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Processo nº 907/2012
Data do Acórdão: 17JAN2013


Assuntos:

Carta rogatória
Inquirição de testemunhas
Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial, concluída na Haia em 18MAR1970
Tradução de documento


SUMÁRIO

Para levar a cabo a audição de uma pessoa residente num Estado estrangeiro, o meio idóneo a que se deve recorrer é a carta rogatória a que se alude o artº 1º da Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial, concluída na Haia em 18MAR1970, desde que o Estado requerido seja um dos Estados contratantes da Convenção.


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 907/2012


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito da instrução dos autos de averiguação da paternidade, registados com o nº CV3-11-0051-MPS, conduzida pelo Ministério Público com vista a apurar a viabilidade da acção de investigação de paternidade do menor A, foram pelo Ministério Público, após a tomada das declarações à mãe do menor, promovidas a expedição da carta rogatória às autoridades competentes nos Estados Unidos da América para a audição do indigitado progenitor e a tradução do auto das declarações prestadas pela mãe do menor.

Promoções essas que não foram indeferidas pela Exmª Juiz titular do processo com fundamentos constantes no seguinte despacho:
  Nos presentes autos, o Digno Delegado do MºPo vem pedir a expedição da carta rogatória aos Estados Unídos de América para audição do pai biológico do menor, identificando conforme as declarações e informações prestadas pela mãe biológica.
  Prevê-se o art.º 126.° o seguinte:
  “1. Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau ou de acordo no domínio da cooperação judiciária, emprega-se a carta rogatória quando se solicite a prática de actos processuais que exijam intervenção de tribunais ou outras autoridades do exterior de Macau.
  … … …
  3. A solicitação de informações, de envio de documentos ou da realização de actos que não exijam, pela sua natureza, intervenção dos serviços judiciais é feita directamente às entidades públicas ou privadas, cuja colaboração se requer, por ofício ou outro meio de comunicação.
  … … …”
  Dado que não se indica inequivocamente a internvenção dos tribunais ou outras autoridades do exterior de Macau para obter as respectivas declarações do pai identificado, não se vê a necessidade de se empregar a carta rogatória para satisfazer o requerimento.
  Acresce que os E.U.A. são o membro efectivo da «Convenção relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro de Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial», concluída na Haia, em 15 de Novembro de 1965 (cuja aplicação continua-se na R.A.E.M. através do Aviso do Chefe do Executivo n.º 41/2002 promulgado cm 24 de Maio e publicado em 5 de Junho de 2002) onde se lê no art.º 10.º o seguinte:
  “Provided the State of destination does not object, the present Convention shall not interfere with -
a) the freedom to send judicial documents, by postal channels, directly to persons abroad,
b) the freedom of judicial officers, officials or other competent persons of the State of origin to effect service of judicial documents directly through the judicial officers, officials or other competent persons of the State of destination,
c) the freedom of any person interested in a judicial proceeding to effect service of judicial documents directly through the judicial officers, officials or other competent persons of the State of destination.
  Se o Estado destinatário nada declarar, a presente Convenção não obsta:
a) Á faculdade de remeter directamente, por via postal, actos judicias às pessoas que se encontrem no estrangeiro;
b) À faculdade de os ofíciais de justiça, funcionários ou outras pessoas competentes do Estado de origem promoverem as citações e as notificações de actos judiciais directamente por diligência dos oficiais de justiça, funcionários ou outras pessoas competentes do Estado de destino;
c) À faculdade de os interessados num processo promoverem as citações e as notificações de actos judiciais directamente por diligência dos oficiais de justiça, funcionários ou outras pessoas competentes do Estado de destino. "
  Considerando que os E.U.A. não faz qualquer reserva expressa sobre a aplicação da alínea a) do art.º 10.º da Convenção, salvo o respeito pela opinião diversa, crê-se que é viável proceder a notificação do pai através dos correios.
  Em último, por falta de recursos humanos na área de tradução deste Tribunal, não é possível fornecer as traduções solicitadas, pelo que vai indeferido o pedido.

Notificado do despacho, veio o Ilustre Representante do Ministério Público pedir o esclarecimento nos termos seguintes:

Exm.º Sr. Dr. Juiz

O Delegado do Procurador junto deste Juízo, notificado do despacho de fls. 23, proferido no processo supra identificado – averiguação oficiosa de paternidade – vem, relativamente ao mesmo, solicitar esclarecimento, o qual faz nos termos de art.º 572º C.P.C.
*
Os processos de averiguação oficiosa de paternidade ou maternidade, são processos judiciais com a particularidade de serem instruídos pelo Ministério Público.

