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Processo n.º 63/2013. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrentes: A e B.
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças.
Assunto: Autorização de residência temporária. Decreto-Lei n.º 14/95/M. Invocação de norma inaplicável. Alteração da situação jurídica do interessado. Princípio da legalidade da administração.
Data do Acórdão: 27 de Novembro de 2013.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – O disposto no Decreto-Lei n.º 14/95/M continua a aplicar-se às autorizações de residência temporária concedidas ao abrigo deste Decreto-Lei e às respectivas renovações.
II – A circunstância de um acto administrativo ter invocado como aplicável ao caso, porventura erradamente, uma norma jurídica (do Regulamento Administrativo n.º 3/2005), não afecta a sua validade. O que pode afectar o acto é ter sido aplicado um pressuposto que o acto normativo aplicável (no caso, o Decreto-Lei n.º 14/95/M) não exige.
III - No regime do Decreto-Lei n.º 14/95/M:
  - O interessado não tem o ónus ou dever de comunicar ao IPIM qualquer alteração ou extinção da respectiva situação jurídica;
  - A alteração da situação jurídica do interessado não determina logo a perda da autorização de residência, pois isso depende de o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível pelo IPIM no prazo fixado por este.
IV - A actividade administrativa só é lícita quando for legal, isto é, quando estiver prevista e autorizada por lei.
O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima



ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A e B interpuseram recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 27 de Abril de 2012, que indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência temporária em Macau dos recorrentes.
Por acórdão de 30 de Maio de 2013, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) negou provimento ao recurso.
Inconformados, interpõem os mesmos recorrentes recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões úteis:
- Numa análise ao comportamento da administração em todo o procedimento administrativo de renovação da autorização de residência temporária que culminou no indeferimento do último pedido de renovação, numa análise à fundamentação do acto administrativo praticado pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, e numa análise aos documentos que lhe serviram de base, deveria o Tribunal a quo ter efectivamente verificado que em todo o procedimento a Administração sempre aplicou o RA n° 3/2005, inaplicável in casu, ao invés de ter aplicado o DL nº 14/95/M.
- É certo que, por outro lado, o tribunal a quo refere que a questão não seria apreciada (relativa à parte em que a Administração revela claramente que está a aplicar ao caso em apreço o RA 3/2005) porque não tinha sido englobada nas conclusões obrigatórias das alegações facultativas, conforme impõe o art. 68°, n.º 4 do CPAC.
- Porém, os ora Recorrentes alegaram e concluíram oportunamente sobre a questão da errada aplicação do RA nº 3/2005 ao caso em apreço, não apenas no ponto 14. das conclusões da petição de recurso, mas igualmente noutros pontos dessas mesmas conclusões da petição de recurso e ainda nas conclusões das alegações facultativas.
- Sobre esta opinião do Tribunal a quo, o Tribunal de Última Instância já teve oportunidade de se pronunciar sobre esta questão em concreto, no Acórdão n.º 80/2012, elucidando que “a descrição dos vícios do acto, feita nas alegações a que se refere o artigo 68° do CPAC e não, como se imporia, a mesma descrição constante da petição inicial, sendo, como é certo, que é na petição que é feita a descrição dos factos e das razões de direito que fundamentam o recurso, bem como a indicação das normas ou princípios violados [artigo 42°, n.º 1, alíneas d) e e) do CPAC], ou seja, a causa de pedir do recurso, havendo que levar em conta, ainda, que aquelas alegações são meramente facultativas e que, só em especiais circunstâncias e que nelas pode o recorrente alegar novos vícios do acto, isto é, novos fundamentos do recurso, Ou seja, o recorrente não sofre qualquer ónus se não abordar nas alegações fundamentos do recurso invocados na petição. Logo, é na petição - e só nela fora dos casos acima mencionados - que devem ser encontrados os vícios nos quais se fundamenta a impugnação do acto administrativo.”
- Caso assim não se entenda, sempre se suscitará a questão do vicio de que padece o Acórdão recorrido, isto é, violação da lei substantiva, nomeadamente, dos artigos 7.°, n.º 3 e 8.°, n.º 3 do Decreto Lei n.º 14/95/M.
- A autorização de residência temporária (e respectivas renovações) foi concedida aos ora Recorrentes ao abrigo do disposto no DL 14/95/M, de 27 de Março, diploma que continua a ser aplicado a esta situação em concreto por força do artigo 22°, n.º 1, alíneas 1) e 2) do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, aprovado em 1 de Abril de 2005.
- Nos termos do art. 7°, n.º 3 do Decreto Lei n.º 14/95/M, o cancelamento da autorização depende dos seguintes pressupostos: a) Cessação da situação jurídica determinante da concessão da autorização; b) Fixação de um prazo não inferior a 30 dias; c) Não constituição de nova situação jurídica atendível dentro do prazo fixado.
- Ora, o Tribunal a quo entendeu que ocorrendo a cessação da situação jurídica determinante da concessão da autorização, tinham os Recorrentes obrigação de comunicar ao IPIM.
- Porém, tal entendimento carece de qualquer fundamentação, visto que, o art. 7.° n.° 3 do referido Decreto-lei, não prevê, nem dele resulta, qualquer obrigação de comunicação da cessação da situação jurídica para Recorrente.
- Ao contrário do que afirma o Tribunal a quo, tal obrigação não pode ser criada pela Administração, devendo ser prevista ou resultar clara e expressamente da lei aplicável.
- Importa salientar que, a propósito da aplicação desta norma (embora no âmbito de fixação de residência através de investimento imobiliário), o Acórdão na 55/2010 do TUI, entendeu que não tem o interessado o dever de comunicação.
- Por fim, quanto ao pressuposto de não constituição de nova situação atendível dentro do prazo, como não houve prazo, nunca poderia verificar-se tal pressuposto.
- E embora o IPIM nunca tenha concedido qualquer prazo aos Recorrentes para constituição de nova situação jurídica atendível, o certo é que, o 1° Recorrente sempre repôs atempadamente a sua situação jurídica laboral, tendo comunicado ao IPIM, por sua iniciativa, as sucessivas cessações do seu vínculo laboral e procedido à junção dos elementos comprovativos das suas novas relações laborais, nomeadamente no decurso do seu pedido de renovação.
- Importa referir que, os ora Recorrentes estão de boa fé, e têm a vida familiar fixada em Macau desde 2005.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.

