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Proc. nº 217/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 27 de Setembro de 2012
Descritores:
-Art. 16º DL nº 41/94/M
-Apoio Judiciário


SUMÁRIO:

Se um interessado pedir o patrocínio judiciário - a fim de poder recorrer da sentença da 1ª instância - e lhe for concedido um prazo de 45 dias, por exemplo, para instruir o pedido com vista à demonstração da alegada insuficiência económica, não pode a meio desse prazo, sem qualquer justificação, vir interpor e alegar o recurso jurisdicional através de advogado constituído, sob pena de, por essa via, e servindo-se do art. 16º, nº2 do DL nº 41/94/M, obter um alargamento do prazo (para recorrer e alegar) de que em condições normais não disporia.











Proc. nº 217/2012
(Reclamação para a Conferência)

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, representado pelo Ministério Público, com os demais sinais dos autos, moveu acção comum com processo ordinário contra a STDM.
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A acção veio a ser julgada parcialmente provada e a ré condenada a pagar ao autor a quantia de Mop$ 3.418,80 e juros respectivos.
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Proferida a sentença e dela notificado o autor, veio este requerer o apoio judiciário (fls. 150), após o que lhe foi concedido o prazo de 45 dias para junção de atestado sobre a situação económica (fls. 155).
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O autor, entretanto, apresentou recurso da sentença (fls. 159), tendo para tanto feito representar-se por advogado constituído (fls. 194).
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O recurso foi admitido por despacho de fls. 208.
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Proferiu o relator despacho equacionando a possibilidade de se considerar extemporâneo o recurso interposto (fls. 215), mas apenas a STDM se pronunciou sobre o tema (fls. 218).
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Lavrou o relator o despacho de não admissão do recurso por extemporaneidade (fls. 219).
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Pedida a aclaração de tal despacho (fls. 224) e proferido o despacho respectivo (fls. 234), veio A reclamar para a conferência (fls. 237-241 e 244).
Fê-lo nos seguintes termos:
   “A, recorrente nos autos à margem referenciados, notificado dos, aliás doutos, despachos do Venerando Senhor Juiz Relator, de fls. 219 a 220 e 234 e V., sendo este proferido na sequência de pedido de aclaração daquele, vem do mesmo reclamar, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 595.º e artºs. 596.º e 597.º do Código de Processo Civil, nos termos e com os fundamentos seguintes:
   Cumpre ao recorrente e ora reclamante, por sua vez, aclarar o respectivo pedido de aclaração que dirigiu ao Vndo. Sr. Juiz Relator, pois julga ter sido o mesmo objecto de interpretação para além do que quis com o mesmo significar.
   Efectivamente, não foi intenção do recorrente utilizar-se do mesmo com vista a obter quaisquer efeitos dilatórios. E julga-se não ter sido o mesmo impertinente, como modestamente se curará de demonstrar.
   Vejamos,
   Notificado da sentença proferida pelo tribunal a quo, o recorrente solicitou patrocínio oficioso para o efeito de interpor recurso.
   Por efeito desse pedido, ocorreu a suspensão determinada pelo n.º 2 do art.º 16.º do Decreto-Lei n.º 41/94/M, o qual reza:
   O prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido suspende-se por efeito da apresentação deste e voltará a correr de novo a partir da notificação do despacho que dele conhecer.
   Pelo despacho de fls. 155, foi concedido ao recorrente o prazo de 45 dias para juntar atestado comprovativo da respectiva situação económica.
   Considerou o Vndo. Sr. Juiz Relator que a referida suspensão «só se justifica se e enquanto o requerente mantiver o pedido inicial do patrocínio oficioso e vier a satisfazer a determinação decisória contida no despacho que lhe concede os tais 45 dias» (sublinhado no original; despacho de fls. 219 a 220).
   Com o devido respeito, que é muito, afigura-se ao recorrente que tal entendimento extravasa para lá do consentido pelo regime legal aplicável (o citado Decreto-Lei n.º 41/94/M). Em lado algum do citado diploma legal se encontra norma expressa com o conteúdo da citação supra. É condição que o legislador não previu!
   O legislador não distinguiu as situações do peticionante que espera pelo despacho que conceda ou recuse o patrocínio oficioso daqueloutro que entretanto desiste do pedido de patrocínio, constituindo advogado. Ubi lex non distinguit nec nos destinguere debemus.