No âmbito das competências que lhe estão atribuídas pelo art.º 101º do DL 65/99/M, o signatário (tal como sempre fez ao longo da sua vida profissional) promoveu a Vexa a expedição de carta rogatória, a expedir às justiças dos E.U.A., a fim de ser ouvido em declarações (e eventual perfilhação) o indigitado progenitor, que residirá e será cidadão daquele País.

Dúvidas não existem que a expedição da carta rogatória é a forma processual adequada para a “prática de actos processuais” que exijam a intervenção de Tribunais ou outras entidades exteriores a Macau (art.º 126º CPC).

De igual modo, dúvidas também não persistem quanto ao facto de a sua expedição dever ser feita nos termos de Convenção de Haia de 1970, sobre a obtenção de Prova no Estrangeiro em matéria Civil ou Comercial.

Na promoção, não foi feita qualquer menção àquela convenção, por não se achar necessário, já que, nem o MP é o autor dos autos, quer porque tal é do conhecimento oficioso.
Mas se para pedir a sua expedição entendem que não é essencial a sua menção, o mesmo já não ocorrerá aquando da sua expedição.

Vexa de modo algo inesperado, indeferiu esta diligência, referindo que na promoção não foi indicado inequivocamente a intervenção dos tribunais para obter as respectivas declarações de pai indigitado.
E acrescenta ainda Vexa que os E.U.A. são signatários da convenção relativa à citação e à notificação no estrangeiro dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial, de Haia de 15 de Novembro de 1965 pelo que conclui ser viável “proceder à notificação do pai através dos correios”.

Com o devido respeito, o signatário está ciente de que existem estes dois instrumentos internacionais e que os E.U.A. (tal como Macau) são signatários de ambos.

Mas são instrumentos distintos e com finalidades diversas.
A diligência que se pretende realizar e que é fundamental para a instrução dos autos – é a audição do indigitado por não se pretende sua mera citação.

Tratando-se de uma diligência de produção de prova, a carta rogatória que deverá ser expedida, devê-lo-á ser ao abrigo da Convenção de Haia de 1970 e não da outra citada, a qual se destina tão só, a dar conhecimento aos interessados da pendência de sua acção.

No caso vertente, o que se pretende, é muito mais que uma simples citação. Pretende-se a tomada de declarações do eventual pai do menor, com eventual perfilhação do mesmo, com o preenchimento de formulário que seria fornecido, caso a promoção não tivesse sido indeferida.

Com o devido respeito, afigura-se-nos pouco claro o despacho de Vexa, que se pronuncia acerca de algo que não foi proferido e que não terá interesse para a instrução.
Por outro lado, não se pronuncia acerca de diligência requerida.

Ao invés de interpor recurso, optamos por este pedido de esclarecimento a Vexa já que, com todo o respeito, entendemos ser obscuro o douto despacho em causa.

Por despacho da Exmª Juiz titular do processo, foi decidido o pedido de esclarecimento nos termos seguintes:
  Visto.
  O Digno Delegado do MºPº vem requerer a aclaração do despacho proferido na fl. 23 a 23v, ao abrigo do art.º 572.° do C.P.C.
  Bem analisado o exposto no requerimento, não nos parece que o teor da decisão viciou-se de obscuridade ou ambiguidade.
  Conforme a promoção do Digno Delegado do MºPº a fls. 20 dos autos, requereu-se a expedição da carta rogatória aos Estados Unídos de América para audição do eventual pai biológico do menor, bem como o envio do auto de declarações da mãe junto do MºPº, pedindo ainda a elaboração da tradução respectiva.
  Foi apenas no presente requerimento de aclaração explicado a finalidade da audição do pai e .envio do auto de declarações da mãe, com objectivo de obter eventual declaração da perfilhação junto dos tribunais ou entidades de autoridade do E.U.A.
  Portanto, determinou-se a desnecessidade de se empregar a carta rogatória por não se indica inequivocamente a internvençào dos tribunais ou outras autoridades do exterior de Macau para obter as respectivas declarações do pai identificado.
  Considerou-se ainda a viabilidade de notificar o pai através dos correios (no entendimento de proceder a mera notificaçào ao pai), conforme o estipulado na «Convenção relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro e Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial», concluída na Haia, em 15 de Novembro de 1965.
  Indeferiu-se o pedido de fornecer a tradução por falta de recursos humanos na área de tradução deste Tribunal.
  Portanto, não se apura alguma obscuridade ou ambiguidade no meu despacho a fl. 23 e 23v, visto que o Digno Delegado do MºPº ficou consciente a se saber os seus pedidos não foram atendidos.
  O Tribunal, por força do artigo 104.º do D.L. nº. 65/99/M e artigo 1717.° do C.C.M., tem as suas atribuições de proceder e ordenar diligências a fim de facilitar a instrução e obter informações necessárias para chegar uma decisão ponderada de viabilidade da acção da investigação, sem prejuízo da competência do MºPº como autor de instrução ao abrigo do artigo 101.º do mesmo D.L.
  No nosso modesto entendimento, salvo respeito pela melhor opinião sobre a mesma questão, não se pode ordenar o envio da carta rogatória sem saber concretamente a sua finalidade, a autoridade requerida e as perguntas a fazer às pessoas a ouvir ou os factos sobre os quais elas devem ser ouvidas.
  E por respeito pelo desempenho de funções do autor de instrução nos presentes autos, não é adequado nem justificado pela intervenção do Tribunal para proceder a respectiva diligência de instrução, sob a promoção pura de audição do pai através da carta rogatória ao E.U.A.
  Por razões acima referidas e consideradas em conjunto, o pedido do envio da carta rogatória foi rejeitado.

Notificado do despacho que decidiu o requerido esclarecimento e inconformado com a decisão negativa das suas promoções acerca da expedição da carta rogatória e da tradução do auto das declarações, veio o Ilustre Representante do Ministério Público interpor recurso do decidido, concluindo e pedindo que:

  Atrevemo-nos, contudo, ainda afirmar que se dúvidas subsistiam à Mma Juiz, preferível teria sido contactar directamente com o ora recorrente. Deste modo, penso que se teria afastado qualquer hesitação que ainda pairasse no espirito da Mma Juiz quanto á necessidade e modo de realização da diligencia promovida.
  E mais importante, o processo não teria sido "inundado de incidentes anómalos" que, por se prolongarem no tempo, poderão impedir o eventual sucesso da instrução.
  Neste momento com a recusa de realizarão da diligencia que se impõe, está de facto o Ministério Publico, instrutor do processo, impedido de prosseguir as suas funções, o que conduzirá, inevitavelmente, ao insucesso da averiguação.
  Em suma, estes os argumentos pelos qucis entendemos que não assiste qualquer razão ao douto despacho recorrido, afigurando-se-nos imperiosa a emissão da Carta Rogatória.
  À laia de conclusão diremos:
  1 - O processo de averiguação oficiosa de paternidade é um processo atípico, que sendo um verdadeiro processo judicial, é instruído pelo Ministério Público (art 101 DL 65/99/M de 25 de Outubro).
  2 - Tem ainda como característica ser um processo oficioso que se destina a recolha de elementos que permitam (ou não) posteriormente, apurar da viabilidade da a propositura futura de uma verdadeira acção judicial de investigação de paternidade.
  3 - No exercício das suas atribuições funcionais, o MP tem o dever de ouvir em declarações, em primeiro lugar, a mãe do menor, pessoa que está melhor colocada para indicar quem é o progenitor do seu filho.
  4 - Sendo obrigatória a audição do indigitado pai (art.o 1717CCM) .
  5 - Residindo este no estrangeiro e sendo a sua morada conhecida, é imperiosa sua audição.
  6 - A única forma de se atingir tal desiderato, é através de Carta Rogatória.
  7- A expedir de acordo com a Convenção de Haia sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial.
  8 - Não tendo qualquer aplicação ao caso, a Convenção relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro de actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial, concluído em Haia, em 15 de Novembro de 1965.
  9 - É obrigatória a tradução da carta rogatória para a língua da entidade requerida, não estando a entidade rogante desonerada de cumprir a lei "por falta de recursos humanos.
  10 - A carta rogatória tem como finalidade confrontar o indigitado pai com as declarações da mãe do menor, permitindo-lhe, não só exercer o contraditório como também, porventura perfilha-lo.
  11 - Ao recusar a realização da diligência promovida, o douto despacho violou o disposto nos 101 DL 65/99/M, art.º 126 CPCM e art. 1717 CCM.
  Pelo exposto, revogando o douto despacho recorrido e substituindo-o por outro que autorize a emissão de carta rogatória a expedir às justiças dos EUA, para audição do indigitado pai, será feita
JUSTIÇA

A Exmª Juiz a quo sustentou a sua decisão ora recorrida.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Assim, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:

1. Da idoneidade da carta rogatória; e

2. Da promovida tradução do auto das declarações da mãe.

Passemos então a apreciá-las.

