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Processo nº 796/2012 Data: 13.12.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Transgressão laboral.
Elemento subjectivo.
Absolvição.



SUMÁRIO

1. Em sede de processo de transgressão laboral, que não deixa de ter a natureza de “processo penal”, inviável é a condenação sem efectiva (e clara) prova não só do elemento objectivo da infracção, mas também do elemento subjectivo.

O relator,

______________________

Processo nº 796/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar a “A MACAU, S.A.” como autora de uma infracção (por redução de remuneração), p. e p. pelo art. 9°, n.° 1, al. d) do D.L. n.° 24/89/M e 85°, n.° 1, al. 2) e 10°, n.° 5 da Lei n.° 7/2008, na multa de MOP$7.500,00, assim, como no pagamento de uma indemnização no montante de MOP$17.274,50 ao trabalhador B; (cfr., fls. 725 a 730 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada, a arguida recorreu.
Na sua motivação, produziu as conclusões seguintes:

“1.° De acordo com a Sentença Recorrida, foi a A condenada pela prática de uma contravenção consubstanciada na violação da garantia do trabalhador B de não redução da respectiva remuneração de base, de acordo com o disposto nos artigos 9.° n.° 1, alínea d) do DL 24/89/M, e 85.° n.° 1, 2) e 10.° n.° 5 da LRT.
Não pode, no entanto, a Arguida conformar-se com o decidido quer quanto à decisão da matéria de facto, quer quanto à fundamentação jurídica da Sentença Recorrida.
2. ° Desde logo, relativamente à condenação no pagamento de urna indemnização ao trabalhador, para que tal condenação fosse admissível seria necessário que o trabalhador tivesse dirigido ao Tribunal a quo um pedido cível, no prazo de 10 dias a contar da sua notificação do despacho que designou a data para o julgamento, dado que o Ministério Público converteu o Auto de Notícia em Acusação (cfr. artigo 102.° n.° 1 do CPT).
Não tendo a Arguida sido notificada para contestar qualquer pedido cível, a condenação sem notificação para esse efeito e, bem assim, para apresentar a respectiva prova consubstancia urna violação do princípio fundamental ao contraditório, pelo que deve a Sentença Recorrida ser anulada na parte em que condenou a Arguida no pagamento de uma indemnização ao trabalhador reclamante, com fundamento em violação do principio do contraditório, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 147.° e 3.° do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão dos artigos 1.° n.°1 e 103.° n.° 3 do CPT (igualmente previsto no artigo 39.° n.° 2 do CPT).
3.° O Tribunal entendeu - sem sustentação factual suficiente, porém - que o trabalhador C, de 09.07.2007 a 14.09.2008, teria prestado 8 horas de trabalho por dia (excluindo uma hora de intervalo para refeição), quando deveria ter prestado 7 horas de trabalho por dia, acrescidas de 1 hora remunerada de intervalo de descanso, pelo que teria prestado mais 1 hora por dia de trabalho extraordinário a favor da Arguida.
Tal entendimento assenta na conclusão (errónea e sem qualquer sustentação) de que o previsto no Guia de Benefícios, datado de 26.12.2006, deveria prevalecer sobre o estipulado no contrato de trabalho do trabalhador.
4. ° De acordo com a prova produzida em sede de julgamento, não estavam à disposição do Tribunal a quo elementos probatórios bastantes que lhe permitisse concluir - como concluiu (erroneamente) - no sentido de que o Guia de Benefícios, datado de 26.12.2006, seria aplicável ao trabalhador B, enquanto trabalhador da Arguida, ou, sequer, que o mesmo lhe foi entregue aquando celebração do respectivo contrato de trabalho.
Aliás, decorre dos elementos de prova carreados para os autos - designadamente do depoimento das testemunhas D e E - que tal Guia de Benefícios não era aplicável ao trabalhador reclamante por se tratar de um trabalhador da A (e não do F, para onde o referido Guia tinha sido previsto) .
