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Processo nº 840/2012 Data: 13.12.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “ofensa à integridade física”.
“Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.
“Contradição insanável da fundamentação”.
“Erro notório na apreciação da prova”.
Pena.
Indemnização.
Danos não patrimoniais.



SUMÁRIO

1. O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo.

2. Só ocorre “contradição insanável” quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.

3. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

4. Constatando-se que o Colectivo a quo emitiu pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo, elencando a que resultou “provada”, indicando a que resultou “não provada”, e fundamentando, adequada e claramente, esta sua decisão, não se vislumbrando nenhuma “incompatibilidade” – note-se que a contradição entre os factos provados e a versão do recorrente não constitui “contradição insanável” – ou deficiência (“erro”) na apreciação da prova, pois que a decisão em questão apresenta-se de acordo com a lógica das coisas, evidente sendo também que não se desrespeitou qualquer regra sobre o valor das provas tarifadas, regras de experiência ou legis artis, tendo-se decidido em conformidade com o princípio da livre apreciação da prova, (cfr., art. 114°), e em perfeita sintonia com as ditas regras de experiência e legis artis, e atento os princípios próprios de uma audiência de julgamento em 1ª Instância: o de oralidade e imediação, patente é que improcede o recurso no que toca aos ditos vícios.

5. Não é de considerar excessiva a pena de 9 meses de prisão – suspensa na sua execução – aplicada ao arguido que “encomenda” uma – grande – tareia (a uma antiga colega de escola) em consequência de uma (mera) discussão, a quem momentos antes o tinha convidado para partilhar e conviver num quarto de “Karaoke” e fica depois a assistir a dita agressão, com socos e pontapés, que deixou a vítima sem sentidos, vindo a sofrer, “concussão cerebral, várias contusões e escoriações em todo corpo, fractura nas órbitas dos olhos, contusão nos bulhos oculares e fractura no 1° dente incisivo da maxila esquerda superior e na coroa do 1° dente molar da frente da maxila esquerda inferior”, e internamento hospitalar “de 29 de Julho a 18 de Agosto de 2007, necessitando de 60 dias para se curar.

6. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu, sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados.

7. Atenta a culpa do arguido e aos danos pela ofendida sofridos, censura não merece a decisão que fixa em MOP$220.000,00 o quantum de indemnização por danos não patrimoniais.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 840/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar B (B), arguido com os sinais dos autos, como autor (mediato) da prática de 1 crime de “ofensa simples à integridade física” p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 2 anos, na condição de pagar à ofendida C (C) a indemnização no valor total de MOP$289.922,10 e juros no prazo de 6 meses; (cfr., fls. 316 a 317 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, vem o arguido recorrer, para, nas suas conclusões de recurso, e em síntese, assacar à decisão recorrida os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”, assim como excesso na pena e do montante da indemnização por danos não patrimoniais, fixada em MOP$220.000,00; (cfr., fls. 332 a 340).

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Respondendo, e pronunciando-se sobre a “decisão crime”, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público que nenhuma razão tem o recorrente, devendo-se confirmar, na íntegra, a decisão recorrida (na parte em questão); (cfr., fls. 366 a 373).

*

Por sua vez, a ofendida (e assistente), pugna pela rejeição do recurso; (cfr., fls. 382 a 388).

*

Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:

