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Processo n.º 588/2012
(Recurso Contencioso )

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 28/Fevereiro/2013


ASSUNTOS:

    - Falta de fundamentação;
    - Violação de lei e do conteúdo essencial de direitos e deveres fundamentais dos residentes, consagrados nos art.°s 39° e 40° da LBRAEM;
    - Princípio ne bis in idem;
    - Porte de arma de aposentado da PJ;
    - Falta de audiência do interessado
    - Falta de intervenção do autor do acto confirmado;
    - Princípio da boa fé;

SUMÁRIO:
    1. Um aposentado voluntário da PJ, se punido com uma suspensão disciplinar de 210 dias no período de 5 anos antes de aposentado não tem direito ao porte de arma. É o que decorre de lei expressa, artigo 40º do Regulamento administrativo n.º 9/2006 e n.º 3 do artigo 15.º da Lei n.º 5/2006.
    2. Se é manifesto o lapso na transcrição da norma, daí não pode o recorrente retirar vantagem, sendo que acima de tudo isso está a lei, neste caso, fundamento legal para a autorização do uso e porte de arma de defesa ao recorrente.
    
    3. Não estando em causa o estatuto da aposentação, mas tão somente a emissão de um cartão que confere o direito a licença de porte de arma, confundir tais núcleos de interesses de forma a erigir os últimos a uma dignidade constitucional ou para-constitucional, afigura-se erro primário.
     4. O que a Lei Básica salvaguarda em relação a outros direitos que não os aí expressamente previstos é o que decorre das leis da RAEM, tal como resulta dos artigos 39º e 41º da LB. Daí ser à luz do Regulamento Administrativo n.º 9/2006 que se deve aferir da verificação dos pressupostos da atribuição daquele cartão com o inerente direito de licença e porte de arma.
    5. O acto de não autorização de porte de arma não constitui um acto sancionatório aplicado ao recorrente em termos de duplicação punitiva, não sendo uma sanção disciplinar proveniente daquele processo disciplinar em que o recorrente foi condenado, sendo a própria lei que estabelece diferentes consequências, primeiro para a infracção disciplinar e, depois, uma consequência inibitória resultante da condenação por infracção disciplinar.
    6. Não é por se ter direito ao cartão e o cartão dizer que se concede um determinado direito que ele existe. O direito há-de provir da sua fonte e a única fonte atributiva do direito é a lei e não o cartão. Se a lei nega o direito não é por o cartão dizer que ele o concede que o direito por ele referido nasce. O que pode estar mal é o teor do que consta no cartão ou a previsão de um cartão como modelo único para todos os aposentados.
    7. A audiência do interessado não se impõe e degrada-se em formalidade não essencial, se o acto foi praticado mediante iniciativa sua, tendo o interessado a faculdade de carrear os elementos pretendidos em que julga poder assentar a sua pretensão, para mais, se o acto é praticado no âmbito de poderes estritamente vinculados.
    
                Relator,
                João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 588/2012
(Recurso Contencioso)

Data: 28 de Fevereiro de 2013

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO

    A, mais bem identificado nos autos, vem interpor recurso contencioso de acto praticado pelo Exmo Senhor Secretário para a Segurança da RAEM, traduzido na decisão contida no Despacho n.º 26/SS/2012, em 11 de Maio de 2012 e que confirmou a decisão proferida pelo Exmo Senhor Director da Polícia Judiciária, em 20 de Março de 2012 que indeferiu o pedido de emissão do cartão de identificação do pessoal aposentado apresentado pelo recorrente.
    
    Para tanto alega em sede conclusiva:
1. No presente caso, nos termos do artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006, o referido cartão de identificação deve ser emitido ao recorrente que se encontra aposentado por motivo diverso do de aplicação de pena disciplinar, uma vez que o recorrente desligou-se do serviço por aposentação voluntária e não por lhe ter sido aplicada a pena disciplinar de aposentação compulsiva;
2. O recorrente é aposentado da Polícia Judiciária, a emissão do cartão de identificação após a aposentação faz parte integral dos direitos e regalias fundamentais do pessoal aposentado;
3. A emissão do cartão de identificação não é apenas o direito e a regalia da aposentação, mas também a garantia após a aposentação;
4. Como é sabido, sendo o órgão de investigação criminal, a Polícia Judiciária tem como atribuições prevenir e combater a criminalidade. Nos trabalhos correntes, todo o seu pessoal policial tem de tratar crimes de diversos tipos e de diferentes graus de gravidade, e perante agentes criminosos de diferentes graus de perigosidade, é inevitável que existem contradições e oposições entre o pessoal policial e os agentes ou suspeitos criminosos, o que não só leva os agentes ou suspeitos criminosos a ter diferentes ódios ao pessoal policial como também leva o pessoal policial a sofrer ameaça física e psíquica potencial;
5. Não é apenas que o próprio pessoal policial sofre a referida ameaça, mas também pode a sua família sofrer tal ameaça, podendo prever que isto ponha em risco a segurança física e psíquica do pessoal policial e da sua família;
6. Provavelmente isto não constitui a ameaça substancialmente imediata e só a ameaça potencial, contudo, a nível objectivo e abstracto, existe, sem dúvida, tal risco de ameaça substancial ou potencial. Exactamente por causa disso, o legislador tem especialmente estabelecido um mecanismo de garantia para o referido pessoal policial da Polícia Judiciária, incluindo conserva o direito ao uso e porte de arma de defesa, no sentido de assegurar a vida estável e segura do referido pessoal policial após aposentação;
7. No caso sub judice, conforme as situações concretas do recorrente, durante quase 30 anos do exercício de funções na Polícia Judiciária, o recorrente tinha-se dedicado à investigação criminal na área de prevenção e combate à criminalidade, tendo participado na resolução dos vários casos criminais, entre os quais, alguns foram crimes graves e crimes de elevada perigosidade social, e na detenção dos numerosos agentes criminosos mais perigosos que envolveram em crimes organizados e violentos;
8. Caso o recorrente perca o direito e a garantia de aposentação acima referidos, isto implica que o recorrente sofre não só a ameaça substancial mas também a ameaça potencial, causando-lhe, assim, grande pressão moral;
9. Contudo, o Chefe do Executivo alterou o artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006 através do Regulamento Administrativo n.º 20/2010 que se publicou em 24 de Setembro de 2010 e entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação;
10. A Administração pretende, através da alteração do aludido Regulamento Administrativo, privar ou restringir o direito de que devia gozar o pessoal de direcção, de chefia das subunidades de investigação criminal e de investigação criminal após a aposentação;
11. No caso sub judice, com a alteração operada no artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006 pelo Regulamento Administrativo n.º 20/2010, o recorrente, que era o agente de investigação criminal da Polícia Judiciária, é privado dos seus direito e regalia referentes à aposentação ou não os pode conservar;
12. Só por causa da única infracção disciplinar por si cometida na sua vida profissional, o recorrente foi privado do direito e da garantia de aposentação de que devia gozar, o que implica uma negação dos seus contributos e esforços dados ao longo dos anos;
13. A decisão recorrida faz com que o recorrente perca o direito e a regalia após a aposentação devido à mesma pena disciplinar – suspensão de funções, o que, na realidade, é ou não uma “dupla penalidade” para o recorrente?!
14. Face aos relevantes contributos do recorrente e diversos méritos e louvores que o recorrente obteve durante o desempenho de funções na Polícia Judiciária, o recorrente entende que as normas que fundamentam a decisão ora recorrida violam as disposições legais no Capítulo III da Lei Básica em relação aos direitos e deveres fundamentais dos residentes;
15. In casu, o recorrente é funcionário aposentado da Polícia Judiciária, a emissão de um cartão de identificação após a aposentação não é apenas o direito e a regalia fundamentais do pessoal aposentado, como também a garantia de aposentação. Isto é reconhecido e assegurado pelos dispostos nos artigos 39.º e 40.º do Capítulo III da Lei Básica em relação aos direitos e deveres fundamentais dos residentes;
16. Antes da sua alteração, o artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006 estipulava que o recorrente tinha o direito e a regalia de atribuição do cartão de identificação quando aposentado por motivo diverso do de aplicação de pena disciplinar (por aposentação voluntária), contudo, na sequência da alteração introduzida pelo Regulamento Administrativo n.º 20/2010 que posteriormente entrou em vigor, o recorrente passa a perder/não conservar tal direito e regalia;
17. Pelo que, entende o recorrente que a alteração introduzida no Regulamento Administrativo n.º 9/2006 pelo Regulamento Administrativo n.º 20/2010 que se publicou em 24 de Setembro de 2010 e entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação contraria os artigos 39.º e 40.º da Lei Básica;
18. Por outras palavras, o direito e a regalia do recorrente sobre a garantia de aposentação que a Lei Básica reconhece e assegura, são restringidos pelo referido “regulamento administrativo”, o que violou os dispostos na Lei Básica em relação aos direitos e deveres fundamentais dos residentes;
19. Nos termos dos artigos 4.º e 11.º da Lei Básica, nenhuma lei ou regulamento administrativo da Região Administrativa Especial de Macau pode contrariar esta Lei;
20. Dado que o artigo 15.º n.º 3 da Lei n.º 5/2006 que se publicou em 3 de Junho de 2006 e entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e a alteração introduzida no artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006 pelo Regulamento Administrativo n.º 20/2010 que se publicou em 24 de Setembro de 2010 e entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, restringem o bem-estar e o direito sobre a garantia de aposentação do recorrente, o que contraria os artigos 39.º e 40.º da Lei Básica, pelo que, os dispostos acima referidos não devem ser aplicados ao presente caso;
21. Assim, é ilegal que a decisão administrativa ora recorrida indeferiu o pedido de emissão do cartão de identificação do pessoal aposentado formulado pelo recorrente com fundamento jurídico no artigo 15.º n.º 3 da Lei n.º 5/2006 e na nova redacção ao artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006 dada pelo Regulamento Administrativo n.º 20/2010;
22. A consequência jurídica resultante da violação e da contrariedade à lei constitucional – Lei Básica – é: o referido regulamento administrativo não deve ser aplicado ao pedido do recorrente, sendo nulo o acto administrativo recorrido que tem como fundamento o referido regulamento administrativo por ofender o conteúdo essencial do direito fundamental de que goza o recorrente (artigo 122.º n.º 2 alínea d) do Código do Procedimento Administrativo);
23. Pelos fundamentos acima referidos, o acto administrativo recorrido é nulo;
24. In casu, depois de o recorrente ter apresentar o pedido de emissão do cartão de identificação do pessoal aposentado à Polícia Judiciária em 12 de Março de 2012, nunca o recorrente foi notificado para praticar quaisquer actos ou pronunciar-se sobre o pedido;
25. Até que o recorrente foi notificado do despacho de indeferimento do seu pedido proferido pelo Director da Polícia Judiciária em 20 de Março de 2012;
26. O acto do Director da Polícia Judiciária violou o princípio da colaboração entre a Administração e os particulares previsto no artigo 9.º do Código do Procedimento Administrativo;
27. O Director da Polícia Judiciária nunca, para os devidos fins e efeitos jurídicos, notificou ou pediu ao recorrente para alegar ou pronunciar-se;
28. As jurisprudências têm entendido que no procedimento administrativo, a falta ou omissão de audiência dos interessados causa nulidade do acto administrativo;
29. Assim sendo, ao abrigo dos dispostos legais acima referidos, o acto administrativo nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos e quando se verifique a falta de audiência, qualquer interessado ou órgão administrativo (aqui implica a entidade recorrida) deve declarar nulo o referido acto administrativo, não podendo confirmar, manter ou ratificar o acto administrativo nulo que não produz quaisquer efeitos jurídicos;
30. Mesmo que a entidade recorrida não declare a nulidade do referido acto administrativo por não a verificar, o referido acto administrativo, a nível jurídico, também não produz quaisquer efeitos jurídicos;
31. Já que o acto administrativo nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, a decisão da entidade competente que confirma e mantém o acto administrativo nulo também é nula;
32. Assim, entende o recorrente que enferma do vício de nulidade ou anulabilidade a decisão da entidade ora recorrida que confirmou a decisão de indeferimento do pedido de emissão do cartão de identificação do pessoal aposentado do recorrente proferida pelo Director da Polícia Judiciária em 20 de Março de 2012 e rejeitou o recurso hierárquico do recorrente por violar os artigos 10.º e 93.º do Código do Procedimento Administrativo;
33. Prevê o artigo 158.º do Código do Procedimento Administrativo: Interposto o recurso, o órgão competente para dele conhecer deve notificar aqueles que possam ser prejudicados pela sua procedência para alegarem, no prazo de quinze dias, o que tiverem por conveniente sobre o pedido e os seus fundamentos;
34. O artigo 159.º n.º 1 (Intervenção do autor do acto) do mesmo Código também consagra: Após a notificação a que se refere o artigo anterior ou, se a ela não houver lugar, logo que interposto o recurso, começa a correr um prazo de quinze dias dentro do qual o autor do acto recorrido se deve pronunciar sobre o recurso e remetê-lo ao órgão competente para dele conhecer, notificando o recorrente da remessa do processo;
35. O Director da Polícia Judiciária devia pronunciar-se sobre o recurso hierárquico interposto pelo recorrente no prazo de 15 dias e remetê-lo ao órgão competente para dele conhecer, notificando o recorrente da remessa do processo;
36. Porém, nunca o recorrente recebeu qualquer notificação da entidade recorrida referente à pronúncia sobre o recurso hierárquico emitida pelo Director da Polícia Judiciária, nem a entidade recorrida nem o Director da Polícia Judiciária notificou o recorrente do recurso hierárquico, ora o recorrente do presente recurso, da remessa do processo;
37. O acto administrativo ora recorrido foi praticado no recurso hierárquico, contudo, o recurso hierárquico não foi processado nos termos do artigo 159.º do Código do Procedimento Administrativo; por outras palavras, o acto administrativo foi praticado sem conformidade com a lei, enfermando, assim, do vício da anulabilidade (artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo);
38. O aludido despacho refere expressamente o fundamento do indeferimento do pedido do recorrente, isto é, o recorrente do recurso hierárquico não preenche os requisitos previstos no artigo 15.º n.º 3 da Lei n.º 5/2006 e no artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006 por ter sido punido com a pena disciplinar de suspensão de funções pelo período de 210 dias, citando também o conteúdo deste último: “Ao pessoal de direcção e chefia com funções policiais, de investigação criminal e auxiliar de investigação criminal, quando aposentado por motivo diverso do de aplicação de pena disciplinar, é atribuído um cartão de identificação para reconhecimento da sua qualidade e dos direitos de que goza”;
39. Dado que o recorrente entende que a sua situação concreta (aposentação voluntária) deve preencher os requisitos para a emissão do cartão de identificação do pessoal aposentado previstos no artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006, o que leva a que o recorrente tenha expectativa razoável e confiança na Administração;
40. O acto ora recorrido confirmou a decisão proferida pela Polícia Judiciária em 20 de Março de 2012 com o fundamento de que o recorrente não preenche os requisitos previstos no artigo 15.º n.º 3 da Lei n.º 5/2006 e no artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006 com a nova redacção dada pelo Regulamento Administrativo n.º 20/2012;
41. In casu, entende o recorrente que o acto da Administração violou o princípio da boa-fé previsto no artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo;
42. Pelo que, o acto administrativo ora recorrido que confirmou o despacho do Director da Polícia Judiciária enferma do vício de anulabilidade por violação do princípio da boa-fé e do princípio da colaboração entre a Administração e os particulares respectivamente previstos nos artigos 8.º e 9.º do Código do Procedimento Administrativo;
43. A decisão administrativa recorrida refere que: “Dado que o recorrente do presente recurso hierárquico não preenche os requisitos legais para a emissão do cartão de identificação do pessoal aposentado da Polícia Judiciária, confirmo a decisão proferida pela Polícia Judiciária em 20 de Março de 2012 e rejeito o presente recurso hierárquico nos termos do artigo 4.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, da Ordem Executiva n.º 122/2009, com a nova redacção dada pela Ordem Executiva n.º 28/2011 e do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo”;
44. Porém, tal como já foi referido, o Director da Polícia Judiciária, em concordância com o parecer contido na Informação, decidiu indeferir o aludido pedido do recorrente em 20 de Março de 2012, decisão essa que foi posteriormente confirmada em sede do recurso hierárquico, um dos seus fundamentos é: o recorrente não preenche os requisitos previstos no artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006 - “Ao pessoal de direcção e chefia com funções policiais, de investigação criminal e auxiliar de investigação criminal, quando aposentado por motivo diverso do de aplicação de pena disciplinar, é atribuído um cartão de identificação para reconhecimento da sua qualidade e dos direitos de que goza”;
45. Assim, o aludido parecer contido na Informação faz parte integral necessária da decisão proferida pelo Director da Polícia Judiciária em 20 de Março de 2012;
46. Na sua fundamentação, a decisão administrativa recorrida, por um lado, refere que o recorrente não preenche os requisitos previstos no artigo 15.º n.º 3 da Lei n.º 5/2006 e no artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006, com a nova redacção dada pelo Regulamento Administrativo n.º 20/2010, e por outro lado, confirmou a decisão proferida pelo Director da Polícia Judiciária em 20 de Março de 2012 e rejeitou o recurso hierárquico interposto pelo recorrente;
47. Prevê o artigo 115.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto;
48. A decisão administrativa recorrida, por um lado, citou fundamentos jurídicos diferentes dos da decisão por si confirmada, e por outro lado, confirmou a referida decisão, pelo que, o recorrente entende que a decisão administrativa recorrida não esclareceu concretamente a motivação do referido acto por adoptar fundamentos obscuros e contraditórios, o que equivale à falta de fundamentação;
49. Nos termos dos artigos 113.º e 114.º do Código do Procedimento Administrativo, a decisão administrativa ora recorrida deve ser fundamentada, sob pena de anulabilidade;
50. A decisão administrativa recorrida violou o artigo 113.º n.º 1 alínea e) do Código do Procedimento Administrativo.
    Pede, em conformidade, sejam julgadas a seu contento as invalidades acima elencadas.
    
    O Exmo Senhor Secretário para a Segurança, contesta, dizendo, no essencial:
    No caso em apreço, demonstra-se que o recorrente foi punido no Processo Disciplinar n.º 05/2011 da PJ, em Setembro de 2011, enquanto ainda se encontrava em efectividade de serviço, com a pena disciplinar de suspensão de 210 dias.
    Assim sendo, não resta nenhuma dúvida que não satisfeito o pressuposto previsto na citada norma, não é viável a autorização do pedido de uso e porte de arma de defesa
    O direito de uso e porte de arma de defesa é conferido por lei e deve ser estritamente exercido no enquadramento esboçado por lei. Isto é uma valoração básica e reconhecida no Estado de Direito.
    Sendo de acentuar que o direito de uso e porte de arma de defesa nada tem a ver com o direito a benefícios sociais, nem com a garantia de aposentação dos trabalhadores.
    As leis (lato sensu) são fontes imediatas do direito. As leis, produtos resultantes do processo legislativo, têm, para além da função estabilizadora que é capaz de garantir a continuidade da vida social e os direitos e expectativas legítimas das pessoas, a função dinamizadora, capaz de ajustar a ordem estabelecida à evolução e de promover esse evolução num determinado sentido.
    No caso sub judice, não tem qualquer razão o recorrente ao invocar a aplicação do antigo artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006, que entretanto já foi alterado pelo Regulamento Administrativo n.º 20/2010.
    É também incompreensível por que razão o ora recorrente invoca na sua petição inicial a violação do princípio ne bis in idem, quando é claro que o processo que culminou com a aplicação da pena de suspensão de 210 dias por infraçções disciplinares é totalmente distinto do processo originado pelo pedido de emissão de cartão de identificação para o uso e porte de arma de defesa
    No que respeita à falta de audiência do interessado e de intervenção do autor do acto confirmado, alegada pelo recorrente, cumpre-nos referir que a pena de suspensão de 210 dias é objectivamente comprovada, e que nos termos do n.º 3 do artigo 15.º da Lei n.º 5/2006, a não punição com pena disciplinar de suspensão ou superior nos últimos 5 anos é um requisito legal para a respectiva autorização.
    Tal requisito decorre objectivamente da lei como pressuposto de autorização do pedido de uso e porte de arma de defesa, pelo que não resta nenhuma margem de discricionalidade à entidade competente na sua avaliação e decisão.
    Tratando-se de acto de conteúdo vinculado e por força do princípio do aproveitamento dos actos administrativos e do da eficiência, a formalidade de audiência do interessado se degrada em não essencial, pelo que a sua omissão não inquina o procedimento administrativo, nem invalida o respectivo acto administrativo.
    Quanto à falta de intervenção do autor do acto confirmado, alegada pelo recorrente como vício formal ao abrigo do disposto no artigo 159.º do Código do Procedimento Administrativo, tal alegação não corresponde à verdade. Com efeito, foi elaborado em 8 de Maio de 2012 e ao abrigo do n.º 1 do artigo 159º do Código do Procedimento Administrativo uma informação da qual consta a pronúncia do autor do acto confirmado.
    A errada indicação do conteúdo do antigo artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006, já alterado pelo Regulamento Administrativo n.º 20/2010, não constitui em si próprio qualquer fundamento legal para a aplicação da norma já alterada anteriormente, neste caso, fundamento legal para a autorização do uso e porte de arma de defesa ao recorrente.
    Não faz nenhum sentido que o recorrente se debruce sobre o despacho do Director da Polícia Judiciária de 20/03/2012 e a informação sobre a qual este recaiu.
    Inquestionável é que no Despacho n.º 26/SS/2012 da entidade recorrida, a decisão é bem fundamentada, tanto nas matérias de facto como nas de direito.
    Nestes termos, pede seja negado provimento ao recurso.

O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
    Vem A, subinspector da Polícia Judiciária aposentado, impugnar o despacho do Secretário para a Segurança de 11/5/12 que, em sede de recurso hierárquico, manteve decisão do director daquela Polícia que indeferiu seu pedido de atribuição de cartão de identificação, a certificar o direito de uso e porte de arma de defesa, assacando-lhe vasta panóplia de vícios, a saber:
    - violação do conteúdo essencial de direitos e deveres fundamentais dos residentes, consagrados nos art°s 39° e 40° da LBRAEM ;
    - falta de audiência do interessado;
    - falta de pronúncia do autor do acto primário antes da remessa ao superior hierárquico para decisão;
    - omissão de notificação ao recorrente dessa remessa;
    - afronta do princípio da boa fé ;
    - falta de fundamentação e
    - ofensa do princípio "ne bis in idem".
    Cremos, porém, não lhe assistir qualquer razão.
    Tentando acompanhar a ordem de conhecimento apontada pelo art° 74°, CPAC, dir-se-à, por partes e telegraficamente:
    - Quando se reporta à pretensa violação dos normativos contidos na LBRAEM, fá-lo o recorrente, claramente, sob a perspectiva (aliás, bem patente na sua epígrafe do ponto II - "Legalidade das disposições legais que fundamentam a decisão recorrida") de que aquela ofensa decorre da aplicação das disposições legais ou regulamentares que motivaram o indeferimento registado.
    Ou seja, no concreto, o recorrente não questiona que a nova redacção do art° 40° do R.A. 9/2006 introduzida pelo R.A. 20/2010 lhe seja aplicável, atenta a data da sua aposentação e que o acto se mostre consonante com essa aplicação, esgrimindo, porém, ao que percebemos, com a ofensa por parte deste último diploma, de direitos e regalias que vê consagrados nos já citados dispositivos da LBRAEM.
    Ora, a ser o conteúdo daquele R.A. o alvo do inconformismo do recorrente, não é o presente recurso contencioso, vocacionado exclusivamente para o escrutínio da legalidade do concreto acto impugnado, manifestamente o meio adequado para o efeito, pelo que haveria, a tal propósito, que ter lançado mão da "Impugnação de normas" a que se reportam os art°s 88° e sgs. do CPAC, havendo, assim, que rejeitar liminarmente o pedido efectuado no art° 50° da P.I.
    De todo o modo, "en passant'', não se deixará de referir ser, no mínimo, caricato tentar alcançar com o questionado indeferimento de emissão do cartão de identificação para o uso e porte de arma de defesa, a ofensa de benefícios sociais, garantia de aposentação ou quaisquer outros direitos e liberdades assegurados pela Lei Fundamental, quando é certo remeter esta, precisamente, para o cumprimento das leis da Região, cujo respeito escrupuloso constituiu, de resto a motivação do acto sob análise
    - Quanto à boa fé, configura o recorrente o atropelo da mesma com íntima ligação à fundamentação do acto e respectiva notificação.
    Cumpre realçar que na "Informação" a que o autor do acto primário aderiu, terá sido vertido o conteúdo do art° 40° do R.A. 9/2006 na sua anterior redacção, situação assim comunicada ao recorrente, o qual não deixou de ver na circunstância quer a contradição com a conclusão alcançada na decisão, quer a falta de confiança a atribuir à Administração, na comunicação que lhe empreendeu.
    A este propósito, apenas duas notas:
    Por um lado, da "Informação" em causa (f1s. 20 dos autos), pese embora a externação do conteúdo daquele normativo na sua versão já revogada (o que, pensamos, se terá ficado a dever a mero lapso), consta também a explicitação da aplicabilidade ao caso do disposto no n.° 3 do art° 15° da Lei 5/2006, o que só pode suceder precisamente por força da nova redacção daquele preceito introduzida pelo R.A. 20/2010, o que o interessado não terá deixado de apreender, a avaliar até pela própria alegação;
    Por outra banda e decisivamente, o autor do acto secundário, aqui sob recurso, verteu directamente no seu despacho (f1s. 14 a 16 dos autos) a motivação atinente ao indeferimento registado, motivação devidamente notificada ao visado, apresentando-se a mesma clara, suficiente e congruente, pelo que se revela, a tal propósito, inócuo tentar esgrimir com pretensa contradição dessa fundamentação por reporte à eventual "falha" constante da externação do acto primário, não se justificando a quebra de confiança na actuação da Administração a que o recorrente alude
    "No que tange ao princípio "ne bis in idem", é evidente que o procedimento resultante do pedido de emissão do cartão de identificação em questão e respectiva decisão, nada tem a ver com a decisão sancionatória resultante do processo disciplinar, pelo que se revela até ridículo pretender ver, a este nível, qualquer cumulação ou repetição de sanções sobre pretensa idêntica situação
    - Relativamente à audiência do interessado, tendo sido o próprio a dar início ao procedimento, sempre se poderá sustentar ter o mesmo disposto de plena oportunidade de introduzir naquele o que bem lhe aprouvesse, com vista ao sucesso da sua pretensão.
    É claro que não se escamoteia que o visado, antes da produção do acto primário (e, para tanto, será o que conta, apresentando-se a oportunidade em sede do recurso hierárquico, já a jusante, a não obstar à eventualidade de ocorrência do vício em causa) não teve oportunidade de se pronunciar sobre a questão fundamental que importou à decisão, ou seja, a existência da sua prévia sanção disciplinar e reflexo da mesma "nos normativos aplicáveis, pelo que será difícil compaginar a situação com a dispensa da formalidade, a que alude a al. a) do art° 97°, CPA
    Contudo, face ao preceituado no art° 40° do R.A. 9/2006, com a redacção introduzida pelo R.A. 20/2010, que faz depender a atribuição do cartão de identificação em questão do preenchimento dos requisitos previstos no n.° 3 do art° 15° da Lei 5/2006 "O pessoal ... conserva, após a sua aposentação, o direito ao uso e porte de arma de defesa, desde que nos últimos 5 anos de carreira não tenha sido punido com pena disciplinar de suspensão ou superior ... " (negrito nosso), apresenta-se o acto como integrado no exercício de poderes vinculados, razão por que, sendo possível ao tribunal, através de um juízo de prognose póstuma, concluir que a decisão de indeferimento era a única concretamente possível, a formalidade em questão se mostrará degradada em formalidade não essencial, por força do princípio do aproveitamento do acto administrativo, não podendo, pois, sustentar eventual anulação do mesmo.
    - Já quanto à intervenção do autor do acto primário (art° 159°, CPA), a actuação do director da PJ. através do seu despacho de 8/5/12 (fls. 7 e 8 do instrutor apenso), após a interposição do recurso hierárquico, não poderá deixar de ser equacionada como pronúncia efectiva daquele, nesse domínio.
    - Finalmente, quanto à não notificação ao recorrente da remessa do processo após aquela pronúncia, trata-se, manifestamente, de formalidade não essencial, degradada e sanada com a comunicação da decisão posterior àquela remessa, de que o visado agora recorre.
    Tudo razões, por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, somos a entender não merecer provimento o presente recurso.

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:

O despacho recorrido é do seguinte teor:

    “Governo da Região Administrativa Especial de Macau
    Gabinete do Secretário para a Segurança
     Secretário para a Segurança
     Despacho n.º 26/SS/2012
    
    Assunto: Recurso hierárquico
    Recorrente: A, ex subinspector da Polícia Judiciária
    Acto recorrido: Despacho do Director da Polícia Judiciária
    
    I
     A, ex subinspector da Polícia Judiciária, (doravante designado por “recorrente”), apresentou à Polícia Judiciária o pedido de emissão do cartão de identificação do pessoal aposentado em 12 de Março de 2012.
    
     O Director da Polícia Judiciária proferiu um despacho em 20 de Março de 2012, que, em concordância com o parecer contido na Informação elaborada pelo chefe do Departamento de Gestão e Planeamento dessa Polícia Judiciária em 15 de Março de 2012, indeferiu o pedido do recorrente do recurso hierárquico.
    
     Inconformado com a aludida decisão, o recorrente interpôs o recurso hierárquico necessário em 26 de Abril de 2012.
    
     O recurso hierárquico interposto pelo recorrente é adequado, o recorrente tem legitimidade, o recurso é interposto no prazo legal e não existe nenhum facto nuclear que rejeita a admissão do recurso hierárquico ou obsta ao conhecimento da impugnação.
    
    II.
     Conforme os elementos constantes dos autos, foram provados os factos seguintes:
    a. O recorrente declarou aposentar-se voluntariamente a partir do dia 19 de Abril de 2012 nos termos do artigo 263.º n.º 1 alínea a) do ETAPM;
    b. O Secretário para a Segurança proferiu o despacho em 19 de Setembro de 2011 que decidiu aplicar ao recorrente, pela prática da infracção disciplinar, a pena de suspensão de funções, pelo período de 210 dias, contados a partir do dia 22 de Setembro de 2011 até ao dia 18 de Abril de 2012.
    
   O recorrente alegou que nos termos do artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006, o recorrente devia ter o direito e a regalia de emissão do cartão de identificação do pessoal aposentado, e que com excepção de ter sido punido com a pena disciplinar de suspensão de funções pelo período de 210 dias, o recorrente nunca envolveu em qualquer crime nem foi condenado por sentença com trânsito em julgado, pelo que, entende o recorrente que preenche os requisitos legais para conservar, após a sua aposentação, o direito ao uso e porte de arma de defesa previstos no artigo 15.º n.º 3 da Lei n.º 5/2006.
   
   Porém, o disposto legal no artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006 citado pelo recorrente no recurso hierárquico já foi alterado pelo Regulamento Administrativo n.º 20/2010 que entrou em vigor em 19 de Outubro de 2010.
   
   O recorrente declarou aposentar-se voluntariamente a partir do dia 19 de Abril de 2012, por isso, ao caso do recorrente deve ser aplicável a nova lei, isto é, o Regulamento Administrativo n.º 20/2010 que deu nova redacção ao artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006.
   
   Nos termos da nova redacção do artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006 dada pelo Regulamento Administrativo n.º 20/2010, ao pessoal de direcção, de chefia das subunidades de investigação criminal e de investigação criminal que reúna os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 15.º da Lei n.º 5/2006 (Policia Judiciaria) é atribuído, após a sua aposentação, um cartão de identificação que certifique o direito ao uso e porte de arma de defesa, de modelo aprovado por despacho do Chefe do Executivo.
   
   Ao abrigo do artigo 15.º n.º 3 da Lei n.º 5/2006, o pessoal referido no n.º 1 conserva, após a sua aposentação, o direito ao uso e porte de arma de defesa, desde que nos últimos 5 anos de carreira não tenha sido punido com pena disciplinar de suspensão ou superior, cessando tal direito perante qualquer condenação, por sentença com trânsito em julgado, que revele indignidade ou falta de idoneidade moral.
   
   O recorrente foi punido com a pena disciplinar de suspensão de funções pelo período de 210 dias em 19 de Setembro de 2011, o que, obviamente, não preenche os requisitos legais previstos no artigo 15.º n.º 3 da Lei n.º 5/2006, pelo que, não pode, nos termos da lei, conservar o direito ao uso e porte de arma de defesa após a aposentação.
   
   A última parte do n.º 3 do artigo 15.º da Lei n.º 5/2006 estipula que: “cessando tal direito perante qualquer condenação, por sentença com trânsito em julgado, que revele indignidade ou falta de idoneidade moral”, sendo isso a condição resolutiva do referido direito e não é a condição se o pessoal pode ou não conservar tal direito após a aposentação.
   
   Pelos acima expostos, o recorrente não preenche os requisitos legais para conservar o direito ao uso e porte de arma de defesa previstos no artigo 15.º n.º 3 da Lei n.º 5/2006, pelo que, conforme o artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006, com a nova redacção dada pelo Regulamento Administrativo n.º 20/2010, a Polícia Judiciária não pode atribuir ao recorrente o cartão de identificação do pessoal aposentado.
   
   Por fim, não verifico, no presente processo, qualquer vício ilegal que afecta a continuação do referido acto.
    
    III
     Dado que o recorrente do recurso hierárquico não preenche os requisitos legais para a emissão do cartão de identificação do pessoal aposentado da Polícia Judiciária, confirmo a decisão proferida pela Polícia Judiciária em 20 de Março de 2012 e rejeito o presente recurso hierárquico nos termos do artigo 4.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, da Ordem Executiva n.º 122/2009, com a nova redacção dada pela Ordem Executiva n.º 28/2011 e do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo.
    
     Notifique o recorrente que desta decisão cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância nos termos da lei.
    
    Gabinete do Secretário para a Segurança, aos 11 de Maio de 2012.
     Secretário para a Segurança
     (Cheong Kuoc Vá)”
    
    Tal despacho foi proferido entidade recorrida na sequência de recurso hierárquico interposto e na sua base louvou-se na seguinte informação proferida pela entidade recorrida hierarquicamente inferior:
“POLÍCIA JUDICIÁRIA

INFORMAÇÃO

Exmo. Senhor Director,

Em relação ao pedido de emissão do cartão de identificação do pessoal aposentado apresentado pelo subinspector A (doravante designado por interessado) junto desta Polícia Judiciária em 12 de Março de 2012, vem este Departamento pronunciar-se da seguinte forma:
1. O interessado declara aposentar-se voluntariamente a partir do dia 19 de Abril de 2012 nos termos do artigo 263.º n.º 1 alínea a) do ETAPM;
2. Ao abrigo do artigo 15.º n.º 3 da Lei n.º 5/2006, o pessoal da carreira de investigação criminal conserva, após a sua aposentação, o direito ao uso e porte de arma de defesa, desde que nos últimos 5 anos de carreira não tenha sido punido com pena disciplinar de suspensão ou superior, cessando tal direito perante qualquer condenação, por sentença com trânsito em julgado, que revele indignidade ou falta de idoneidade moral.
3. Nos termos do artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006, ao pessoal de direcção e chefia com funções policiais, de investigação criminal e auxiliar de investigação criminal, quando aposentado por motivo diverso do de aplicação de pena disciplinar, é atribuído um cartão de identificação para reconhecimento da sua qualidade e dos direitos de que goza.
4. Segundo os elementos constantes do “memorando de trabalho” fornecido pela Divisão de Ligação entre Polícia e Comunidade e Relações Públicas desta Polícia Judiciária (vide o anexo), o Secretário para a Segurança proferiu em 19 de Setembro de 2011 um despacho que decidiu aplicar ao interessado a pena disciplinar de suspensão de funções pelo período de 210 dias, contados a partir do dia 22 de Setembro de 2011 até ao dia 18 de Abril de 2012.
***
Considerando que o interessado não preenche os requisitos previstos nas disposições legais acima referidas, vem este Departamento propor que não seja atribuído o cartão de identificação do pessoal aposentado ao subinspector A.
À consideração e decisão do Exmo. Senhor Director.

Com os melhores cumprimentos.

Chefe do Departamento de Gestão e Planeamento
(Ass.: Vide o original)
(Tou Sok Sam)”
    
    IV – FUNDAMENTOS
    1. São as seguintes questões que importa apreciar:
    
    - Falta de fundamentação;
    -Violação de lei e do conteúdo essencial de direitos e deveres fundamentais dos residentes, consagrados nos art.°s 39° e 40° da LBRAEM;
    - Da violação do princípio ne bis in idem;
    - Da previsão legal de não concessão do direito ao uso e porte de arma;
    - Invocação da falta de audiência do interessado e de intervenção do autor do acto confirmado;
    - Quanto à falta de intervenção do autor do acto confirmado;
    - Invocação da violação de boa fé;
    - Incumprimento do artigo 159º do CPA.
    2. Invocação de falta de fundamentação
    O recorrente alega a violação da falta de fundamentação do acto, invocando que na Informação sobre a qual recaiu o despacho do Director da Polícia Judiciária, datado de 20/03/2012, se encontra transcrito o conteúdo do antigo artigo 40. º do Regulamento Administrativo n. º 9/2006, aliás, "ao pessoal de direcção e chefia com funções policiais, de investigação criminal e auxiliar de investigação criminal, aquando aposentado por motivo diverso do de aplicação de pena disciplinar, é atribuído um cartão de identificação para reconhecimento da sua qualidade e dos direitos de que goza.", quando essa norma foi alterada pelo Regulamento Administrativo n.º 20/2010, passando a ter a redacção seguinte: ”Ao pessoal de direcção, de chefia das subunidades de investigação criminal e de investigação criminal que reúna os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 15.º da Lei n.º 5/2006 (Polícia Judiciária) é atribuído, após a sua aposentação, um cartão de identificação que certifique o direito ao uso e porte de arma de defesa, de modelo aprovado por despacho do Chefe do Executivo.”
    Como está bem de ver, a errada indicação do conteúdo do antigo artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006, não constitui em si própria, qualquer fundamento legal para a aplicação da norma quando ela já fora alterada anteriormente, na medida em que não aplicável ao caso.
    É manifesto o lapso na transcrição da norma e daí não pode o recorrente retirar vantagem, sendo que, acima de tudo isso, está a lei, neste caso, fundamento legal para a autorização do uso e porte de arma de defesa ao recorrente.
    É manifesto que se tratou de mero lapso e que o autor do acto, em face de toda a restante fundamentação, inequivocamente, pretendeu aplicar, como efectivamente aplicou, a mesma norma legal actualizada e vigente.
    Da análise do despacho proferido pelo Exmo Senhor Secretário - sendo este o que releva e não já o do Exmo Senhor Director da PJ - colhe-se sobejamente a razão de ser do indeferimento e que radica na aludida punição disciplinar que constitui um impedimento, tarifado por lei, ao gozo do direito ao porte de arma.
    
    3. Violação de lei e do conteúdo essencial de direitos e deveres fundamentais dos residentes, consagrados nos art.°s 39° e 40° da LBRAEM
    O recorrente impugna o acto administrativo consubstanciado no Despacho nº 26/SS/2012 da entidade recorrida, através do qual, foi negado provimento ao recurso hierárquico e confirmado o acto recorrido do Senhor Director da Polícia Judiciária que não autorizou o pedido de emissão de cartão de identificação para o uso e porte de arma de defesa, formulado pelo recorrente.
    Note-se que o que está em causa é a emissão de um cartão de aposentado que confere o direito à licença e porte da arma, percebendo-se que é esse direito que, no fundo está em causa e que motiva o insurgimento do recorrente. Tanto assim que alega que a sua segurança e a dos seus familiares pode estar em perigo, depois de muitos anos de serviço prestado na PJ.
     O acto recorrido, consubstanciado no Despacho n.º 26/SS/2012, datado de 11 de Maio de 2012, mostra-se claro e dele constam as razões por que se indeferiu o pedido do recorrente, tendo sido proferido em cumprimento da lei.
    Na verdade dispõe o artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006, com a alteração introduzida pelo Regulamento Administrativo n.º 20/2010:
    “Ao pessoal de direcção, de chefia das subunidades de investigação criminal e de investigação criminal que reúna os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 15.º da Lei n.º 5/2006 (Polícia Judiciária) é atribuído, após a sua aposentação, um cartão de identificação que certifique o direito ao uso e porte de arma de defesa, de modelo aprovado por despacho do Chefe do Executivo.”
    E o n.º 3 do artigo 15.º da Lei n.º 5/2006 dispõe:
    “O pessoal referido no n.º 1 conserva, após a sua aposentação, o direito ao uso e porte de arma de defesa, desde que nos últimos 5 anos de carreira não tenha sido punido com pena disciplinar de suspensão ou superior, cessando tal direito perante qualquer condenação, por sentença com trânsito em julgado, que revele indignidade ou falta de idoneidade moral., retira-se que o pessoal supramencionado, após a sua aposentação, conserva o direito ao uso e porte de arma de defesa desde que nos últimos 5 anos da carreira não tenha sido punido com pena disciplinar de suspensão ou superior, e cessa tal direito perante qualquer condenação, por sentença com trânsito em julgado, que revele indignidade ou falta de idoneidade moral.”
    Daqui resulta que, não obstante o estatuto da aposentação, a partir do dia 19/10/2010, dia seguinte ao da publicação do aludido Regulamento Administrativo n.º 20/2010 (cfr. art.5º), tal direito é condicionado ao requisito da inexistência de uma não punição com pena disciplinar de suspensão ou superior nos últimos 5 anos da carreira. -
    Importa referir que o recorrente, aposentado voluntariamente em 19 de Abril de 2012, apresentou o pedido de cartão de identificação para o uso e porte de arma de defesa em 12 de Março de 2012, momento em que já se encontrava em vigor o Regulamento Administrativo n.º 20/2010.
    No caso em apreço, demonstra-se que o recorrente foi punido no Processo Disciplinar n.º 05/2011 da PJ, em Setembro de 2011, enquanto ainda se encontrava em efectividade de serviço, com a pena disciplinar de suspensão de 210 dias.
    Na observância estrita da lei, a decisão proferida mostra-se vinculada aos tais parâmetros legais, indo no sentido da denegação da pretensão do recorrente.
    Como está bem de ver, esse requisito negativo da concessão do direito de porte de arma nada tem a ver com a natureza voluntária, obrigatória ou compulsiva da aposentação.
Invoca-se uma ilegalidade e com a força de uma violação da Lei Básica, sob o pretexto de o direito de uso e porte de arma de defesa se enquadrar nos direitos fundamentais dos cidadãos a que se referem os artigos 39.º, 40.º e 41.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau.
Começamos por observar que não está em causa o estatuto da aposentação, mas tão somente a emissão de um cartão que confere o direito a licença de porte de arma.
Confundir tais núcleos de interesses de forma a erigir os últimos a uma dignidade constitucional ou para-constitucional é, perdoe-se-nos a expressão, confundir alhos com bugalhos.
    Do conjunto das apontadas normas da Lei Básica onde está consagrado o direito a que um residente ou um aposentado detenha licença e porte de arma? Esse direito, com todo o respeito pela opinião vertida na alegação do recurso, não tem pelo menos no nosso ordenamento - dignidade de direito fundamental. É, aliás, a própria Lei Básica que remete para a lei geral a atribuição de outros direitos ali não previstos. Se a garantia de aposentação tem tal dignidade, já o mesmo não acontece com a licença de porte de arma, mesmo que esta seja uma imanência de determinados estatutos especiais de aposentação. E se a segurança dos residentes se pode considerar um valor de tal natureza, o certo é que a sua salvaguarda não passa pela possibilidade de cada um deter uma arma.
    É que “os direitos fundamentais, prima facie, são definidos como direitos inerentes à própria noção de pessoa, como direitos básicos da pessoa; ou, olhando logo às relações com o Estado, como direitos essenciais do cidadão…”1 E enquanto direitos fundamentais, perspectivados numa relação de direito público hão-se resultar da concepção da Constituição dominante da ideia de direito.2
    Não se vê, como se disse, que tal direito haja de ser reflectido como uma expressão do Direito constitucionalmente acolhida enquanto valor espácio- temporalmente aí projectado pela comunidade jurídica.

    O que a Lei Básica salvaguarda em relação a outros direitos é o que decorre das leis da RAEM, tal como resulta dos artigos 39º e 41º da LB. Daí ser à luz do RA acima referido que se deve aferir da verificação dos pressupostos da atribuição daquele cartão com o inerente direito de licença e porte de arma.
    Nem sequer se diga que o direito de uso e porte de arma de defesa tem algo a ver com o direito a benefícios sociais ou com a garantia de aposentação dos trabalhadores e que por essa via se amputa o respectivo estatuto. Não, a lei faz depender esse direito de um quadro de facto justificativo próprio que não opera por força automática do direito à aposentação.
    
    4. Da violação do princípio ne bis in idem.
    Não tem razão o recorrente nesta invocação pela razão simples de que se trata de coisas distintas. É por demais evidente que o processo que culminou com a aplicação da pena de suspensão de 210 dias por infracções disciplinares é totalmente distinto do processo originado pelo pedido de emissão de cartão de identificação para o uso e porte de arma de defesa.
    O acto de não autorização de porte de arma não constitui um acto sancionatório aplicado ao recorrente em termos de duplicação punitiva, não sendo uma sanção disciplinar proveniente daquele processo disciplinar em que o recorrente foi condenado, sendo a própria lei que estabelece diferentes consequências, primeiro para a infracção disciplinar e, depois, uma consequência inibitória resultante da condenação por infracção disciplinar.
    Se se entender que por essa via o facto traduzido no ilícito disciplinar origina uma outra sanção, então só teremos que reconhecer que o legislador quis punir dessa forma, não sendo caso único em que ao mesmo facto se atribuem diferente sanções, bastando pensar em todas os ilícitos que para além de uma sanção principal fazem o infractor incorrer em sanções acessórias, nomeadamente de carácter inibitório.
    E faz todo o sentido que seja a propósito da concessão de um direito especial concedido aos aposentados da PJ que se estabeleçam as inibições ao uso da arma, prevendo o legislador as situações em que tal deva acontecer.

    5. Da previsão legal de não concessão do direito ao uso e porte de arma
    Esgrime o recorrente com o teor da redacção do Despacho do Chefe do Executivo n.º 281/2006, referindo que o cartão tem inscrito no seu verso o seguinte: “O presente cartão assegura o reconhecimento da identidade do seu portador, na situação de aposentado dos quadros da Polícia Judiciária, e confere ao seu titular o direito ao uso e porte de arma de defesa, independentemente de licença, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 15.º da Lei n.º 5/2006. “
     Por isso, no presente caso, nos termos do artigo 40.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006, o referido cartão de identificação deveria ser emitido ao recorrente que se encontra aposentado por motivo diverso do de aplicação de pena disciplinar, uma vez que o recorrente desligou-se do serviço por aposentação voluntária e não por lhe ter sido aplicada a pena disciplinar de aposentação compulsiva, por isso, o recorrente deve ter, nos termos da lei, o direito e a regalia da emissão do cartão de identificação do pessoal aposentado.
     O recorrente, tal como alega, é aposentado da Polícia Judiciária, a emissão do cartão de identificação após a aposentação faz parte integral dos direitos e regalias fundamentais do pessoal aposentado, sendo que a emissão do cartão de identificação não é apenas o direito e a regalia da aposentação, mas também uma garantia após a aposentação, devendo ter-se em atenção uma potencialidade abstracta de se terem criado inimizades, incompreensões e mal-estar, tudo gerador de uma perigosidade para si e para a sua família.
    Há aqui três questões que importa desmontar.
    Em primeiro lugar, diga-se que não é o hábito que faz o monge. Não é por se ter direito ao cartão e o cartão dizer que se concede um determinado direito que ele existe. O direito há-de provir da sua fonte e a única fonte atributiva do direito é a lei e não o cartão. Se a lei nega o direito não é por o cartão dizer que ele o concede que o direito por ele referido nasce. O que pode estar mal é o teor do que consta no cartão ou a previsão de um cartão com modelo único para todos os aposentados.
    Em segundo lugar, não resulta da lei, como pretende o recorrente, que do estatuto de aposentado resulta o direito do porte de arma. A própria lei se encarrega de restringir a um determinado estatuto algum ou alguns direitos. Uma pessoa pode ter um determinado estatuto de aposentado e não ter todos os direitos que de acordo com diferente circunstancialismo seja concedido a alguns dos aposentados, podendo a lei aumentar e retirar direitos, complementares ou acessórios, ao núcleo dos direitos principais que enformam tal estatuto.
    Por último, quanto ao invocado argumento da segurança pessoal do recorrente. É certo o que diz, mas não é menos certo que a opção é do legislador e aqui não há qualquer dúvida na letra da lei e não é difícil considerar que perante um certo circunstancialismo as razões de segurança pessoal pereçam sobre outras considerações, eventualmente também securitárias, que levem àquela restrição.
6. Invocação da falta de audiência do interessado e de intervenção do autor do acto confirmado
    Não vamos aqui desenvolver a questão relativa aos pressupostos em que ocorre tal vício.
Importa lembrar que no ordenamento da RAEM, entre outros, já se decidiu:
“Sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no artigo 93.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo.” 3
“Só deve haver lugar à audiência de interessados no caso de ter havido instrução, nos termos do art. 93º, nº1, do CPA. Por outro lado, esta diligência degrada-se em formalidade não essencial nos casos em que, por ser vinculada a actividade da Administração (mesmo em caso de auto-vinculação), a decisão sindicada não podia deixar de ter sido aquela que foi efectivamente tomada.”4
“No exercício da actividade discricionária, a formalidade essencial de audiência de interessados prevista no art. 93º do CPA, tendo havido instrução procedimental, impõe-se como modo de cumprir o contraditório e, assim, permitir que o interessado participe e influencie a decisão.
A preterição dessa formalidade apenas se degrada em não essencial – por isso não invalidante - nos casos previstos nos arts. 96º e 97º do CPA e ainda nos casos da actividade vinculada em que, em juízo de prognose, se conclua que a decisão tomada sempre seria a única possível e inevitável.”5
“Só faz sentido ouvir os interessados em situações em que eles possam ser surpreendidos com uma base probatória com que não contassem ou com a alteração inesperada de uma situação jurídica que até ao momento moldava e enquadrava os seus interesses.

Se a situação concreta não se quadra, numa situação em que a Administração se tenha debruçado sobre elementos novos, antes se pronunciou sobre a documentação apresentada pelo interessado, procurando confirmar a sua validade e relevância que não a autenticidade do diploma exibido, havendo que entender o sentido da referida falsidade reportada pela autoridade central de Pequim com o alcance de que a entidade emitente do diploma em causa não o podia emitir, mais se referindo no relatório daquela entidade no sentido de que o diploma em causa não se encontrava registado e o curso que o interessado frequentou não se encontra no âmbito da educação nacional de tempo inteiro, não se vê em que medida o interessado devesse ser ouvido quando foi inteirado da dita insuficiência e em medida a realização de uma qualquer perícia se mostraria indispensável.”6
    Face a tal quadro, a audiência do interessado não se impunha, não só porque o acto foi praticado mediante iniciativa sua, tendo o interessado a faculdade de carrear os elementos pretendidos em que julga poder assentar a sua pretensão, como a pena de suspensão de 210 dias, objectivamente comprovada nos autos é um factor que por si só afasta a possibilidade de concessão do direito peticionado, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º da Lei n.º 5/2006.
    Tal requisito decorre objectivamente da lei como pressuposto de autorização do pedido de uso e porte de arma de defesa, pelo que não resta nenhuma margem de discricionariedade à entidade competente na sua avaliação e decisão, isto é, em emitir autorização mesmo quando o requisito negativo se verificar, e vice versa, excepto na situação em que haja uma condenação transitada em julgado e que revele indignidade ou falta de idoneidade moral.
     Mostra-se aqui pertinente a reflexão do Exmo Senhor Procurador -Adjunto:
    “É claro que não se escamoteia que o visado, antes da produção do acto primário (e, para tanto, será o que conta, apresentando-se a oportunidade em sede do recurso hierárquico, já a jusante, a não obstar à eventualidade de ocorrência do vício em causa) não teve oportunidade de se pronunciar sobre a questão fundamental que importou à decisão, ou seja, a existência da sua prévia sanção disciplinar e reflexo da mesma "nos normativos aplicáveis, pelo que será difícil compaginar a situação com a dispensa da formalidade, a que alude a al. a) do art° 97°, CPA
    Contudo, face ao preceituado no art° 40° do R.A. 9/2006 …, apresenta-se o acto como integrado no exercício de poderes vinculados, razão por que, sendo possível ao tribunal, através de um juízo de prognose póstuma, concluir que a decisão de indeferimento era a única concretamente possível, a formalidade em questão se mostrará degradada em formalidade não essencial, por força do princípio do aproveitamento do acto administrativo, não podendo, pois, sustentar eventual anulação do mesmo”.
    Tratando-se de acto de conteúdo vinculado e por força do princípio do aproveitamento dos actos administrativos e do da eficiência, a formalidade de audiência do interessado degrada-se em não essencial, pelo que a sua omissão não inquina o procedimento administrativo, nem invalida o respectivo acto administrativo.
    Para além de que o ora recorrente exerceu em sede de recurso hierárquico não terá deixado de ter tido oportunidade de alegar toda a argumentação pertinente.
    Desta forma soçobra esta linha argumentativa.
    7. Quanto à falta de intervenção do autor do acto confirmado
    Quanto a esta falta alegada pelo recorrente, como vício formal ao abrigo do disposto no artigo 159.º do Código do Procedimento Administrativo, tal alegação não corresponde à verdade. Com efeito, foi elaborado em 8 de Maio de 2012 e ao abrigo do n.º 1 do artigo 159º do Código do Procedimento Administrativo uma informação da qual consta a pronúncia do autor do acto confirmado (cfr. fls 7 e 8 do PI).
    Tanto basta para não invocar outros argumentos que afastariam a relevância da preterição dessa formalidade para mais em sede de exercício de poderes vinculados.
8. Invocação da violação de boa fé
    A violação deste princípio não se mostra concretizada. Este vício vem deduzido com e a propósito da falta de fundamentação, questão que já acima foi analisada.
    E se com tal violação se pretende esgrimir com o facto de se ter erroneamente transcrito uma norma que já não se encontrava em vigor, então diremos que quem parece agir de má-fé é o recorrente.
    Não se vislumbra que tenha havido quebra de tal princípio plasmado no artigo 8º do CPA se a entidade recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação da lei.
    Se o recorrente a considera injusta, essa é outra questão.
    É verdade que todos percebemos que durante décadas prestou relevantes serviços na PJ,, teve classificações de serviço de mérito, obteve louvores e não fora aquela mancha no seu curriculum a sua prestação não deixaria de ser exemplar. Mas o certo é que, dura lex sed lex, foi assim que o legislador quis, ao denegar o porte de arma a quem nos últimos 5 anos antes da aposentação, fosse ela voluntária ou não, a quem tenha sido condenado em pena disciplinar de suspensão de funções ou em pena superior.
    Perante isso nada há a fazer.
    9. Incumprimento do artigo 159º do CPA
    Invoca ainda o recorrente o incumprimento do artigo 159º do CPA.
    Como já acima se viu o autor do acto primário não se deixou de pronunciar sobre o recurso necessário interposto e mais nada sobrevindo a tal parecer não se vê em que medida eventual falta de notificação da remessa do processo a entidade hierarquicamente superior tenha diminuído as garantias de defesa do interessado.
    Não se vê que invoque ele algo mais que não tivesse dito, donde se entender que eventual falta de uma formalidade não essencial do procedimento só releve quando deva relevar.
    Assim sendo ainda aqui falece razão ao recorrente.
    Em face do exposto, o recurso não deixará de improceder.
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
    Custas pela recorrente, com 6 UC de taxa de justiça.
               Macau, 28 de Fevereiro de 2013
               João A. G. Gil de Oliveira
               Ho Wai Neng
               José Cândido de Pinho
               
               Estive presente:
               Mai Man Ieng

1 - Jorge Miranda, Ciência Política e Direito Constitucional, Sumários policopiados, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1973, 287
2 - Autor citado, Dto Constitucional, lições, 1980, 83
3 - Ac. do TUI, de 25/7/12, Proc. n.º 48/2012
4 - Ac. TSI, de 9/2/2012, Proc. n.º 620/2010
5 - Ac. TSI, de 21/7/2011, Proc. n.º 344/2009

6 -Ac. TSI, de 28/6/2012, Proc. n.º 344/2009

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588/2012 1/41