5. ° Deveria, pois, o Tribunal a quo ter-se abstido de dar como provados os factos 4., 5. e 6. constantes da Sentença Recorrida por falta de fundamentação, devendo, em consequência, a Sentença Recorrida ser declarada nula nessa parte, à luz do disposto no artigo 360.°, alínea a) e 355.° n.° 2, ambos do CPP, aplicáveis por remissão do artigo 89.° do CPT.
6.° O Nenhuma referência consta da Sentença Recorrida tal como sucede com a Acusação - quanto ao elemento subjectivo da (suposta) subsunção da conduta da Arguida à prática do ilícito contravencional que lhe é imputada na Sentença Recorrida, não esclarecendo o Tribunal a quo se considera que a contravenção teria sido praticada a título doloso ou meramente negligente ou, tão pouco, qual o grau de culpa da Arguida, elementos essenciais à conclusão da operação de subsunção dos factos ao Direito aplicável.
Os pressupostos de que depende a condenação de determinado agente pela prática de uma contravenção são cumulativos - como não podia deixar de ser atento carácter sancionatório do Direito contravencional.
Deste modo, a omissão da descrição de todos os elementos que levaram a que o Tribunal a quo subsumisse a conduta do Recorrente ao artigo 85.° n.° 1, alínea 2) da LRT resulta, pois, numa manifesta falta de fundamentação da Sentença Recorrida, nulidade insanável nos termos do disposto nos artigos 360.°, alínea a) e 355.° n.° 2, ambos do CPP, aplicáveis por remissão do artigo 89.° do CPT.
7.° De facto, dos elementos juntos aos autos, apenas seria possível concluir que o trabalhador:
(i) foi contratado para prestar 48 horas efectivas de trabalho semanal;
(ii) sempre prestou 48 horas efectivas de trabalho semanal, divididas em 8 horas diárias de, trabalho efectivo, com um intervalo para descanso de 1 hora;
(iii) poderia ausentar-se do local de trabalho - as instalações da A - durante o período de descanso diário de uma hora, utilizado pelo trabalhador para uma refeição; e
(iv) sempre foi remunerado pela prestação de 48 horas de trabalho semanal efectivo.
8.° Face à factualidade efectivamente apurada, o período de descanso diário de uma hora gozado pelo trabalhador não deverá ser contabilizado no período normal de trabalho, sendo de concluir que o trabalhador B sempre trabalhou 8 horas diárias e 48 horas semanais, conforme estabelecido no respectivo contrato de trabalho - e como sucedia com todo o seu Departamento - não tendo havido qualquer redução, ainda que indirecta, da remuneração do trabalhador com o Guia de Benefícios de 03.08.2007.
O Guia de Benefícios de 03.08.2007 não alongou, de facto, a prestação de trabalho efectiva do trabalhador, limitando-se a organizar os intervalos de descanso e a reflectir a realidade do Departamento onde se encontrava inserido o trabalhador reclamante.
9.° Deveria, pois, o Tribunal a quo ter-se igualmente abstido de dar como provados os factos 8., 9. e 10. constantes da Sentença Recorrida por falta de fundamentação, devendo, em consequência, a Sentença Recorrida ser declarada nula nessa parte, à luz do disposto no artigo 360.°, alinea a) e 355.° n.° 2, ambos do CPP, aplicáveis por remissão do artigo 89.° do CPT.
10.° Não há, por isso, lugar ao pagamento de qualquer montante ao trabalhador, uma vez que, de acordo com as disposições normativas aplicáveis, apenas o trabalho que fosse prestado para além do seu período normal de trabalho - i.e., das 48 horas semanais - poderia ser considerado e não ficou demonstrado que o trabalhador tenha, alguma vez, prestado actividade não compensada para além do limite deste limite.
11. ° Deve, pois, concluir-se que nunca foi a remuneração do trabalhador B reduzida - ainda que indirectamente -, pelo que deverá a Sentença Recorrida ser declarada nula e substituída por outra de absolvição da Arguida, sob pena de violação do disposto no artigo 9. ° n.° 1, alínea d) do DL 24/89/M, nos artigos 10. °, alínea 5) e 85.° n.° 1, 2), ambos da LRT, e 360.°, alínea a) e 355.° n. ° 2, ambos do CPP, aplicáveis ex vi do artigo 89.° do CPT”;(cfr., fls. 736 a 747-v).

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Em resposta, considera o Exmo. Magistrado do Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 749 a 752-v).