“Na Motivação de fls. 332 a 340 dos autos, o recorrente/arguido B invocou a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, a contradição insanável da fundamentação, o erro notório na apreciação de prova, e ainda a violação de lei pela graduação da pena.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações do Exmo. Colega na Resposta (fls.366 a 373 dos autos), na qual se encontra cabal e aprofundada impugnação de todos os fundamentos alegados pelo recorrente na dita motivação.
*
Face a jurisprudência consolidada (a título meramente exemplificativo, Acórdão do TUI no Processo n.°17/2000), podemos ter por adquiridas as teorias respeitantes aos três vícios previstos no n. °2 do art.400° do CPP.
No caso sub judice, o Tribunal a quo deu como provados todos os factos alegados na Acusação. Ora, articulação dos 5° e 6° factos implica razoavelmente que era a pedido ou à ordem do arguido/recorrente é que os dois indivíduos agrediram a ofendida.
E, tais factos provados no seu conjunto são suficientes e capazes para sustentarem a condenação do arguido/recorrente na autoria mediata dum crime de ofensa simples à integridade física, p.p. pelo art.137° n.°l do CPM.
Com efeito, como bem acentuou o Exmo. Colega, é irrelevante e pouco pertinente, para a condenação do arguido/recorrente, que ainda não se tenha apurado a identidade concreta dos 2 indivíduos que praticaram a agressão, nem a relação entre eles e o arguido/recorrente.
De tudo isto flui que não se verifica a invocada insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Em sede de fundamentação, o Tribunal a quo referiu no Acórdão recorrido (cfr. §4° in fine da pág.6 do Acórdão): 而出奇地無論是嫌犯及正在附近的朋友(亦是本案的證人)則稱完全不清楚被害人如何及被誰人施以那麼兇殘的襲擊且嫌犯當時一直繼續與別人通話,當作一切都沒有發生。
Devidamente ponderada, parece-nos que tal referência não está em contradição, nem sequer insanável, com a convicção do Tribunal a quo relativa à matéria de facto, nem com a outra parte da fundamentação do mesmo Acórdão. O que toma insubsistente a arguida a contradição insanável da fundamentação.
É verdade que excepto a ofendida, as demais testemunhas negaram ter ouvido que o arguido/recorrente dissera a palavra de «……是她,是她找人打我的» (Foi ela, foi ela quem arranjou outrém a agredir-me). Quer dizer que o depoimento da ofendida é o único meio de prova desse facto.
Apesar disso, a convicção do Tribunal a quo no sentido de dar por provado que o ofendido dissera aquela palavra não se mostra incompatível com outra matéria de facto provada ou logicamente inaceitável, nem viola as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis, pelo que não pode deixar der inviável o assacado o erro notório na apreciação de prova.
No que diz respeito ao argumento do arguido/recorrente de que a graduação da pena fere do vício de violação de lei, basta-nos acompanhar estritamente a perspectiva do Exmo. Colega, e nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
***
Por todo o expendido acima, pugnamos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 393 a 394).

*

Colhidos os vistos legais dos Mmo Juízes-Adjuntos, e nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Colectivo do T.J.B. foram dados como “provados” os factos seguintes:

“No dia 28 de Julho de 2007, cerca das 23 horas, C (ofendida) e suas amigas F, G e H foram divertir num quarto do karaoke 'XXX', sito na Rua ......, no Porto Interior.
No dia 29 de Julho, cerca das 3 horas da manhã, no referido karaoke, C encontrou com os seus antigos colegas de escola I, J e B (arguido), por isso convidou os três para entrarem no seu quarto do karaoke para divertirem.
Quando estavam a divertir, C e o arguido discutiram devido a assuntos fúteis, por isso H pediu ao arguido para ir embora, por seguinte, o arguido saiu do quarto com J.
Por volta das 4 horas da manhã, C e seus amigos acabaram de divertir. C foi sozinha à caixa automática para levantamento de dinheiro situada à frente do karaoke a fim de levantar dinheiro para pagar a conta.
Assim que C saiu da porta do karaoke, viu o arguido, de pé, doutro lado da rua. Nesse momento o arguido estava a falar ao telemóvel, quando C estava a andar, aproximando do arguido, ouviu este a dizer ‘... é ela, foi ela quem arranjou alguém para me bater’.
Logo a seguir, C foi agredida na cabeça por pessoas não identificadas e ainda agrediram-na com socos e pontapés, a mesma acabou por cair no chão sem sentidos.
A referida conduta violenta provocou directamente lesões corporais à C. Posteriormente, foi transportada pela ambulância do Corpo dos Bombeiros para o Hospital C. S. Januário, mais tarde, a pedido da ofendida, foi transferida para o Hospital Keang Wu para ser tratada. Após diagnosticada pelo hospital, comprovou-se que a mesma sofreu de concussão cerebral, várias contusões e escoriações em todo corpo, fractura nas órbitas dos olhos, contusão nos bulbos oculares e fractura no 1° dente incisivo da maxila esquerda superior e na coroa do 1° dente molar da frente da maxila esquerda inferior. Devido a esses ferimentos, C esteve internada de 29 de Julho a 18 de Agosto de 2007 no Hospital Keang Wu para ser tratada.
Conforme a peritagem do médico-legal, os referidos ferimentos da C são ofensa simples à sua integridade física, necessitando de sessenta dias para convalescer, entre os quais, os primeiros vinte dias perdeu a capacidade de trabalho.
O arguido agiu livre, voluntário e conscientemente ao instruir de propósito outras pessoas para empregar violência na ofendida, causando directamente lesões concretas na integridade física da mesma.
O arguido sabia perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por lei”.
Seguidamente, consignou o mesmo Colectivo que:
“Para além dos factos já dados como provados da matéria de facto da acusação, ficaram ainda provados os seguintes factos relevantes do pedido cível de indemnização de 102 a 106:
Por virtude dos factos dos presentes autos, a ofendida necessitou 60 dias para se convalescer, entre os quais, nos primeiros 20 dias perdeu a capacidade de trabalho.
Por virtude dos factos dos presentes autos, entre 29 de Julho de 2007 e 02 de Setembro de 2007, a ofendida perdeu o salário correspondente de MOP$11.655,00, gastou o montante total de MOP$57.383,00 em despesas médicas, medicamentosas e hospitalares e MOP$884,l0 em despesas de transporte, no total de MOP$69.922,10 (danos patrimoniais).”
*
“O arguido é empregado comercial e aufere mensalmente cerca de quinze mil patacas (MOP$15,000).
Tem como habilitações académicas o ensino politécnico e tem os pais a seu cargo.
Do seu CRC nada consta em seu desabono”.
*
No que toca aos “factos não provados”, fez constar o que segue:
“Da acusação:
Nada a assinalar, uma vez que ficaram provados todos os factos relevantes da acusação.
Do pedido cível:
Todos os restantes factos relevantes que não estejam em conformidade com a factualidade acima provada.
E demais despesas, não devidamente justificadas e comprovadas”.
*
E, fundamentando esta sua decisão, consignou:
“Convicção do Tribunal:
A convicção do Tribunal fundamenta-se na apreciação crítica e comparativa de todos os meios de prova produzidos em audiência de discussão e julgamento valorados na sua globalidade, nomeadamente, nas declarações do arguido prestadas em audiência de julgamento, no exame de toda a prova documental produzida, entre os quais os relatórios médicos e hospitalares constante dos autos e demais documentos juntos e bem assim nas declarações das testemunhas ouvidas em audiência.
Importa salientar estar-se perante duas versões totalmente opostas, uma apresentada pela ofendida e outra fornecida pelo arguido.
Após analisado toda a prova produzida, somos de confirmar a versão dos factos conforme o que consta da acusação, convicção essa formada essencialmente segundo as regras da experiência e com base em certos factos dado por assentes e mais ou menos aceites por ambas as partes nomeadamente, de ter havido uma discussão acesa no karaoke entre a ofendida e o arguido momentos antes da agressão, que o levou a ser «convidado» a retirar-se do quarto do karaoke (apesar de o arguido vir dizer que tinha problemas de audição, numa das orelhas, e por isso• falava um pouco mais alto, mas não nega e até foi confirmado por outras testemunhas, que, altura, efectivamente estava a discutir com a ofendida), e de a ofendida ter sido agredida quando se abeirava e dirigia algumas palavras ao arguido e este e seus amigos, testemunhas dos autos, e que se encontravam nas proximidades, estranhamente, dizem nada sabem do como e por quem a ofendida havia sido brutalmente agredida, continuando o arguido a falar ao telefone, como se nada tivesse acontecido”; (cfr., fls. 313 a 315).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da decisão que o condenou como autor (mediato) da prática de 1 crime de “ofensa simples à integridade física” p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 2 anos, na condição de pagar à ofendida a indemnização no valor total de MOP$289.922,10 e juros no prazo de 6 meses.

Assaca à decisão recorrida os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”, assim como excesso na pena e da indemnização por danos não patrimoniais, fixada em MOP$220.000,00.