1. Da idoneidade da carta rogatória

Nos termos do disposto no artº 1717º/2 do CC, se, na audição da mãe no âmbito da instrução com vista ao apuramento da viabilidade da acção de investigação da paternidade, a mãe indicar quem é o pai, será este ouvido.

In casu, a mãe declarou perante o Ministério Público que o pai do menor é um cidadão dos Estados Unidos da América e actualmente se encontra a residir e trabalhar nos Estados Unidos da América.

Portanto, após a tomada das declarações à mãe do menor, o Ministério Público avançou com a seguinte promoção:

Conclua à Mmª Juiz, a quem se promove a expedição da carta rogatória, às justiças dos Estados Unidos da América, para audição do indigitado progenitor.

Promoção essa que foi indeferida porque a Exmª Juiz a quo entende que “dado que não se indica inequivocamente a intervenção dos tribunais ou outras autoridades do exterior de Macau para obter as respectivas declarações do pai identificado, não se vê a necessidade de se empregar a carta rogatória para satisfazer o requerimento”, insinuando que a notificação do indigitado pai pode ser feita através do correio ao abrigo da Convenção relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro de Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Cívil e Comercial, concluída na Haia, em 15NOV1965, aplicável na RAEM por força da notificação feita pela República Popular da China sobre a continuação da sua aplicação na Região Administrativa Especial de Macau, publicada no B.O. 23/2002 de 05JUN2002 mediante o Aviso do Chefe do Executivo n.º 41/2002.

Alega o Ministério Público, ora recorrente, que só existe uma forma para a audição do indigitado pai, que é justamente a expedição da carta rogatória ao abrigo da Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial, concluída na Haia em 18MAR1970, uma vez que, não se destinando à mera citação ou notificação no estrangeiro de actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial, a diligência promovida visa à obtenção de provas no estrangeiro, objecto da regulação daquela convenção de Haia de 1970.

Ora, por força da notificação feita pela República Popular da China sobre a continuação da sua aplicação na Região Administrativa Especial de Macau, publicada no B.O. 23/2002 de 05JUN2002 mediante o Aviso do Chefe do Executivo n.º 42/2002, a Convenção relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro de Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Cívil e Comercial, concluída na Haia, em 15NOV1965, vigora na RAEM.

Diz o artº 1º dessa convenção que “a presente Convenção é aplicável, em matéria civil ou comercial, a todos os casos em que um acto judicial ou extrajudicial deva ser transmitido a país estrangeiro para aí ser objecto de citação ou notificação.”.

In casu, o Ministério Público promove a audição do indigitado pai que se encontra a residir nos Estados Unidos da América.

Sendo audição que é, naturalmente é mais do que a simples transmissão de um acto judicial ou extrajudicial e deve integrar no conceito de actos de instrução, que como se sabe, são actos ou meios instrumentais necessários à decisão final – cf. João de Castro Mendes, Do conceito de Prova em Processo Civil, 1961, pág. 222.

Assim sendo, para levar a cabo a audição de uma pessoa residente no estrangeiro, o meio idóneo a que se deve recorrer é a carta rogatória a que se alude o artº 1º da Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial, concluída na Haia em 18MAR1970, à luz do qual “em matéria civil ou comercial, a autoridade judiciária de um Estado contratante pode, de harmonia com as disposições da sua legislação, requerer por carta rogatória à autoridade competente de um outro Estado contratante a prática de qualquer acto de instrução ou de quaisquer outros actos judiciários.”.

Tratando-se a carta rogatória de um meio idóneo para realização da audição do indigitado pai, a promoção do Ministério Público não pode ser indeferida com fundamento na não indicação inequívoca da intervenção dos tribunais ou outras autoridades do exterior de Macau.

Por outro lado, a Exmª Juiz a quo acrescentou no despacho que decidiu o pedido de esclarecimento formulado pelo Ministério Público que não se pode ordenar o envio da carta rogatória sem saber concretamente a sua finalidade, autoridade requerida e as perguntas a fazer às pessoas a ouvir ou os factos sobre os quais elas devem ser ouvidas.

Ora, quanto à finalidade, podemos dizer que considerando a natureza e a finalidade da instrução de um processo de averiguação oficiosa para a investigação da paternidade, dúvidas não temos de que a quê finalidade se destina a diligência promovida.

