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  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
Inconformado com o douto Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância que decidiu conceder provimento parcial ao recurso interposto por A, revogando o acto administrativo recorrido nos termos consignados no Acórdão, vem o Senhor Secretário para a Economia e Finanças recorrer para este Tribunal de Última Instância.
Por despacho do Exmo. Juiz-Relator do Tribunal de Segunda Instância, de 3 de Abril de 2013, o recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e efeito suspensivo.
Subidos os autos para o Tribunal de Última Instância, constata-se que não foi atribuído valor à causa, pelo que foram notificadas as partes para declarar o valor de causa e para o impugnar, após o que foi fixado ao recurso contencioso o valor de MOP$185.154,00.
Por despacho da Relatora neste Tribunal, de 11 de Novembro de 2013, foi decidido não conhecer do recurso jurisdicional interposto.
Notificada do despacho, vem a entidade recorrente reclamar para a conferência.
O Ex.mo Procurador-Adjunto do Ministério Público defende a improcedência da reclamação.

Corridos os vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, cumpre agora decidir.

2. Fundamentação
Antes de mais, convém transcrever aqui o despacho ora reclamado, com o qual se concorda e, por isso, se subscreve:
“1. A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 23 de Dezembro de 2011, que negou provimento ao recurso hierárquico necessário contra o despacho do Director dos Serviços de Finanças, que tinha indeferido a reclamação apresentada por aquele, que pretendia a reforma do acto de liquidação.
Por Acórdão proferido em 28 de Fevereiro de 2013, O Tribunal de Segunda Instância decidiu conceder provimento parcial ao recurso, revogando o acto recorrido nos termos consignados no Acórdão.
Inconformado, vem o Senhor Secretário para a Economia e Finanças recorrer para este Tribunal de Última Instância.
2. Com o despacho de fls. 158 dos autos, de 26 de Julho de 2013, foi fixado ao recurso contencioso o valor de MOP$185.154,00, declarado por A e não impugnado pela entidade ora recorrente.
Nos termos do art.º 18.º n.º 3 da Lei de Bases da Organização Judiciária, “Em matéria de contenciosos fiscal e aduaneiro, quando o valor da causa seja susceptível de determinação, a alçada dos Tribunais de Primeira Instância é de 15 000 patacas e a do Tribunal de Segunda Instância é de 1 000 000 patacas”.
De acordo com o n.º 1 do art.º 583.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do art.º 1.º do CPAC, o recurso ordinário só é admissível nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, salvo disposição em contrário.
Tendo em conta o valor da causa fixado, muito inferior à alçada do Tribunal de Segunda Instância, não se afigura admissível o recurso jurisdicional interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância.
3. Convidados a pronunciar-se sobre a questão de admissibilidade do recurso, manteve em silêncio a entidade recorrente, enquanto o recorrido A veio dizer que não é de admitir o recurso.
4. Face ao valor da causa fixado e ao disposto nas normas acima citadas, não se conhece do recurso interposto.
Sem custas.”

Alega o reclamante que, por estar perante jurisdição administrativa, em sede de recursos jurisdicionais, torna-se necessário conjugar o art.º 583.º do CPC com o art.º 150.º do CPAC sobre a admissibilidade de recursos ordinários.
Na tese do reclamante, não estando a situação ora em causa coberta pela al. a) nem pela al. c) do n.º 1 do referido art.º 150.º e devendo a previsão do art.º 18.º n.º 3 do LBOJ ceder face ao CPAC, diploma especial em relação à LBOJ, o recurso jurisdicional por si interposto deve ser admitido.
Da primeira vista, parece ter razão o reclamante.
No entanto, há que ficar bem claro que a inadmissibilidade do recurso interposto pelo ora reclamante não resulta directamente da aplicação do n.º 3 do art.º 18 da LBOJ, que tem como objecto apenas a determinação das alçadas dos Tribunais de Primeira Instância e do Tribunal de Segunda Instância, mas sim da aplicação da norma contida no n.º 1 do art.º 583.º do CPC, conjugada com n.º 3 do art.º 18 da LBOJ. Daí que é irrelevante falar na cedência da LBOJ face ao CPAC.
Por outro lado e nos termos do art.º 149.º n.º 1 do CPAC, sem prejuízo do previsto na Secção II do respectivo capítulo, o recurso ordinário é admitido e processado como o correspondente recurso para o Tribunal de Segunda Instância em processo civil, devendo aplicar-se, com as necessárias adaptações, os art.ºs 583.º e 601.º e seg.s do CPC, tal como reconhece o próprio reclamante.
O que significa que, para além da disposição do art.º 150.º do CPAC, que se encontra inserido na referida Secção II, há que atender, para aferir da admissibilidade do recurso, ainda ao disposto no art.º 583.º do CPC, cujo n.º 1 prevê que, salvo disposição em contrário, o recurso ordinário só é admissível nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, desde que a decisão impugnada seja desfavorável à pretensão do recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.
E resulta do n.º 3 do art.º 18.º da LBOJ que a alçada do Tribunal de Segunda Instância é de MOP$1,000,000.00, muito superior ao valor de causa fixado nos presentes autos.

Invoca ainda o reclamante o disposto no n.º 2 do art.º 17.º da LBOJ, alegando que a expressão utilizada no preceito “sem prejuízo de disposição em contrário das leis de processo e da presente lei” faz-se referir aos casos como sejam os recursos contenciosos que o TSI julga em primeira instância (art.º 36.º da LBOJ) e os recursos ordinários para o TUI de acórdão do TSI que decida em primeiro grau de jurisdição (art.º 150.º do CPAC).
Ora, nos termos do n.º 2 do art.º 17.º da LBOJ, “Sem prejuízo de disposição em contrário das leis de processo e da presente lei, o Tribunal de Segunda Instância conhece, em recurso, das causas cujo valor exceda a alçada dos Tribunais de Primeira Instância e o Tribunal de Última Instância conhece, nos mesmos termos, daquelas cujo valor exceda a alçada do Tribunal de Segunda Instância”.
É verdade que a regra contida na segunda parte da norma acima transcrita tem excepções, que devem ser expressamente previstas nas leis de processo e na LBOJ.
Não se encontra na LBOJ nenhuma norma a prever que é sempre admissível, independentemente do valor da causa, o recurso jurisdicional do acórdão preferido pelo Tribunal de Segunda Instância que julga em primeiro grau de jurisdição e em matéria de contencioso fiscal e aduaneiro, quando o valor da causa seja susceptível de determinação.
A situação dos presentes autos também não cabe nas excepções previstas nas leis de processos, tais como referidas no n.º 2 do art.º 583.º do CPC.
E sem intenção de ignorar o disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 150.º do CPAC, certo é que do mesmo não se pode extrair a ideia de que é sempre admissível o recurso para o Tribunal de Última Instância dos acórdãos proferidos pelo Tribunal de Segunda Instância que decida em primeiro grau de jurisdição, uma vez que, tal como foi dito, o recurso ordinário é admitido e processado como o correspondente recurso para o Tribunal de Segunda Instância em processo civil, daí que a aplicação do n.º 1 do art.º 583.º do CPC, que afasta a admissibilidade do recurso para TUI nas causas de valor não superior à alçada do Tribunal de Segunda Instância.
Estando em causa o contencioso fiscal, matéria em que a alçada do TSI é de MOP$1,000,000.00, não há recurso para o TUI nas causas com valor processual inferior a este montante, como é o nosso caso.
Finalmente, é de reafirmar a posição deste TUI tomada no processo n.º 9/2006, em 25 de Outubro de 2006, que não é de alterar.

Improcede, pois, a reclamação.

3. Decisão
Face ao expendido, acordam em indeferir a reclamação do despacho da Relatora que decidiu não conhecer do recurso jurisdicional interposto.
Sem custas, dada a isenção da entidade ora reclamante.

Macau, 4 de Dezembro de 2013

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho

Processo n.º 42/2013 8