ob. cit. 79 e 115
10 - CCAnot. 4ª ed.,1987, vol I, 426
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

655/2012 1/47