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Processo nº 854/2012/A
(Autos de Suspensão de Eficácia)

Data: 13 de Dezembro de 2012

ASSUNTO:
- Suspensão de eficácia
- Acto positivo
- Requisitos legais

SUMÁRIO:
  - Só há lugar à suspensão de eficácia quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
  - É necessário verificar-se, cumulativamente, os seguintes requisitos:
   “a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
   b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
   c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.” (nº 1 do artº 121º do CPAC).
  - No entanto, para a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar, não é exigível a verificação do primeiro requisito, que é o caso – cfr. nº 3 do artº 121º do CPAC.
  - Basta, assim, que se verifiquem os dois últimos requisitos para que o pedido proceda.
  - Há lesão grave para o interesse público, pondo em causa a autoridade e a imagem da Administração, transparecendo uma ideia de permissividade ou tolerância em relação aos actos ilícitos praticados quer ao nível interno, quer público, se da suspensão de eficácia resultaria a impossibilidade da execução do acto caso o mesmo vier a ser confirmado, tendo em conta o tempo indispensável para obter a decisão judicial com trânsito em julgado do recurso contencioso interposto e o vínculo do requerente com a Administração, que é contratado além do quadro com o prazo de 1 ano.
O Relator,

Ho Wai Neng












Processo nº 854/2012/A
(Autos de Suspensão de Eficácia)

Data: 13 de Dezembro de 2012
Requerente: A
Entidade requerida: Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