Cremos porém que a decisão recorrida não merece nenhuma censura, apresentando-se-nos integralmente correcta, justa e equilibrada, sendo o recurso de rejeitar, dada a sua manifesta improcedência; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).

Passa-se a expor, ainda que abreviadamente, este nosso ponto de vista.

Vejamos.

–– Quanto aos “vícios da decisão da matéria de facto”.

Em relação aos mesmos, tem este T.S.I. entendido que:

O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 25.09.2012, Proc. 706/2012).

Por sua vez, e como sabido é, só ocorre “contradição insanável” quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; (cfr., v.g. no Acórdão deste T.S.I. de 24.05.2012, Proc. n° 179/2012).

E, quanto ao erro notório na apreciação da prova, repetidamente se tem afirmado que o mesmo “existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 27.09.2012, Proc. n.° 403/2012 do ora relator).

Sendo esse o sentido e alcance dos vícios em questão, evidente é que reparo não merece o veredicto ora recorrido.

Com efeito, (sendo de se subscrever na íntegra o entendimento pelo Ministério Público assumido face à pretensão do ora recorrente, e como de uma mera leitura do Acórdão em crise, (e sem esforço), se pode constatar), o Colectivo a quo pronunciou-se – como devia – sobre toda a matéria objecto do processo, elencando a que resultou “provada”, indicando a que resultou “não provada”, e fundamentando, adequada e claramente, esta sua decisão, não se vislumbrando nenhuma “incompatibilidade” – note-se que a contradição entre os factos provados e a versão do recorrente não constitui “contradição insanável” – ou deficiência (“erro”) na apreciação da prova, pois que a decisão em questão apresenta-se de acordo com a lógica das coisas, evidente sendo também que não se desrespeitou qualquer regra sobre o valor das provas tarifadas, regras de experiência ou legis artis, tendo-se decidido em conformidade com o princípio da livre apreciação da prova, (cfr., art. 114°), e em perfeita sintonia com as ditas regras de experiência e legis artis, e atento os princípios próprios de uma audiência de julgamento em 1ª Instância: o de oralidade e imediação.

Dest’arte, patente sendo a falta de razão do recorrente, e ociosas sendo outras considerações, continuemos.

–– Da “pena”.

Neste capítulo, assim ponderou o T.J.B.:

“Estabelece o n° l do artigo 137° do Código Penal: «Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.»
Da factualidade apurada, dúvidas não há que o arguido cometeu de forma consciente, livre e com dolo, e em autoria mediata e na forma consumada, um crime de ofensa simples à integridade física p.p. pelo art°137° n°l do Código Penal, estando preenchidos todos os pressupostos objectivos e subjectivos dos tipos de crime por que vem acusado.
Integrado o tipo, entre a pena detentiva e a pena não privativa de liberdade deve o Tribunal dar preferência à segunda (art°64° do CP), porém, in casu, entende-se que a pena mais adequada e que mais se realiza as finalidades de punição, ou seja a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade será a de prisão. (art°40° do CP).
Na determinação da pena concreta, ao abrigo do disposto no artigo 65° do CP, atender-se-á à culpa do agente e às exigências da prevenção criminal, tendo em conta o grau de ilicitude, o modo de execução, e a gravidade das consequências, o grau da violação dos deveres impostos, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados, a motivação do arguido, suas condições pessoais e económicas, sua conduta anterior e posterior aos factos e demais circunstancialismo apurado, pelo que se tem por ajustada uma pena de nove (9) meses de prisão.
No entanto, ao abrigo do disposto no artigo 48° do CP, ponderando a personalidade do agente, condições da sua vida, conduta anterior e , posterior ao crime e circunstâncias deste, entendendo-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, suspender-se-á a execução da pena por um período de dois (2) anos, com a condição de indemnizar integralmente à ofendida de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido de juros e no prazo de seis meses, ambos ca1cuíados a contar a partir do trânsito em julgado desta decisão”; (cfr., fls. 315 a 315-v).

E, também aqui se mostra de subscrever o decidido.

O “modus operandi” do arguido, “encomendando” uma – grande – tareia (a uma antiga colega de escola) em consequência de uma (mera) discussão, a quem momentos antes o tinha convidado para partilhar e conviver num quarto de “Karaoke” – e seja lá qual o tema ou a quem coubesse a razão – e ficar depois a assistir a dita agressão com socos e pontapés, que deixou a vítima sem sentidos e com as lesões descritas nos autos sem nada fazer, é, de facto, e no mínimo, demonstrador de uma personalidade mal formada, reveladora de “instintos de maldavez”.

E se a isto aliarmos o facto de não ter confessado os factos – que não obstante ser seu direito – não deixa de demonstrar falta de arrependimento, à vista está a solução.

De facto, e atentas as ditas circunstâncias, a opção por uma pena não privativa da liberdade ao abrigo do art. 64° do C.P.M. seria, manifestamente desadequada, pois que, (face aos referidos “ingredientes” do caso), não realizaria, de forma adequada e suficiente, as finalidades de punição.

Como igualmente – bem – nota o Exmo. Magistrado do Ministério Público na sua Resposta, não se pode esquecer “as circunstâncias em que ocorreu a agressão e o local – estabelecimento de diversão nocturna – nem a frequência com que incidentes desta natureza se vão repetindo em Macau”.

E, quanto à medida de pena, (9 meses de prisão), é também caso para afirmar que a mesma não deixa de ser (algo) benevolente.

Com efeito, tal pena, que não chega a um terço do limite máximo da sua moldura, de forma alguma se pode considerar desadequada à culpa, (dolo directo e intenso), do arguido, e à acentuada ilicitude da sua conduta, não se podendo olvidar que foi suspensa na sua execução por um período de 2 anos, (quando o limite máximo é 5 anos), na condição do pagamento de uma indemnização, certo sendo que aí não deixou o Colectivo de ponderar – e bem – o facto de ser o arguido primário, concedendo-se-lhe, (ainda) assim, uma oportunidade para (querendo) corrigir-se e arrepiar caminho, sem ter que passar pela “marcante” experiência da reclusão.

–– Por fim, quanto à “indemnização”.

Do total fixado, de MOP$289.922,10, o montante MOP$220.000,00 diz respeito à indemnização por danos não patrimoniais que, na opinião do arguido, é excessivo, pedindo a sua redução para MOP$100.000,00.

Pois bem, “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu.”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.03.2011, Proc. n° 535/2010), sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”; (cfr., v.g., o Ac. de 14.06.2012, Proc. n.°393/2012).

Nos termos do art. 489° do C.C.M.:

“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de facto e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, ao unido de facto e aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.

3. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior”.

E, nos termos do art. 487°, para o qual remete o transcrito art. 489°:

“Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.

No caso, está, nomeadamente, provado que a ofendida:

“(…) foi agredida na cabeça por pessoas não identificadas, com socos e pontapés, e que acabou por cair no chão sem sentidos”; vindo a sofrer, “concussão cerebral, várias contusões e escoriações em todo corpo, fractura nas órbitas dos olhos, contusão nos bulhos oculares e fractura no 1° dente incisivo da maxila esquerda superior e na coroa do 1° dente molar da frente da maxila esquerda inferior”, e internamento hospitalar “de 29 de Julho a 18 de Agosto de 2007 no Hospital Keang Wu para ser tratada”, necessitando de 60 dias para se curar.

Ora, evidentes sendo, (no mínimo), o medo, as intensas dores e (muitos) inconvenientes pela vítima sentidos e sofridos no dia da agressão assim como nos posteriores, atente-se no tratamento que, de certeza, teve de se submeter e aos incómodos no seu dia a dia, sem podendo levar a vida que habitualmente levava, e não sendo aqui de olvidar o dolo – intenso e directo – do arguido, cremos que não é considerar que se esteja numa situação de “enriquecimento ilícito” por parte da mesma ofendida.

Aliás, não nos parece que exista alguém disposto a se sujeitar a tal “situação”, ainda que por quantia superior…

Dest’arte, e tudo visto, resta pois decidir pela rejeição do recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 6 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 5 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Macau, aos 13 de Dezembro de 2012

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta) Tam Hio Wa
Proc. 840/2012 Pág. 28

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