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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:

“Nas conclusões da Motivação de fls.736 a 747 verso, a recorrente arguiu a violação do princípio do contraditório, a falta de fundamentação dos 4 a 6 e 8 a 10 factos dados por provados pelo Tribunal a quo, e a falta de fundamentação por omissão da descrição de todos os elementos da contravenção na qual ela foi condenada.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da Exma. Colega na Resposta (cfr. fls.749 a 752 verso).
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Note-se que a douta sentença de fls.570 a 572 condenou, para além da multa por contravenção laboral, a arguida/recorrente em pagar ao trabalhador B a indemnização civil no valor de MOP$33,441.30, a título de remuneração do trabalho extraordinário.
Pois, o Acórdão de fls.727 a 730, ora recorrido, foi decretado em cumprimento do Acórdão de fls.701 a 707v., no qual o Venerando TSI ordenou, nos termos do art.40S0 do CPP, o reenvio do processo para novo julgamento, por entender que aquela sentença feria do vício previsto na a) do n.°2 do art400° do CPP.
Prolatado no novo julgamento sobre mesmo litígio, o Acórdão recorrido condenou a arguida/recorrente em pagar ao mesmo trabalhador indemnização no quantia de MOP$17,274.50, com fundamento de se verificar indevida redução da remuneração de base.
É verdade que o Acórdão in questio não perfilhou o fundamento da indemnização propugnado naquela sentença: passando o qual da «remuneração do trabalho extraordinário» à por «indevida redução da remuneração de base», e, como é óbvio, reduzindo o montante indemnizatório de MOP$33,441.30 a MOP$17,274.50.
Mas, importa recordar que em vários casos anteriores a este, a recorrente fora já condenada em pagar indemnização a título de redução da remuneração de base, por praticar facto de alterar, unilateralmente e sem compensação, o horário de 8 horas diário (incluindo o tempo de refeição) para não incluir nele o tempo de descanso e refeição.
Tudo isto implica que antes de iniciar o julgamento conducente ao Acórdão recorrido, a recorrente podia e devia prever a condenação da indemnização civil, e organizar prudentemente a sua defesa. Daí flui que o Acórdão recorrido na parte da condenação da indemnização não ofende o princípio do contraditório.
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Pois bem, o douto Acórdão sob sindicância deu por provados os 4 a 6 e 8 a 10 factos, cuja fundamentação reza: 在客觀綜合分析了B、勞工事務局人員及A澳門股份有限公司的三名員工在審判聽證中所作之證言、結合在審判聽證中審查的書證、特別是有關工人B的勞動合同及該個工人的上班時間記錄,本合議庭認定上述事實。
Recorde-se que uma sentença se mostra fundamentada quando se revela o procedimento lógico seguido pelo Tribunal na formação da decisão, confrontando-a com o seu acerto e segurança, permitindo-se assim dar a conhecer as razões que levaram à decisão do juiz e sindicar o juízo que foi feito pelo julgador. (Acórdão do TSI no Processo n.°225/2006)
Daí se possa compreender que a nulidade da sentença por falta de fundamento de facto e direito só se verifica na ausência total de fundamentação; se se tiver por deficiente ou incompleta não há nulidade. (Acórdãos do TSI e do TUI, nos Processos respectivamente n.°662/2009 e n.°l/2012)
E, O Venerando TUI vem consolidando duas jurisprudências: Em primeiro lugar, a extensão e o conteúdo da motivação são função das circunstâncias específicas do caso concreto, nomeadamente da natureza e complexidade do processo; e em segundo, não há norma processual que exige que o julgador exponha pormenorizada e completamente todo o raciocínio lógico ou indique os meios de prova que se encontram na base da sua convicção de dar como provado ou não provado um determinado facto, nem a apreciação crítica das provas em ordem a permitir a sua apreciação pelo tribunal de recurso, sem prejuízo, naturalmente, de maior desenvolvimento quando o julgador entenda fazer.
Em esteira das ponderadas jurisprudências supra referida, podemos crer que está suficientemente fundamentada a sentença recorrida no que respeite aos apontados factos, pelo que não podem deixar de falecer as 3ª a 5ª e 7ª 11ª Conclusões.
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Quanto à falta de fundamentação por omissão da descrição de todos os elementos da contravenção na qual a recorrente foi condenada (a 6ª conclusão), repita-se que em vários casos anteriores a este, a recorrente fora já condenada por cometer facto de alterar, unilateralmente e sem compensação, o horário de 8 horas diário (incluindo o tempo de refeição) para não incluir nele o tempo de descanso e refeição.
Sendo assim e tomando em consideração a fundamentação supra transcrita, entendemos que a omissão no Acórdão recorrido da descrição explícita do elemento subjectivo se degrada numa mera irregularidade por não prejudicar o direito da recorrente, e desta maneira, não se verifica a invocada falta de fundamentação.
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No caso sub judice, acontece que no Acórdão recorrido, o Tribunal a quo deu por provado: «6.資方根據上述 “新指引”,安排B每日一小時1 就餐時間,但該一小時不予計算在八小時工作時間之內,B在該一小時就餐時可離開工作崗位,自由活動。
Ora bem, o facto de «但該一小時不予計算在八小時工作時間之內» dá-se entender que a partir da vigência do Novo Regime estabelecido pela recorrente, o trabalhador B tinha de prestar uma hora de trabalho para mais, não apenas meia hora.
Repare-se que a duração de 30 minutos prevista no n.°3 do art.33° da Lei n.o7/200S não é fixa, mas sim o limite mínimo do intervalo para descanso. De qualquer modo, a mens legis não consiste em estabelecer parâ-metro para calcular o montante da indemnização.
Na nossa modesta opinião, o cálculo do montante de indemnização concreto deve tomar por base o tempo (de trabalho) que excede efectivamente do horário de 8 horas diário, em vez daquele limite mínimo legal do tempo do intervalo.
Nesta linha de consideração, e ressalvado respeito pela opinião diferente, parece-nos que padece do erro de direito o parâmetro adoptado pelo Tribunal a quo para calcular o montante da indemnização, parâmetro que consiste em 30 minutos (meia hora) por dia.
Em homenagem da boa aplicação do Direito, afigura-se-nos que o Venerando TSI poderá oficiosamente, caso acolhendo a nossa opinião, conhecer o apontado erro de direito e revogar o Acórdão recorrido na parte da indemnização devida.
***
Por todo o exposto, entendemos que o presente recurso não merece provimento, mas Acórdão recorrido na parte da indemnização poderá ser oficiosamente revogado”; (cfr., fls. 770 a 722).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Deu o Tribunal a quo como provados os factos seguintes:

“1.O trabalhador B foi contratado pela A Macau, S. A. para o posto de motorista no período de 16 de Julho de 2007 a 11 de Setembro de 2009.
2. O trabalhador ingressou na dita empresa em 16 de Julho de 2007 no posto de croupier, e foi transferido para o posto de motorista em 23 desse mês, pertencendo aos trabalhadores de categoria F.
3. A sua remuneração mensal foi de MOP$12.000,00 entre 16 de Julho de 2007 e 30 de Junho de 2008, e de MOP$12.720,00 entre 1 de Julho de 2008 e 11 de Setembro de 2009.
4. Desde 16 de Julho de 2007 até 2 de Agosto de 2007, conforme o Guia de Benefícios de 26/12/2006 elaborado pela parte patronal (designado simplesmente pelo antigo Guia), o trabalhador prestou semanalmente 48 horas de serviço, em 6 dias de trabalho, com tempo de refeições. Ou seja, o tempo normal de trabalho dele era de 48 horas por semana. Nas 8 horas normais de trabalho diário estava incluído o intervalo para descanso e refeições, durante o qual não podia ausentar-se do local de trabalho. Porém, não se indicou a duração do intervalo para refeições.
5. No dia 3 de Agosto de 2007, a parte patronal elaborou um novo Guia de Benefícios (designado simplesmente pelo novo Guia), em que foi suprimida a expressão “incluindo o tempo de refeições” utilizada no Guia de 26/12/2006, com consagração de que o período de trabalho dos trabalhadores de categoria F, grupo no qual se integrava o trabalhador B, era de 48 horas por semana, distribuídas em 6 dias de trabalho, quer dizer, o período normal de trabalho dos trabalhadores desta categoria era de 48 horas por semana, e nas 8 horas normais de trabalho diário não estava incluído o intervalo para refeições, durante o qual podiam ausentar-se do local de trabalho.
6. Por força do novo Guia, o trabalhador ora em causa foi afectado pela parte patronal a uma hora de refeições por dia, sendo, todavia, tal hora de refeições não computada nas 8 horas de trabalho. Durante o intervalo para refeições, o trabalhador podia ausentar-se do local de trabalho, movimentando-se livremente.
7. A parte patronal não notificou o próprio trabalhador de forma clara da alteração supramencionada, nem obteve o seu consentimento.
8. A parte patronal nem obteve autorização da DSAL nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea d) do Decreto-Lei n.º 24/89/M então vigente.
9. No dia 12 de Novembro de 2007, quando a parte patronal renovou o contrato de trabalho celebrado com o trabalhador B, estabeleceu que as partes deviam tratar das suas relações de trabalho nos termos do contrato anterior.
10. A parte patronal não efectuou qualquer prestação pecuniária relativa à modificação acima descrita.
11. Com observância do período de trabalho disposto pela parte patronal no novo Guia, o dito trabalhador prestou, no total, 47 semanas e 3 dias de trabalho entre 3 de Agosto de 2007 e 30 de Junho de 2008, e 63 semanas e 5 dias de trabalho entre 1 de Junho de 2008 e 11 de Setembro de 2009.
12. Nos períodos de trabalho referidos no número anterior, a parte patronal não concedeu ao trabalhador qualquer compensação pecuniária em virtude da alteração do Guia de Benefícios”.