II - Os Factos
A) O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
- Por despacho do Senhor Chefe do Executivo datado de 19MAIO2005, foi concedida ao recorrente A a autorização da residência temporária na RAEM na qualidade de quadro dirigente, pelo período de três anos, renovável;
- Esta autorização foi notificada ao recorrente A pelo ofício do IPIM nº XXXX/XXXX/XXXXX/2005, através do qual o mesmo recorrente foi também alertado da sua obrigação de comunicar ao IPIM a cessação da relação de trabalho justificativa da autorização da residência temporária e apresentar prova do exercício de novas actividades profissionais, no prazo de 30 dias após a cessação, sob pena de cancelamento da autorização da residência temporária – vide fls. 85 dos autos do procedimento administrativo;
- A tal autorização foi estendida ao seu cônjuge B, ora recorrente;
- E foi posteriormente renovada até 19MAIO2011;
- Em 27SET2010, o recorrente A comunicou ao IPIM que em 02SET2010 tinha deixado de ser empregado pela [Companhia (1)], onde começou a trabalhar a partir de 22MAR2010;
- Em 21JAN2011, o recorrente A comunicou ao IPIM que foi contratado pela [Companhia (2)], como seu empregado a partir de 05JAN2011 – vide fls. 76 dos autos do procedimento administrativo;
- Em 09MAR2011, o recorrente A apresentou o pedido de renovação da autorização de residência;
- Em 09MAR2011, o recorrente A entregou ao IPIM a declaração, por ele redigida e assinada, do seguinte teor – vide fls. 75 dos autos do procedimento administrativo:
  DECLARAÇÃO
  Eu deixei de trabalhar para a [Companhia (1)] no dia 2 de Setembro de 2010 e apenas depois de três meses e tal é que arranjei o trabalho referido. Estou ciente de que este período de três meses e tal pode afectar o pedido de residência.
  De facto, durante o dito período de três meses e tal, eu trabalhei por um curto período noutra empresa. Uma vez que as condições e regalias deste trabalho não eram ideais, considerei-o como um trabalho temporário, por isso, não comuniquei a esse Instituto sobre isso.
- Por via do ofício do IPIM nº XXXXX/XXXX/2011 datado de 15MAR2011, foi o recorrente A notificado para dizer o que se lhe oferecesse a propósito do facto, entretanto detectado pelo IPIM, de o recorrente se não encontrar vinculado a qualquer relação de trabalho em Macau, durante o período compreendido entre 02SET2010, data em que deixou de trabalhar na [Companhia (1)], e 05JAN2011, data em que começou a trabalhar para a [Companhia (2)] e para se pronunciar sobre a eventualidade do cancelamento da autorização temporária de residência por falta de comunicação da nova situação laboral na sequência da cessação do vínculo com a anterior entidade patronal, conforme a cominação que lhe foi feita através do ofício nº XXXXX/XXXX/2010, datado de 20JUL2010;
- Em 18MAR2011 o recorrente A apresentou ao IPIM documento alegadamente comprovativo do facto de ser empregado pela [Companhia (3)], durante o período compreendido entre 23NOV2010 e 04JAN2011;
- Na sequência daquela notificação efectuada em 15MAR2011 com vista a assegurar a sua audição, veio o recorrente A apresentar em 25MAR2011 a defesa escrita, limitando-se a alegar que não conseguiu, mesmo após várias tentativas, obter o original, mas apenas a cópia, do contrato de trabalho, junto da entidade patronal [Companhia (3)];
- Sem que todavia tivesse justificado a não comprovação da constituição da nova situação jurídica atendível, dentro do prazo de 30 dias que lhe foi fixado naquele ofício nº XXXX/XXXX/XXXXX/2005;
- Em 12AGO2011, o recorrente A comunicou ao IPIM que em 15JUL2011 tinha deixado de trabalhar na [Companhia (2)];
- Em 17OUT2011, o recorrente A apresentou documentos alegadamente comprovativos da sua contratação a partir de 05OUT2011 pela [Companhia (4)];
- Por despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, lançado em 27ABR2012 sobre a informação nº XXXX/居留/2005/02R do IPIM, foi indeferido o pedido de renovação da autorização de residência temporária, que ao recorrente A foi concedida e posteriormente renovada, com validade até 19MAIO2011, com fundamento nas razões expostas nessa mesma informação;
É este o acto recorrido.
B) A informação na qual se baseou o acto recorrido é do seguinte teor:
  Assunto: Apreciação do Pedido de Residência Temporária
  Comissão Executiva:
  1. Estão no seguinte a identificação dos interessados e os prazos de residência temporária propostos:

Nomes
Relação
Documentos/N.º
Prazo de validade dos documentos
Prazo de validade de residência temporária
1
A
Requerente
BIRHK n.º XXXXXXX(X)

2011/05/19
2
B
Cônjuge
BIRHK n.º XXXXXXX(X)

2011/05/19
  2. Em 19 de Maio de 2005, foi autorizada pela 1ª vez a residência temporária do Requerente.
  Pela proposta n.º XXXXX/XXXX/2010, foi autorizada a manutenção da residência temporária do Requerente com fundamentos de que este foi contratado pela seguinte entidade no período compreendido entre 22 de Março de 2010 e 2 de Setembro de 2010:
  Empregador: [Companhia (1)]
  Cargo: HEAD OF FINANCE
  Salário mensal: MOP$55.000,00
  Prazo de contratação: não assinalado
  O Requerente exerceu cargo na seguinte entidade durante o período compreendido entre 23 de Novembro de 2010 e 4 de Janeiro de 2011:
  Empregador: [Companhia (3)]
  Cargo: SENIOR FINANCIAL MANAGER
  Salário mensal: MOP$37.000,00
  Prazo de contratação: não assinalado
  O Requerente exerceu cargo na seguinte entidade durante o período compreendido entre 5 de Janeiro e 14 de Julho de 2011:
  Empregador: [Companhia (2)]
  Cargo: Gerente de contabilidade
  Salário mensal: MOP$55.000,00
  Prazo de contratação: não assinalado
  3. Para efeitos de renovação, o Requerente apresentou documentos comprovativos da relação de emprego e outros documentos, provando que exerceu cargo na seguinte entidade a partir de 5 de Outubro de 2011 e declarou/pagou legalmente o imposto profissional:
  Empregador: [Companhia (4)]
  Cargo: OPERATION AND FINANCE MANAGER
  Salário: MOP$50.000,00
  Prazo de contratação: não assinalado
  O Requerente apresentou em 27 de Setembro de 2010 a declaração da empresa anterior sobre a sua desligação do serviço (vide as fls. 47), provando que em 2 de Setembro de 2010, desligou-se do serviço na [Companhia (1)], e só em 5 de Janeiro de 2011, mudou para trabalhar na [Companhia (2)], não possuindo de qualquer relação de emprego por um período de cerca de 4 meses. Em 15 de Março de 2011, o IPIM realizou, através do ofício n.º XXXXX/XXXX/2011 (vide as fls. 62), a audiência escrita ao Requerente, notificando este para apresentar a contestação por escrito no prazo de 10 dias a contar da recepção da notificação.
  Em 18 de Março de 2011, o Requerente apresentou a declaração de manutenção do vínculo contratual na [Companhia (3)] (vide as fls. 38), provando que foi contratado pela referida empresa durante o período entre 23 de Novembro de 2010 e 4 de Janeiro de 2011, e depois, em 25 de Março de 2011, prestou a contestação por escrito (vide as fls. 61), afirmando que tinha exigido por várias vezes à [Companhia (3)] o original do contrato de emprego, mas só tinha a cópia do contrato; e não deu qualquer explicação relativamente ao não cumprimento da obrigação de comunicação no prazo de 30 dias a contar da desligação do serviço, além da não apresentação de documentos comprovativos da nova relação de emprego.
  É de mencionar que pelo ofício n.º XXXXX/XXXX/2009 de 8 de Janeiro de 2009 do IPIM, foi expressamente notificado ao Requerente que “no caso da caducidade do contrato de trabalho que fundamentou o pedido de residência, deve-se comunicar ao IPIM e fazer prova de novo exercício profissional, dentro do prazo de 30 dias a contar da caducidade, sob pena de cancelamento da autorização de residência temporária”.