A, melhor identificado nos autos, vem requerer a suspensão da eficácia do despacho do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, de 11/09/2012, pelo qual se determinou aplicar-lhe uma pena disciplinar de suspensão de funções por um período de 180 dias.
Alega para tanto, no essencial, que a execução deste acto lhe causará prejuízos de difícil reparação; a suspensão da execução não acarreta qualquer prejuízo para o interesse público; e inexistem indícios de ilegalidade na interposição do recurso.
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A entidade requerida vem opor à pretensão do requerente, por entender o pedido não preencher os requisitos legais previstos no nº 1 do artº 121º do CPAC, bem como invocou a não suspensão provisória do acto nos termos do nº 2 do artº 126º do CPAC.
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O Mº Pº é de parecer pela procedência do pedido, a saber:
“No caso sub judice, estando em causa acto administrativo de aplicar pena disciplinar, não se exige, por força do n.º3 do art.121º do CPAC, o requisito previsto na alínea a) do n.º1 deste comando legal, bastando que se verifique os restantes dois requisitos.
  Em harmonia com a doutrina e jurisprudência administrativas, é pacífico que se configuram interesse público a segurança e tranquilidade públicas, a saúde pública bem como a boa imagem, o prestígio, a dignidade, a credibilidade e o regular funcionamento dos Serviços Públicos.
  No actual ordenamento jurídico de Macau, consolida-se que na área disciplinar, existe grave lesão do interesse público se a suspensão de eficácia de acto administrativo ofende, de forma grave, os valores referido supra ou a confiança do público em geral nas repartições públicas. (vide Acórdãos do TUI no Processos n.º37/2009 e n.º4/2011, do TSI nos n.º219/2003/A, n.º139/2007/A e n.º273/2011)
  No caso vertente, a infracção disciplinar imputada ao Requerente traduz-se em alterar o conteúdo dum documento oficial para a renovação do contrato duma médica exterior (將廣東省人民醫院原二零一零年回覆公函內的簽發日期由二零一零年改為二零一一年, cfr. fls.165 do P.A.).
  Concluída a instrução do processo disciplinar, o Relatório Final (II) indica, a título de circunstância atenuante, que: - havia mais de 20 anos que o Requerente trabalhara nos Serviços de Saúde; - o mesmo confessou a infracção; - é primário. (cfr. fls.167 do P.A.)
  Nestes termos, e tomando em conta a categoria do Requerente (doc. de fls.39 dos autos), afigura-se-nos que não desencadeando repercussão externo, a conduta do Requerente não pôs em perigo a confiança do publico nos SSM, nem prejudicou gravemente a boa imagem, o prestígio e o normal funcionamento desses Serviços Públicos.
  Nesta linha, e sem prejuízo do respeito pela melhor opinião em sentido contrário, não se descortina que a suspensão de eficácia do acto em causa determina grave lesão do interesse público. O que implica que se preenche o requisito consagrado na alí. b) do n.º1 do art.121º do CPAC.
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  Proclama o TSI (Acórdão do Processo n.º278/2007/A): Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e nã quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência.
  Inculca o Venerando TUI (Acórdão do Processo n.º56/2012): O terceiro requisito para a suspensão da eficácia do acto consiste na inexistência de “fortes indícios da ilegalidade de interposição do recurso”, entendendo-se que, verificados os outros requisitos, a suspensão só não deve ser concedida se houver a certeza prática de que o recurso principal é inviável, num plano formal, por falta de um pressuposto processual ou de um elemento essencial da causa.
  Ponderando em estrita conformidade com estas sensatas jurisprudências, parece-nos inoperante e insubsistente o argumento aduzido pelo Órgão Requerido nos arts.40º-47° da contestação, daí não se vislumbram fortes indícios de ilegalidade do respectivo recurso contencioso.
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  Por todo o expendido, entendemos que se deverá dar provimento ao presente pedido de suspensão de eficácia. ”
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
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Factos provados:
- Por despacho de 11/09/2012, o Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura determinou aplicar ao requerente uma sanção disciplinar de suspensão de funções por um período de 180 dias, por considerar o mesmo ter falsificado documento para a renovação contratual de uma médica, afectando na sua ponderação e na consequente aplicação da lei em vigor.
- Inconformada com a decisão, o requerente interpôs o recurso contencioso de anulação em 25/10/2012.
- Posteriormente, em 21/11/2012, mais requereu a presente providência cautelar de suspensão de eficácia do acto.
- Em 26/11/2012, o Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura reconheceu, por escrito, grave prejuízo para o interesse público na não imediata execução.
- O requerente é contratado além do quadro, com o prazo de um ano, com início a partir do dia 15/08/2012.
- Desempenha as funções de adjunto-técnico principal, na área de oficial administrativo, na Direcção dos Serviços de Saúde.
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Enquadramento jurídico:
I. Da requerida suspensão:
Dispõe o artº 120º do CPAC que só há lugar à suspensão de eficácia quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
No caso em apreço, o acto administrativo em causa consiste numa ordem de facere, daí que é um acto positivo.
Para a procedência do pedido, não basta ser um acto positivo, ou sendo negativo, com conteúdo positivo.
É ainda necessário reunir outros requisitos legais, a saber:
  “a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
  b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
  c) Do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso.” (nº 1 do artº 121º do CPAC).
Em princípio, tais requisitos devem verificar-se cumulativamente para que o requerimento seja procedente (Acórdãos do Tribunal de Última Instância, de 25.4.2001, recurso 6/2001, do Tribunal de Segunda Instância, de 22.2.2001, recurso 30-A/2001, e do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, de 1.7.2003, recurso 975/03).
No entanto, para a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar, já não é exigível a verificação do primeiro requisito, que é o caso – cfr. nº 3 do artº 121º do CPAC.
Basta, assim, que se verifiquem os dois últimos requisitos para que o pedido proceda.
Vamos começar pelo último requisito: se do processo resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso?
A resposta não deixa de ser negativa.
Como é sabido, o acesso aos tribunais é um direito fundamental dos cidadãos, legalmente previsto tanto na Lei Básica da RAEM (artº 36º) como em várias leis processuais (ex. artº 2º do CPAC e artº 1º do CPC).
Daí que “só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável)” (Ac. do TSI, de 30/05/2002, Proc. nº 92/2002).
No caso sub justice, não foi detectada qualquer manifesta ilegalidade do recurso, mostrando-se assim verificado o requisito negativo da alínea c) do artigo 121º do citado CPAC.
Passamos agora para o outro requisito.
Como é sabido, qualquer acto administrativo pressupõe sempre um interesse público, sob pena de ser um acto ilegal por desvio do poder.
Ensina o Prof. Freitas do Amaral (“Direito Administrativo” II, 38) que “só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinante de qualquer acto administrativo. Assim se um órgão da Administração praticar um acto administrativo que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder, e por isso será um acto ilegal, como tal anulável contenciosamente”. (cfr., ainda, o Prof. Rogério E. Soares in “Interesse Público, Legalidade e Mérito”, 1955, 99ss).
Nesta conformidade e atenta a presunção de legalidade - o acto foi praticado para prosseguir o interesse público - a suspensão da sua eficácia pode lesar sempre tal interesse.
Por isso, para não haver lugar à suspensão de eficácia do acto, a lei exige uma lesão grave do interesse público e não uma lesão simples.
No caso em apreço, num primeiro momento, tudo aponta que a suspensão de eficácia do acto punitivo em causa não iria causar grave lesão para o interesse público.
Pois, não se tratando duma sanção expulsiva, o requerente após o cumprimento da pena disciplinar, voltará a desempenhar as mesmas funções.
Se não existir qualquer lesão para o interesse público em manter o requerente no mesmo posto de trabalho mais tarde, também não deveria haver tal lesão se o requerente voltar, agora, às suas funções.
No entanto, não podemos ignorar um facto importante, que é justamente o vínculo do requerente com a Administração.
O requerente é contratado além do quadro, com o prazo de 1 ano, cujo termo ocorrerá no dia 15/08/2013.
Ora, chegado ao termo contrato, o mesmo poderia ser não renovado quer por vontade da Administração, quer por vontade própria do requerente.
Se assim for e uma vez decretada a suspensão de eficácia do acto, caso o acto recorrido vier a ser confirmado, já deixaria de haver a possibilidade da sua execução tendo em conta o tempo indispensável para obter a decisão judicial com trânsito em julgado do recurso contencioso interposto, o que, a nosso ver, prejudicaria gravemente o interesse público, pondo em causa a autoridade e a imagem da Administração, transparecendo uma ideia de permissividade ou tolerância em relação aos actos ilícitos praticados quer ao nível interno, quer público.
Na hipótese da situação inversa, isto é, caso o acto recorrido vier a ser declarado nulo ou anulado judicialmente, a entidade recorrida tem a obrigação de praticar todos os actos jurídicos e operações materiais necessários à reintegração efectiva da ordem pública violada e à reposição da situação hipotética actual (cfr. artº 174º, nº 3 do CPAC).
Pelo exposto, é de concluir que a pretensão do requerente não pode proceder por não se verificar o requisito previsto na al. b) do nº 1 do artº 121º do CPAC.
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II. Da não suspensão provisória:
Face às razões acima expostas, não deixa de se julgar procedentes os fundamentos da não suspensão provisória invocados pela entidade requerida nos termos do nº 2 do artº 126º do CPAC.
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Por todo o exposto, acordam, em conferência, indeferir o presente pedido de suspensão de eficácia e julgar procedentes os fundamentos da não suspensão provisória invocados pela entidade requerida nos termos do nº 2 do artº 126º do CPAC.
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Custas pelo requerente com 6UC de taxa de justiça.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 13 de Dezembro de 2012.
Ho Wai Neng Presente
José Cândido de Pinho Vítor Coelho
Lai Kin Hong



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