   Ademais,
   Ainda e sempre com o devido respeito, julga o recorrente que a via interpretativa (e que muito vai para além da letra da lei, excedendo o disposto no n.º 2 do art. o 8.º do Código Civil) seguida no mencionado despacho é temerária, podendo conduzir a situações insólitas (como, aliás, a dos autos).
   Não pode perder-se de vista que o fim primacial perseguido pelo citado diploma legal é actuar o fundamental direito, liberdade e garantia consagrado no art.º 36.º da Lei Básica, de acesso ao direito e aos tribunais, a quem demonstre não dispor de meios económicos para custear os encargos de uma causa judicial (art.º 4.º do citado Decreto-Lei).
   Portanto, quem solicita apoio judiciário declara, explícita ou implicitamente, não deter meios económicos bastantes para custear o pleito. Esse o motivo que o legitima a pedir o patrocínio.
   Pode, porém, suceder que o peticionante adquira, em qualquer altura e pelos mais diversos meios (nomeadamente o recurso ao crédito), condições para, no seu entender, custear os encargos com advogado, deixando, por isso, de necessitar do patrocínio oficioso que havia pedido.
   Ora, em tal situação fica o interessado obrigado, ao menos por dever cívico, a desistir do pedido de patrocínio. Pois deixou de subsistir a razão que determinara o seu pedido. E deve fazê-lo logo que deixe de verificar-se a insuficiência económica.
   A admitir a interpretação do douto despacho em crise, dar-se-ia o caso insólito de o interessado ter, por cautela, de esperar sempre pelo despacho (com prejuízo da celeridade processual) que lhe concedesse ou não o patrocínio, para só depois desistir deste e constituir advogado, sob pena de, fazendo-o antes, prec1udir o seu direito por destruição retroactiva da suspensão do prazo em curso!
   Tal cenário prejudicaria sempre o princípio da celeridade processual, como prejudicaria os princípios da segurança e certeza, alicerçados no princípio da confiança nas instituições e na tutela da confiança - pois o interessado que viesse a pedir apoio judiciário nunca dele desistiria antes de proferido despacho por receio da prec1usão de direitos.
   Não se trata de o interessado revelar nos autos considerar-se melhor servido por advogado constituído (fls. 219 verso). (Tal entendimento e pressuposto é, com o devido respeito, mera presunção, que não responsabiliza nem vincula o recorrente). Trata-se de o interessado ter ou não meios económicos bastantes para pleitear.
   Se os obteve após formular o pedido de patrocínio oficioso deve a este renunciar, sem que por isso veja o seu direito fundamental de acesso à justiça denegado!
   Outro entendimento daria azo a abusos, por parte de quem tendo entretanto obtido meios continuasse a utilizar-se de um patrocínio à custa do erário público.
   Acresce que resulta manifesto dos autos não ter existido da parte do recorrente qualquer intuito de aproveitamento no sentido de contornar a inexorabilidade dos praza para o recurso e alegações simultâneas (fls. 219 verso).
   Fosse esse o seu objectivo não teria apresentado o recurso no dia imediato à constituição de advogado! (dias 8 e 7 de Fevereiro passado, respectivamente - vide procuração forense nos autos, junta com a petição de recurso, e mapa produzido a fls. 212). Antes, teria, então, esgotado o prazo concedido, estendendo-o por mais cerca de um mês! Findo o qual, logrando ou não demonstrar a sua insuficiência económica, ainda teria o prazo normal que só então correria de novo nos termos do n.º 2 do art.º 16.º do Decreto-Lei n.º 41/94/M!
Termos em que deve, portanto, sob pena de nulidade, por violação das diversas normas legais supra citadas, ser revogado o douto despacho de fls. 219 a 220, admitindo-se o recurso interposto e deferindo-se aos ulteriores”.
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A parte contrária, notificada, não se pronunciou sobre a bondade da reclamação.
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Cumpre decidir.
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II- Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da reclamação.
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III- Os factos
Para além dos referidos no relatório, consignaremos agora o teor do despacho reclamando, que tem o seguinte teor:
“O autor da acção, A, esteve representado pelo Ministério Público na 1 a instância. Mas, logo que lavrada foi a sentença, e dela pretendendo recorrer, apressou-se a pedir o respectivo patrocínio oficioso (fls.150).