Seguidamente, quanto à sua convicção, consignou o que segue:

“Tendo analisado objectiva e sinteticamente as declarações prestadas na audiência de julgamento pelo trabalhador B, pelos agentes da DSAL e pelos três trabalhadores da A Macau, S. A., e atentas as provas documentais produzidas na audiência, nomeadamente o contrato de trabalho e o registo de entradas e saídas do mesmo trabalhador, este Tribunal Colectivo deu por assentes os factos supracitados”.

Do direito

3. Vem a arguida recorrer da sentença que a condenou como autora de uma infracção (por redução de remuneração), p. e p. pelo art. 9°, n.° 1, al. d) do D.L. n.° 24/89/M e 85°, n.° 1, al. 2) e 10°, n.° 5 da Lei n.° 7/2008, na multa de MOP$7.500,00, assim, como no pagamento de uma indemnização no montante de MOP$17.274,50 ao trabalhador B.

Insurge-se contra a decisão que lhe aplicou a multa pela “infracção laboral” assim como a que a condenou no pagamento de uma indemnização no valor de MOP$17.274,50 a B.

–– E, independentemente do demais, - do que se vier a consignar quanto à indemnização – há que dizer que a decisão não se pode manter.

De facto, e como da transcrita factualidade provada se pode ver, provado não ficou o elemento subjectivo, (tanto na modalidade de dolo ou negligência).

E, com muito respeito por opinião em sentido diverso, não nos parece de sufragar o entendimento do Ilustre Procurador Adjunto no sentido de que “a omissão no Acórdão recorrido da descrição explícita do elemento subjectivo se degrada numa mera irregularidade…”.

Estando nós em sede de um processo de transgressão laboral, que não deixa de ter a natureza de “processo penal”, inviável é a condenação sem efectiva (e clara) prova não só do elemento objectivo da infracção, mas também do elemento subjectivo.

E, isto, independentemente de ter (ou não) a (mesma) arguida outros processos (onde, quiçá, até foi condenada, com trânsito em julgado), pois que os processos são “autónomos” entre si (e não fazem caso julgado quanto à sua culpa.

É que, movendo-nos em sede de um processo de “transgressão laboral”, que não deixa de ser um processo de “natureza penal”, legal não é presumir o dolo ou negligência do arguido, e, não havendo também aqui lugar a “responsabilidade objectiva”, à vista está a solução.

Dest’arte, impõe-se revogar a decisão recorrida.

–– Quanto à indemnização.

Em causa está o montante de MOP$17.274,50.

E, (por maioria), tem este T.S.I. entendido que, sendo o valor de indemnização inferior ao da alçada do T.J.B. (MOP$50.000,00), insusceptível de recurso é a decisão que condena no seu pagamento; (cfr., Ac. de 26.04.2012, Proc. n.° 47/2012).

Observado que foi o contraditório sobre tal questão em audiência de julgamento, e não se mostrando de considerar também que o art. 110°, n.° 2 do C.P.T. constitua “excepção” no que toca à recorribilidade da decisão que condena no pagamento de uma indemnização em quantum inferior à referida alçada, há que decidir pela não admissão do recurso na parte em questão.

Decisão

4. Nos termos que se deixaram expostos, julga-se procedente o recurso no que toca à decisão crime, absolvendo-se a arguida da imputada transgressão laboral, não se conhecendo do recurso no que toca à decisão que a condenou no pagamento de uma indemnização de MOP$17.274,50.