  De acordo com os documentos apresentados pelo Requerente, verifica-se que o Requerente desligou-se, em 2 de Setembro de 2010, do serviço na [Companhia (1)], e após a recepção da notificação do IPIM, apresentou, em 18 de Março de 2011, documento comprovativo de que foi contratado pela [Companhia (3)] a partir de 23 de Novembro de 2010 (vide as fls. 38), não cumprindo a obrigação de comunicação no prazo de 30 dias a contar da desligação do serviço e não apresentando documentos comprovativos da nova relação de emprego; ao mesmo tempo, o Requerente comunicou, em 12 de Agosto de 2011 e por escrito (vide as fls. 25), ao IPIM a desligação do serviço na [Companhia (2)]em 14 de Julho de 2011, mas só em 17 de Outubro de 2011 é que apresentou documento comprovativo da contratação pela [Companhia (4)](vide as fls. 14 a 21), violando, sem justa causa, os dispostos nos art.ºs 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M por não ter apresentado documentos comprovativos da nova relação de emprego no prazo de 30 dias a contar da desligação do serviço.
  Actualmente, o Requerente é contratado pela [Companhia (4)]que gere com os outros sob a forma de empresa de capitais mistos, é sócio da empresa e detém uma participação de 20% (vide as fls. 23).
  A [Companhia (4)] dedica-se a desenvolvimento e venda de softwares, além de formação de uso de softwares, e foi instalada em 19 de Setembro de 2011 com capital social de MOP$25.000,00.
  Para o esclarecimento da situação de actividades da empresa do Requerente, os funcionários do IPIM exigiram, em 8 de Março de 2012 e por telefone (vide as fls. 70), que o Requerente apresentasse as fotos da empresa, os registos bancários de transferência de remuneração nos últimos 3 meses e os contratos de negócio da empresa. O IPIM também perguntou sobre o número dos trabalhadores locais contratados naquele momento pela empresa, e o Requerente respondeu que ele próprio era o único trabalhador da empresa e iria contratar mais tarde um empregado de escritório.
  Dos supracitados documentos apresentados pelo Requerente em 12 de Março de 2012 (vide as fls. 51 a 57) resulta que:
  1.) Em 18 de Janeiro de 2012, a [Companhia (4)], representada pelo Requerente, celebrou com a [Companhia (5)] um acordo no sentido de a primeira empresa fornecer, no prazo de 30 dias, à segunda proposta de softwares de contabilidade, sistema de administração da empresa, consulta sobre as peças contabilísticas e os anexos necessários para a declaração de impostos, além de completar os serviços técnicos antes de 15 de Julho, podendo a primeira empresa receber uma remuneração de MOP$30.000,00 num prazo de 30 dias após o cumprimento do contrato, daí se pode ver que não é elevada a receita da referida empresa;
  2.) Além do Requerente, a empresa em causa não contratou na altura qualquer trabalhador local, não contribuindo para o mercado de emprego em Macau;
  3.) Por o Requerente fornecer apenas fotos fora do gabinete, os funcionários do IPIM perguntaram ao Requerente e este respondeu que usou o mesmo gabinete junto com uma outra empresa, pelo que só podia tirar fotos durante o horário de trabalho da referida empresa; isso revela-se que a empresa do Requerente tem pouco investimento em Macau.
  Por o Requerente não cumprir, sem justa causa, a obrigação de comunicação escrita dentro do prazo de 30 dias após várias desligações do serviço, e não apresentar documentos de nova situação jurídica, ao abrigo dos dispostos nos art.ºs 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M, propõe-se que não autorize a renovação da residência temporária do Requerente.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
São três as questões a decidir.
A primeira é a de saber qual o diploma normativo aplicável à renovação da autorização de residência temporária dos recorrentes.
A segunda questão é a de apurar a relevância da invocação pelo acto recorrido de norma não aplicável à situação dos autos.
A terceira questão é a de concluir se o acto recorrido violou o disposto nos artigos 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M.

