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Processo n.º 75/2013. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças.
Assunto: Concessão de arrendamento de terreno. Renda. Mora. Notificação para pagamento.
Data do Acórdão: 4 de Dezembro de 2013.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – Ainda que a Direcção dos Serviços de Finanças (DSF) estivesse obrigada a notificar o concessionário, para o pagamento da renda anual devida por concessão de arrendamento de terreno, e não o tivesse feito, o devedor constitui-se em mora decorrido o prazo para o pagamento que, de acordo com Portaria n.º 164/98/M, de 13 de Julho, tem de ser efectuado no mês de Maio.
II – Os avisos que a DSF normalmente envia aos concessionários, para o pagamento da renda anual devida por concessão de arrendamento de terreno, têm apenas o objectivo de advertir e recordar ao devedor o seu dever de pagar a renda no prazo legalmente fixado, dando-lhe ao mesmo tempo conhecimento do montante da mesma.
O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima


ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 18 de Abril de 2012, que, em recurso hierárquico, indeferiu o pedido de restituição do montante de MOP$528.299,00, correspondente a 3% de dívidas e a juros de mora, atinente a renda anual do ano de 2011, devida por concessão de arrendamento de terreno.
Por acórdão de 6 de Junho de 2013, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) negou provimento ao recurso, entendendo que o momento do vencimento da obrigação resulta da lei, pelo que não tinha de ser enviado à recorrente notificação para o seu pagamento.
Inconformada, interpõe a mesma A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), defendendo que a prática da Direcção dos Serviços de Finanças de enviar notificação para o pagamento da renda devida por concessão de arrendamento de terreno constitui uma praxe administrativa e um costume jurídico, fonte de direito, de acordo com o artigo 341.º, n.º 1, do Código Civil, pelo que deve ser revogado o acórdão recorrido.


O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.

II - Os Factos
A) O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
- Por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas nº 48/2009, foi concedido a favor da ora recorrente A o terreno, com a área de 440.248m2, situado na zona de aterro entre as ilhas de Taipa e de Coloane, a Nascente da Avenida Marginal Flor de Lótus e a Sul da Estrada da Baía de Nossa Senhora da Esperança, para ser aproveitado com a construção de um complexo de hotéis e casino;
- Consta do contrato da concessão do terreno por arrendamento, que a concessionária A, ora recorrente, tem a sua sede situada em Macau, na [Endereço (1)];
- Em 15DEZ2009, através do impresso modelo M/1 da Contribuição Industrial, a A comunicou à DSF a alteração do endereço da sua sede para a [Endereço (2)];
- Por força do disposto no artigo 9.º do Regulamento de Contribuição Predial Urbana, os rendimentos dos prédios construídos sobre o terreno em causa gozam de isenção de contribuição predial no ano de 2011;
- Em Março 2011, foi emitido o conhecimento de cobrança nº 2011-XX-XXXXXX-X, relativo à renda referente ao ano de 2011, no valor de MOP$13.735.739,00, e expedido para o endereço em Macau, na [Endereço (1)], tal como consta do contrato de concessão do terreno;
- A A alegou não ter recebido o conhecimento de cobrança e solicitou à DSF a emissão de 2.ª via do conhecimento de cobrança;
- A requerimento da A, a DSF emitiu o conhecimento de cobrança de 2.ª via e nele fez acrescer à renda devida do ano de 2011, no valor de MOP$13.735.739,00, as importâncias de MOP$396.224,00 e MOP$132.075,00, correspondentes ao 3% da renda anual em dívida e aos juros de mora, respectivamente;
- A A efectuou em 30JUN2011 o pagamento da totalidade dessas quantias, ou seja, as da renda, do 3% da renda anual e dos juros de mora;
- Ao mesmo tempo apresentou a reclamação solicitando a restituição das quantias que correspondem ao 3% da renda da dívida e aos juros de mora;
- Por despacho proferido em 30AGO2011 pelo Director Substituto dos Serviços de Finanças, tal pedido de restituição foi indeferido;
- Inconformada com esse despacho de 30AGO2011, a A interpôs dele o recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Economia e Finanças
- Neste recurso foi emitida informação pelos serviços da DSF.
- Sobre esta informação, lançou o Secretário para a Economia e Finanças, em 18 de Abril de 2012, o seguinte despacho:

“Concordo com o parecer, indeferindo o recurso em causa”.
É este o acto recorrido.

