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Processo nº 768/2012 Data: 06.12.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Contravenção laboral.
Trabalho extraordinário.
Direitos do trabalhador.



SUMÁRIO

1. Se acordado está que o trabalhador fica sujeito a um horário de trabalho de “48 horas por semana, e 8 horas por dia, incluindo o intervalo para refeições”, e que podia converter os “dias de licença por doença” em “férias anuais”, não pode o empregador, impor, unilateralmente, a alteração de tal regime para “9 horas por dia, incluindo o intervalo para refeições”, e a mera acumulação de tais dias de licença não gozados para efeitos de “licença por internamento”.

2. O acréscimo de trabalho assim prestado pelo trabalhador – 1 hora por dia – não deixa de dever ser considerado como “trabalho extraordinário”, e como tal pago, constituindo também a alteração unilateral do “regime de férias”uma infracção ao art. 10°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007.



O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 768/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B., decidiu-se condenar a “VENETIAN MACAU, S.A.” como autora de 3 infracções laborais p. e p. pelo art. 10°, al. 5) e art. 85.°, n.° 1, al. 2) da Lei n.° 7/2008, (“Lei das Relações Laborais”), na multa de MOP$30.000,00 cada, perfazendo a multa total de MOP$90.000,00, e no pagamento de duas indemnizações no valor de MOP$41.556,76 e MOP$2.376,60 a dois seus trabalhadores devidamente identificados nos autos; (cfr., fls. 474 a 474-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada, a arguida recorreu.
Na sua motivação de recurso produziu as conclusões seguintes:

“1.° A Acusação encontra-se ferida das seguintes nulidades:
(i) a falta de inquérito por omissão da descrição na Acusação de todos os elementos que levaram a que a DSAL subsumisse a conduta da Venetian, ao artigo 85.° n.° 1, alínea 2) da LRT, nos termos do disposto no artigo 106.°, alínea d) do CPP (aplicável por remissão do artigo 89.° CPT); e
(ii) a violação do direito de defesa da Venetian porque tal omissão impediu que a Arguida se pronunciasse sobre a globalidade da Acusação, designadamente quanto aos elementos subjectivos do tipo contravencional, direito que está consagrado no artigo 50.° n.° 1, alínea b) do CPP) e no artigo 29.° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China.

