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Processo nº 806/2012 Data: 08.11.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

2. O primeiro desses pressupostos é relativo à prevenção especial, positiva e negativa, à perigosidade do agente e à sua reinserção social. Exige-se a viabilidade de um juízo de prognose favorável em relação ao condenado, no sentido de que este, caso seja colocado em liberdade condicional, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

3. Por sua vez, os conceitos de “defesa da ordem jurídica” e “paz social” ligam-se às exigências da prevenção geral positiva e da “protecção dos bens jurídicos”, ou seja, da necessidade de reafirmação da validade e vigência da norma penal violada com a prática do crime.

O relator,

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Processo nº 806/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no artº 56º do C.P.M.; (cfr., fls. 181 a 185 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 194 a 195-v).

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Ao contrário do pretendido pelo recorrente, o douto despacho recorrido não “ignorou” os aspectos positivos pelo mesmo adiantados relativamente à sua pretensão, vendo-se bem que aquela decisão não deixou de sopesar, de forma clara, expressa e suficiente, tal matéria “abonatória” dessa pretensão, como o bom relacionamento familiar e perspectivas favoráveis nesse domínio em caso de libertação antecipada, bem como o facto de “”malgré tout”, o mesmo ter participado em cursos e actividades desenvolvidas no estabelecimento prisional.
Contudo, não se poderá escamotear que, para além de o visado ter sido sancionado em 2008, 2009 e 2011 por violação de regras prisionais, o mesmo, já após a última avaliação de pedido de liberdade condicional, se viu e vê envolvido em nova ocorrência desse tipo, ocorrida a 22/9/11, situação que, não se encontrando ainda apurada definitivamente, não poderá deixar de ser ponderada para os efeitos ora almejados, pelo menos sob a “cortina” da dúvida quanto à firmeza, disciplina e espírito cumpridor da lei por parte do recorrente, não se revelando, além do mais, avisado que, previamente à decisão sobre aquele incidente, se emita o juízo favorável pretendido.
Ao que acresce que, ponderosas razões de prevenção relativamente ao tipo de ilícitos por que o mesmo foi condenado (apresentando-se, na verdade, quer a concessão de empréstimos ilícitos, quer o emprego ilegal, como autênticas “chagas” na Região), apontam claramente no sentido de a eventual; libertação antecipada se não poder revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
Donde, não nos merecer reparo o decidido, que haverá que manter, negando-se provimento ao recurso.
Este, o nosso entendimento”; (cfr., fls. 217 a 218).

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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 27.11.2008, foi, A, ora recorrente, condenado na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão pela prática, em concurso real, de 10 crimes de “usura para jogo” e um crime de “falsas declarações”;
– o mesmo recorrente deu entrada no E.P.M. em 14.07.2007, e em 11.09.2011, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 11.10.2013;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com a sua família em Macau, possuindo perspectivas de emprego numa sociedade de construção e fomento predial.
– durante a sua reclusão, foi disciplinarmente punido em 28.08.2008, 05.08.2009 e 23.02.2011.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

   “1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
   
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.

3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).

“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, 6 anos e 3 meses, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 14.07.2007, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.

Na verdade, e na esteira do decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 20.01.2011, Proc. nº 30/2011, de 27.01.2011, Proc. nº 25/2011 e o de 03.03.2011, Proc. n.° 116/2011).

E, como em recente Ac. da Relação do Porto de 10.10.2012, Proc. n.° 1796/10 (in “www.dgsi.pt”), se deixou consignado, o primeiro desses pressupostos é relativo à prevenção especial, positiva e negativa, à perigosidade do agente e à sua reinserção social. Exige-se a viabilidade de um juízo de prognose favorável em relação ao condenado, no sentido de que este, caso seja colocado em liberdade condicional, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Por sua vez, deve considerar-se que os conceitos de “defesa da ordem jurídica” e “paz social” se ligam às exigências da prevenção geral positiva e da “protecção dos bens jurídicos”, ou seja, da necessidade de reafirmação da validade e vigência da norma penal violada com a prática do crime, (ver, neste sentido, Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça – ed. Rei dos Livros, 1993, p. 62).
A “protecção dos bens jurídicos” corresponde, fundamentalmente, ao reforço da confiança comunitária na validade da ordem jurídica e na protecção que esta assegura aos bens que estruturam a vida social. Diante da violação da ordem jurídica e da agressão a esses valores, a consciência jurídica comunitária poderá ficar abalada se o sistema jurídico-penal não reagir, fechar os olhos a tal violação, ficando comprometida a referida confiança. A pena exerce, assim, uma função pedagógica de interpelação social que veicula uma mensagem cultural de chamada de atenção para a relevância de valores e bens jurídicos e, nessa medida, traduz-se numa forma de protecção desses bens jurídicos e da ordem jurídica em geral.

Assim, e atento o consignado, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta, mostrando-se-nos de subscrever, na íntegra, o teor do douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, que aqui, por uma questão de economia processual, se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

De facto, (e independentemente do demais), atenta a conduta prisional do ora recorrente, com 3 punições disciplinares, a última das quais, em 2011, evidente se nos mostra que inviável é o “juízo de prognose favorável”, exigido na al. a) do n.° 1 do art. 56° do C.P.M..

Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Macau, aos 08 de Novembro de 2012

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José Maria Dias Azedo
(Relator)

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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
Proc. 8062012 Pág. 12

Proc. 806/2012 Pág. 1