   Um tal pedido desencadeia um efeito suspensivo do prazo que estiver em curso, tal como decorre do art.º 16º, nº2, do DL nº 41/94/M. Isto significa que o prazo para o recurso jurisdicional que estivesse a correr haveria que suspender-se.
   Acontece que, por despacho de fls. 155, o Mm.º Juiz concedeu o prazo de 45 dias para a junção do atestado comprovativo da situação económica do requerente. Nada de especial este despacho configura em termos de reflexo na suspensão do prazo de recurso face à citada norma. Todavia, não podemos deixar de consignar que o seu pressuposto é o da manutenção da pretensão inicialmente manifestada pelo interessado. Isto é, o prazo de 45 dias concedido faz prolongar a suspensão a que nos referimos atrás, mas para que esta se continue a verificar, necessário é que o despacho tenha uma correspondência real por parte do interessando-requerente. A suspensão, queremos nós dizer, só se justifica se e enquanto o requerente mantiver o pedido inicial do patrocínio oficioso e vier a satisfazer a determinação decisória contida no despacho que lhe concede os tais 45 dias. Portanto, se o “interessado no patrocínio” se “desinteressa” dessa pretensão por considerar estar melhor representado por um advogado constituído, já aquele objectivo suspensivo deixa de fazer sentido por desaparecimento do seu pressuposto.
   Isto, para dizer que não pode a mesma parte servir-se do prazo de 45 dias concedido àquele efeito para constituir advogado e apresentar recurso ordinário. Salvo melhor opinião, se esta via fosse possível, estar-se-ia a permitir a institucionalização de uma prática que, precisamente, serviria para contornar a inexorabilidade dos prazos para o recurso e alegações simultâneas (art.º 111º, nºs 1 e 5, do CPT). Ou seja, obter-se-ia por este caminho um alongamento de prazo que de modo nenhum seria possível alcançar numa situação normal de recurso ordinário subsequente a sentença desfavorável.
   Enfim, somos a pensar que a suspensão apenas serve aquele propósito e dura até ao momento em que o interessado é notificado do despacho que conheça do pedido (art. 16º, nº 2, cit.), Se não houver despacho por razão imputável ao requerente (e entre o núcleo de possíveis motivos conta-se a “desistência” ou “perda de interesse” do patrocínio oficioso), então a suspensão deixa de ser operativa, com efeitos retroactivos à data em que se iniciou a sua contagem. Não se pensar assim equivale a contornar o fim da lei.
   Ora, se neste caso o interessado revelou nos autos considerar-se melhor servido por advogado constituído, tendo recorrido e alegado por seu intermédio, tem que considerar-se que o fez muito para além do prazo a que respeitam o referido art.º 111º.
   Deveria, pois, o tribunal de 1 a instância não admitir o recurso por extemporaneidade.
   Mas, porque este tribunal de recurso não se acha vinculado pela decisão que o admitiu (art.º 594º, n.º 4, CPC), decido agora, enquanto relator, não o admitir.
   Taxa de justiça mínima pelo recorrente.
   Notifique”.
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IV - O Direito
O despacho em crise assentou nos seguintes principais passos processuais:
- O autor, representado pelo M.P., foi notificado da sentença por carta expedida em 9/12/2011 (fls. 148 vº).
- Inconformado com a sentença, manifestou a intenção de recorrer, requerendo para o efeito a concessão do apoio judiciário em 14/12/2011 (fls. 150).
- Tendo-lhe sido concedido o prazo de 45 dias para a comprovação da sua situação económica, disso foi notificado por carta expedida em 18/01/2012 (fls. 156).
- Antes que o prazo se esgotasse, veio o mesmo apresentar recurso jurisdicional fazendo-o através de advogado constituído, em 8/02/2012 (fls. 159).
O raciocínio exposto no despacho aclarando foi o de que o requerimento pedindo o apoio judiciário fez suspender o prazo de 10 dias que estava em curso para recorrer (art. 591º do CPC), nos termos do art. 16º, nº2 do DL nº 41/94/M.
Ora, o que o despacho fez foi aplicar literalmente o art.16º, nº2 citado que dispõe da seguinte maneira:
“O prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido suspende-se por efeito da apresentação deste e voltará a correr de novo a partir da notificação do despacho que dele conhecer”.