Assim sendo, deve a Acusação ser considerada nula com tais fundamentos.
2.° O Tribunal a quo – à semelhança da Acusação – não fundamenta as conclusões a que chegou quanto ao elemento subjectivo da (suposta) subsunção da conduta da Arguida à prática do ilícito contravencional que lhe é imputada na Sentença Recorrida, limitando-se a estabelecer uma multa no valor de 90.000,00 MOP, sem mais.
Porém, quais sejam tais detalhes concretos da conduta supostamente ilícita, o grau de responsabilidade da Arguida ou, sequer, a capacidade económica da Venetian – todos elementos cumulativos de que dependia a condenação da Arguida – a Sentença Recorrida nada esclarece…
Não se fundamenta por que se considerou que a contravenção teria sido praticada livre, voluntária e conscientemente ou, tão pouco, qual o grau de culpa da ora Recorrente, elementos essenciais à conclusão da operação de subsunção dos factos ao Direito aplicável.
3.° A contravenção não é um ilícito punido a título de responsabilidade objectiva, requer a verificação de elemento subjectivo na modalidade de dolo ou negligência, não podendo esta pressupor-se mas antes exigindo a respectiva comprovação em sede de prova dos factos constitutivos do ilícito, mediante a demonstração de que o arguido violou intencionalmente disposições legais ou direitos de terceiros ou que não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado.
4.° A omissão da descrição de todos os elementos que levaram a que o Tribunal a quo subsumisse a conduta do Recorrente ao artigo 85.° n.° 1, alínea 2) da LRT resulta numa manifesta falta de fundamentação da Sentença Recorrida, nulidade insanável nos termos do disposto nos artigos 360.°, alínea a) e 355.° n.° 2, ambos do CPP, aplicáveis por remissão do artigo 89.° do CPT.
5.° A Acusação imputou à Venetian a prática de três contravenções laborais por (suposta) diminuição indirecta da remuneração de base das trabalhadoras, previstas e punidas pelo disposto no artigo 85.° n.° 1, alínea 2) da LRT.
6.° De acordo com a factualidade demonstrada, o período normal de trabalho da trabalhadora A não sofreu qualquer alteração desde o início da sua prestação de actividade até ao seu termo, nunca tendo ultrapassado as 48 horas de trabalho semanal contratualizadas.
Ora, não se tendo alterado o período normal de trabalho da trabalhadora ao longo de toda a duração da respectiva relação laboral com a Venetian, não se vislumbra em que medida poderia existir qualquer alteração (designadamente desfavorável) das condições de trabalho da trabalhadora reclamante.
7.° Acresce considerar que – ao contrário do entendimento expresso na Sentença Recorrida – o Guia de Benefício elaborado para o Venetian, datado de 03.08.2007, em nada alterou a organização do período de trabalho da trabalhadora A.
8.° Face à prova constante dos autos e salvo o devido respeito, deveria o Tribunal a quo ter considerado demonstrado que, relativamente aos trabalhadores da ora Recorrente e, designadamente à trabalhadora reclamante, nunca o intervalo para descanso/refeição esteve incluído no período normal de trabalho.
9.° E, na medida em que a trabalhadora reclamante podia gozar livremente o intervalo para descanso, podendo sair incondicionalmente das instalações da Venetian, este período deverá excluir-se do período normal de trabalho ao abrigo do artigo 33.° n.° 4 da LRT, a contrario.
10.° Deveria, pois, o Tribunal a quo ter-se abstido de dar como provados os factos elencados nos parágrafos quinto a oitavo da Sentença Recorrida (cfr. pág. 3) por falta de fundamentação, devendo, em consequência, a Sentença Recorrida ser declarada nula nessa parte, à luz do disposto no artigo 360.°, alinea a) e 355.° n.° 2, ambos do CPP, aplicáveis por remissão do artigo 89.° do CPT.
11.° Deveria, ainda, o Tribunal a quo ter-se abstido de referir que a Arguida agiu livre, voluntária e conscientemente uma vez que nenhum elemento probatório de ponderação foi indicado para sustentar tal conclusão, encontrando-se a Sentença Recorrida ferida de falta de fundamentação, devendo, em consequência, ser declarada nula nessa parte, à luz do disposto no artigo 360. °, alinea a) e 355. ° n. ° 2, ambos do CPP, aplicáveis por remissão do artigo 89.° do CPT.
12.° A trabalhadora A sempre trabalhou 48 horas semanais de trabalho efectivo, conforme estabelecido no respectivo contrato de trabalho - e expressamente admitido pela própria no seu depoimento em sede de julgamento -, não havendo, por isso, lugar a qualquer alteração das respectivas condições de trabalho.
13.° O Tribunal a quo parece basear todas as conclusões constantes da Sentença Recorrida num equívoco essencial: o de que teria de existir um Guia de Benefícios em vigor à data da contratação da trabalhadora A.
Nos termos do artigo 14.° da LRT, "(o) s empregadores e trabalhadores podem celebrar livremente contratos de trabalho reguladores das condições de trabalho, sem prejuízo do disposto nos números seguintes".
Ou seja, dentro dos limites previstos por disposições imperativas da lei, empregador e trabalhador são livres de fixar o conteúdo do contrato de trabalho, que é auto-suficiente no que concerne à regulação da relação laboral.
14.° Foi precisamente isto que ocorreu com a trabalhadora A.
15.° É de notar que, na altura em que o Venetian Macau Resort Hotel abriu ao público, em 28.08.2007, já estava em vigor o Guia de Benefícios, datado de 03.08.2007.
16.° De resto, resulta da cláusula 12.a do contrato de trabalho em questão que "(o)s detalhes dos programas de benefício estão descritos no Team Members Handbook e materiais semelhantes, que lhe serão facultados" (tradução nossa), documento distinto do Guia de Benefícios da empresa.
17.° Estando assente que a trabalhadora sempre prestou 48 horas de trabalho semanal efectivo e que o intervalo de descanso/refeição não estava incluído no respectivo período normal de trabalho, não há lugar ao pagamento de qualquer montante à trabalhadora; (cfr., fls. 478 a 489-v).

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Respondendo, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela confirmação da decisão recorrida; (cfr., fls. 495 a 505-v).

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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Nulidade da Acusação
Na Motivação do recurso em apreço, a recorrente arguiu, em primeiro lugar, a “nulidade da Acusação”, alegadamente derivada da “falta de inquérito” por omissão na Acusação da descrição de todos os elementos e, ainda, da violação do direito de defesa.
Sem prejuízo do respeito pela opinião, afigura-se-nos que se trata dum argumento desprovido de qualquer sentido.
Pois bem, pese embora seja verdade que o Auto de Notícia de fls. 4 a 6 dos autos não contem a explícita indicação da modalidade da culpa da recorrente, o seu teor dá-se a perceber que ela agiu com dolo. O que nos leva a acompanhar a opinião da Exma. Colega na Resposta, no sentido de o elemento subjectivo da contravenção na qual a recorrente foi condenada estar conotada na narração dos elementos objectivos.
E, a natureza contravencional do processo in casu torna impossível que a “omissão” invocada pela recorrente integre na «falta de inquérito» prevista na d) do art.106° do CPP, como a boa doutrina inculca, a qual é privativa do processo comum e exige a falta absoluta do acto (José da Costa Pimenta: Código de Processo Penal Anotado, Lisboa, p.380).
No ordenamento jurídico de Macau, o preceito nos arts.265° e 266° do CPP revela que a Acusação não define a situação jurídica de qualquer arguido, apesar de o juiz do julgamento, ao contrário do que acontecia no domínio do CPP11929, não poder ordenar diligências complementares de prova ou convidar o M.° P.° a reformar a acusação (Manuel Leal-Henriques e Manuel Sima-Santos: Código de Processo Penal de Macau. Macau 1997, pp.586).
Em conformidade com o princípio do contraditório, o direito de defesa reconhecido pelo legislador ao arguido no processo penal destina-se a defender da Acusação, pelo que deve ser exercido perante o Juiz e na fase de Julgamento.
Sendo assim e ao abrigo do princípio de in dubio pro reu, não nos parece possível que o direito de defesa de arguido possa ser lesado por omissão, insuficiência, imprecisão ou inexactidão da “narração” exigida na b) do n.°3 do art.265° do CPP.
Tudo isto implica a insubsistência da la Conclusão formulada na Motivação do recurso em apreço.
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Omissão e falta de fundamentação do elemento subjectivo
Quanto à sentença em questão, a recorrente invocou a omissão e a falta de fundamentação do elemento subjectivo - concreta modalidade da culpa - das contravenções laborais das quais a recorrente/arguida foi condenada autoria material (as 2ª a 4ª e l lª conclusões).
Repare-se que a douta sentença recorrida indica expressa e propositadamente que «嫌疑人在自願、自由及有意識的情況下實施上述行為,亦深知其行為屬法律所不容». Tal referência mostra flagrantemente inviável a invocada omissão do dito elemento subjectivo.
Fundamentando a sua convicção formada na apreciação de prova e sobre matéria de facto, a Mema. Juiz a quo enunciou, na mesma douta sentença:本院根據卷宗所載的內容,受害工作者、勞工事務局督察及辯方證人的證言而形成心證。(vide. § 1° da fls.5 da própria sentença)
Note-se que uma sentença se mostra fundamentada quando se revela o procedimento lógico seguido pelo Tribunal na formação da decisão, confrontando-a com o seu acerto e segurança, permitindo-se assim dar a conhecer as razões que levaram à decisão do juiz e sindicar o juízo que foi feito pelo julgador. (Acórdão do TSI no Processo n.o225/2006)
Daí se possa compreender que a nulidade da sentença por falta de fundamento de facto e direito só se verifica na ausência total de fundamentação; se se tiver por deficiente ou incompleta não há nulidade. (Acórdãos do TSI e do TUI, nos Processos respectivamente n.°662/2009 e n.°l/2012)
E, o Venerando TUI vem consolidando duas jurisprudências: Em primeiro lugar, a extensão e o conteúdo da motivação são função das circunstâncias específicas do caso concreto, nomeadamente da natureza e complexidade do processo; e em segundo, não há norma processual que exige que o julgador exponha pormenorizada e completamente todo o raciocínio lógico ou indique os meios de prova que se encontram na base da sua convicção de dar como provado ou não provado um determinado facto, nem a apreciação crítica das provas em ordem a permitir a sua apreciação pelo tribunal de recurso, sem prejuízo, naturalmente, de maior desenvolvimento quando o julgador entenda fazer.
Em esteira das ponderadas jurisprudências supra referida, podemos crer que está suficientemente fundamentada a sentença recorrido na parte respeitante ao “elemento subjectivo”. Daí flui que não se verifica in casu a «falta de fundamentação» e, nesta medida, não podem deixar de falecer as 2ª a 4ª e 11ª Conclusões.
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Falta de fundamentação da ilicitude
Em harmonia com as jurisprudências acima mencionadas, temos por certo que não existe a invocada falta de fundamentação concernente aos factos elencados, a título de dados por provados, nos § § 5° a 8° da sentença recorrida.
Para além disso, acresce que as próprias 5ª a 12ª Conclusões mostram que consistem, no fundo, em criticarem e questionarem a firmeza e exactidão da convicção formada pela Mema. Juiz a quo através da livre apreciação de prova; pelo que as quais não podem ser atendidas nos termos do disposto no art.114° do CPP.
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Inexistência das contravenções
A recorrente opinou também a inverificação da qualquer uma das contravenções de que ela foi condenada autoria material, argumentando que nunca foi reduzida a remuneração de A, nem foi removido o benefício de conversão das 6 faltas remuneradas por ano do Team Member Handbook. (as 12a a 21a conclusões)
Ora, tal versão da recorrente está em manifesta contradição com 2 factos dados por provados pela Mema. Juiz a quo, a saber: 1°- O horário de 8 horas diário (incluindo tempo para refeição) foi alterado pela recorrente, unilateralmente e sem compensação, para não incluir tempo para refeição; 2°- Sendo mesmo não gozadas, as faltas de doença remuneradas, na totalidade de 6 por ano, deixaram de ser convertidas em férias anuais.
Estes dois factos implicam necessariamente a insubsistência da dita inexistência das apontadas contravenções.
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Qualificação jurídica da cessação da conversão
Em sede da vista, temos conhecimento de que no seio da TJB, não são uniforme a qualificação jurídica do facto, dado por provado em vários processos, de a recorrente determinar unilateralmente que as faltas de doença remuneradas não gozadas deixariam de ser convertidas em férias anuais, sem indemnização.
O que nos mostra defensável é subsumir tal facto na contravenção de redução indirecta da remuneração de base.
Desta maneira, entendemos que não existe in casu erro de direito neste ponto.
***
Por todo o exposto, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 509 a 511).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:

“1) A, titular do BIR Permanente de Macau, n.º 1311XXX(8), residente na Rua do General Ivens Ferraz, XXX, Macau, tel.: XXX, manteve com a parte patronal uma relação contratual entre 1 de Agosto de 2007 e 6 de Março de 2011, exercendo funções de steward e auferindo um salário mensal de MOP$6.000,00 entre 1 de Agosto de 2007 e 31 de Maio de 2008, de MOP$6360 entre 1 de Junho de 2008 e 31 de Julho de 2010, e de MOP$6583 entre 1 de Agosto de 2010 e 6 de Março de 2011.
2) B, titular do BIR Não Permanente de Macau, n.º 1381XXX(3), residente na Rua do Almirante Sérgio, XXX, Macau, tel.: XXX, manteve com a parte patronal uma relação contratual entre 25 de Agosto de 2007 e 6 de Março de 2011, exercendo funções de steward e auferindo um salário mensal de MOP$6.000,00 entre 25 de Agosto de 2007 e 31 de Maio de 2008, de MOP$6360 entre 1 de Junho de 2008 e 31 de Julho de 2010, e de MOP$6583 entre 1 de Agosto de 2010 e 6 de Março de 2011.
No dia 28 de Fevereiro de 2011, as trabalhadoras acima identificadas apresentaram reclamação ao DIT da DSAL.
Nessa sequência, o DIT procedeu à instauração de inquérito.
Ambas as trabalhadoras supramencionadas pertenciam à categoria F, sendo-lhes exigido pela arguida trabalharem 9 horas por dia (incluindo um intervalo de 1 hora para refeições) durante o período de exercício de funções.
Aquando do ingresso da trabalhadora (B) na arguida, o período de trabalho acordado entre as partes era de “48 horas por semana (incluindo o tempo para refeições) ”, ou seja, 8 horas por dia (incluindo o intervalo para refeições).
Contudo, no dia 3 de Agosto de 2007, a arguida procedeu, unilateralmente e sem o consentimento da aludida trabalhadora, à actualização do respectivo Guia de Benefícios, alterando o período de trabalho de “48 horas por semana (incluindo o tempo para refeições) ” para “48 horas por semana”, quer dizer, o período de trabalho diário passou a ser de 8 horas por dia, excluindo o intervalo para refeições de duração de 1 hora.
Apesar dessa modificação no Guia de Benefícios, a arguida não aumentou correspondentemente os salários de base das ditas trabalhadoras, nem lhes concederam compensações.
Aquando do ingresso das trabalhadoras, a arguida e as trabalhadoras acordaram que estas teriam direito à licença por doença remunerada até 6 dias por ano, sendo os dias não gozados convertíveis em férias anuais.
Em 1 de Janeiro de 2009, a arguida eliminou unilateralmente o regime que permitiu às ditas trabalhadoras a conversão dos dias de licença por doença remunerada não gozados em férias anuais, mas deu-lhes a possibilidade de acumularem os dias de licença por doença remunerada não gozados para os gozarem no ano seguinte como licença por internamento.
Nos anos de 2009 e 2010, a trabalhadora A tinha respectivamente 6 e 5 dias de licença por doença não gozados. Enquanto a trabalhadora B tinha respectivamente 5 e 6 dias de licença por doença não gozados quanto aos mesmos anos.
Nesta conformidade, cada uma delas tinha, no total, 11 dias de licença por doença ainda não gozados no momento da desligação do serviço.
---- Pelo facto de que a eliminação unilateral pela parte patronal da respectiva condição de trabalho respeitante à conversão da licença por doença remunerada em férias anuais reduziu indirectamente os salários de base das trabalhadoras B e A, deve a parte patronal pagar-lhes compensações pelos dias sujeitos à conversão da licença por doença remunerada em férias anuais, cujo montante corresponderia ao que as trabalhadoras respectivamente auferiam durante 11 dias.
A arguida não apresentou à DSAL requerimento relativo às mencionadas alterações (sobre o período de trabalho e o regime de conversão da licença por doença), nem obteve o consentimento das duas trabalhadoras.
Nestes termos, a DSAL elaborou uma tabela de cálculo.
A arguida agiu voluntária, livre e conscientemente ao praticar os aludidos actos, sabendo perfeitamente que a sua conduta era proibida pela lei.
O Venetian Macao Resort Hotel abriu ao público, em 28 de Agosto de 2007.
Conforme a cláusula 12ª do contrato de trabalho dos trabalhadoras em causa, os detalhes dos programas de benefício estão descritos no Team Members Handbook.”
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Por sua vez, e em sede de “factos não provados”, consignou-se o seguinte:
“Não é aplicável à trabalhadora em questão (A), o Guia de Benefícios de 26/12/2006, uma vez que este apenas se aplicava aos trabalhadores do Sandes Macau.
A trabalhadora reclamante A nunca foi entregue o Guia de Benefícios de 26/12/2006.
Os demais factos constantes da acusação e da contestação que não estão em conformidade com os provados supracitados”

Do direito

3. Vem a arguida recorrer da decisão do T.J.B. que a condenou como autora de 3 infracções p. e p. pelo art. 10°, al. 5) da Lei das Relações Laborais, na multa total de MOP$90.000,00 e n o pagamento de duas indemnizações no valor de MOP$41.556,76 e MOP$2.376,60.

No seu recurso, coloca as questões seguintes:
- “nulidade da acusação”;
- “nulidade da sentença por falta de fundamentação”; e,
- “errada qualificação jurídico-penal”.

–– No que toca às suas duas primeiras questões, de “nulidade da acusação” e “nulidade da sentença por falta de fundamentação”, cabe dizer que, sobre as mesmas, mostra-se de acompanhar, na íntegra, o entendimento pelo Ministério Público assumido no douto Parecer que atrás se deixou transcrito, e que aqui se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.

De facto, e como bem se salienta no douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, (e como em sede do Ac. de 15.11.2012, Proc. n.° 689/2012 se decidiu perante situação análoga), o elemento subjectivo da infracção imputada à recorrente infere-se da narração dos factos, sendo também que importa atentar na natureza “contravencional” dos presentes autos.

Por sua vez, não nos parece que se possa acolher a alegada “violação do direito de defesa”, pois que os autos demonstram que a arguida, (para além de ter respondido às queixas apresentadas e que deram lugar aos presentes autos; cfr., fls. 54 a 60), apresentou (também) a sua “defesa” (escrita), onde se pronunciou em relação às transgressões que lhe eram imputadas assim como em relação à indemnização, (cfr., fls. 458 a 463).

Certo sendo ainda que provado ficou o elemento subjectivo em questão, já que provado ficou que a arguida “agiu de forma livre, voluntária e consciente”, e que “sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei”, mais não é preciso dizer sobre a questão.

Por sua vez, e no que toca à “falta de fundamentação”, sem esforço se concluiu, também, (de uma mera leitura), que fundamentada está a decisão recorrida, ociosas parecendo assim outras considerações sobre a matéria.

Na verdade, o Tribunal a quo, não deixou de elencar a matéria de facto provada, indicando a que resultou não provada, e fundamentando os motivos da sua convicção assim como da decisão condenatória que, a final, proferiu.

Como repetidamente temos dito, pode-se não concordar com a fundamentação apresentada, porém, tal não equivale a “falta de fundamentação”; (cfr., v.g., o Ac. de 04.10.2012, Proc. n.° 550/2012).

–– Vejamos agora da qualificação jurídica.

Procedendo ao enquadramento jurídico da factualidade provada, assim ponderou o Tribunal a quo:

“(…) entende este Tribunal que, dado que a trabalhadora ofendida A chegou a apresentar o Guia de Benefícios de 26/12/2006 durante o período de investigações da causa, tendo também em vista que no presente processo não existem outras provas que possam ilidir os depoimentos prestados pelas respectivas testemunhas, já se pode dar como provado que, quando a parte patronal contratou a trabalhadora A, o período de trabalho acordado e fixado no respectivo contrato de trabalho era de 48 horas por semana (8 horas por dia), devendo este entendido como um período de 8 horas que compreende um intervalo para refeições de duração de 1 hora, por força da cláusula 12.º do mesmo contrato (i. e. o regime e as concretas condições de benefícios. cfr. outros documentos que os respeitarem), conjugado com o Guia de Benefícios de 26/12/2006.
Falando da alteração do regime de licença por doença remunerada, nos presentes autos, as trabalhadoras não tinham a necessidade da licença por internamento, nem a parte patronal lhes fizeram compensações, razões pelas quais a parte patronal, ao modificar o regime de conversão da licença por doença remunerada, prejudicou o direito das trabalhadoras, devendo, assim, a sua conduta qualificada como diminuição indirecta dos salários de base das trabalhadoras.
Em termos do cálculo das indemnizações, se é aplicado o disposto no artigo 74.º do CPP para arbitrar oficiosamente uma quantia como reparação, na base do julgamento estão os ilícitos de natureza penal. Então, visto que, no caso sub judice, constitui a base da acusação a referida questão de diminuição indirecta das remunerações, derivada da alteração no Guia de Benefícios efectuada pela parte patronal no dia 3 de Agosto de 2007, deve o arbitramento oficioso da reparação feito relativamente ao período posterior ao dia 3 de Agosto de 2007, pois a respeito do período antes desta data, está em causa uma questão de trabalho extraordinário que não pode ser apreciada no presente processo através do arbitramento oficioso, por não ser objecto de apreciação desta causa.
Pelo exposto, considera este Tribunal que as provas são suficientes e bastantes, permitindo julgar procedente a acusação deduzida pelo Ministério Público.
Atendendo aos respectivos factos provados, a arguida praticou:
1) uma contravenção laboral (continuada) p. e p. pelo artigo 9.º, n.º 1, alínea d) do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril, conjugado com o artigo 10.º, alínea 5) e o artigo 85.º, n.º 1, alínea 2) (diminuição indirecta da remuneração de base do trabalhador), ambos da Lei n.º7/2008;
2) duas contravenções laborais p. e p. pelos artigos 10.º, alínea 5) e 85.º, n.º 1, alínea 2) (diminuição indirecta da remuneração de base do trabalhador) da Lei n.º 7/2008.
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Pelo acima expendido, e nos termos do artigo 65.º do Código Penal, conjugado com os preceitos legais acima mencionados, é o mais adequado condenar a arguida, pela prática de três contravenções laborais (a contravenção respeitante ao período de trabalho foi praticada de forma continuada), na multa de MOP$30.000,00 por cada uma;
Em cúmulo jurídico, na multa única de MOP$90.000,00”.

Será de confirmar o assim entendido?

Pois bem, como resulta da factualidade provada, a trabalhadora B “pertencia à categoria F, sendo-lhe exigido pela arguida o trabalho de 9 horas por dia (incluindo um intervalo de 1 hora para refeições) durante o período de exercício de funções”.

Provou-se também que “aquando do ingresso da trabalhadora na arguida, o período de trabalho acordado entre as partes era de “48 horas por semana (incluindo o tempo para refeições) ”, ou seja, 8 horas por dia (incluindo o intervalo para refeições)”, e que a arguida alterou unilateralmente tal regime de trabalho, “alterando o período de trabalho de “48 horas por semana (incluindo o tempo para refeições) ” para “48 horas por semana””.

Por sua vez, provado está também que:

“Aquando do ingresso das trabalhadoras, a arguida e as trabalhadoras acordaram que estas teriam direito à licença por doença remunerada até 6 dias por ano, sendo os dias não gozados convertíveis em férias anuais”, e que,
“Em 1 de Janeiro de 2009, a arguida eliminou unilateralmente o regime que permitiu às ditas trabalhadoras a conversão dos dias de licença por doença remunerada não gozados em férias anuais, mas deu-lhes a possibilidade de acumularem os dias de licença por doença remunerada não gozados para os gozarem no ano seguinte como licença por internamento”.

Pois bem, nos termos do art. 10° da Lei n.° 7/2008:

“É proibido ao empregador:

1) Opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como prejudicá-lo pelo exercício desses direitos;

2) Obstar injustificadamente à prestação efectiva do trabalho;

3) Ceder o trabalhador, sem o seu consentimento escrito, a outro empregador que sobre aquele exerça poderes de autoridade e direcção;

4) Baixar injustificadamente a categoria do trabalhador;

5) Diminuir a remuneração de base do trabalhador, salvo nos casos previstos na presente lei;

6) Obrigar o trabalhador a adquirir bens ou a utilizar serviços fornecidos directamente por si ou por pessoa por si indicada;

7) Reter documentos de identificação do trabalhador”.

E, em conformidade com o estatuído do art. 85° da mesma Lei (n.° 7/2008):

“1. É punido com multa de $ 20 000,00 (vinte mil patacas) a $ 50 000,00 (cinquenta mil patacas) por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção, o empregador que:

1) Tratar um trabalhador ou candidato a emprego de forma discriminatória injustificada, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 6.º;

2) Violar as garantias do trabalhador previstas no artigo 10.º;

3) Contratar menor para prestar trabalho, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 27.º e artigo 28.º;

4) Negar, total ou parcialmente, o direito ao gozo da licença de maternidade, em violação do disposto nos n.os 1, 2, 5 e 6 do artigo 54.º;

5) Incumbir trabalhadora a desempenhar tarefas em violação do disposto no n.º 1 do artigo 56.º;

6) Negar, total ou parcialmente, o direito à retribuição, em violação do disposto no n.º 3 do artigo 62.º e artigo 64.º

2. É punido com multa de $ 10 000,00 (dez mil patacas) a $ 25 000,00 (vinte e cinco mil patacas) por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção, o empregador que:

1) Determinar a prestação de trabalho de menores, em violação das proibições previstas no artigo 29.º;

2) Negar, total ou parcialmente, o direito ao descanso, em violação do disposto no artigo 33.º, n.º 3 do artigo 36.º, n.os 1 a 3 do artigo 38.º, n.os 3 e 4 do artigo 40.º, n.º 1 do artigo 42.º, n.º 3 do artigo 43.º, n.º 2 do artigo 44.º, n.os 1 e 2 do artigo 46.º e artigo 49.º;

3) Incumprir o dever de pagamento da remuneração durante o período da licença de maternidade, em violação dos n.os 1 e 2 do artigo 55.º;

4) Incumprir as regras sobre o local e a forma de pagamento da remuneração, previstas nos n.os 1 a 5 do artigo 63.º

3. É punido com multa de $ 5 000,00 (cinco mil patacas) a $ 10 000,00 (dez mil patacas) por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção, o empregador que:

1) Incumprir o dever de pagamento da compensação por falta de aviso prévio nos contratos de trabalho a termo incerto, previsto no n.º 3 do artigo 24.º;

2) Incumprir as regras de cálculo da remuneração, previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 37.º, n.º 2 do artigo 39.º, n.os 1 e 3 do artigo 41.º, n.os 2 e 4 do artigo 43.º, n.º 2 do artigo 45.º e artigo 60.º;

3) Incumprir o dever de pagamento de faltas remuneradas, previsto no n.º 2 do artigo 53.º;

4) Incumprir o dever de compensação das férias não gozadas, previsto no artigo 75.º;

5) Incumprir, total ou parcialmente, o dever de pagamento tempestivo das prestações pecuniárias devidas ao trabalhador, previsto no artigo 77.º”.

No caso, colhe-se da factualidade provada que, antes de 03.08.2007, B trabalhava “48 horas por semana, ou seja, 8 horas por dia, incluindo o intervalo para refeições”, e que, depois de tal data, por alteração unilateral da arguida, passou a trabalhar “9 horas por dia, incluindo o intervalo para refeições”: passou assim a trabalhar 9 horas, (com o intervalo para refeições), em vez de 8 horas, (com o intervalo para refeições), a que, antes de 03.08.2007, estava obrigada.

E, como perante idêntica situação já se decidiu no Ac. deste T.S.I., de 15.12.2011, Proc. n.° 228/2011, é de se dar por verificada a violação por parte da arguida do disposto no art. 85°, n.° 1, al. 6) da Lei n.° 7/2008, por falta de pagamento atempado da remuneração devida por trabalho extraordinário, atento, o estatuído também nos art°s 59°, n.° 1, al. 2) e 62°, n.° 3 da mesma Lei.

Feita que foi a advertência quanto à possibilidade desta (diversa) qualificação jurídica, e podendo este T.S.I. alterar a qualificação efectuada pelo T.J.B., (após observado, como foi, o contraditório), nesta conformidade se decide.

Sendo a moldura penal (agora) aplicável, a mesma – MOP$20.000,00 a MOP$50.000,00 – e motivos não havendo para se alterar a quantia fixada – MOP$30.000,00 – que, ainda assim, situa-se próxima do limite mínimo da dita moldura, mantém-se a condenação da arguida na multa de MOP$30.000,00.

Aqui chegados, continuemos.

Verifica-se que inicialmente, estava acordado que as trabalhadoras “teriam direito à licença por doença remunerada até 6 dias por ano, sendo os dias não gozados convertíveis em férias anuais”, e que, “em 1 de Janeiro de 2009, a arguida eliminou unilateralmente o regime que permitiu às ditas trabalhadoras a conversão dos dias de licença por doença remunerada não gozados em férias anuais, mas deu-lhes a possibilidade de acumularem os dias de licença por doença remunerada não gozados para os gozarem no ano seguinte como licença por internamento”.

Quer dizer, em vez de poderem converter os “dias de licença por doença” em “férias anuais”, passaram (apenas) a poder “acumular tais dias para efeitos de licença por internamento”.

Ora, há que reconhecer que a “situação” alterou-se.

Uma coisa são “férias anuais”, outra, diferente, uma “licença por internamento”.

As primeiras, gozam-se, de acordo com um plano (previamente) traçado ou após acordo entre empregador e trabalhador, a segunda, “goza-se por necessidade”, em consequência de doença que implique o internamento do trabalhador.

Há assim uma situação de oposição a que o trabalhador exerça os seus direitos (adquiridos), (cfr., art. 10.°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007), punível nos termos do art. 85°, n.° 1, al. 2) do mesmo diploma.

Sendo também aqui de se manter o quantum da multa MOP$30.000,00 pelo Tribunal a quo fixada, também nesta parte improcede o recurso.

–– Quanto à “indemnização”.

Como se viu, foi a arguida condenada a pagar duas indemnizações no valor de MOP$41.556,76 e MOP$2.376,60.

Opõe-se a arguida ao pagamento de tais montantes dado que entende que “nada deve às trabalhadoras em questão”.

Porém, atentos os montantes em questão, considera-se que recorrível não é tal segmento decisório.

Na verdade, e como também já decidiu este T.S.I. no seu Ac. de 26.04.2012, Proc. n.° 47/2012, não perfazendo qualquer dos montantes em questão a alçada do Tribunal recorrido, (que como se sabe é de MOP$50.000,00; cfr., art. 18°, n.° 1 da Lei n.° 9/1999), admissível não é o recurso.

Sendo este o caso, e observado que foi o contraditório, nesta conformidade se decidirá.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento ao recurso, quanto à decisão que condenou a arguida recorrente no pagamento da multa global de MOP$90.000,00, não se conhecendo do recurso na parte que diz respeito à condenação do pagamento das indemnizações no valor de MOP$41.556,76 e MOP$2.376,60.

Pagará a recorrente a taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.

Macau, aos 6 de Dezembro de 2012

José Maria Dias Azedo [Parcialmente vencido. Não obstante ter relatado o Acórdão que antecede, não subscrevo a decisão quanto à “irrecorribilidade do segmento decisório que condenou a arguida no pagamento das indemnizações”, dando aqui como integralmente reproduzida a declaração de voto que aneixei ao citado Ac. de 26.04.2012, Proc. n.° 47/2012].
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 768/2012 Pág. 36

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