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Processo nº 163/2012
Data do Acórdão: 06DEZ2012


Assuntos:

Autorização de residência temporária
Línguas oficiais da RAEM
Falta de notificação
Preterição da audição prévia
Poderes discricionários


SUMÁRIO

1. A Administração não tem a obrigação de usar no procedimento administrativo qualquer outra língua, não oficial, que o particular alegadamente domina, mas sim apenas a de lhe assegurar o direito de receber resposta numa das línguas oficiais, chinês ou português. Assim, a simples circunstância de não dominar qualquer das línguas oficiais da RAEM não pode ser invocada pelo interessado para a exclusão da culpa da sua omissão no incumprimento de uma obrigação legal de que fica notificado em qualquer uma dessas línguas.

2. Se a Administração se limitar a decidir o pedido formulado pelo particular, de acordo com o estatuído na lei e com base somente nos elementos por ele fornecidos, e não em outros elementos obtidos por via de investigação oficiosa, não há lugar à audiência prévia.

3. No exercício do poder discricionário em que a Administração goza na sua actuação necessariamente uma certa margem de liberdade, ao Tribunal cabe verificar se existe uma correspondência entre os pressupostos de factos legalmente previstos e os factos verificados no caso concreto e a adequação do acto administrativo ao fim legal para que lhe é conferido o poder discricionário, assim como o controlo do respeito pelos princípios gerais da actividade administrativa.


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 163/2012

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

A, B, C e D, todos devidamente identificados nos autos e estes últimos dois representados por aqueles primeiros dois, seus pais, vêm recorrer do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu àquele o pedido da renovação da autorização temporária com fundamento no incumprimento do dever de comunicação imposto pelo artº 18º/3 do Regulamento Administrativo nº 3/2005, alegando e pedindo:

I. Em virtude das suas amplas habilitações, o Recorrente recebeu uma proposta de trabalho oferecida pela empresa de Macau denominada por E Limited, proposta esta cujos termos ficaram consagrados no contrato de trabalho assinado por ambas as partes em 7 de Novembro de 2005.
II. Em 11 de Novembro de 2005, por requerimento que viria a ser apensado com o processo número 2508/2005, o Recorrente submeteu o sobredito contrato e os demais documentos legalmente exigíveis junto do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, (I.P.I.M.), requerendo a sua autorização de residência enquanto quadro técnico especializado contratado pela empresa E Limited, e a autorização de residência do seu agregado familiar composto por sua esposa B e seus filhos menores C e D.
III. Requerimento este que foi autorizado por despacho proferido em 14 de Março de 2006, no qual foi autorizada a residência do Recorrente e da sua esposa B até 14 de Março de 2009, o dos seus 2 filhos C e D até 3 de Abril de 2007.
IV. Sendo que, pelo facto de a estes últimos só lhes ter sido concedida uma autorização até 3 de Abril de 2007, em 28 de Fevereiro de 2007 o Recorrente requereu ao I.P.I.M. no processo número 2508/2005/1R que lhe fosse renovada a autorização de residência dos seus filhos menores C e D, tendo para o efeito juntado os documentos legalmente exigíveis.
V. Vindo a decisão de autorização da renovação a ser proferida em 1 de Abril de 2008, com validade até 14 de Março de 2009 e, consequentemente, porque a autorização de residência do Recorrente e respectivo agregado familiar era válida até 14 de Março de 2009, por requerimento datado de 30 de Janeiro de 2009, o Recorrente requereu ao I.P.I.M. no processo número 2508/2005/2R que lhe fosse renovada a sua autorização de residência e a do seu agregado familiar, tendo para o efeito submetido os documentos legalmente exigíveis.
VI. Volvidos quase três anos sem qualquer resposta, pese embora os inúmeros pedidos de informação por parte do Recorrente, em 16 de Dezembro de 2011, foi proferida decisão de indeferimento da renovação da autorização de residência do Recorrente e do seu agregado familiar.
VlI. Decisão esta, da qual o Recorrente somente foi notificado no dia 1 de Fevereiro de 2012, e da qual ora se recorre, sendo que se procurará demonstrar que a mesma se encontra inquinada por vício de forma por preterição de formalidades de - Não notificação e não realização de audiência dos interessados - artigos 68º a 72.º e 93° a 98°, todos do Código do Procedimento Administrativo (C.P.A.).
VIII. Alega a Entidade Recorrida, como fundamento da sua decisão, que o Recorrente, pese embora tenha sido notificado nos ofícios n° 4781/GJFR/P2508/2005 de 30 de Março de 2006 e n.º 06935/GJFR/2008 de 30 de Abril de 2008, não terá comunicado a alteração da relação laboral que instruiu o pedido originário de autorização de residência, nomeadamente, a alteração da entidade patronal, a alteração da função, e especialmente a alteração da remuneração que passou de MOP$25.000,00 para HKD$4.000,00, durante o perido de Junho de 2007 a Julho de 2008 sendo esta muito inferior à declarada no contrato de trabalho que havia sido apresentado a 28 de Março de 2007.
IX. Acontece que as notificações a que se refere a Entidade Recorrida - ofício n° 4781/GJFR/P2508/2005 de 30 de Março de 2006 e oficio n.º 06935/GJFR/2008 de 30 de Abril de 2008 - salvo devido respeito, mais não são do que as notificações que contêm o despacho que, respectivamente, i) deferiu, o pedido inicial de autorização de residência do Recorrente e respectivo agregado familiar e que ii) decidiu da renovação da autorização de residência dos seus filhos menores, sendo certo, que neles apenas se faz uma menção aos direitos e deveres do Recorrente, sem grandes especificações das terminologias técnicas.
X. No que à comunicação das alterações da relação laboral diz respeito, mais precisamente, quanto ao conteúdo das referidas alterações, a notificação alegadamente endereçada ao Recorrente, não é clara nem explicita na sua interpretação, levando a ambiguidade desta e ao erro de interpretação de quem delas é destinatário, pois, nem mesmo a versão em língua inglesa que foi anexada às folhas dos ofícios endereçados ao Recorrente por forma a facilitar o entendimento das notificações realizadas em Chinês ou Português (diga-se, nenhuma das línguas com escrita dominada pelo Recorrente), se revelou perceptível para o Recorrente.
XI. Pelo menos, não com o mesmo sentido de interpretação que é dado pela Entidade Recorrida, no oficio em versão inglesa, cuja versão na língua oficial chinesa se encontra junto aos autos do processo administrativo, porquanto, em parte alguma se depreende de forma clara quais as especificas alterações à relação laboral devem ser comunicadas ao I.P.I.M..
