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Processo nº 397/2012-A


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

Notificada do Acórdão deste TSI proferido em 20SET2012, a recorrente GUARDFORCE (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, veio imputar ao mesmo Acórdão a oposição entre os fundamentos e a decisão, na parte que diz respeito à questão do subsídio de alimentação, geradora da nulidade cominada no artº 571º/1-c) do CPC.

Alegando e pedindo que:

  Dispõe a alínea c) do nº 1 do artigo 571.º aplicável ex vi do artigo 633.º n.º 1, ambos do C.P.C. "É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (...)".
  Parece ser entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência nomeadamente desse Venerando Tribunal de Segunda Instancia, que só ocorrerá nulidade da sentença, por contradição entre os seus fundamentos e a decisão, quando os fundamentos invocados conduziriam não ao resultado expresso na decisão mas a um resultado oposto,
  Ou seja,
  Quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma conclusão oposta à que, logicamente, deveria ter extraído,
  Havendo assim um vicio de raciocínio que deveria ter conduzido a uma decisão diversa daquela para a qual o raciocínio conduziu efectivamente o seu autor.
  Ora,
  Salvo devido respeito, que é muito, a ora Recorrente está em crer que o douto Acórdão proferido nos presentes autos padece de nulidade no que toca à decisão que recaiu sobre a questão do subsídio de alimentação, existindo no que a esta questão respeita contradição entre os fundamentos e a decisão final.
  Vejamos,
  Em sede de alegações de Recurso, a ora Recorrente, no que ao subsídio de alimentação respeita, alegou que:
  "Caso V. Exa. entendam que os contratos de prestação de serviços celebrado entre a Ré e Sociedade de Apoios às Empresas de Macau, Lda. e mencionados em C) são fontes dos créditos reclamados pelo Autor, o que só por mera hipótese se concede,
  Sempre se dirá que:
  O subsídio de alimentação, conforme tem vindo a ser entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, trata-se de um acréscimo salarial que pressupõe necessariamente a prestação efectiva de trabalho por parte do seu beneficiário.
  Vejam-se a propósito as seguintes decisões dos tribunais superiores de Portugal, as quais, face à semelhança de regime, ora se invocam:
  "Quer a Jurisprudência, quer a Doutrina têm vindo a entender que o subsídio de alimentação, sendo pago regularmente, integra o conceito de retribuição constante do artigo 82 da LCT69. Porém, estando ligada, essa componente salarial à prestação de facto do trabalho, só será devida quando o trabalhador presta serviço efectivo à entidade patronal." .-Acórdão do TRL de 14/06/1994, disponível in www.dgsi.pt
  "I - Embora o art. 6º do DL 874/76, de 28/12, estabeleça que a retribuição das férias corresponde à que os trabalhadores receberiam se estivessem ao serviço efectivo, e que o subsídio de férias é de montante igual ao dessa retribuição, o certo é que há certas componentes da retribuição global do trabalhador que por estarem afectos a determinadas finalidades, como seja a alimentação e as deslocações do trabalhador, não se justificam durante as férias do trabalhador, por nesse período não se verificarem aquelas despesas." - Ac. do TRL de 07/04/2000 também disponível em www.dgsi.pt.
  Ora,
  Ao arrepio da mencionada jurisprudência, entendeu o douto Tribunal a quo condenar a ora Recorrente a pagar ao Autor um valor correspondente ao subsídio de alimentação alegadamente devido pelo número total de dias de toda a relação laboral,
  O que, salvo devido respeito por melhor opinião, se reputa ilegal.
  Para que houvesse condenação da Ré, ora Recorrente, no pagamento desta compensação, deveria o Autor ter alegado e provado quantos foram os dias de trabalho efectivamente por si prestados.
  O que não sucedeu,
  Tendo-se aliás apurado que, nomeadamente, entre o período de 07 de Fevereiro de 2001 e 6 de Junho de 2011, o Autor não trabalhou 6 dias.
  Pelo que, salvo devido respeito por melhor opinião, não tendo sido alegados nem provados os factos essenciais de que depende a atribuição do mencionado subsídio de alimentação, ou seja, a prestação efectiva de trabalho, não poderia o douto Tribunal ter condenado a Recorrente nos termos em o fez, padecendo assim a douto sentença nesta parte do vício de violação de lei, devendo consequentemente ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do pagamento de compensação a título de subsidio de alimentação."
  (sublinhados e destacados nosso)
  Tendo concluído nos seguintes termos:
XXV - Para que houvesse condenação da Ré, ora Recorrente, no pagamento desta compensação, deveria o Autor ter alegado e provado quantos foram os dias de trabalho efectivamente por si prestados, o que não sucedeu.
XXVI - Tendo-se aliás apurado que, nomeadamente, entre o período de 07 de Fevereiro de 2001 e 6 de Junho de 2011, o Autor não trabalhou 6 dias.
XXVII - Pelo que, salvo devido respeito por melhor opinião, não tendo sido alegados nem provados os factos essenciais de que depende a atribuição do mencionado subsídio de alimentação, ou seja, a prestação efectiva de trabalho, não poderia o douto Tribunal ter condenado a Recorrente nos termos em o fez, padecendo assim a douto sentença nesta parte do vício de violação de lei, devendo consequentemente ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do pagamento de compensação a título de subsidio de alimentação.
  No que respeita a este ponto do Recurso, foi entendimento desse Venerando Tribunal que,
  “Do subsídio de alimentação
  A propósito desta questão, a Sentença recorrida decidiu atribuir o subsídio de alimentação em todos os dias da duração da relação de trabalho celebrada entre o Autor e a Ré.
  O que na óptica da recorrente não é correcta.
  Para a recorrente o Autor só tem direito a receber tal subsídio nos dias que efectivamente trabalhou, pois só a prestação efectiva de trabalho justifica o direito ao subsídio de alimentação.
  Note-se que, in casu, o "quando" é pago o subsidio de alimentação não foi objecto de estipulação quer no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, quer no contrato individual celebrado entre o Autor e a Ré, nem na lei vigente na constância de relação de trabalho em causa, para a qual o próprio contrato individual de trabalho remete.
  Ou seja, na falta de disposições legais que impõem à entidade patronal a obrigação de pagar ao trabalhador o subsídio de alimentação, a sua regulação quer quanto à sua exigência quer quanto aos termos em que é pago deve ser objecto da negociação entre as partes.
  ln casu, foi apenas estipulada a obrigação de pagar ao trabalhador um subsídio de alimentação no valor de MOP$15,00 por dia.
  Desta maneira, temos de averiguar a natureza do tal subsídio.
  Ora, inquestionavelmente o subsídio de alimentação não é retribuição do trabalho nem parte integrante dessa retribuição, dado que não é o preço do trabalho prestado pelo trabalhador.
  Como foi dito supra, na falta de disposições expressas na lei, só há lugar ao pagamento do subsídio de alimentação se assim for estipulado entre o trabalhador e a entidade patronal.
  Ficou provado que in casu foi estipulado no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. que o trabalhador tinha direito ao subsídio de alimentação no valor de MOP$15,OO por dia.
  Mas ficamos sem saber se era devido enquanto relação de trabalho se mantinha ou apenas nos dias em que houve prestação efectiva de trabalho.
  Não obstante o D. L. N.º 24/89/M, vigente no momento dos factos dos presentes autos, não ser aplicável à contratação dos trabalhadores não residentes, por força do disposto no próprio artº 1°, por o Autor não ser trabalhador residente, o certo é que, como foi dito supra, por remissão expressa no ponto 10 do contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, o mesmo diploma é aplicável ao caso sub judice.
  Assim, vamos tentar procurar a solução para a questão em apreço na mens legislatoris subjacente ao regime jurídico definido no citado D. L. N.º 24/89/M.
  Como se sabe, no âmbito desse diploma, existem prestações por parte da entidade patronal a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.
  É o que se estabelece nos artº 17º, 19º e 21º do decreto-lei, nos termos dos quais é devido o salário nos dias de descansos semanal e anual e de feriados obrigatórios remunerados.
  Isto é, é devido o salário a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.
  Então urge saber se é também devido o subsídio de alimentação independentemente da prestação efectiva de trabalho.
  E assim é preciso saber qual é a razão que levou ao legislador a obrigar a entidade patronal a pagar salário ao trabalhador mesmo nos dias de folga e averiguar se existe uma razão paralela justificativa da atribuição ao trabalhador do subsídio de alimentação nos dias em que não trabalha.
  Face ao regime de descansos e feriados definido no decreto-lei, sabemos que a razão de ser de assegurar ao trabalhador o direito ao salário nesses dias de descanso é porque a legislador quis estabelecer, como o mínimo das condições de trabalho, o direito ao descanso sem perda de vencimento.
  Ou seja, é o direito ao descanso que justifica o pagamento de salário nos dias de descanso e feriados.
  Mas já nenhum direito, como mínimo das condições de trabalho ou a qualquer outro título, estabelecido na lei, a favor do trabalhador, tem a virtualidade de justificar o pagamento do subsídio de alimentação nos dias em que trabalha, muito menos nos dias em que não trabalha.
  Assim, parece que nos não é possível resolver a questão no âmbito do D. L. Nº 24/89/M e temos de virar a cabeça tentando encontrar a solução para o presente caso concreto tendo em conta as características do serviço que o Autor prestava.
  Da matéria de facto provada resulta que o Autor exercia as funções de guarda de segurança, trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré e era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades.
  Além disso, ficou também provado que a Ré recorreu muito frequentemente ao serviço em horas extraordinárias prestado pelo Autor, quase sempre quatro horas por dia.
  As tais condições de trabalho, nomeadamente a mobilidade do local e horário de trabalho, a total disponibilidade do trabalhador assim como a grande frequência do recurso por parte da Ré ao serviço prestado em horas extraordinárias, mostram-se evidentemente pouco compatíveis com a possibilidade de o Autor, nos dias em que efectivamente trabalhava, preparar e tomar as refeições em cosa; que lhe normalmente acarretariam menores dispêndios.
  Assim, compreende-se que nos dias em que efectivamente trabalhava, por ter de comer fora, o Autor viu-se obrigado a suportar maiores despesas nas refeições do que nos dias de folga.
  Com esse raciocínio, cremos que o subsídio de alimentação, acordado no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, de que é beneficiário, visa justamente para compensar ou aliviar o Autor das despesas para custear as refeições nos dias em que se tendo obrigado a colocar a sua força laboral ao dispor da Ré, lhe não era possível preparar e tomar refeições em casa.
  Assim sendo, é de proceder o recurso nesta parte e alterar a sentença recorrida em conformidade."
  Em face dos supra transcritos fundamentos, aliás doutos, tudo parecer fazer crer que a final ia, nesta parte, ser dado provimento ao Recurso apresentado pela ora Requerente, e em consequência alterar-se a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base determinando que o subsídio de alimentação apenas poderia ser devido nos dias em que o Autor era obrigado a colocar a sua força laboral ao dispor da Ré,
  Sendo que, na impossibilidade de determinar em que dias tal sucedeu, outra solução não restava que não fosse a de relegar a decisão para sede de liquidação e execução de sentença, como aliás havia já sido decidido em casos semelhantes ao dos presentes autos (cfr. Acórdãos do TSI proferidos no âmbito dos processos 417/2012, 376/2012,
  Sucede que,
  Ao arrepio do que se esperava, veio esse Venerando Tribunal a entender que,
  Tendo sido provado que o Autor descansou pelo menos por 6 vezes um período consecutivos de 24 horas no período compreendido entre 07FEV2001 e 6JUN2001, não andou bem o Tribunal a qua ao arbitrar o subsídio em todos os dias ao longo de toda a extensão temporal da relação de trabalho celebrada entre o Autor e a Ré e há que abater MOP$90,00 (MOP$15,00 x 6) da quantia de MOP$65.745,00, fixada pela primeira instância a título de compensações de subsídio de alimentação não pago e passar a condenar a Ré a pagar ao Autor a este título o valor de MOP$65.655,00." - negrito e sublinhados nossos.
  Ora, da decisão assim proferida resulta que esse Venerando Tribunal é do entendimento que, no presente caso, o subsídio de alimentação só é devido ao Autor nos dias em que tenha havido prestação efectiva de trabalho,
  Tendo afinal decidido descontar o pagamento de tal subsídio num período de 15 dias.
  Sucede que,
  Dos elementos carreados para os presentes autos, para além do período compreendido entre Fevereiro e Junho de 2001, não é possível aferir quais os dias em que o Autor trabalhou efectivamente para a Ré desde a data da sua admissão, ou seja 26 de Dezembro de 1994, até à data da cessão do vínculo laboral, ou seja 31 de Maio de 2008.
  Foi com este argumento que a ora Recorrente impugnou a decisão recorrida e, por forma a demonstrar que a mesma sofria do vício de violação de lei, e partindo dos parcos elementos que nesta matéria foram carreados para os autos, demonstrou que o raciocínio do Tribunal a quo não estava correcto já que, nomeadamente, no período compreendido entre Fevereiro e Junho de 2001, o Autor não trabalhou 6 dias,
  Não querendo com isso dizer que para além desses 6 dias em que nomeadamente não trabalhou não tenha também havido outros em que não tenha trabalhado,
  Sendo que, salvo devido respeito, a prova dos dias em que trabalhou competia a quem se arroga ao direito a auferir o aludido subsídio de alimentação, ou seja, ao Autor.
  Assim,
  Tendo V. Exas. sido do entendimento que o referido subsidio só é devido por conta dos dias de trabalho efectivamente prestados, cumpria, nesta parte, revogar integralmente a decisão do tribunal de primeira instância, face à inexistência de prova do número de dias de trabalho efectivamente prestados entre 26 de Dezembro de 1994 e 31 de Maio de 2008.
  Aliás, a decisão final proferida e ora em discussão é nesta matéria contraditória com os seus fundamentos porquanto entende, como se disse que o subsídio de alimentação só é devido nos dias de trabalho efectivamente prestados e por outro decide que "pelo menos" não trabalho durante 6 dias
  Ora,
  Para ser consentânea com o entendimento de que o subsídio de alimentação só é devido nos dias de trabalho efectivamente prestados, não bastava ter-se apurado que durante o período de 2 anos o Autor não trabalhou 6 dias e reduzir-se a condenação inicial no valor correspondente a tal período, quando a relação laboral em causa nos presentes autos durou mais de 13 anos.
  Afirmar-se que o Autor não trabalhou "pelo menos" durante 6 dias é admitir que pode não ter trabalhado em outros dias, para além dos referidos 15.
  Resulta por conseguinte contraditório que por um lado tenha esse Venerando Tribunal entendido que o subsídio de alimentação só seja devido por conta do trabalho efectivamente prestado, e por outro lado, sem se ter apurado quantos foram esses dias de trabalho efectivamente prestado pelo Autor, apenas seja reduzida a condenação da ora Recorrente no valor correspondente ao período de 6 dias em que o Autor não trabalhou num período de 5 meses, quando a relação laboral durou mais de 13 anos.
  A decisão proferida não está consentânea com as premissas.
  Assim, salvo devido respeito, que é muito, existe uma patente contradição entre os fundamentos e a decisão proferida no que respeita à questão do subsidio de alimentação em que a ora Recorrente foi condenada a pagar ao Autor,
  Contradição essa que inquina a referida decisão de nulidade e que importa ser expurgada.
  Nestes termos e nos demais de direito, requer a V. Exas. se dignem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 569º, n.º 2, 571º, n.º 1, al. c), aplicáveis ex vi do art, 633.º n.º 1, todos do CPC, apreciar e em conferência julgar procedente a nulidade arguida nos termos supra explanados, suprindo-a com as demais consequências da lei.

No Acórdão datado de 20SET2012, foi tecida, a propósito da questão do subsídio de alimentação, a seguinte fundamentação de direito:

Do subsídio de alimentação

A propósito desta questão, a Sentença ora recorrida decidiu atribuir o subsídio de alimentação em todos os dias da duração da relação de trabalho celebrada entre o Autor e a Ré.

O que na óptica da recorrente não é correcta.

Para a recorrente, o Autor só tem direito a receber o tal subsídio nos dias que efectivamente trabalhou, pois só a prestação efectiva do trabalho justifica o direito ao subsídio de alimentação.

Nota-se que, in casu, o “quando” é pago o subsídio de alimentação não foi objecto de estipulação quer no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, quer no contrato individual celebrado entre o Autor e a Ré, nem na lei vigente na constância de relação de trabalho em causa, para a qual o próprio contrato individual de trabalho remete.

Ou seja, na falta de disposições legais que impõem à entidade patronal a obrigação de pagar ao trabalhador o subsídio de alimentação, a sua regulação quer quanto à sua existência quer quanto aos termos em que é pago deve ser objecto da negociação entre as partes.

In casu, foi apenas estipulada a obrigação de pagar ao trabalhador um subsídio de alimentação no valor de MOP$15,00 por dia.

Desta maneira, temos de averiguar a natureza do tal subsídio.

Ora, inquestionavelmente o subsídio de alimentação não é retribuição do trabalho nem parte integrante dessa retribuição, dado que não é o preço do trabalho prestado pelo trabalhador.

Como foi dito supra, na falta de disposições expressas na lei, só há lugar ao pagamento do subsídio de alimentação se assim for estipulado entre o trabalhador e a entidade patronal.

Ficou provado que in casu foi estipulado no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. que o trabalhador tinha direito ao subsídio de alimentação no valor de MOP$15,00 por dia.

Mas ficamos sem saber se era devido enquanto relação de trabalho se mantinha ou apenas nos dias em que houve prestação efectiva de trabalho.

Não obstante o D. L. nº 24/89/M, vigente no momento dos factos dos presentes autos, não ser aplicável à contratação dos trabalhadores não residentes, por força do disposto no próprio artº 1º, por o Autor não ser trabalhador residente, o certo é que, como foi dito supra, por remissão expressa no ponto 10 do contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, o mesmo diploma é aplicável ao caso sub judice.

Assim, vamos tentar procurar a solução para a questão em apreço na mens legislatoris subjacente ao regime jurídico definido no citado D. L. nº 24/89/M.

Como se sabe, no âmbito desse diploma, existem prestações por parte da entidade patronal a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.

É o que se estabelece nos artº 17º, 19º e 21º do decreto-lei, nos termos dos quais é devido o salário nos dias de descansos semanal e anual e de feriados obrigatórios remunerados.

Isto é, é devido o salário a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.

Então urge saber se é também devido o subsídio de alimentação independentemente da prestação efectiva de trabalho.

E assim é preciso saber qual é a razão que levou ao legislador a obrigar a entidade patronal a pagar salário ao trabalhador mesmo nos dias de folga e averiguar se existe uma razão paralela justificativa da atribuição ao trabalhador do subsídio de alimentação nos dias em que não trabalha.

Face ao regime de descansos e feriados definido no decreto-lei, sabemos que a razão de ser de assegurar ao trabalhador o direito ao salário nesses dias de descanso é porque a legislador quis estabelecer, como o mínimo das condições de trabalho, o direito ao descanso sem perda de vencimento.

Ou seja, é o direito ao descanso que justifica o pagamento de salário nos dias de descanso e feriados.

Mas já nenhum direito, como mínimo das condições de trabalho ou a qualquer outro título, estabelecido na lei, a favor do trabalhador, tem a virtualidade de justificar o pagamento do subsídio de alimentação nos dias em que trabalha, muito menos nos dias em que não trabalha.

Assim, parece que nos não é possível resolver a questão no âmbito do D. L. nº 24/89/M e temos de virar a cabeça tentando encontrar a solução para o presente caso concreto tendo em conta as características do serviço que o Autor prestava.

Da matéria de facto provada resulta que o Autor exercia as funções de guarda de segurança, trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré e era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades.

Além disso, ficou também provado que a Ré recorreu muito frequentemente ao serviço em horas extraordinárias prestado pelo Autor, quase sempre quatro horas por dia.

As tais condições de trabalho, nomeadamente a mobilidade do local e horário de trabalho, a total disponibilidade do trabalhador assim como a grande frequência do recurso por parte da Ré ao serviço prestado em horas extraordinárias, mostram-se evidentemente pouco compatíveis com a possibilidade de o Autor, nos dias em que efectivamente trabalhava, preparar e tomar as refeições em casa, que lhe normalmente acarretariam menores dispêndios.

Assim, compreende-se que nos dias em que efectivamente trabalhava, por ter de comer fora, o Autor viu-se obrigado a suportar maiores despesas nas refeições do que nos dias de folga.

Com esse raciocínio, cremos que o subsídio de alimentação, acordado no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, de que é beneficiário, visa justamente para compensar ou aliviar o Autor das despesas para custear as refeições nos dias em que se tendo obrigado a colocar a sua força laboral ao dispor da Ré, lhe não era possível preparar e tomar refeições em casa.

Assim sendo, é de proceder o recurso nesta parte e alterar a sentença recorrida em conformidade.

Tendo sido provado que o Autor descansou pelo menos por 6 vezes um período consecutivos de 24 horas no período compreendido entre 07FEV2001 e 06JUN2001, não andou bem o Tribunal a quo ao arbitrar o subsídio em todos os dias ao longo de toda a extensão temporal da relação de trabalho celebrada entre o Autor e a Ré e há que abater MOP$90,00 (MOP$15,00 x 6) da quantia de MOP$65.745,00, fixada pela primeira instância a título de compensações de subsídio de alimentação não pago e passar a condenar a Ré a pagar ao Autor a este título apenas o valor de MOP$65.655,00

Ficou provada na primeira instância a seguinte matéria de facto, não impugnada pela recorrente, com base na qual foi tecida a fundamentação ora transcrita supra.

* A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (alínea A) dos factos assentes)
* A Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de guarda de segurança, supervisor de guarda de segurança, guarda sénior, entre outros. (alínea B) dos factos assentes)
* A Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os contratos de prestação de serviços: n.º 9/92, em 29 de Junho de 1992; n.º 6/93, em 1 de Março de 1993; n.º 2/94, em 3 de Janeiro de 1994; n.º 29/94, em 11 de Maio de 1994; n.º 45/94, em 27 de Dezembro de 1994. (alínea C) dos factos assentes)
* Esses contratos de prestação de serviços dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de recrutamento e cedência de trabalhadores; de despesas relativas à admissão dos trabalhadores; à remuneração dos trabalhadores; ao horário de trabalho e alojamento; aos deveres de assistência; aos deveres dos trabalhadores; às causas de cessação do contrato e repatriamento; a outras obrigações da Ré; à provisoriedade; ao repatriamento; ao prazo do contrato e às disposições finais, dos trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente cedidos à Ré. (alínea D) dos factos assentes)
* Ao abrigo de um desses contratos de prestação de serviços, o Autor foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré. (alínea E) dos factos assentes)
* A Ré apresentou juntou da entidade competente, maxime junto da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, copia dos referidos contratos de prestação de serviço, para efeitos de renovação da contratação de trabalhadores não residentes, entre os quais se inclui a do Autor. (alínea F) dos factos assentes)
* Entre 26 de Dezembro de 1994 e 31 de Maio de 2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”. (alínea G) dos factos assentes)
* Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alínea H) dos factos assentes)
* Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (alínea I) dos factos assentes)
* Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (alínea J) dos factos assentes)
* O contrato de trabalho entre a Ré e o Autor cessou em 31 de Maio de 2008, por iniciativa da Ré. (alínea K) dos factos assentes)
* O Autor foi convidado a assinar outros seis contratos individuais de trabalho. (alínea L) dos factos assentes)
* Os seis contratos de trabalho assinados entre o Autor e a Ré correspondem a uma renovação do primeiro contrato assinado com a Ré. (alínea M) dos factos assentes)
* Entre Janeiro de 1995 e Junho de 1997, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1.700,00 mensais. (alínea N) dos factos assentes)
* Entre Julho de 1997 e Março de 1998, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1.800,00 mensais. (alínea O) dos factos assentes)
* Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.000,00 mensais. (alínea P) dos factos assentes)
* Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.100,00 mensais. (alínea Q) dos factos assentes)
* Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.288,00 mensais. (alínea R) dos factos assentes)
* Para o período de 1 de Janeiro de 1995 a 30 Junho de 1997, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8,00 por hora. (alínea S) dos factos assentes)
* Para o período de Julho de 1997 a Junho de 1999, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9,30 por hora. (alínea T) dos factos assentes)
* Para o período de Julho de 1999 a Junho de 2002, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9,30 por hora. (alínea U) dos factos assentes)
* Para o período de Julho de 2002 a Dezembro de 2002, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10,00 por hora. (alínea V) dos factos assentes)
* Para o período de Janeiro de 2003 a Fevereiro de 2005, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,00 por hora. (alínea W) dos factos assentes)
* Para o período de Março de 2005 a Fevereiro de 2006, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,30 por hora. (alínea X) dos factos assentes)
* Para o período de Março de 2006 a Dezembro de 2006, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,50 por hora. (alínea Y) dos factos assentes)
* A autorização para a contratação de trabalhadores não residentes está condicionada à apresentação prévia de um contrato de prestação de serviços celebrado entre a entidade interessada e a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente. (alínea Z) dos factos assentes)
* O contrato de prestação de serviços celebrado entre a entidade interessada e a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente é sempre remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho (hoje, DSAL) para efeitos de verificação e aprovação de certos requisitos tidos como mínimos exigíveis para o efeito. (alínea A1) dos factos assentes)
* A entidade interessada na contratação de trabalhadores não residentes tem que contratar os trabalhadores não residentes em conformidade com as condições mínimas constantes do contrato de prestação de serviços celebrado com uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente. (alínea A2) dos factos assentes)
* Desde 1992, o concreto conteúdo dos contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes sempre foram objecto de apreciação fiscalização e aprovação por parte da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego. (resposta ao quesito da 4º da base instrutória)
* Aquando do início da prestação de trabalho do Autor para a Ré, esta apresentou àquele um contrato individual de trabalho cujo conteúdo foi integral e previamente preparado pela Ré e posteriormente assinado pelo Autor. (resposta ao quesito da 5º da base instrutória)
* Durante todo o tempo que durou a relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca a Ré facultou ao Autor uma cópia dos contratos de prestação de serviço. (resposta ao quesito da 6º da base instrutória)
* O Autor só teve conhecimento do conteúdo de um dos contratos de prestação de serviços assinados entre a Ré e Sociedade de Apoio às Empresas de Macau já depois de cessada a relação de trabalho com a Ré, mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, facultada a pedido do Autor em 2008. (resposta ao quesito da 7º da base instrutória)
* Conforme os contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes, os trabalhadores não residentes aos serviços da Ré, incluindo o Autor, teriam o direito a auferir, no mínimo, a quantia de MOP$90,00 por dia, por 8 horas de trabalho diárias, o que perfaz a quantia de MOP$2.700,00 por mês. (resposta ao quesito da 8º da base instrutória)
* Nem sempre o montante do salário constante dos contratos individuais de trabalho assinados entre a Ré e o Autor correspondem aos valores efectivamente pagos ao Autor pela Ré a título de salário. (resposta ao quesito da 9º da base instrutória)
* Entre 1 de Janeiro de 1995 e 30 de Junho de 1997, o Autor fez 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (resposta ao quesito da 10º da base instrutória)
* Entre Julho de 1997 e Junho de 1999, o Autor fez 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (resposta ao quesito da 11º da base instrutória)
* Entre Julho de 1999 e 30 de Junho de 2002, o Autor fez 4.347 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 12º da base instrutória)
* Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002, o Autor fez 446,75 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 13º da base instrutória)
* Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005, o Autor fez 2.462 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 14º da base instrutória)
* Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, o Autor fez 1.377,50 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 15º da base instrutória)
* Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, o Autor fez 2.480,50 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 16º da base instrutória)
* Conforme os contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes, os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, incluindo o Autor, teriam, o direito a auferir a quantia de MOP$15,00 diárias, a título de subsídio de alimentação. (resposta ao quesito da 17º da base instrutória)
* Nunca a Ré entregou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (resposta ao quesito da 18º da base instrutória)
* Conforme os contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes, os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, incluindo o Autor, teriam, o direito a auferir um subsídio mensal de efectividade, de montante igual ao salário de quatro dias, sempre que no mês anterior não tivesse dado qualquer falta ao serviço. (resposta ao quesito da 19º da base instrutória)
* Nunca o Autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho. (resposta ao quesito da 20º da base instrutória)
* Nunca a Ré atribuiu ao Autor qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade. (resposta ao quesito da 21º da base instrutória)
* Entre 7 de Fevereiro de 2001 e 6 de Junho de 2001, o Autor somente por 6 vezes descansou um período consecutivo de 24 horas em cada período de 7 dias sem perda do respectivo rendimento. (resposta ao quesito da 22º da base instrutória)
* Sem que a Ré tivesse proporcionado qualquer acréscimo no salário do Autor. (resposta ao quesito da 23º da base instrutória)

Passemos então a apreciar.

Dispõe o artº 571º/1-c) do CPC que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

Verifica-se este vício gerador da nulidade quando os fundamentos invocados pelo juiz conduzem logicamente não resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto – Alberto dos Reis, in CPC anotado, vol. V, 141.

Na óptica da recorrente GUARDFORCE, para além do período compreendido entre Fevereiro e Junho de 2001, não é possível aferir quais os dias em que o Autor trabalhou efectivamente para a Ré desde a data da sua admissão, ou seja, 26DEZ1994, até à data da cessação do vínculo laboral, ou seja, 31MAIO2008.

Assim, se decidir que o subsídio de alimentação só é devido nos dias em que efectivamente trabalha, não pode este TSI reduzir apenas a condenação da primeira instância no valor correspondente ao período de 6 dias em que o Autor não trabalhou num período de 5 meses, quando a relação laboral durou mais de 13 anos.

Não tem razão a recorrente GUARDFORCE.

E só teria razão se ficasse provado nos autos que o Autor tinha direito ao descanso e efectivamente gozou regularmente o tal descanso.

Ora, a matéria de facto provada na primeira instância demonstra que entre 26DEZ1994 e 31MAIO2008, o Autor esteve ininterruptamente ao serviço da Ré, exercendo as funções de guarda de segurança, sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré e era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades.

Todavia, nenhuma parte da matéria de facto provada demonstra que o Autor, enquanto trabalhador ao serviço da Ré, gozou regularmente alguns dias de descanso, qualquer que seja o seu título, à excepção daqueles seis dias, localizados no período compreendido entre 07FEV2001 e 06JUN2001, em que o Autor efectivamente descansou.

Além disso, o facto de existir o número elevadíssimo das horas extraordinárias ao longo da toda a extensão temporal da relação de trabalho entre o Autor e a Ré reforça a nossa interpretação de que, à excepção daquele curto período, o Autor, voluntariamente ou não, prestou efectivamente serviço em todos os dias durante toda a extensão temporal da relação de trabalho celebrada com a Ré.

Foi com base na tal matéria de facto, assim interpretada na sua globalidade, que este Colectivo decidiu reduzir apenas a condenação da primeira instância no valor correspondente ao período de 6 dias em que o Autor comprovadamente não trabalhou.

E foi este raciocínio que sustentou o resultado expresso na decisão do Acórdão, e não se vê como é quê poderá conduzir a um resultado oposto ao da decisão por nós tomada no Acórdão, tal como preconiza a recorrente.

Improcede assim a arguição de nulidade.

Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o requerimento da arguição de nulidade formulado pela recorrente GUARDFORCE (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada.

Custas do incidente pela Arguente, com taxa de justiça fixada em 6 UC.

Registe e notifique.

RAEM, 10JAN2013
Lai Kin Hong

Choi Mou Pan

João A. G. Gil de Oliveira
Ac. 397/2012-A-1