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Processo nº 413/2011
Data do Acórdão: 06DEZ2012


Assuntos:

Inventário
legitimidade
Princípio do contraditório
Nulidade processual


SUMÁRIO

1. Ao consagrar o princípio do contraditório, o que o legislador pretende é conferir a oportunidade às partes de influir, através da sua audição pelo Tribunal, no decurso do processo e na decisão de todas as questões, principais ou incidentais que lhes dizem respeito.

2. A inobservância do princípio do contraditório constitui nulidade processual.

3. O cônjuge do herdeiro, se casado com este em regime de comunhão geral, tem interesse directo na partilha da herança e portanto legitimidade activa para requerer o inventário.


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 413/2011


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

A, devidamente identificada nos autos, na qualidade de cônjuge de um dos co-herdeiros de B, falecido em 27MAIO2010, veio requerer ao TJB que se procedesse ao inventário facultativo, tendo indicado para ser designado cabeça-de-casal a sua sogra C, cônjuge sobrevivo do autor da herança.

Devidamente autuado, o processo foi registado sob o nº CV3-10-0047-CIV e corre os seus termos no 3º Juízo do TJB.

Por despacho da Exmª Juiz titular do processo, foi designada C como o cabeça-de-casal e citado para os termos do artº 978º do CPC.

Notificada para dizer ao Tribunal acerca da sua legitimidade para a instauração do inventário, veio a requerente dizer ao Tribunal que a sua legitimidade se funda no facto de ela ser casada com D, um dos filhos do de cujo, em regime de comunhão geral de bens, e juntar para o efeito a certidão da convenção antenupcial.

Mais tarde, notificada para dizer se o seu cônjuge D está ainda vivo, respondeu que sim e insistiu em ter legitimidade por ser interessado directo.

No acto das declarações do cabeça-de-casal, o designado C prestou o compromisso de honra do bom desempenho da sua função e prestou as declarações nos termos previstos no art 978º/2 do CPC, nas quais indicou como herdeiros do autor da herança ela própria e os três filhos, incluindo o D, cônjuge da requerente.

No mesmo acto das declarações do cabeça-de-casal, foi dito pelo cabeça-de-casal presente e pelos três filhos do autor da herança, convocados no decurso do acto para nele intervir, que não pretendiam a continuação do inventário e a realização da partilha.

Por sua vez, no mesmo acto, o Ilustre Mandatário do cabeça-de-casal declarou que iria formalizar a pretensão da não continuação do inventário mediante requerimento a apresentar.

Finda a diligência, a Exmª Juiz mandou concluir os autos logo que fosse apresentado o requerimento.

No mesmo dia o cabeça-de-casal apresentou o requerimento, dizendo ao Tribunal que “nenhum dos herdeiros do Autor da herança, incluindo ela própria, se encontram interessados na partilha dos bens” e impugnando a legitimidade da requerente A por entender que esta não pode ser considerada interessado directo na partilha.

Logo a seguir, sem que o requerimento tivesse sido notificado à requerente, foi proferido o seguinte despacho:

   經分析卷宗內的資料及聽取待分割財產管理人的聲明後,考慮待分割財產管理人C及其他繼承人均不顧意進行本財產清冊程序,同時考慮以下法律規定:
   《民法典》第一千九百三十九條
   (要求分割之權利)
   一、任何共同繼承人均有權在其認為合適時要求進行遺產分割。
   二、死者之生存配偶,如因所採用之財產制,以致有權取得共同財產之一半,或有權要求確定因取得財產分享制所生債權之擁有人及債權數額,則亦有權在其認為合適時要求進行遺產分割。
   《民事訴訟法典》第九百六十四條
   聲請進行財產清冊程序之正當性
   一、旨在終結遺產之共同擁有狀況之財產清冊程序,得由對分割財產有直接利害關係之人聲講,如屬強制性財產清冊程序,應由檢察院聲請。
   考慮本卷宗的申請人A(被繼承人的兒子的配偶)並不屬分割財產有直接利害關係之人及上述繼承人的意願,現本庭決定本程序因無必要進行而終止。
   由申請人支付訴訟費用。
   通知及採取必要措施。