Obviamente destina-se à obtenção de provas necessárias ao apuramento da viabilidade da propositura de uma acção de investigação da paternidade – artº 1717º/5 do CC e artº 103º do Decreto-Lei nº 65/99/M.

Não pode portanto a falta da indicação da finalidade servir-se de fundamento para o indeferimento da diligência promovida.

Quanto à não indicação da autoridade requerida, das perguntas a fazer às pessoas a ouvir ou dos factos sobre os quais elas devem ser ouvidas, temos de dizer que essas omissões não devem constituir fundamento suficiente para o indeferimento da diligência promovida, dada a sua natureza sempre suprível ou apurável.

Diz o parágrafo 1º do artº 2º, da Convenção de 1970 que “cada Estado contratante designará uma autoridade central que assuma o encargo de receber as cartas rogatórias emanadas de uma autoridade judiciária de outro Estado contratante e de as transmitir à autoridade competente para execução. A autoridade central será organizada em conformidade com a lei do Estado requerido.”.

Hoje em dia, dada a altíssima facilidade do acesso à internet, a obtenção das informações de que necessitamos já se torna cada vez menos difícil.

O mesmo sucede com a tentativa de identificar a autoridade central designada pelos Estados Unidos da América para os efeitos previstos no citado artigo 2º da Convenção de 1970.

Assim, basta visitar nomeadamente a website da Hague Conference on Private International Law (HCCH) em http://www.hcch.net , já se apura que a autoridade central designada nos Estados Unidos da América é a entidade seguinte:

U.S. Department of Justice
Civil Division
Office of International Judicial Assistance
1100 L Street N.W.
Room 11006
Washington, D.C. 20530
United States of America

Portanto, de duas uma, ou procurar apurar oficiosamente qual é a entidade competente designada para o efeitos pelos Estados Unidos da América, ou convidar o Ministério Público, enquanto “Senhor” da instrução necessária à emissão de um parecer sobre viabilidade da acção de investigação de paternidade, para suprir essa omissão.

O certo é que não deve a Exmª Juiz a quo justificar a recusa pela simples circunstância de não saber qual é a autoridade central no Estado requerido.

Todavia, o mesmo já não sucede com a omissão, na promoção, das perguntas a fazer às pessoas a ouvir ou os factos sobre os quais elas devem ser ouvidas.

De acordo com o estatuído nos artºs 101º e 103º do Decreto-Lei nº 65/99/M, é ao Ministério Público que compete a instrução dos processos de averiguação oficiosa para investigação da maternidade e da paternidade e finda a instrução emitir parecer sobre a viabilidade da acção de investigação de maternidade ou de paternidade.

Tal como foi dito supra, sendo o Ministério Público o “Senhor” da instrução necessária à emissão de um parecer sobre viabilidade da acção de investigação de paternidade, naturalmente a ele cabe indicar as perguntas a fazer às pessoas a ouvir ou os factos sobre os quais elas devem ser ouvidas.

Ao redigir a sua promoção com os simples dizeres “conclua à Mmª Juiz, a quem se promove a expedição da carta rogatória, às justiças dos Estados Unidos da América, para audição do indigitado progenitor.”, que evidenciam a omissão do conteúdo estritamente indispensável para a realização da diligência, o Ministério Público merece um convite para aperfeiçoamento por forma a suprir as omissões, nomeadamente a indicação das perguntas a fazer ao indigitado progenitor e dos factos sobre os quais ele deve ser ouvido.

De qualquer maneira, não merece logo o indeferimento a tal promoção, apesar de nos se afigurar demasiado simples, senão deficiente.

Portanto, é de revogar a decisão recorrida na parte que indeferiu a expedição da carta rogatória e determinar que seja deferida pelo Tribunal a quo a promoção pelo Ministério Público para a audição do indigitado pai do menor, caso o Ministério Público venha a suprir a deficiência da promoção nos termos a ordenar pelo Tribunal a quo por forma a tornar o teor da promoção estritamente necessário para a realização da pretendida audição.

2. Da promovida tradução do auto das declarações da mãe

O Ministério Público promove a tradução do auto das declarações prestadas pela mãe do menor, redigidas em português.

Com fundamento na falta de recursos humanos na área de tradução do tribunal e na consequente impossibilidade de fornecer as traduções solicitadas, foi a tal promoção indeferida.

Alega o Ministério Público no ponto 9 das conclusões do recurso que “é obrigatória a tradução da carta rogatória para a língua da entidade requerida, não estando a entidade rogante desonerada de cumprir a lei por “falta de recursos humanos”.