Custas pela recorrente, com taxa de 2 UCs, não se tributando o Ministério Público dada a sua isenção.

Macau, aos 13 de Dezembro de 2012

_________________________
José Maria Dias Azedo
(Relator)
[Com a declaração que segue: dou aqui como totalmente reproduzida a declaração de voto que anexei ao Ac. de 26.04.2012, Proc. n.° 47/2012, onde considero que, em processo penal, claro é o art. 390°, n.° 2 do C.P.P.M., onde se preceitua que “o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil é admissível desde que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido”, (MOP$25.000,00), necessidades não havendo assim de ponderar no valor da alçada, (MOP$50.000,00). Com efeito, e como tive oportunidade de expor, em matéria de recursos, o C.P.P.M. passou a obedecer a princípios próprios, possuindo uma estrutura normativa autónoma, como sem esforço se pode ver da sua regulamentação, ao abrigo dos art°s 389° e segs. Tal, porém, não afasta a possibilidade de o Tribunal (dever) tirar as devidas consequências da decisão que profere. No caso, embora se tenha decidido pela absolvição da arguida quanto à transgressão laboral por ausência do elemento subjectivo da infracção, face à factualidade provada e referenciada nos pontos 11° e 12°, motivos não há para considerar inadequada a decisão que condenou a arguida no pagamento da indemnização de MOP$17.274,50].

_________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
(com declaração de voto em anexo)

_________________________
Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)






Declaração de voto apendiculada ao
Acórdão de 13 de Dezembro de 2012 do Processo n.º 796/2012
Em relação ao Acórdão hoje emitido por este Tribunal de Segunda Instância no seio dos presentes autos de recurso n.o 796/2012, emergentes de um processo por contravenção laboral, exara o ora signatário, na qualidade de primeiro juiz-adjunto, esta declaração de voto:
Nesse Acórdão, foi materialmente decidido, por maioria dos votos, absolver a arguida da responsabilidade contravencional, por se entender que “da … factualidade provada se pode ver, provado não ficou o elemento subjectivo, (tanto na modalidade de dolo ou negligência)” e que “inviável é a condenação sem efectiva (e clara) prova não só do elemento objectivo da infracção, mas também do elemento subjectivo”.
Entretanto, opina o signatário que, in casu, a partir de todo o elenco dos factos descritos como provados na fundamentação da sentença condenatória recorrida, já se pode concluir, a nível jurídico falando, pela afirmação do dolo directo da arguida.
Na verdade, se conforme esse elenco dos factos provados, a arguida alterou, em 3 de Agosto de 2007, a “guia de benefícios” datada de 26 de Dezembro de 2006 à luz da qual tinha sido contratado o trabalhador (suprimindo, pois, a expressão “incluindo o tempo de refeições” então utilizada para definir o horário de trabalho), sem que o trabalhador dos autos tenha sido notificado de forma clara dessa alteração, nem que a própria arguida tenha obtido o consentimento do trabalhador ou a autorização da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, e acabou por não ter concedido ao trabalhador qualquer compensação pecuniária do trabalho prestado por este nos termos da nova “guia de benefícios”, então a única explicação razoável para a prática desses factos pela arguida só pode ser o seguinte: a arguida, representando-se a referida alteração unilateral da definição do horário de trabalho e o não pagamento da compensação pecuniária do trabalho prestado pelo trabalhador no tempo de refeições como uma actuação preenchedora de alguma contravenção laboral, actuou dessa maneira com intenção de a realizar (cfr. o conceito de dolo directo definido em termos gerais no art.o 13.o, n.o 1, do actual Código Penal), pois caso contrário, teria, antes de proceder à mencionada alteração, ter obtido primeiro o consentimento do trabalhador ou a autorização da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais como entidade administrativa fiscalizadora da legislação laboral vigente.
Razões por que discorda o signatário da decisão absolutória contravencional ora tomada no Acórdão que antecede, embora, independentemente do demais, já subscreva a decisão de não conhecimento do recurso da arguida na parte atinente à indemnização civil por que vinha condenada em primeira instância.
Macau, 13 de Dezembro de 2012.
O juiz,
                
                 Chan Kuong Seng

Proc. 796/2012 Pág. 26

Proc. 796/2012 Pág. 1