Notificada e inconformada com essa decisão que julgou extinta a instância com fundamento na falta de legitimidade da requerente e na vontade expressa do cabeça-de-casal e dos filhos do de cujo de que não pretendiam a continuação do inventário, veio a requerente interpor recurso para este TSI, concluindo e pedindo que:

Venerandos Juízes do
Tribunal de Segunda Instância da
Região Administrativa Especial de Macau
A, requerente nos autos em epígrafe, inconformada com a decisão aí proferida, vem apresentar as suas ALEGAÇÕES, o que faz nos termos e pelos fundamentos seguintes:
I - ALEGAÇÕES
I.A - Da legitimidade da recorrente ("R.")
1. A ora recorrente (adiante abreviadamente designada por "R.") foi a requerente no processo de inventário que correu termos no 3.° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base da RAEM sob o n.º em epígrafe.
2. No requerimento de inventário que motivou essa lide juntou certidão narrativa de registo de óbito do Sr. B, falecido aos 27/05/2010.
3. O inventariado é pai do Sr. D, cônjuge da R..
4. A R. é casada com o Sr. D no regime patrimonial convencionado antenupcialmente de comunhão geral de bens, como deflui dos dois documentos que a R. juntou nesse mesmo requerimento, a saber:
4.a) Certidão emitida pelo 1.° Cartório Notarial de Macau, no qual se atesta o regime patrimonial da comunhão geral de bens entre os cônjuges;
4.b) Certidão narrativa de Registo de Óbito do inventariado.
5. Na sequência, o Mmo. Juiz do Tribunal a quo confirmou a legitimidade da R., por despacho constante de fls. 12, e agendou para o dia 13 de Dezembro de 2010, pelas 10h 15m, a diligência das Declarações do Cabeça de Casal, nos termos do art. 978.° do Código Civil de Macau.
6. A R. foi no entanto notificada por Despacho do Mmo. Juiz constante de fls. 15 dos autos, para em 10 dias, apresentar a juízo prova da sua legitimidade.
7. O que a R. fez, sublinhando o que expusera no seu requerimento de inventário, por requerimento entrado em 21/10/2010.
8. Nesse requerimento, a R. juntou Uma certidão de convenção antenupcial celebrado com o seu cônjuge, Sr. D, celebrada em 21 de Abril de 1997, como Documento, sob o n.º 1 e uma certidão de Assento de Casamento, como Documento, sob o n.º 2.
9. Porém, não convencido o Mmo. Juiz do Tribunal recorrido acerca da legitimidade da R. no processo de inventário, notificou a R. no sentido de esta prestar informação sobre se o Sr. D, cônjuge da R., estava vivo ou não, e estando morto, qual a data da sua morte, e, sendo caso disso, que se apresentasse a respectiva certidão de óbito, como se pode ver de fls. 23 dos autos.
10. A R. novamente foi aos autos confirmar o estado de vida do seu cônjuge, mais reiterando a legitimidade da R. no processo de inventário em causa, por requerimento com data de 09/11/2010.
11. É clara a redacção do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto com o número convencional JTRP00037551, proferido em 09-12-2004, no sentido de reconhecer legitimidade ao cônjuge do sucessor casado no regime de comunhão de bens.
12. Com efeito, nesse Acórdão, votado por unanimidade, o seu Relator registou, parafraseando autores conceituados neste ramo de Direito que "Interessados directos na partilha" são, no dizer de Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, I, 3a ed., p. 367, "os herdeiros, o meeiro do inventariado e a pessoa contemplada com o usufruto de parte da herança, sem determinação de valor ou objecto". E deve também considerar-se como tendo interesse directo na partilha o cônjuge do herdeiro "no caso de o casamento se ter realizado segundo o regime de comunhão geral de bens"(Domingos Carvalho de Sá, Do Inventário, descrever, avaliar e partir, ed. 1996, p. 30 e 74/75)." (sublinhado e itálico nossos).
13. O regime de bens adoptado pela requerente e o seu marido foi o da comunhão geral, como já referido, constante da convenção antenupcial celebrada, também junta aos autos, o que confirma a legitimidade da R. nos presentes autos.
14. Motivos pelos quais se não pode concordar com a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, que apesar de ter admitido a legitimidade da R. - o que é bem comprovado com a marcação da data das declarações do cabeça de casal - decide posteriormente a sua negação, aí pondo, sem mais, termo ao processo.
15. Deve por conseguinte ser revogada a parte da decisão proferida a fls. 50, confirmando-se como parte interessada e legítima, a R ..
I.B. Da nulidade da decisão recorrida
16. A cabeça de casal no processo em epígrafe deduziu oposição, impugnando a legitimidade da R., no dia 14/01/2011.
17. O Mmo. Juiz do Tribunal a quo não concedeu à R. a oportunidade de apresentar resposta, o qual corresponde a um direito que assiste à requerente, consagrado no art. 981.° do Código de Processo Civil.
18. A referida decisão limitou-se a declarar a extinção do processo de inventário, como decorre de fls. 50 dos autos.
19. A R. não pode concordar e por isso repudia esta decisão, porquanto preteriu um direito que assiste à pessoa declarada admitida como legítima e interessada na própria lide.
20. A decisão é por este motivo acrescido posta em crise, devendo nesta parte ser considerada nula, e ser substituída por outra que garanta o direito de resposta consagrado no art. 981. ° do Código de Processo Civil.
22. Do teor das declarações do próprio cabeça de casal, contidas a fls. 48 e 49 dos autos, resulta pedido de prazo para apresentação dos documentos referidos no n.º 3 do art. 978.° do Código de Processo Civil.
23. O Mmo. Juiz do Tribunal a quo deveria ter decretado a suspensão da instância e aguardar pela demonstração da escritura de habilitação, e não ter-lhe posto termo com base num documento que comprova apenas o seu requerimento.
24. Deve por conseguinte revogar-se esta decisão, ordenando-se substituir por outra, que garanta que é concedido à R. prazo para apresentação da sua resposta, em face do art. 981.° do CPC.
I.C - Da nulidade da prestação de declaração por parte de D
25. O Sr. D não está legitimado a oferecer como fez, conjuntamente com os restantes habilitandos, à data do requerimento do processo de inventário, a sua recusa quanto ao procedimento do processo de inventário.
26. Com efeito, carece do consentimento de ambos os cônjuges, qualquer acto de aceitação ou de repúdio de herança.
27. Assim, deveria concorrer a vontade da R., nos termos da al b) do art. 1550.° do Código Civil de Macau, o que não ocorreu (ainda) no presente caso.
28. Em consonância com este normativo, o art. 1551.° do mesmo Diploma fixa que "O consentimento pode ser judicialmente suprido, havendo injusta recusa ou impossibilidade".
29. A R. não foi contactada até à data para obter o referido consentimento, nem notificada pelo referido Cartório Notarial nesse sentido.
30. Finalmente, a prestação de declaração, por parte do cônjuge da R., Sr. D, não poderia ter sido prestada sem o consentimento da sua cônjuge, porquanto, sendo a R. parte interessada na lide, em defesa do património conjugal, essa é uma decisão dependente do consentimento da R ..
31. A R. é parte interessada e legítima na lide prematuramente declarada como finda, sendo suporte desta afirmação o contido nos arts. 964.° do Código de Processo Civil, mas também a opinião de juristas especialistas nestes ramos de Direito - Família e Sucessões.
32. Na verdade, a expressão legal do n.º 1 do art. 964.° - "qualquer interessado directo na partilha" - que é reiterada, ipsis verbis, no n.º 2 do mesmo artigo não deixa dúvidas quanto à letigimidade e interesse da R ..
33. A R. é casada no regime patrimonial de comunhão geral de bens com um dos filhos do de cujus, aliás, a R. é a única casada no regime de comunhão geral de bens, de todos os filhos do de cujus, que são casados no regime da separação de bens com os respectivos cônjuges.
34. O próprio Mmo. Juiz do Tribunal a quo considerou a R. como sendo parte legítima num primeiro momento, e bem, como se pode ver de fls. 12 dos autos, tendo o Mmo. Juiz num segundo e terceiro momento, dúvidas quanto a essa mesma legitimidade, como se pode ver de fls. 15 e 23 dos autos.
35. Tendo no entanto voltado a admitir, e bem, a sua legitimidade para o inventário em causa, a fls. 34, na qual reagendou a diligência para declarações da cabeça de casal para o dia 14/01/2011.
36. Não devendo como tal, alterar a sua decisão, sem um fundamento diverso daquele com que se permitiu admitir a intervenção como parte legítima da R. nos autos!
37. É que, sendo claro que carecem do consentimento conjugal dos cônjuges casados no regime de comunhão geral de bens, os actos de aceitação de herança e de repúdio de herança, nas hipóteses que os cônjuges hajam adoptado este regime de bens de casamento,
38. Assim qualquer acto de aceitação ou de repúdio de herança deveria concorrer a vontade da R., nos termos da al b) do art. 1550.0 do Código Civil de Macau, o que não ocorreu (ainda) no presente caso.
39. Em consonância com este normativo, o art. 1551.0 do mesmo Diploma fixa que "O consentimento pode ser judicialmente suprido, havendo injusta recusa ou impossibilidade".
40. A R. não foi contactada até à data para obter o referido consentimento, nem notificada pelo referido Cartório Notarial nesse sentido.
41. O referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto com o número convencional JTRP00037551, proferido em 09-12-2004, foi no sentido de reconhecer legitimidade ao cônjuge do herdeiro casado no regime de comunhão de bens.
42. Tudo visto, dizem os factos ao Direito dever a sentença em epígrafe ser revogada por outra que permita o exercício da faculdade prevista no art. 981.0 do CPC, devendo entretanto a lide ficar suspensa até, pelo menos, a cabeça de casal vir aos autos demonstrar e juntar o acordo que mencionam no art 9. da sua oposição.
43. Assim não se decidindo, mostra-se inviabilizada a pretensão revelada expressamente pela própria cabeça de casal, que no art. 11. da sua oposição declara que "Nos autos - após as declarações da cabeça de casal - poderá estar feita a habilitação de herdeiros, e assim, torna-se mais fácil formalizar por escrito - através de notário - a vontade dos herdeiros de manter o património do Autor da herança indiviso".
44. Constata-se pois e ainda que o Mmo. Juiz do Tribunal a quo decidiu além do peticionado pela própria cabeça de casal, dando por findo os autos, o que é manifestamente nulo e se enquadra no conceito contido no art. 571.° n.º 1 al e) do CPCM - condenação ultra vel petitum.
45. Com efeito, o cabeça de casal não exibiu os documentos a que alude no seu próprio requerimento, feitos perante notário.
46. Se o cabeça de casal requereu a junção dos referidos documentos, deve ser-lhe dada a oportunidade para o fazer.
47. Assim, não resulta estar resolvida uma questão que foi colocada ao Mmo. Juiz, para sua decisão, omitindo a sua pronúncia quanto a este aspecto da lide.