E para isso disse que a “suspensão apenas serve aquele propósito e dura até ao momento em que o interessado é notificado do despacho que conheça do pedido (art. 16º, nº 2, cit.)”. Ou seja, seguiu a doutrina do acórdão do TSI de 17 de Maio, Proc. nº 26/2001 (ver Acs do TSI da RAEM, 2001, I, 108) e até mesmo do Ac. do TSI de 23/02/2012, Proc. nº 839/2011, segundo a qual o prazo voltaria correr de novo a partir do despacho que conhecesse do pedido de apoio judiciário.
O despacho em apreço, face a essa condição legal, concluiu, embora por outras palavras: Se um interessado pedir o patrocínio judiciário - a fim de poder recorrer da sentença da 1ª instância - e lhe for concedido um prazo de 45 dias, por exemplo, para instruir o pedido com vista à demonstração da alegada insuficiência económica, não pode a meio desse prazo, sem qualquer justificação, vir interpor e alegar o recurso jurisdicional através de advogado constituído, sob pena de, por essa via, e servindo-se do art. 16º, nº2 do DL nº 41/94/M, obter um alargamento do prazo (para recorrer e alegar) de que em condições normais não disporia. Para o despacho, esse era um estratagema legalmente inadmissível porque, na prática, ele redundaria num alargamento do prazo de 10 dias para recorrer e de 30 para alegar.
Efectivamente, se não tivesse formulado o pedido de apoio judiciário, o prazo para o recurso terminaria em 4/01/2012 (com multa, até ao dia 9/01/2012), muito antes, portanto, da data em que o recurso foi efectivamente interposto (8/02/2012).
O reclamante apresenta agora um argumento: o de o legislador não distingue entre a desistência do pedido de patrocínio e a espera pelo resultado do pedido sobre o apoio. Pois não distingue, porque para ele a situação de quem pede o apoio se haverá de manter até ao momento da decisão. Quer dizer, o legislador não previu a desistência, porque apenas pressupôs que o incidente do apoio iria até ao fim.
Quando o interessado, no decurso do procedimento de concessão de patrocínio oficioso, vem através de advogado constituído formular a pretensão concreta, está a desistir tácita ou implicitamente do pedido de apoio. Ora, nesse caso, o problema reside precisamente no efeito dessa desistência, que representa uma manifestação de vontade contrária à inicialmente exteriorizada.
Claro que podemos dizer que o interessado pode sempre esperar pela decisão do pedido de apoio a fim de obter a suspensão do prazo e, uma vez notificado do despacho respectivo, apresentar-se ao processo com um advogado constituído em vez do patrono que lhe for oficiosamente nomeado. É verdade. Mas contra isso nada podemos fazer: é a lei que permite que isso seja feito ao abrigo do art. 16º citado. O prazo volta a correr segundo este dispositivo e, em tal hipótese, o interessado pode servir-se do prazo reiniciado tanto pelo advogado oficioso, como por advogado entretanto constituído. É um direito que lhe assiste.
Aceitamos que um indivíduo possa ter entretanto obtido rendimento (até mesmo por recurso ao crédito, como diz a reclamante no seu outro argumento) que lhe permitisse vir ao processo por advogado sem esperar pela decisão do apoio. Só que isso, ao menos, deve fazer parte de um discurso de justificação que ilustre no processo a modificação da pretensão inicial.
O que não pode é, pedir o patrocínio e enquanto decorre um prazo mais ou menos longo para a instrução do incidente, vir aos autos, sem nenhuma adicional informação, esclarecimento ou justificação, recorrer e alegar por intermédio de advogado contratado. Ao fazê-lo dessa maneira está a ultrapassar o prazo de que dispunha inicialmente para recorrer e alegar por intermédio de advogado por si constituído. Parece-nos faltar prudência, lógica e bom senso se fosse de entender que o legislador permite este alongamento do prazo através deste artifício ardiloso de obtenção de um prazo mais longo para fazer o que a lei processual prevê seja feito em prazo mais curto.
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V- Decidindo
Face ao exposto, acordam em manter o despacho reclamado e, desse modo, indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante.
TSI, 27 / 09 / 2012

José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan