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Processo nº 859/2012 Data: 28.02.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “falsas declarações sobre a identidade”.
Erro notório na apreciação da prova.
Reenvio.


SUMÁRIO

Padece de “erro notório na apreciação da prova” a decisão que dá como provado que os nomes dos pais pela arguida declarados são “falsos”, se dos autos resultar que a arguida possui B.I.R.M., constando também dos autos um C.R.C. da mesma arguida igualmente emitido pelo S.I.M., e onde em sede de filiação, se indicam os referidos nomes.

O relator,

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José Maria Dias Azedo
Processo nº 859/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. C DL (CDL), com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenada como autora da prática de 1 crime de “falsas declarações sobre a identidade”, p. e p. pelo art. 19°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos; (cfr., fls. 66 a 67-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada, a arguida recorreu.
Motivou para, a final, apresentar as conclusões seguintes:

“I. Em 08.Fev.2010 a Recorrente declarou, perante a Polícia Judiciária, que os seus Pais se chamavam C, SF e G, SM;
II. Compulsados os registos, a autoridade policial constatou que, em 30.Mai.2005 e 26.Set.2005, a Recorrente tinha declarado que os seus Pais se chamavam G S F e L L M.
III. Ouvida sobre essa contradição, a Recorrente prestou declarações em que termina reafirmando que o nome dos seus Pais é C, SF e G, S M; e,
IV. Remetido o processo aos Serviços do Ministério Público, a Recorrente foi ali ouvida e depois por forma a confirmar na íntegra as declarações que prestara na Polícia.
V. Estava em dúvida quais seriam os nomes dos Pais da Arguida, ora Recorrente,
VI. Dúvida essa que se expressa quando foi pedido e emitido o CRC da Arguida, onde as competentes autoridades mencionam, quanto à filiação, os dois diferentes nomes do Pai e da Mãe, por ela indicados em 2005 e em 2010.
VII. Sem ter sido feita qualquer diligência no sentido de esclarecer o assunto, foi dada acusação em 17 de Abril de 2012 que resulta de uma mera pressuposição de facto, ao considerar que o declarado pela Arguida em 08.FEV.2010 é falso, sendo verdadeiro o que ela tinha declarado em 2005.
VIII. Está junto a fls. 63 dos autos um documento autêntico, relativamente ao qual não foi posta em causa a veracidade do seu conteúdo, que impõe - por força da lei - que se tenha como provado que o nome dos Pais da Recorrente é C, SF e G, SM.
Do que resulta ficar também provado que as suas declarações prestadas em 58.Fev.2010 são verdadeiras, em consequência do que não praticou o crime pelo qual foi acusada.
X. Ao decidir-se por forma diferente, dando como provado que as declarações de 08.Fev.2010, a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 154º. do CPPenal.
XI. Além de que padece do vício de erro manifesto nos pressupostos por assentar em mera pressuposição de facto”

Pede, assim, a sua absolvição; (cfr., fls. 76 a 78-v).

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Respondendo, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela integral confirmação do decidido; (cfr., fls. 81 a 85-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Cremos assistir razão à recorrente.
O "imbróglio" criado no presente caso resulta, em nosso critério, fundamentalmente do facto de, antes de produzido o libelo acusatório, se não ter apurado, com o necessário rigor e segurança, qual a verdadeira identidade da arguida, no que tange à filiação respectiva.
Sendo certo que, tendo aquela, a esse propósito, declarado diferentes nomes em diferentes ocasiões, tal seria susceptível de indiciar, no plano meramente objectivo (isto é, sem apuramento das razões para o efeito) a prática da infracção por que acabou por ser julgada, não é menos verdade que, tendo-lhe sido imputada essa prática reportada num determinado contexto, designadamente temporal - no caso, em 8/12/10 importaria ter como seguro que a filiação nessa altura declarada era ou não verdadeira.
Mas, o que se constata é que dos elementos probatórios carreados para o julgamento - e, estamos a reportar-nos essencialmente ao mais recente certificado de registo criminal da recorrente, com entrada no tribunal "a quo" a 6/6/12 - decorre, claramente, que a filiação declarada pela recorrente naquela ocasião correspondia à verdade, convicção que tanto mais se deveria arreigar em julgamento, quando da documentação existente faz parte anterior C.R.C. da visada em que a dúvida a tal propósito se colocaria.
Ora, se tal dúvida se dissipou aos olhos dos Serviços de Identificação, que não terão, além disso, hesitado em emitir à recorrente o seu BIRM com aqueles dados de filiação, vê-se, da prova produzida e elementos relevantes a considerar, que o tribunal “a quo", errou, de forma ostensiva, ao apreciar como apreciou, sendo que as conclusões que alcançou se mostram infirmadas pelo valor probatório do referido documento autêntico (art° 154°, CPP) e, até, pelas regras de experiência e sendo comum, o que, por ocorrência de notório erro na apreciação da prova, não poderá deixar de conduzir à revogação da sentença sob escrutínio e à absolvição da recorrente.
Este, o nosso entendimento”; (cfr., fls. 128 a 129).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo MmoJuiz do T.J.B. foi dada com provada a factualidade seguinte:

“No dia 8 de Fevereiro de 2010, quando se submeteu à investigação da identidade na Polícia Judiciária, a arguida declarou que os seus pais se chamavam, respectivamente, C S F (CSF) e G S M (GSM) (cfr. fls. 5 dos autos).
A arguida sabia bem que os nomes por si declarados não se identificavam com os nomes reais dos seus pais.
A arguida agiu de forma livre e consciente ao praticar com dolo a referida conduta.
A arguida prestou intencionalmente falsos dados de identidade, pretendendo ocultar a sua verdadeira identidade e, deste modo, induzir em erro autoridade judicial do Território.
A arguida sabia perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por lei.
A arguida é delinquente primária.
A arguida confessou parcialmente os factos”; (cfr., fls. 66-v e 67).

Do direito

3. Vem a arguida recorrer da sentença que a condenou como autora da prática de 1 crime de “falsas declarações sobre a identidade”, p. e p. pelo art. 19°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos.

O Tribunal a quo, procedendo ao enquadramento penal da factualidade dada como provada e atrás retratada, considerou que os nomes pela recorrente declarados no dia 08.02.2010 – quando declarou que os seus pais se chamavam, respectivamente, C S F (CSF) e G S M (GSM) – não eram verdadeiros.

Daí, e atento a que se tinha igualmente dado como provado o elemento subjectivo do crime de “falsas declarações”, proferiu a decisão condenatória ora recorrida.

Alega porém a recorrente que “está junto a fls. 63 dos autos um documento autêntico, relativamente ao qual não foi posta em causa a veracidade do seu conteúdo, que impõe - por força da lei - que se tenha como provado que o nome dos Pais da Recorrente é C, SF e G, SM”, que “sentença recorrida violou o disposto no artigo 154º. do CPPenal” e que “padece do vício de erro manifesto nos pressupostos por assentar em mera pressuposição de facto”; (cfr., concl. X e XI).

Vejamos.

Nos termos do invocado art. 154° do C.P.P.M.:

“Consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa”.

E, sucede que a fls. 63 dos autos, consta o original do Certificado de Registo Criminal da arguida, emitido em 04.06.2012, onde consta como filha de C S F e G S M.

Nesta conformidade, e tendo também em atenção que a arguida não esteve presente na audiência de julgamento – pois que autorizou a sua realização sem a sua presença; cfr., fls. 42 – não tendo assim tido oportunidade de, em audiência, declarar a sua identidade, cremos pois que não se pode manter o decidido.

De facto, existindo nos autos o aludido C.R.C. da arguida, pelos Serviços de Identificação de Macau emitidos, do qual consta ter a mesma arguida B.I.R.M., constando ainda no mesmo C.R.C. como sendo seus pais C S F e G S M, não poderia o Tribunal a quo concluir serem estes nomes “falsos” sem, como é o caso, justificar, minimamente, esta sua decisão.

Na verdade, o Tribunal a quo, limitou-se a decidir a matéria de facto, dando como provada a atrás indicada, fundamentando esta sua decisão afirmando que “a convicção do Tribunal baseou-se nas declarações prestadas pela arguida no Ministério Público e lidas nos termos legais na audiência, nos depoimentos das testemunhas e nas provas documentais constantes nos autos”, transcrevendo, de seguida, o art. 19° da Lei n.° 6/2004 – onde se prescreve que “1. Quem, com a intenção de se eximir aos efeitos da presente lei, declarar ou atestar falsamente, perante autoridade pública ou funcionário no exercício das suas funções, identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios, é punido com pena de prisão até 3 anos; 2. Quem, com a mesma intenção, induzir em erro autoridade pública ou funcionário no exercício das suas funções, atribuindo falsamente a si ou a terceiro, nome, estado ou qualidade a que a lei reconheça efeitos jurídicos, é punido com a mesma pena” – e concluindo da forma seguinte: “sintetizados os factos provados, a arguida prestou intencionalmente falsos dados de identidade para ocultar a sua verdadeira identidade, procurando que o seu registo de visita à Macau não fosse descoberto. Assim sendo, entende este Tribunal que a conduta da arguida já reúne os elementos constitutivos subjectivos e objectivos do crime de falsas declarações sobre a identidade”.

Sem prejuízo do muito respeito por entendimento em sentido diverso, não se vislumbra onde, como ou em que medida se tenha, fundadamente, posto em causa o teor do documento de fls. 63: o C.R.C. da arguida.

E, assim, inexistindo qualquer explicitação para a decisão proferida, mostra-se de concluir que incorreu o Tribunal a quo em “erro notório na apreciação da prova”, o que implica o reenvio do processo para novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M..

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, acordam julgar procedente o recurso, determinando-se o reenvio do processo para novo julgamento.

Sem tributação.

Macau, aos 28 de Fevereiro de 2013

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Segunda Juiz-Adjunta) Tam Hio Wa

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng (opinando, porém, que o certificado de registo criminal dos autos não faz prova plena quanto à identificação pessoal das pessoas, pois esse certificado só faz prova plena no tocante à matéria de registo criminal, por não ser um documento autêntico de identificação propriamente dito (cfr. o conceito da alínea c) do art.º 243.º do Código Penal de Macau, por um lado, e, por outro, as normas dos art.ºs 363.º, n.º 1, e 365.º, n.º 1, do Código Civil de Macau, os quais esclarecem o sentido e alcance do art.º 154.º do Código de Processo Penal de Macau), daí que haveria que improceder o recurso).
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