2. Diploma normativo aplicável à renovação da autorização de residência temporária
Tanto os recorrentes como o Acórdão recorrido coincidem no entendimento de que à situação dos recorrentes, isto é à renovação da autorização de residência temporária dos recorrentes é aplicável o Decreto-Lei n.º 14/95/M, de 14.3 e não o Regulamento Administrativo n.º 3/2005, de 4.4.
Vejamos se é assim.
O Decreto-Lei n.º 14/95/M regulou o regime de fixação de residência temporária de várias pessoas, investidores e quadros dirigentes e técnicos (artigo 1.º).
O Regulamento Administrativo n.º 3/2005, que entrou em vigor no dia da sua publicação (artigo 25.º), veio substituir aquele diploma legal e estatuiu no seu artigo 22.º que o disposto no Decreto-Lei n.º 14/95/M continua a aplicar-se às autorizações de residência temporária concedidas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 14/95/M e à respectiva renovação, bem como aos pedidos já apresentados nos termos do disposto neste último diploma ao Instituto de Promoção do Comércio e Investimento de Macau (IPIM) à data da entrada em vigor daquele Regulamento.
Era o caso dos recorrentes, cujo pedido de fixação de residência foi deferido em Maio de 2005.
Assim, é exacto que à renovação dos pedidos dos recorrentes se aplica o disposto no Decreto-Lei n.º 14/95/M.

3. Invocação de norma jurídica não aplicável à situação em causa
Tanto os recorrentes como o Acórdão recorrido discutiram uma questão que, salvo o devido respeito, não tem nenhum interesse. A de saber se a Administração aplicou à renovação dos pedidos dos recorrentes o Regulamento Administrativo n.º 3/2005 ou o Decreto-Lei n.º 14/95/M.
E a questão não tem relevância porque a circunstância de o acto recorrido ter invocado, porventura erradamente, o Regulamento Administrativo n.º 3/2005, não afecta a sua validade. O que pode afectar o acto é ter sido aplicado um pressuposto que o acto normativo aplicável (no caso o Decreto-Lei n.º 14/95/M) não exige. Isto é, se erradamente, o acto administrativo referir aplicar o Regulamento Administrativo n.º 3/2005, quando o diploma aplicável é o Decreto-Lei n.º 14/95/M, mas o pressuposto aplicável coincidir com o exigido pelo Decreto-Lei n.º 14/95/M, é evidente que o acto administrativo não sofre de vício algum. Ou seja, a invocação de uma norma legal, em si, nunca pode integrar qualquer vício, mesmo que tenha sido mal invocada, desde que a lei aplicável tenha sido respeitada.
Assim, o vício consistente na invocação e aplicação do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 não existe, pelo que se julga o mesmo improcedente.