XII. Muito pelo contrário, da leitura da respectiva versão inglesa que foi enviada ao Recorrente, será legitimo concluir que apenas i) a alteração da entidade patronal e/ou ii) cancelamento do contrato de trabalho, são de comunicação obrigatória ao I.P.I.M., nos 30 dias subsequentes.
XIII. Não tendo sido nenhumas destas alterações as ocorridas na relação laboral do Recorrente, este, por sua vez não as comunicou.
XIV. É certo que, de 1 de Junho de 2007 a 1 de Agosto de 2008, os rendimentos salariais que o Recorrente declarou em Macau, foram inferiores ao inicialmente declarados, contudo, pelo facto desta alteração não importar i) nem uma alteração da entidade patronal do Recorrente, ii) nem um cancelamento da relação laboral do mesmo - conforme havia o mesmo depreendido da notificação da versão inglesa do ofício n° 4781/GJFR/P2508/2005 de 30 de Março de 2006 e ofício n.o 06935/GJFR/2008 de 30 de Abril de 2008 - não foi por esta razão, a referida alteração comunicada pelo Recorrente ao I.P.I.M. no prazo de 30 dias.
XV. Se as notificações que a Entidade Recorrida alega ter feito, tivessem chegado ao conhecimento do Recorrente de forma clara e evidente.
XVI. Para além do Recorrente ter comunicado a alteração aos seus rendimentos, teria o mesmo junto os documentos que comprovassem a subsistência da relação laboral e consequentemente a manutenção das razões que fundamentaram a autorização de residência que lhe foi concedida enquanto quadro técnico especializado.
XVII. Uma vez que, apesar dos rendimentos declarados pelo Recorrente em Macau terem sofrido uma alteração para menos - devido a uma reestruturação da empresa que levou a que o Recorrente, temporariamente tivesse que desempenhar as suas funções também em Hong Kong e por essa razão a entidade patronal tenha decidido declarar a maioria dos rendimentos do Recorrente em Hong Kong - em momento algum o Recorrente deixou de auferir um salário igual ou inferior às MOP$25,000.00 inicialmente declaradas.
XVIII. Muito pelo contrário, o Recorrente teve até um aumento salarial significativo na empresa originária, para além de, adicionalmente, ter passado também a integrar os quadros de uma segunda empresa denominada F Ltd., enquanto Director conforme documentos juntos aos autos do processo administrativo.
XIX. Contudo e sem conceder, mesmo que a alteração operada na relação laboral do Recorrente devesse ter sido comunicada ao I.P.I.M., a este departamento também lhe era exigível que notificasse o Recorrente para, antes da decisão, vir ao processo dizer o que tivesse por conveniente e, bem assim, juntar a prova que se lhe oferecera necessária.
XX.O que nunca aconteceu durante os três anos em que o pedido de renovação de autorização de residência do Recorrente este a ser apreciado.
XXI. Como resulta do artigo 93.° do C.P.A., sob a epígrafe "audiência dos interessados", impende um dever/obrigação sobre o órgão da administração de concluída a instrução e antes de ser tomada a decisão final, de ouvir, por escrito ou oralmente, os interessados, devendo informá-Ios do sentido provável da decisão.
XXII. Acontece que, o Exmo. Secretário da Economia e Finanças, ora Entidade Recorrida não notificou ao ora Recorrente para este ser ouvido previamente em relação à alegada decisão final.
XXIII. Antes sim, deixou passar três anos depois do pedido de renovação da autorização de residência do Recorrente, para indeferir um pedido que por si foi conhecido ou, deveria ter sido conhecido, desde 30 de Janeiro de 2009.
XXIV. Não tendo assim, facultado nem notificado o Recorrente em tempo útil dos elementos resultantes do n.º 2 do artigo 94.º do C.P.A, o Recorrente não pôde exercer o direito elementar de se pronunciar sobre as questões relevantes do procedimento, nem, atempadamente requerer diligências complementares de prova, In casu, indispensáveis, como teremos oportunidade de evidenciar de seguida.
XXV.O direito de audiência dos interessados visa, designadamente, a introdução no procedimento de elementos novos por parte dos particulares/interessados, que possam conduzir a decisão diversa daquela que seria tomada sem esses novos elementos.
XXVI. Na verdade como se afigura claro dos factos e dos documentos junto ao processo administrativo instrutor, caso o I.P.I.M., tivesse procedido à notificação do ora Recorrente, este teria disponibilizado todos os documentos necessários e prestados todos os esclarecimentos suplementares. Mas, verdade é que ao fim de três anos de procedimento, não o fez!