III – O Direito
1. A questão a apreciar
Está em causa saber se impendia sobre a Direcção dos Serviços de Finanças (DSF) um dever jurídico de notificar a recorrente para o pagamento da renda anual devida por concessão de arrendamento de terreno, sendo certo que o acórdão recorrido deu como assente (matéria de facto que este TUI tem de aceitar) que está institucionalizada na DSF a prática do envio oficioso de conhecimento de cobrança de renda a concessionários de terrenos, com vista ao seu pagamento.
O acórdão recorrido apenas abordou esta questão, concluindo não impender sobre a DSF qualquer obrigação de enviar notificação para pagamento de renda a concessionários de terrenos, pelo que julgou prejudicadas outras questões, designadamente, se a DSF enviou tal notificação à recorrente para a morada exacta, questão que ambas as partes discutiram no recurso contencioso, no qual defendeu a DSF que foi enviado conhecimento de cobrança para a morada da recorrente constante do contrato de concessão, sustentando a recorrente que a notificação deveria ter sido remetida para morada fiscal da recorrente, comunicada oportunamente por esta à DSF.
Por outro lado, ainda que incidisse um dever jurídico de a DSF notificar a recorrente para o pagamento da renda anual, importa saber se tal dever tem consequência quanto ao momento da constituição em mora de tal pagamento.

2. Obrigatoriedade de notificação dos concessionários para o pagamento da renda devida por concessão de arrendamento de terreno
É exacto que nenhuma norma ou princípio jurídico impõem à Administração a notificação, ao concessionário, para o pagamento da renda anual devida por concessão de arrendamento de terreno, sendo que o momento do vencimento da obrigação resulta de acto normativo, o artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 164/98/M, de 13 de Julho: o pagamento tem de ser efectuado no mês de Maio.
É também certo que a Administração procede normalmente a tal notificação.
Pressupondo a falta de notificação no caso dos autos – apenas para aferir da legalidade da actuação da Administração, já que, se houve ou não notificação, era controvertido nos autos e o acórdão recorrido não tomou posição sobre a questão – temos que examinar se a Administração violou alguma regra ou princípio jurídicos, designadamente, os princípios da boa fé e da colaboração entre a Administração e os particulares, previstos, respectivamente, nos artigos 8.º e 9.º do Código do Procedimento Administrativo.
O acórdão recorrido entendeu que, apesar de tal prática da Administração, a notificação é uma medida supérflua adoptada para evitar a ocorrência em massa da falta de pagamento por simples esquecimento ou negligência dos concessionários.
A recorrente considera que se formou um costume que impõe que a DFS notifique os concessionários para o pagamento da renda anual.
Como se disse, nenhuma norma ou princípio jurídico impõem à Administração a notificação, ao concessionário, para o pagamento da renda anual devida por concessão de arrendamento de terreno, sendo que o momento do vencimento da obrigação do artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 164/98/M: o pagamento tem de ser efectuado no mês de Maio. Regem os artigos 3.º, 4.º e 5.º da Portaria n.º 164/98/M:
“Artigo 3.º — 1. A cobrança da prestação anual única decorre durante o mês de Maio.
2. …
Artigo 4.º — Findo o prazo estabelecido no artigo anterior, o concessionário pode proceder ao pagamento da renda, acrescida de juros de mora e 3% de dívidas, nos 60 dias imediatos.
Artigo 5.º — Decorrido o prazo previsto no artigo anterior sem que a dívida se mostre liquidada, procede-se ao relaxe, havendo lugar à cobrança coerciva nos termos definidos para as execuções fiscais”.


Mas haverá algum costume ou alguma praxe administrativa que imponham tal notificação, como defende a recorrente?
É inútil a decisão sobre esta questão.

3. Vencimento da renda anual devida por concessão de arrendamento de terreno
Ainda que a DSF estivesse obrigada a notificar o concessionário, para o pagamento da renda anual devida por concessão de arrendamento de terreno - e não o tivesse feito - daí não derivaria necessariamente que o concessionário só estaria obrigado ao pagamento a partir da notificação.
Na verdade, como se sabe, de acordo com o artigo 794.º do Código Civil:

“Artigo 794.º
(Momento da constituição em mora)
1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver prazo certo;
b) Se a obrigação provier de facto ilícito; ou
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
3. No caso da alínea a) do número anterior, devendo a prestação ser cumprida no domicílio do devedor, só há mora se o credor a reclamar aí.
4. Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor”.


Assim, há mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo.
No caso dos autos, a obrigação tinha prazo certo: o seu pagamento teria de ser feito em Maio, pelo que não estava dependente de interpelação, ou seja, de notificação.
Assim, a recorrente deveria de ter pago em Maio a renda. Não o tendo feito, entrou em mora.
Ora, a mora implica o pagamento da renda, acrescida de juros de mora e 3% de dívidas, nos 60 dias imediatos (artigo 4.º da Portaria n.º 164/98/M).
Ou seja, independentemente da obrigatoriedade da notificação e eventuais consequências quando se conclua pela obrigatoriedade - como procedimento disciplinar pelo incumprimento pelo funcionário responsável, ou outras - a falta de notificação não modifica o regime da mora do devedor. Ela existe desde o dia 1 de Junho do ano a que respeita.
A desligação do momento da constituição em mora, da questão da obrigatoriedade ou não da notificação do concessionário para o respectivo pagamento pela DSF, nada tem de estranho. Ela também existe no Direito Fiscal. Como bem recordou o Ex.mo Procurador-Adjunto que elaborou parecer no recurso contencioso, nos impostos cujo momento do pagamento resulta da lei, a doutrina mais qualificada, como JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, defende que a falta de envio dos avisos de cobrança dos impostos, imposta por lei, “não desonera o contribuinte desse dever, nem impede a constituição deste em mora, ou o decurso dos prazos para ele impugnar a liquidação”1, visto que o momento da constituição em mora decorre da lei ou de regulamento. Tais avisos “têm apenas o objectivo de advertir e recordar ao contribuinte o seu dever de pagar o imposto no prazo legalmente fixado, dando-lhe ao mesmo tempo conhecimento do montante da colecta”2. No mesmo sentido ALBERTO XAVIER refere3 “E, na verdade, a eficácia do acto tributário – seja declarativa ou constitutiva – não depende em caso algum da expedição do aludido aviso: não depende, porque é indubitável que o pagamento pode ser efectuado antes do momento da expedição do aviso, caso o cofre já esteja aberto; não depende ainda porque o único efeito que a lei expressamente faz decorrer da falta da sua expedição é a responsabilidade do funcionário competente, que só é dela desonerado em face da guia, duplicado em que o funcionário do correio apôs o recibo, e já não a desoneração do contribuinte. De resto, se o momento cognoscitivo por parte do destinatário do aviso fosse relevante, isto é, se o aviso convertesse o acto tributário em acto necessariamente receptício, natural será que a partir dele se contasse o prazo aberto ao contribuinte para a reclamação e impugnação; ora tal não sucede em face da lei. O aviso de pagamento é, pois, um simples acto de publicidade, do qual, porém, não dependem nem a eficácia, nem a perfeição do acto tributário4”.
Mutatis mutandis, estas considerações aplicam-se, de pleno ao caso dos autos.
O objectivo do aviso enviado pela DSF não é o de interpelar o devedor para o pagamento, já que o prazo para este decorre do regulamento. O objectivo é o de recordar a necessidade de tal pagamento, já que mostra a experiência que, quando se trata de pagamentos tão espaçados - de ano a ano – é vulgar o esquecimento da obrigação de pagar por parte dos devedores, o que já não acontece tão frequentemente quando o pagamento tem uma regularidade maior, por exemplo, mensal.
Em suma, o pagamento da renda tinha de ser feito em Maio. Não o tendo sido, entrou a recorrente em mora.
Não merece, pois, provimento, o presente recurso.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 UC.
Macau, 4 de Dezembro de 2013.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho

     1 JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, Curso de Direito Fiscal, lições ao 3.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra no ano de 1967-68, Coimbra, Almedina, 1972, p. 447.
     2 JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, Curso…, p. 447.
     3 ALBERTO XAVIER, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Coimbra, Almedina, 1972, p. 237 a 239.
     4 Em sentido análogo ao do texto cf. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, p.431; Braz Teixeira, Princípios..., p.147, nota 6 e 148; Jorge Galamba Marques, «Aviso», Dicionário Jurídico da Administração Pública, I, P.650 e ss.
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