4. Violação do disposto nos artigos 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M
Examinemos, agora, se o acto administrativo violou, como alegam os recorrentes, o disposto nos artigos 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M.
Como se diz no Acórdão recorrido, o pedido da renovação da autorização de residência temporária foi indeferido com fundamento no incumprimento tempestivo da obrigação de comunicar ao IPIM a cessação da relação de trabalho justificativa da autorização de residência temporária e na não comprovação atempada do exercício de novas actividades profissionais, no prazo de 30 dais que lhe foi fixado pelo IPIM.
Para os recorrentes a obrigação de os interessados comunicarem ao IPIM a extinção ou alteração dos fundamentos que conduziram à concessão da autorização de residência no prazo de 30 dias a contar da data da extinção ou alteração, sob pena de a respectiva autorização poder vir a ser cancelada, só encontrou consagração legal com a entrada em vigor do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
Já o Acórdão recorrido considerou que:
“… ao impor aos beneficiários da autorização de residência a obrigação de comunicar a eventual extinção ou alteração da situação jurídica e a comprovação da constituição da nova situação jurídica atendível, o IPIM limita-se a criar condições secundum legem para dar execução ao comando normativo plasmado no artº 7º/3 do Decreto-Lei nº 14/95/M.
Isto compreende-se porque quando a lei fixar o fim, deve conferir ao aplicador os meios para o atingir.
Não nos parece que a Administração está a agir praeter legem, muito menos contra legem, pois a tal obrigação de comunicar se mostra estritamente necessária para que a Administração se mantenha sempre tempestivamente informada de eventuais alterações ou extinção da situação jurídica determinantes da concessão da autorização de residência temporária.

Portanto, não têm razão os recorrentes, ao defenderem que o recorrente não tem obrigação de comunicar face ao disposto no artº 7º/3 do Decreto-Lei nº 14/95/M”.
Por outro lado, alegaram os recorrentes no recurso contencioso que a autorização de residência só poderia ter sido cancelada se, em face das comunicações de cessação da relação laboral que o 1.° Requerente espontaneamente efectuou, o IPIM tivesse fixado, ao 1.° Recorrente, prazo não inferior a 30 dias para o mesmo se constituir em nova situação jurídica atendível - i.e. para estabelecer uma nova relação laboral -, e o 1 ° Recorrente não o tivesse feito dentro do prazo especialmente concedido para o efeito.
A isto respondeu o Acórdão recorrido:
“É verdade o alegado pelos recorrentes no ponto 31º das conclusões da petição de recurso, isto é, o IPIM, ao verificar a perda da titularidade da situação jurídica, não concedeu um prazo não inferior a 30 dias para o 1.° Recorrente constituir nova situação jurídica atendível.
É claro que não lho concedeu! Não concedeu porque um prazo não inferior a 30 dias já lhe foi concedido ab initio mediante o ofício do IPIM nº XXXX/XXXX/XXXXX/2005!
Portanto é de concluir que bem andou a Administração ao dar como verificados os pressupostos de cancelamento da autorização ao abrigo do disposto no citado art.º 7º/3 do Decreto-Lei nº 14/95/M de 27MAR”.