XXVII. É precisamente esse um dos objectivos da audiência de interessados, ou seja, permitir aos particulares apresentarem os seus argumentos antes da decisão final ser tomada, assim como prevenir actos inúteis e sem fundamento por parte dos órgãos da Administração.
XXVlII.Com efeito, a audiência de interessados consubstancia uma manifestação lógica do principio do contraditório, que visa assegurar uma discussão prévia no âmbito do procedimento através do confronto dos critérios e argumentos dos interessados em relação à decisão final.
XXIX. Na verdade, a audiência dos interessados, também designada de audiência prévia, configura um desenvolvimento estruturante do princípio da participação, expressamente consagrado no artigo 10.º do C.P.A.
XXX. O direito de audiência dos interessados, comummente conhecido como audiência prévia, consagrado no artigo 93.º do C.P.A. , constitui um princípio estruturante da lei especial sobre o procedimento da actividade administrativa, traduzindo a intenção legislativa de atribuição de um direito subjectivo procedimental.
XXXI. Por conseguinte, a preterição da realização da audiência de interessados inquina o acto, por vício de forma, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do Código de Procedimento Administrativo Contencioso (C.P.A.C.), porquanto, não se verificando nenhuma das situações previstas do artigo 96.º do C.P.A. e, o órgão administrativo, leia-se a Entidade Recorrida, não deu cumprimento ao estabelecido no artigo 93.º do C.P.A., verifica-se o invocado vício de forma, por preterição de formalidade decorrente do referido normativo, que conduz à anulabilidade do acto, como estatui o artigo 124.º do C.P.A.
XXXII. Mais, no caso concreto, para além da Entidade Recorrida não ter notificado o Recorrente dos elementos resultantes do n.º 2 do artigo 94.º do C.P.A., ainda colocou o Recorrente numa situação de dificuldade na apresentação das provas que lhe seriam admitidas apresentar em sua defesa, devido ao facto da Entidade Recorrida ter demorado 3 anos a decidir sobre o seu pedido.
XXXIII. Denotando, esta mora excessiva por parte da Entidade Recorrida, salvo devido respeito, um completo desprezo pelo Principio da Decisão e da Desburocratização e da Eficiência a que está vinculada atento o disposto nos arts.11° e 12°, ambos do C.P.A.
XXXIV. Violando desta forma os mais elementares direitos do Recorrente, como sejam, o direito à sua própria defesa.
XXXV. Daí que teremos de concluir que a decisão ora posta em crise demonstra uma total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, para além de se traduzir numa decisão desproporcional, inadequada e injusta relativamente aos direitos e interesses que o ordenamento jurídico da RAEM confere ao Recorrente.
XXXVI. De facto, o acto impugnado, não ponderando sobre os direitos do Recorrente direito à defesa, ao trabalho, à família, à unidade e estabilidade familiar, viola no nosso entender alguns dos mais importantes artigos da Básica da RAEM, no que concerne à consagração de direitos dos residentes da RAEM, nomeadamente, os artigos 33° a 42°,
XXXVII.É que, na discricionariedade, a lei não dá ao órgão administrativo competente liberdade para escolher qualquer solução que respeite o fim da norma, obrigando-o a procurar a melhor solução para a satisfação do interesse público de acordo com os princípios jurídicos de actuação.
XXXVIII.A lei ao conferir os poderes discricionários pretende que eles sejam exercidos em face da existência de certas circunstâncias cuja apreciação conduza o agente a optar, entre as várias soluções possíveis, pela que considere mais adequada à realização do fim legal.
XXXIX. No caso sub judice, a melhor solução passa, no nosso entender, pela aceitação dos factos carreados e levados ao conhecimento da Entidade Recorrida pelo agente, nos exactos e precisos termos em que o faz, na medida em que uma pessoa, não poderá sofrer pelas repercussões que o atraso nas decisões da administração provoca nas suas vidas.
XL. Mais, o acto em apreço para além de causar graves prejuízos e de difícil reparação ao Recorrente e aos interesses que este persegue, viola do mesmo modo, os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça consagrados nos artigos 5°, 7° e 138°, todos do C.P.A.
Nestes termos e nos melhores de direito requer-se a V. Exa. que:
O acto de indeferimento da renovação da residência do ora Recorrente e respectivo agregado familiar composto por esposa B e os filhos menores C e D seja declarado inválido e consequentemente, seja a sua anulabilidade declarada pelo Tribunal, nos termos do n.o 1 do artigo 21.º do C.P.A.C., pelo vício de forma, de preterição de formalidades.
Requer-se ainda a V. Exa. que a entidade recorrida seja notificada para remeter aos autos o processo administrativo instrutor, como resulta do n.º 1 do artigo 55.º do C.P.A.C.
 