48. O Mmo. apenas poderia ter decidido como decidiu, após ter declarado a instância suspensa, nos termos do art. 970.° do CPC, e assim permitir à nomeada cabeça de casal juntar aos autos os documentos que protestara:
49. "Requer a suspensão da apresentação dos documentos referidos no n.º 3 do art. 978.º do Código de Processo Civil até estar decidida a questão da requerente do inventário ser parte ilegítima nos presentes autos de inventário, ...."
50. Apenas após essa decisão de suspensão, durante a qual se ofereceriam os documentos protestados juntar e apenas após o oferecimento do direito de resposta à R., interessada na lide, é que se deveria então " ... declarar extinta a instância".
51. Despacho perante o qual, reagiria a R., e ou a cabeça de casal, conformando-se ou não ..
52. Em suma, e não obstando ao conteúdo do art. 567.° do CPC, para mais celeremente identificar e circunscrever o objecto concreto do recurso pelo Mmo. Juiz do Tribunal ad quem, a R. considera estarem violadas as normas contidas nos arts. 1550.° e 1551.° do CC, e do CPC, os arts. 571.°/1/e) 964.°, 970.° e 981.°, as quais se devem intepretar e aplicar na forma apontada nas Alegações e sintetizada nas presentes Conclusões.
53. Devem ser considerados na avaliação dos vícios da decisão proferida todas as notificações ocorridas nos autos em epígrafe, considerando-se sobretudo as seguintes:
(a) Requerimento de inventário e seus documentos, a saber, a certidão emitida pelo 1.º Cartório Notarial que atesta o regime de comunhão geral de bens celebrada antes do casamento entre R. e D, entrado na Secretaria Geral no dia 26/07/2010;
(b) Despacho do Mmo. Juiz do Tribunal a quo, constante de fls. 12 dos autos, que notificou a R. da aprazada data para declarações da cabeça de casal para o dia 13/12/2010;
(c) Despacho do Mmo. Juiz do Tribunal a quo, constante de fls. 15 dos autos, que notificou a R. para apresentar prova da sua legitimidade nos autos, no prazo de dez dias a contar da data da notificação da R.;
(d) Requerimento da R. aos autos, entrado na Secretaria Geral no dia 21/10/2010, motivando como ordenado, a sua legitimidade, com a apresentação de:
(d.1) Certidão de convenção antenupcial por si celebrada com D, que juntou como Documento sob o n. ° 1;
(d.2) Certidão do Assento de Casamento da R. com D, que juntou como Documento sob o n.º 2.
(e) Despacho do Mmo. Juiz do Tribunal a quo, constante de fls. 23 dos autos, que notificou a R. para apresentar maior prova da sua legitimidade nos autos, no prazo de dez dias a contar da data da notificação da R. e subsequente requerimento da R. aos autos, datado de 09/11/2010;
(f) Notificação à R. ocorrida em 12/10/2010, pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo, constante de fls. 34 dos autos, que notificou a R. do facto de a aprazada data para a prestação de declarações pela cabela de casal ocorreria não no dia inicialmente previsto - 13/12/2010 - mas sim no dia 14/01/2011.
(g) Despacho do Mmo. Juiz do Tribunal a quo, constante de fls. 40 a 50 dos autos, que num instante notifica a R., quer da acta havida diligência das declarações da cabeça de casal, quer da sua decisão liminar de pôr, sem mais, termo ao processo;
Termos em que se pede,
Se revogue a decisão proferida pelo Tribunal a quo, e se substitua por outra que permita:
(a) À cabeça de casal vir aos autos juntar os documentos que havia protestado juntar, assim se cumprindo o peticionado;
(b) A R. ter a possibilidade de oferecer resposta no que concerne à prestação do consentimento conjugal para o prosseguimento dos autos, por ter legitimidade e interesse para tal,
  Termos em que se fará a costumada JUSTIÇA!

O cabeça-de-casal respondeu pugnando pela improcedência do recurso.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Ora, após a leitura do petitório do recurso, acima integralmente transcrito, só com alguns esforços é que podemos apurar o que a recorrente no fundo pretende é a revogação do despacho recorrido com fundamento na preterição do contraditório, no errado entendimento da sua legitimidade e falta da legitimidade de D para exprimir a vontade da não continuação do inventário.

Assim, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:

* Da falta do contraditório;

* Da ilegitimidade da requerente; e

* Da falta da legitimidade de D para exprimir a vontade da não continuação do inventário.

Então vejamos.

1. Da falta do contraditório

Tal como vimos no relatório do presente Acórdão, foi após as declarações prestadas pelo cabeça-de-casal que a Exmª Juiz a quo decidiu pela ilegitimidade da requerente, suscitada pelo cabeça-de-casal, mas sem contraditório da requerente, e consequentemente julgou extinto o inventário por considerar desnecessário uma vez que todos os interessados directos declararam não desejar a continuação da lide.

Para a recorrente, a tal decisão que julgou extinta a instância padece da nulidade uma vez que o Tribunal a quo decidiu sem que tivesse cumprido o contraditório nos termos prescritos no artº 981º do CPC, à luz do qual, deduzida a impugnação da legitimidade dos interessados, são notificados para responder, em 15 dias, os interessados com legitimidade para intervir na questão suscitada.

Deduziu assim, por via do presente recurso interposto no prazo legal de 10 dias, a arguição dessa nulidade, só reflectida na decisão que pôs termo ao processo, arguição essa é tempestiva e deduzida por meio idóneo face ao estatuído nos artºs 103º, 149º e 151º/1 do CPC.

Portanto, é de conhecer da invocada nulidade aqui nesta instância.

Alegou a ora recorrente que ao não lhe conceder a oportunidade de apresentar resposta à impugnação da sua legitimiade, nos termos prescritos no artº 891º do CPC, a decisão padece da nulidade.

Ora, o normativo do citado artº 891º do CPC é no fundo a reafirmação e a concretização na tramitação do inventário do princípio do contraditório, já consagrado no artº 3º do CPC.

O artº 3º do CPC, sob a epígrafe “princípios da iniciativa das partes e do contraditório”, reza que:
1. O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e à outra seja facultada a oportunidade de deduzir oposição.
2. Só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3. O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Ante o estatuído nesse artº 3º do CPC, mesmo que se trate de uma questão de conhecimento oficioso nos termos do disposto no artº 413º/-e) e 414º do CPC, o tribunal não pode, sem a observância do contraditório, decidir a questão da ilegitimidade.

De acordo com o preceituado no artº 147º/1 do CPC, fora das situações que prendem com a ineptidão da petição inicial, a falta da citação, o erro na forma processual e a falta de vista ou exame ao M. P. como parte acessória, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

In casu, o Tribunal a quo decidiu pela ilegitimidade da requerente sem a observância do formalismo previsto nos artºs 3º e 981º do CPC que consagram o princípio contraditório.

Como se sabe, ao consagrar o princípio do contraditório, o que o legislador pretende é conferir a oportunidade às partes de influir, através da sua audição pelo Tribunal, no decurso do processo e na decisão de todas as questões, principais ou incidentais que lhes dizem respeito.

Tendo em conta a razão de ser do princípio do contraditório, somos de concluir que a preterição do contraditório não pode deixar de influir no exame e na decisão da causa e constituir portanto a nulidade processual a que se refere o artº 147º/1, in fine, do CPC.

Padecendo da nulidade, é de anular a decisão ora recorrida – artº 147º/1 e 2 do CPC.

2. Da ilegitimidade da requerente

Apesar de o despacho recorrido ter sido por nós anulado supra com fundamento na inobservância do contraditório, o certo é que sobre a questão da sua legitimidade, a requerente, o ora recorrente, nesta fase processual, já exerceu plenamente o seu direito à audição, pois no petitório do recurso, já expôs as razões de facto e de direito para responder tanto às razões deduzidas pelo cabeça-de-casal como à fundamentação da decisão ora recorrida.

Assim sendo, por força da regra de substituição consagrada no artº 630º do CPC, estamos autorizados a conhecer da questão da legitimidade da requerente.

A recorrente entende que, enquanto casada com um dos filhos do “de cujo” em regime de comunhão geral, é interessado directo e tem legitimidade para a instauração do inventário.

Para o Tribunal a quo, a requerente não é interessado directo face ao disposto no artº 1939º do CC e no artº 964º do CPC.

Diz o artº 1939º do CC que qualquer co-herdeiro tem o direito de exigir partilha da herança quando lhe aprouver.

Todavia, para nós, essa norma não deve ser interpretada no sentido de que só os co-herdeiros podem instaurar o inventário com vista à partilha.

Pois temos de conjugar com a citada norma da lei processual para avaliar a legitimidade das partes.

A lei processual exige que tenha de ser interessado directo na partilha.

É de averiguar se o cônjuge do herdeiro é interessado directo na partilha.

Bom, a resposta varia de acordo com o regime de bens adoptado.

Conforme a certidão ora junta aos autos a fls. 19 a 21, o casal adoptou o regime de comunhão geral.

E o cônjuge do herdeiro tem interesse na partilha se, face ao regime de bens adoptado, os bens que advieram depois do casamento por via de sucessão são considerados bens comuns do casal.

Nos termos do disposto no artº 1609º do CC, se o regime de bens adoptado pelos cônjuges for o da comunhão geral, o património comum é constituído por todos os bens pertencentes e futuros dos cônjuges, que não sejam exceptuados por lei.

Por sua vez o artº 1610º dispõe logo a seguir que são exceptuados da comunhão:
a) Os bens doados ou deixados, ainda que por conta da legítima, com a cláusula de incomunicabilidade;
b) Os bens doados ou deixados com cláusula de reversão ou fideicomissária, a não ser que a cláusula tenha caducado;
c) O usufruto que deva extinguir-se por morte ou extinção do usufrutuário, o uso ou habitação, e demais direitos estritamente pessoais;
d) Os bens referidos nas alíneas d) e e) do n.º 1 e os referidos no n.º 2, ambos do artigo 1584.º
Não se mostrando nos autos que estão em causa quaisquer desses bens ai elencados, cremos que podemos concluir que a requerente, enquanto cônjuge do herdeiro, tem interesse directo na partilha da herança uma vez que por força do adoptado regime de comunhão geral, os bens da herança que caberão ao seu marido D se comunicarão à requerente.

Portanto a requerente tem legitimidade para requerer o inventário.

3. Da falta da legitimidade de D para exprimir a vontade da não continuação do inventário

O despacho ora recorrido julgou extinta a instância com fundamento na falta de legitimidade da requerente por não ser ela interessado directo na partilha e na circunstância de todos os interessados directos, isto é, o cabeça-de-casal e os 3 filhos do autor da herança, declararam que não desejavam a continuação do inventário com vista à partilha, o que fez cessar a utilidade do inventário.

Tal como foi decidido supra nos pontos 1 e 2, ou seja, tendo a requerente sido por nós considerada interessado directo na partilha, cai por terra o primeiro fundamento.

Então resta saber se a decisão recorrida pode subsistir apenas com fundamento na inutilidade da lide por vontade expressa de não continuação do inventário.

Ora, é justamente em face do já decidido supra nos pontos 1 e 2, a resposta não pode deixar de ser negativa.

Na verdade, se a requerente é interessado directo na partilha, a simples circunstância de ela não ter sido notificada para se pronunciar sobre a continuação ou não do inventário já é geradora da nulidade da decisão por inobservância do contraditório, por razões que tecemos supra no ponto 1.

Cai também esse segundo fundamento, não podendo subsistir o despacho recorrido mesmo com base nele.

Quanto à virtualidade da vontade de D, marido da requerente, para vincular validamente ambos os cônjuges, cabe a nós dizer que não temos de nos pronunciar sobre esta questão uma vez que isto será objecto de uma decisão a proferir pelo Tribunal de 1ª instância após a baixa dos presentes autos quando a requerente for chamada para intervir, conforme o ordenado no presente Acórdão.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam:

* julgar procedente a arguição da nulidade do despacho recorrido, anulando o despacho recorrido e em substituição declarando parte legítima a requerente para a instauração do inventário; e

* determinar a baixa dos presentes autos para a prossecução do inventário.

Custas pelo cabeça-de-casal.

Registe e notifique.

RAEM, 06DEZ2012


_________________________
Lai Kin Hong
(Relator)

_________________________
Choi Mou Pan
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)