5. O regime do Decreto-Lei n.º 14/95/M.
Convém relembrar as normas pertinentes à decisão.
Dispunham os artigos 1.º, 2.º, 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M:
Artigo 1.º
(Âmbito pessoal de aplicação)
1. Podem fixar residência no território de Macau ao abrigo do disposto no presente diploma:
a) Os titulares de projectos de investimento considerados relevantes, em apreciação nos competentes serviços da Administração;
b) Os titulares de investimentos relevantes no Território;
c) Os quadros dirigentes e técnicos especializados por virtude da sua formação académica, qualificação e experiência profissional, consideradas de particular interesse para o Território.
2. Podem ainda habilitar-se à fixação de residência no Território as pessoas do agregado familiar dos indivíduos referidos no número anterior.
Artigo 2.º
(Investimentos relevantes)
1. Para os efeitos do disposto no presente diploma, consideram-se como relevantes os seguintes projectos de investimento ou investimentos:
a) Instalação de unidades industriais que, pela natureza das respectivas actividades contribuam para o desenvolvimento e diversificação da economia do Território;
b) Instalação de unidades de prestação de serviços, designadamente financeiros, de consultoria, de transportes e de apoio à indústria e ao comércio em geral, que se apresentem de interesse para o Território;
c) Instalação de unidades hoteleiras e similares de reconhecido interesse turístico;
d) Aplicação de fundos, a título permanente, em propriedade imobiliária ou outros activos corpóreos produtivos, que representem um valor não inferior a um milhão de patacas.
e) Aplicação de fundos, a título permanente, em propriedade imobiliária de valor não inferior a quinhentas mil patacas, quando os seus titulares sejam residentes permanentes em Hong Kong e aí tenham obtido a situação de aposentado ou reformado e façam prova de que possuem capacidade económica para assegurar a sua subsistência.
2. O reconhecimento da relevância dos projectos de investimento ou dos investimentos ou do particular interesse de quadros dirigentes e técnicos especializados cabe ao Governador, que pode delegar a respectiva competência no Secretário-Adjunto que tutela a área de economia e finanças.

Artigo 7.º
(Tipos de títulos de residência)
1. O período de validade dos títulos de residência emitidos ao abrigo do presente diploma não pode, em caso algum, exceder os trinta dias que precedem a caducidade do documento de viagem do interessado ou da autorização de regresso ou de entrada em outro país ou território.
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, podem ser atribuídos os seguintes títulos de residência:
a) Título de residência temporária com a validade de dezoito meses, renovável por uma vez, aos indivíduos a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º e respectivos familiares;
b) Título de residência temporária com a validade de três anos, renovável, aos indivíduos a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 1.º e respectivos familiares.
3. Em caso de perda da titularidade da situação jurídica que determinou a concessão de autorização de residência, esta deve ser cancelada se, no prazo que lhe for fixado e não inferior a trinta dias, o interessado não se constituir em nova situação jurídica atendível.

Artigo 8.º
(Renovações)
1. A renovação dos títulos de residência deve ser requerida ao IPIM até trinta dias antes do termo do respectivo período de validade.
2. A renovação está sujeita à verificação dos mesmos requisitos da emissão inicial do título de residência e é concedida por igual período de validade.
3. Sem prejuízo do disposto no número anterior, a renovação dos títulos de residência dos indivíduos a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º não está dependente da manutenção do vínculo contratual alegado no pedido inicial, desde que seja feita prova de novo exercício profissional como tal devidamente tributado.