Citado, veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar pugnando pela improcedência do recurso.

Os recorrentes apresentaram alegações facultativas, reiterando grosso modo o já alegado na petição do recurso.

E a entidade recorrida também reafirmou nas alegações facultativas a sua posição já assumida na contestação.

O Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pelo não provimento do presente recurso.

Fica assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:

* Por despacho do Senhor Chefe do Executivo datado em 14MAR2006, foi concedida a autorização da residência temporária ao ora recorrente A, com fundamento na circunstância de ser ele quadro dirigente contratado por empregador local;

* Por força do mesmo despacho, a autorização de residência temporária, concedida ao recorrente A, foi estendida ao seu cônjuge B, ora recorrente, e aos dois filhos menores;

* Nos termos dessa autorização, o período de validade da autorização concedida aos recorrentes é de 3 anos, ao passo que a autorização concedida aos seus filhos menores é válida até 03ABR2007 que é 30 dias antes da expiração da validade dos seus passaportes.

* Em 28FEV2007, o recorrente A requereu a renovação da autorização de residência temporária dos seus filhos menores;

* Requerimento esse que foi deferido e o período de validade da autorização dos filhos menores foi prorrogado até 14MAR2009;

* A situação levada em conta pela Administração para a concessão da autorização ao recorrente A é o facto de ele se encontrar contratado em Macau pela G LIMITED para o desempenho das funções de “Vice-President – Casino Operations”, com o salário mensal de MOP$25.000,00;

* Situação essa que cessou em 04JUN2007;

* No período compreendido entre 01JUL2007 e 31DEZ2009, o recorrente A foi contratado pela G LIMITED como “consultant”, auferindo o salário mensal no valor de MOP$4.000,00;

* No período compreendido entre 01AGO2008 e 31JUL2010, foi “Managing Director” da F LTD, auferindo o salário mensal no valor de MOP$50.000,00;

* Das cartas dirigidas pelo IPIM ao ora recorrente A notificando-lhe a concessão da autorização de residência temporária e a renovação da autorização concedida aos seus filhos menores, consta a menção expressa de que “按照上述行政法規第十八條之規定,茲通知閣下如作居留申請之工作合同已失效,請於失效之日起計三十日內,以書面通知本局和提供從事新行業活動的證明文件,否則閣下臨時居留申請之批准會被取消。”(nos termos do disposto no artº 18º do regulamento acima citado, fique a V. Exa. notificada de que deva comunicar ao IPIM a eventual cessação do seu contrato de trabalho com a corrente entidade patronal, no prazo de 30 dias a contar da cessação e se for caso disso apresentar documentos comprovativos do exercício de novas actividades, sob pena de cancelamento da autorização de residência temporária.) – vide fls. 79 e 80 do processo instrutor;

* O ora recorrente comunicou essas alterações da sua situação profissional em 30JAN2009, no momento em que formulou o requerimento da renovação da autorização de residência temporária;

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143), são, de acordo com o alegado no petitório do recurso, as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:

1. Da falta de notificação;
2. Da preterição da audição prévia; e
3. Da total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e da violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça.

Então apreciemos.

1. Da falta de notificação

Alegaram os recorrentes que o recorrente A não foi devidamente notificado da sua obrigação de comunicar à Administração as alterações da sua situação profissional, uma vez que as notificações por via das cartas do IPIM endereçadas a ele não são mais do que as notificações que contêm o despacho que deferiu o pedido inicial de autorização de residência do recorrente e respectivo agregado familiar e que decidiu da renovação da autorização de residência dos seus filhos menores, sendo certo, que nelas apenas se faz uma menção aos direitos e deveres do recorrente, sem grandes especificações das terminologias técnicas.

E disseram ainda que não é perceptível para o recorrente a versão em língua inglesa que foi anexada às folhas dos ofícios a ele endereçados por não ser clara e explícita por forma a facilitar o entendimento das notificações realizadas naquelas duas línguas oficiais da RAEM, chinês e português, que ele, o recorrente, não domina.

Assim, para os recorrentes, há “falta de notificação”.

Antes de mais, é de salientar que não sabemos se foi anexada às folhas dos ofícios uma versão inglesa, tal como foi alegado pelos recorrentes.

Todavia, o tal facto alegado é-nos irrelevante por razões que vamos ver infra.

A Lei Básica da RAEM estabelece no seu artº 9º que além da língua chinesa, pode usar-se também a língua portuguesa nos órgãos executivo, legislativo e judiciais da RAEM, sendo também o português língua oficial.

Por sua vez os artºs 6º e 56º do CPA dispõem:
Artigo 6.º
(Princípio da utilização das línguas oficiais)
As línguas oficiais de Macau serão utilizadas pelos órgãos da Administração Pública, no exercício da sua actividade.
Artigo 56.º
(Língua a empregar no procedimento)
1. No procedimento administrativo pode ser usada qualquer uma das línguas oficiais.
2. São sempre garantidos aos interessados, quando hajam de iniciar ou de intervir no procedimento, os direitos de se exprimirem, oralmente ou por escrito, na língua oficial da sua escolha, e, bem assim, de, nessa mesma língua, receberem resposta, de lhes ser facultada versão dos documentos a que tenham acesso e de serem notificados dos actos praticados no procedimento.
3. A inobservância do disposto no número anterior não afecta a validade ou eficácia da decisão final do procedimento se os interessados tiverem compreendido claramente o sentido dos actos e formalidades aí previstos.
Conjugando essas várias normas, cremos que a Administração não tem a obrigação de usar no procedimento administrativo qualquer outra língua, não oficial, que o particular alegadamente domina, mas sim apenas a de lhe assegurar o direito de receber resposta numa das línguas oficiais, chinês ou português.

Nem a circunstância de não dominar qualquer das línguas oficiais da RAEM pode ser invocada pelo interessado para a exclusão da culpa da sua omissão no incumprimento de uma obrigação legal de que fica notificado em qualquer uma dessas línguas.

In casu, não foi demonstrado nos autos que o recorrente A chegou a optar por qualquer uma das línguas oficiais da RAEM para receber respostas da Administração no respectivo procedimento administrativo.

Assim, basta a notificação em chinês, tal como efectivamente sucedeu.

Por outro lado, tal como vimos supra na matéria assente, das cartas dirigidas pelo IPIM ao ora recorrente A informando a concessão da autorização de residência temporária e o deferimento da renovação da autorização concedida aos seus filhos menores, consta a menção expressa de que “按照上述行政法規第十八條之規定,茲通知閣下如作居留申請之工作合同已失效,請於失效之日起計三十日內,以書面通知本局和提供從事新行業活動的證明文件,否則閣下臨時居留申請之批准會被取消。”(nos termos do disposto no artº 18º do regulamento acima citado, fique a V. Exa. notificada de que deva comunicar ao IPIM a eventual cessação do seu contrato de trabalho com a corrente entidade patronal, no prazo de 30 dias a contar da cessação e se for caso disso apresentar documentos comprovativos do exercício de novas actividades, sob pena de cancelamento da autorização de residência temporária.) – vide fls. 79 e 80 do processo instrutor.

Assim, independentemente da existência ou não de uma versão inglesa, o recorrente não pode deixar de saber ou pelo menos tinha a obrigação de procurar saber a totalidade do teor das notificações que lhe foram endereçadas.

Se não soube, porque não quis saber ou não procurou saber o que tinha a obrigação de saber.

É de concluir, portanto, sem mais delongas, que inexiste o vício da alegada “falta de notificação”.

2. Da preterição da audição prévia

Os recorrentes não questionaram a veridicidade das alterações sucessivas da situação juridicamente determinante para a concessão da autorização inicial da residência temporária a eles e ao seu agregado familiar, nem a falta de comunicação ao IPIM das tais alterações no prazo legal de 30 dias.

O que se insurgiram contra aqui é a forma como a decisão foi tomada pela Administração com base nessas alterações da situação profissional.

Ou seja, na óptica dos recorrentes, não tendo sido precedida da audiência prévia do recorrente, a decisão padece do vício de forma.

Ora, ao formular o requerimento para a renovação da residência temporária, para ele próprio e para o seu agregado familiar, o recorrente A deve estar ciente de que é preciso reunir os requisitos de que depende o deferimento da requerida renovação e contar com a possibilidade de que a renovação pretendida poderá ser indeferida se se não verificar qualquer desses requisitos.

Tal como vimos supra na apreciação da primeira questão, ao ser notificado do deferimento da autorização inicial e da renovação da autorização dos seus filhos menores, o recorrente já foi alertado da consequência jurídica do incumprimento da sua obrigação de comunicar as eventuais alterações da situação do seu emprego em Macau.

E foi o próprio recorrente quem desencadeou o procedimento com vista à renovação da autorização da residência temporária.

Assim, ao levar ao conhecimento da Administração as alterações, entretanto verificadas e não comunicadas, da situação jurídica determinante da concessão da autorização inicial, o recorrente, ciente, ou pelo menos presumidamente ciente, da consequência daquelas alterações, não podia deixar de contar a possibilidade de a Administração decidir desfavoravelmente a pretendida renovação da autorização.

De facto, a Administração limitou-se a decidir o pedido formulado pelo recorrente, de acordo com o estatuído na lei e com base somente nos elementos por ele fornecidos, e não em outros elementos obtidos por via de investigação oficiosa.

Não se compreende quê necessidade há para cumprir a audiência prévia.

Não constituindo para com o recorrente uma decisão “surpresa”, a decisão em crise não padece do vício de forma da falta de audição prévia.

Antes pelo contrário, bem ciente de quê situação jurídica foi deferida a sua autorização inicial e das sucessivas alterações da situação jurídica determinante do deferimento, o recorrente é que devia tomar iniciativa de justificar a falta da comunicação atempada à Administração dessas alterações, expor activamente as razões por ele entendidas como impeditivas da tomada de uma decisão desfavorável e dizer o que entendia por conveniente com vista ao sucesso da renovação da autorização da residência temporária.

Não tendo agido assim, não podem os recorrentes queixar-se agora.

3. Da total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e da violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça

Na petição do recurso, os recorrentes concluíram que a decisão ora recorrida demonstra uma total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.

Concluíram assim por entender que a entidade recorrida demorou 3 anos a decidir sobre o seu pedido de renovação, mora essa que é excessiva, não só colocando o recorrente numa situação de dificuldade na apresentação das provas que lhe seriam admitidas apresentar em sua defesa, como também denotando um completo desprezo pelos princípios da decisão e da desburacratização e da eficiência consagrados nos artºs 11º e 12º do CPA.

É verdade que o procedimento administrativo demorou 3 anos para a tomada da decisão ora recorrida.

No entanto, esta circunstância de mora, embora excessiva e censurável, em nada afecta a validade da decisão ora recorrida, e nada tem a ver com a invocada desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.

Pode sim servir-se de fundamento para desencadear um processo disciplinar com vista ao apuramento da responsabilidade dos órgão administrativos envolvidos no procedimento moroso.

Só que aqui não é sede própria para a discussão da disciplina dos órgãos administrativos.

Bom, além de fundamentar a invocada desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários com a demora excessiva, nada mais os recorrentes adiantaram para concretizar em que termos foram violados os critérios de razoabilidade.

No que diz respeito à alegada violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça, conforme se lê quer nas alegações quer nas conclusões, constantes tanto da petição do recurso com nas alegações facultativas, os recorrentes limitaram-se a basear os seus juízos da tal violação na demora e no atraso na decisão por parte da Administração.

Assim, igualmente não foram invocados quaisquer factos entendidos pelos recorrentes demonstrativos da violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça.

Como se sabe, no exercício do poder discricionário em que a Administração goza na sua actuação necessariamente uma certa margem de liberdade, ao Tribunal cabe verificar se existe uma correspondência entre os pressupostos de factos legalmente previstos e os factos verificados no caso concreto e a adequação do acto administrativo ao fim legal para que lhe é conferido o poder discricionário, assim como o controlo do respeito pelos princípios gerais da actividade administrativa.

in casu, foi com base na falta de comunicação atempada das alterações da situação jurídica determinante da autorização de residência temporária que a Administração decidiu desfavoravelmente o pedido de renovação.

E a falta de comunicação atempada é justamente o pressuposto de facto gerador do cancelamento da autorização de residência temporária, face ao disposto no artº 18º do Regulamento Adminstrativo nº 3/2005, que reza:
1. O interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
2. A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente.
3. Para efeitos do disposto no número anterior, o interessado deve comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração.
4. O não cumprimento sem justa causa da obrigação de comunicação prevista no número anterior, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.
Há obviamente a total correspondência entre o previsto na lei e o verificado no caso em apreço.

Quanto ao fim legal para que é conferido o poder discricionário, compreende-se perfeitamente porque é que a lei impõe a comunicação obrigatória das alterações da situação e a possível consequência do cancelamento da autorização.

Pois a norma em causa visa assegurar o controlo por parte da Administração do cumprimento da lei reguladora de residência temporária, à luz da qual só justifica a residência temporária de quem se encontra efectivamente contratado como quadro qualificado por empresas locais durante todo o período de validade da autorização.

E a decisão tomada pela Administração é justamente o acto que a lei a autoriza a praticar e o acto que na óptica da Administração, melhor se adequa à prossecução do fim da lei, que como vimos, é assegurar o controlo da efectividade da situação determinante do deferimento da autorização de residência temporária e intimidar os beneficiários para não defraudar a lei.

Finalmente, nem se diga que a lei só prevê “cancelamento” e não a “não renovação”, dado que se lei permite o cancelamento, deve por maioria de razão autorizar a não renovação.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.

Custas por cada um dos recorrentes, com taxa de justiça fixada em 6 UC, cada um.

Registe e notifique.

RAEM, 06DEZ2012


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Lai Kin Hong Mai Man Ieng
(Relator) (Estive presente)
(Magistrado do M.oP.o)

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Choi Mou Pan
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)