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Processo nº 657/2012 Data: 27.09.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “emprego ilegal”.
Declarações para memória futura.
Erro notório na apreciação da prova.



SUMÁRIO

1. Nada impede que as declarações para memória futura sejam tomadas, ainda que não tenha havido arguido constituído, desde que verificados os pressupostos previstos no n.° 1 do art. 253°.
A lei não restringe a leitura das declarações para memória futura àquelas em que o arguido esteve presente ou lhe foi dada a oportunidade de estar presente, sendo também que o contraditório sempre pode ser assegurado na audiência de julgamento, com a vantagem, para o arguido, de previamente poder conhecer o teor das declarações prestadas para memória futura.

2. Inexiste erro notório, se o Tribunal se limitou a apreciar a prova em conformidade com o art. 114° do C.P.P.M., sem violar nenhuma regra sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência ou legis artis.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 657/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. decidiu-se condenar A, com os sinais dos autos, como autor de 1 crime de “emprego ilegal”, p. e p. pelo art. 16°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses; (cfr., fls. 161-v a 162).

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Inconformado com o assim decidido, o arguido recorreu, imputando, em síntese, à decisão recorrida, o vício de “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 170 a 178-v).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela integral confirmação da decisão recorrida; (cfr., fls. 181 a 183).

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Admitido o recurso, foram os autos remetidos a este T.S.I., neles subindo com outro recurso pelo arguido antes interposto; (cfr., fls. 149 a 155-v).

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Em sede de vista, e em douto Parecer, opina o Ilustre Procurador Adjunto que os recursos não merecem provimento; (cfr., fls. 192 a 194).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Dois são os recursos trazidos à apreciação deste T.S.I..

–– Começa-se pelo “recurso interlocutório”.

Este recurso tem como objecto um despacho pelo Mmo Juiz do T.J.B. proferido em audiência de julgamento e que ordenou a leitura das “declarações para memória futura” prestadas por B, testemunha, e que consta a fls. 16 dos autos; (cfr., fls. 126-v a 127).

E, em essência, diz o arguido, que não se podia proceder à dita leitura, pois que sobre as mesmas não teve oportunidade de exercer o seu direito de defesa assim como o contraditório, tendo-se violado os art. 76°, 79°, 289° e 50°, n.° 1, al. a) do C.P.P.M.; (cfr., fls. 149 a 155-v).

Não se mostra de acolher o assim entendido.

Nos termos do art. 253° do C.P.P.M.:

“1. Em caso de doença grave, de deslocação para o exterior ou de falta de autorização de residência em Macau, de uma testemunha, que previsivelmente a impeça de ser ouvida em julgamento, o juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou da parte civil, pode proceder à sua inquirição no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.

2. Ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente e da parte civil são comunicados o dia, hora e local da prestação do depoimento, para que possam estar presentes se o desejarem.

3. A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida as pessoas referidas no número anterior solicitar ao juiz a formulação de perguntas adicionais e podendo ele autorizar que sejam aquelas mesmas a fazê-las.

4. O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a declarações do assistente, da parte civil e de perito e a acareações.

5. O conteúdo das declarações é reduzido a auto, sendo aquelas reproduzidas integralmente ou por súmula, conforme o juiz determinar, tendo em atenção os meios disponíveis de registo e transcrição, nos termos do artigo 91.º”.

Considerando-se preenchido o condicionalismo do transcrito art. 253°, n.° 1 do C.P.P.M., requereu o Exmo. Magistrado do Ministério Público a tomada de declarações para memória futura da testemunha B, assim se tendo procedido.

Diz porém o ora recorrente que, na altura, não tinha defensor, que não tomou conhecimento de tal diligência, e que, assim, não pôde exercer o seu direito de defesa e ao contraditório.

Há manifesto equívoco.

Como estatui o n.° 2 do mencionado art. 253°:

“2. Ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente e da parte civil são comunicados o dia, hora e local da prestação do depoimento, para que possam estar presentes se o desejarem”.

E, no caso, como é bom de ver, o ora recorrente ainda não tinha sido constituído “arguido”, pelo que, necessária não era a sua notificação, certo sendo também que, na altura, como mero “suspeito”, exigível não era a nomeação oficiosa de defensor para assegurar a sua defesa; (cfr., art. 50°, n.° 1, al. a), b), d) e e) do C.P.P.M.).

E, nem se diga que o assim entendido, a tomada de “declarações para memória futura” sem arguido constituído, é, no mínimo, uma diligência estranha ou que não faz sentido; (sobre a questão, pode-se ver, v.g., Vinício Ribeiro, in C.P.P. Anotado, pág. 539).

Em nossa opinião, basta pensar em situações em que o alegado denunciado, autor do crime objecto do inquérito ainda não está identificado, (para se alcançar a bondade de solução).

Com efeito, deve-se “dispensar” tal diligência, que como sabemos,, é essencial, atento o condicionalismo do n.° 1 do art. 253°?

Cremos que não.

Aliás, sobre a questão já se pronunciou este T.S.I., afirmando, expressamente, que:

“O acto de prestação de declarações para memória futura não é um acto de comparência obrigatória, de onde decorre que a falta de notificação ao arguido e ao seu defensor para comparecerem a tal acto apenas determina uma mera irregularidade e já não pode ser considerada uma nulidade insanável por não se enquadrar nas que estão taxativamente previstas na lei (art. 106º do C.P.P.)
Nada impede que as declarações para memória futura sejam tomadas, ainda que não tenha havido arguido constituído, desde que verificados os pressupostos previstos no n.° 1 do art. 253°.
A lei não restringe a leitura das declarações para memória futura àquelas em que o arguido esteve presente ou lhe foi dada a oportunidade de estar presente, para além de que o contraditório sempre pode ser assegurado na audiência de julgamento com a vantagem, para o arguido de previamente conhecer o teor das declarações prestadas para memória futura.
As declarações de testemunhas, desde que sejam prestadas nos termos do art. 253º do CPPM e lidas em audiência e aí contraditadas, podem ser tomadas em conta pelo Tribunal para efeitos de formação da sua convicção, sendo que a imediação resulta da sua análise em sede de julgamento”; (cfr., Ac. de 19.01.2006, Proc. n.° 282/2005, podendo-se também ver quanto à “falta de notificação do arguido”, os Acs. do então T.S.J. de 10.03.1999, Proc. n.° 991, 1003, 1012, 1016 e 1017, e de 29.09.1999, Proc. n.° 1121); e que,

“É de admitir no nosso ordenamento que se proceda a declarações para memória futura sem nomear um advogado se ainda não tiver sido constituído alguém como arguido”; (cfr., Ac. de 26.02.2009, Proc. n.° 7/2009).

Claro nos parecendo o que se deixou transcrito, e, assim, nenhuma razão assistindo ao arguido, à vista está a solução.

–– Do “recurso da sentença”.

Aqui, e como se deixou assinalado, é o recorrente de opinião que se incorreu em “erro notório na apreciação da prova”, relacionando tal vício com a convicção do Tribunal a quo, formada também com base nas declarações da referida testemunha B, (prestadas em sede de inquérito e lidas em audiência de julgamento).

Ora, como sem esforço se conclui, (e neste sentido se consignou em exame preliminar), é manifestamente improcedente o presente recurso, sendo pois de rejeitar e, assim, podendo a decisão de rejeição ser proferida em Conferência e integrar o presente aresto; (cfr., v.g. o recente Ac. do T.U.I. de 19.09.2012, Proc. n.° 55/2012).

Vejamos, (ainda que abreviadamente, pois que necessárias não são grandes elaborações).

Como se viu, (totalmente) correcta e legal foi a tomada de declarações para memória futura da testemunha B assim como a sua leitura em audiência de julgamento.

Assim, nenhuma censura merece, nesta parte, a convicção do Tribunal, pois que, em observância do estatuído no art. 114° do C.P.P.M., e face à ausência de elementos probatórios de valor tarifado, apreciou a prova testemunhal (as ditas declarações e de uma outra testemunha, guarda da P.S.P.) e a constante dos autos, livremente, sem violar nenhuma regra de experiência ou legis artis, que nem o recorrente identifica.

Nesta conformidade, censura não merecendo a apreciação da prova e a convicção do Tribunal a quo, e, assim, consequentemente, a decisão da matéria de facto, sendo esta clara quantos aos elementos objectivos e subjectivos típicos do crime de “emprego ilegal” pelo qual foi o recorrente condenado, e não suscitando o recorrente outra questão, resta, apenas, concluir, como se deixou já adiantado, ou seja, pela rejeição do presente recurso; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento ao recurso interlocutório, rejeitando-se o da sentença.

Pagará o recorrente 8 UCs de taxa de justiça, e, pela rejeição do recurso da sentença, a sanção de 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Macau, aos 27 de Setembro de 2012

José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 6572012 Pág. 12

Proc. 657/2012 Pág. 1