Este TUI já teve oportunidade de se debruçar sobre uma situação semelhante no seu Acórdão de 6 de Abril de 2011, no Processo n.º 55/2010.
Estava em causa a renovação da autorização de residência concedida ao abrigo do Decreto-Lei n.º 14/95/M. Tratava-se, não de autorização de residência um quadro técnico, como no caso dos autos, mas de investimento imobiliário. Mas a questão jurídica é idêntica.
Naquele Acórdão dissemos:
  “A questão fundamental consiste, antes, no regime de alteração da situação jurídica que determinou a concessão anterior de autorização de residência.
  Prescreve assim o n.° 3 do art.° 7.° do Decreto-Lei n.º 14/95/M:
  «Em caso de perda da titularidade da situação jurídica que determinou a concessão de autorização de residência, esta deve ser cancelada se, no prazo que lhe for fixado e não inferior a trinta dias, o interessado não se constituir em nova situação jurídica atendível.»
  Embora a al. d) do n.° 1 do art.° 2.° do Decreto-Lei n.º 14/95/M exige a permanência de aplicação de fundos em propriedade imobiliária, a alteração da situação jurídica do interessado não determina logo a perda da autorização de residência, pois isso depende de se o interessado constituir em nova situação jurídica atendível pelo IPIM no prazo fixado por este.
  No presente caso, o recorrido teve o investimento imobiliário menos de um milhão de patacas durante mais de um ano por ter vendido uma das fracções de que era proprietário, no período de autorização inicial de residência.
  O recorrido comunicou, em 29 de Junho de 2007 e por forma simples, a venda de uma fracção ao IPIM. Entretanto, o recorrido voltou a comprar novamente um imóvel ainda antes de expiar a autorização de residência, sem que o IPIM emitiu qualquer cominação no sentido de repor a situação jurídica inicial ou constituir uma outra atendível pelo Instituto.
  Assim, o acto impugnado não pode deixar de ser anulado por violação do disposto no art.° 7.°, n.° 3 do Decreto-Lei n.º 14/95/M.
  É legítimo questionar a razoabilidade da disposição desta norma por pouca exigência em relação à manutenção da aplicação de fundos em propriedade imobiliária em valor não inferior a um milhão de patacas e a falta de previsão expressa do ónus de comunicar ao IPIM qualquer alteração ou extinção da respectiva situação jurídica.
  Já no novo regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados regulado pelo Regulamento Administrativo n.° 3/2005, através do seu art.° 18.°, n.°s 3 e 4, é exigida a comunicação pelo próprio interessado ao IPIM quanto à extinção ou alteração da situação juridicamente relevante que fundamenta a concessão da autorização de residência, cuja falta implicará o cancelamento desta.
  Contudo, este novo regime é inaplicável ao presente caso que foi requerido ao abrigo do anterior regime consagrado no Decreto-Lei n.º 14/95/M. Pois, o art.° 22.°, n.° 1, al. 1) do Regulamento Administrativo n.° 3/2005 prescreve expressamente que o disposto no Decreto-Lei n.º 14/95/M continua a aplicar-se às autorizações de residência temporária concedidas ao abrigo deste Decreto-Lei e ao pedido da respectiva renovação.
  Na realidade, o legislador bem podia determinar que o novo regime seja aplicável às renovações de títulos de residência anteriormente emitidos, tal como foi previsto no art.° 2.° do Decreto-Lei n.º 22/97/M, um dos diplomas que introduziram alterações ao primitivo Decreto-Lei n.º 14/95/M.
  Sem constar esta norma transitória do novo Regulamento Administrativo n.° 3/2005, ao tribunal não resta outra alternativa senão continuar a aplicar ao presente caso o antigo Decreto-Lei n.º 14/95/M, por força do art.° 22.°, n.° 1, al. 1) deste Regulamento Administrativo, com a consequente anulação do acto impugnado”.
  Em suma, considerámos no nosso anterior Acórdão que, no regime do Decreto-Lei n.º 14/95/M:
  - O interessado não tem o ónus ou dever de comunicar ao IPIM qualquer alteração ou extinção da respectiva situação jurídica;
  - A alteração da situação jurídica do interessado não determina logo a perda da autorização de residência, pois isso depende de o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível pelo IPIM no prazo fixado por este.
  Estas conclusões são de manter por corresponderem à interpretação rigorosa das normas em análise.
  Por outro lado, na falta de norma legal ou regulamentar, não pode a Administração impor ónus ou deveres aos interessados1. Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos (artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo). É da essência do Direito Administrativo. Como refere M. ESTEVES DE OLIVEIRA2 “a actividade administrativa só é lícita quando for legal, isto é, quando estiver prevista e autorizada por lei”.
  Logo, procede o recurso, e por violação do disposto no artigo 7.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 14/95/M, impõe-se a anulação do acto recorrido.

IV – Decisão
Face ao expendido, concedem provimento ao recurso, revogam o Acórdão recorrido e anulam o acto recorrido.
Sem custas.
Macau, 27 de Novembro de 2013.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Mai Man Ieng


     1 HANS J. WOLFF, OTTO BACHOF e ROLF STOBER, Direito Administrativo, Vol. 1, tradução da 11.ª edição revista, Fundação Calouste Gulbenkian, 2006, p. 443.
     2 M. ESTEVES DE OLIVEIRA, Lisboa, Almedina, Direito Administrativo, Vol. 1,1980, p. 307.
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Processo n.º 63/2013