Vejamos então quem tem razão.

Nada diz o Ministério Público sobre quê língua de chegada para que pretende ver traduzido o auto das declarações da mãe do menor.

Somente pelo contexto das coisas, cremos que a língua de chegada da tradução deve ser a língua inglesa que, como se sabe, é língua oficial dos Estados Unidos da América.

A propósito da língua veicular a usar na expedição da carta rogatória, reza o artº 4º da Convenção de 1970 que:

A carta rogatória deverá ser redigida na língua da autoridade requerida ou acompanhada de uma tradução para essa língua.
Contudo, os Estados contratantes deverão aceitar as cartas rogatórias redigidas em francês ou inglês, ou acompanhadas de uma tradução para uma dessas línguas, a não ser que tenham feito a reserva permitida pelo artigo 33.º

Os Estados contratantes que tenham mais do que uma língua oficial e não possam, por razões de direito interno, aceitar cartas rogatórias numa dessas línguas para a totalidade do seu território especificarão, por meio de uma declaração, a língua a qual as cartas ou as suas traduções deverão ser redigidas para execução em determinadas partes do seu território. Em caso de inobservância, sem motivos justificáveis, da obrigação decorrente daquela declaração, as custas da tradução para a língua exigida ficarão a cargo do Estado requerente.

Os Estados contratantes poderão, por meio de declaração, especificar outra língua ou outras línguas, diferentes das previstas nas alíneas precedentes, nas quais as cartas rogatórias possam ser dirigidas à sua autoridade central.

As traduções anexas às cartas rogatórias serão certificadas como conformes, quer por agente diplomático ou consular, quer por tradutor ajuramentado ou por pessoa para o efeito autorizada num dos dois Estados.

Ora, se é certo que, nos termos prescritos nesse artº 4º da convenção, a carta rogatória deverá ser redigida na língua da autoridade requerida ou acompanhada de uma tradução para essa língua, não é menos verdade que o tal preceituado só deve ser interpretado no sentido de que é ao Estado contratante requerente que cabe assegurar a tradução dos elementos para a língua oficial do Estado contratante requerido e nunca no sentido de definir a distribuição dessa tarefa de tradução, entre as várias entidades judiciárias, dentro da ordem interna de cada um dos Estados contratantes, que por força da lei interna, intervêm na preparação e na expedição da carta rogatória.

É verdade que face à lei interna da RAEM as cartas rogatórias são em regra assinadas pelo juiz ou relator e expedidas pela secretaria do tribunal.

Todavia, como a diligência em causa, isto é, a audição de um cidadão norte-americano nos Estados Unidos da América, se integra na instrução que por força do estatuído no artº 101º do Decreto-Lei Nº 65/99/M cabe ao Ministério, a intervenção do tribunal na expedição da carta rogatória não é mais do que um papel de “correio”.

Sendo dominus da instrução necessária à emissão de um parecer sobre viabilidade da acção de investigação de paternidade, o Ministério Público deve assegurar pelos seus meios próprios o cumprimento do estatuído no artº 101º do Decreto-Lei Nº 65/99/M.

E dada a particularidade do caso em apreço, deve caber ao Ministério Público a tradução dos elementos nos termos impostos pelo citado artº 4º da Convenção de Haia de 1970, pois na última análise, a pretendida audição do indigitado pai por via da carta rogatória visa justamente cumprir o dever legalmente incumbido ao Ministério Público.

Assim, apesar de a carta rogatória ser assinada pelo juiz e expedida pela secretaria do tribunal, a sua preparação não deixa de ser da responsabilidade do Ministério Público.

Portanto, é de manter a decisão recorrida na parte que indeferiu a requerida tradução, com fundamentos ora por nós expostos.

Tudo visto resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam:

* Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público;

* Revogar a decisão recorrida na parte que indeferiu a expedição da carta rogatória;

* Determinar que seja deferida pelo Tribunal a quo a promoção pelo Ministério Público datada de 12MAR2012, para a audição do indigitado pai do menor, caso o Ministério Público venha a suprir a promoção nos termos a ordenar pelo Tribunal a quo por forma a tornar o teor da promoção estritamente necessário para a realização da pretendida audição; e

* Manter a decisão recorrida na parte que indeferiu a tradução promovida, com fundamentação diversa, nos termos acima consignados.

Sem custas por isenção subjectiva do Ministério Público – artº 2º/1-c) do RCT.

Registe e notifique.

RAEM, 17JAN2013

Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira