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Processo n.º 72/2013
Recurso penal
Recorrente: A
Recorrido: Ministério Público
Data da conferência: 8 de Janeiro de 2014
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Crime de contrafacção de moeda
- Insuficiência para a decisão da matéria provada
    - Actos preparatórios
- Tentativa

SUMÁRIO
1. O Tribunal de Última Instância tem entendido que, para que se verifique o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada.
2. Entendem-se como actos preparatórios aqueles actos do iter criminis que já estão para além da resolução de realizar o tipo-de-ilícito, mas não cabem ainda na previsão do referido n.º 2 do art.º 21.º do Código Penal de Macau.
3. Ora, face à matéria de facto provada nos autos, nomeadamente todo o planeado ilícito, ao qual aderiu o recorrente com a sua colaboração, e o facto de que o recorrente foi encontrado no quarto do Hotel a usar um computador equiparado com um auscultador, uma câmara de vídeo e um leitor de cartão magnético ligado com transformador, ao lado do qual foram encontrados os cartões de UnionPay dos bancos diferentes (um deles identificado como cartão de crédito), alguns já com os dados magnéticos implantados, completos ou não, outros ainda sem nenhum dado, afigura-se não haver dúvidas que se está já fora do âmbito dos actos preparatórios, já que o recorrente não se limitou a trazer os cartões a Macau nem a adquirir os respectivos equipamentos, mas sim foi muito mais longe: ele iria contrafazer tais cartões, e contrafez efectivamente, com os dados oferecidos por outrem, tudo conforme o combinado e o planeado.
4. Na realidade, o cartão de crédito em causa, embora ainda sem nenhum dado, está incluído nos cartões que o recorrente iria contrafazer; se não fosse a intervenção da Polícia, o recorrente iria implantar nesse cartão dados necessários, contrafazendo-o.
5. Está assim verificada uma das situações em que os actos devem ser qualificados como de execução, e não meros preparatórios, que é precisamente a prevista na al. c) do n.º 2 do art.º 21.º do Código Penal de Macau.
6. Nos termos do n.º 1 do art.º 21.º do Código Penal de Macau, há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.
7. A consumação de contrafacção de cartão de crédito só se verifica com a implantação de todos os dados necessários para que o cartão possa ser usado como verdadeiro e legítimo.
8. O cartão pré-pago, normalmente considerado como cartão de débito, que constitui um meio de pagamento imediato, com débito de uma conta bancária, fica fora da disposição legal da al. b) do n.º 1 do art.º 257.º do Código Penal de Macau.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 7 de Junho de 2013, A, 1.º arguido nos presentes autos, foi condenado, pela prática na forma consumada de um crime de contrafacção de moeda p.p. pelo art.º 252.º, conjugado com o art.º 257.º n.º 1, al. b), ambos do Código Penal de Macau, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão efectiva.
Inconformado com a decisão, recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu negar provimento ao recurso.
Vem agora o arguido A recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando na sua motivação do recurso as seguintes conclusões:
I. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
1. É referido nas fls. 10 e 11 da sentença recorrida: “Em relação a este vício da decisão da matéria de facto, tem este T.S.I. entendido que o mesmo apenas ocorre ‘quando o Tribunal não emite pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo’; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.º 275/2011 e de 21.03.2013, Proc. 113/2013). E, motivos não havendo para se alterar este entendimento, há que concluir que não padece o Acórdão recorrido do apontado vício, pois que, como sem esforço, de uma mera leitura ao veredicto em questão se constata, pronunciou-se o Colectivo a quo sobre toda a ‘matéria objecto do processo’, elencando a que resultou provada, identificando a que resultou não provada, não deixando também de fundamentar, quanto a nós, adequadamente, esta sua decisão. Improcede, por isso, o recurso nesta parte.”
2. Salvo o devido respeito, o recorrente não está de acordo.
3. Primeiro, é indicado no ponto 14 dos factos provados que “Para obter benefícios ilícitos, o arguido A agiu de forma livre, consciente e voluntária ao cooperar com “B” para, por mútua determinação e com divisão de tarefas, falsificar cartões de UnionPay na RAEM e pô-los em circulação como cartões legítimos.”
4. Todos os factos acusados são centralizados em torno da falsificação de cartões de UnionPay pelo recorrente. O cartão de UnionPay (designado vulgarmente por cartão de débito) não dispõe das funções de cartão de crédito, e só se pode pagar com o cartão quando há depósito na respectiva conta bancária, pelo que não pertence aos cartões de garantia ou de crédito previstos pelo art.º 257.º, n.º 1, al. b) do CPM, e não pertence ao crime de falsificação de moeda, p. p. pelo art.º 252.º, n.º 1 em conjugação com o art.º 257.º, n.º 1, al. b) do CPM. Por isso, no respeitante aos factos acusados, não foi o recorrente acusado da falsificação de cartões de crédito, e apesar de ficar provado que o cartão do [Banco (1)] n.º XXXXXXXXXXXXXXXX é cartão de crédito, verifica-se também a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
5. Segundo os factos provados pelo Tribunal a quo, nomeadamente os pontos 12 e 13, só se pode provar que o recorrente deteve o cartão de crédito sem armazenar qualquer dado, e tal cartão ficava sempre na posse do recorrente, pelo que é mais lógico que este cartão pertenceu ao recorrente, pois é normal que o recorrente, sendo um turista, detém cartão de crédito, e ademais, não há provas nos factos provados pelo tribunal a quo de que o recorrente adquiriu ou deteve, de forma indevida, o referido cartão de crédito.
6. O recorrente só violou o art.º 252.º, n.º 1 do CPM quando se prova que o referido cartão de crédito foi detido de forma ilegítima pelo recorrente e que este efectuou o implante de dados falsos no cartão com intenção de o pôr em circulação como legítimo. Dentro dos factos provados pelo tribunal a quo, não há nenhum facto para excluir que o respectivo cartão pertenceu ao recorrente, neste caso, há fundadas dúvidas sobre a violação pelo recorrente do art.º 252.º, n.º 1 em conjugação com o art.º 257.º, n.º 1, al. b) do CPM, pelo que deve-se fazer a decisão segundo o princípio de in dubio pro reo.
7. Ao abrigo dos dispostos no art.º 252.º, n.º 1 e art.º 257.º, n.º 1, al. b) do CPM, as condutas do recorrente só constituem o crime previsto quando fica provado que o recorrente falsificou ou efectuou o implante de dados falsificados em cartões de crédito.
8. Porém, conforme os factos provados pelo Tribunal a quo, as condutas do recorrente e do 2º arguido envolvem apenas a falsificação e o implante de dados nos cartões de UnionPay, mas não há qualquer facto provado de que o recorrente é envolvido nos actos de falsificação ou implante de dados em cartões de crédito.
9. Pelo que o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo incorreu no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto pelo art.º 400.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, além de violou o art.º 114.º do mesmo Código e o princípio de in dubio pro reo.
10. Mas o Acórdão recorrido não fez qualquer análise relativamente à não aplicação do art.º 252.º, n.º 1 em conjugação com o art.º 257.º, n.º 1, al. b) do CPM ao cartão de UnionPay, que é classificado de cartão de débito.
11. Pelos expostos, deve-se absolver o recorrente dum crime de “falsificação de moeda” p. p. pelo art.º 252.º, n.º 1 em conjugação com o art.º 257.º, n.º 1, al. b) do CPM.
II. Em relação à preparação de crime
12. No respeitante ao entendimento da preparação de crime nas fls. 14 a 16 da sentença recorrida, salvo o devido respeito, o recorrente não está de acordo.
13. No caso sub judice, conforme os pontos 12 e 13 dos factos provados pelo Tribunal a quo, só se pode provar que o recorrente “usou no quarto um computador equiparado com um auscultador, uma câmara de vídeo e um leitor de cartão magnético ligado com transformador” e deteve o cartão de crédito do [Banco (1)] n.º XXXXXXXXXXXXXXXX, que não continha nenhum dado.
14. Dos factos provados pelo Tribunal a quo resulta apenas que o recorrente adquiriu os supracitados instrumentos para a contrafacção de cartão de crédito, e não se pode provar que o recorrente já praticou a contrafacção de cartão de crédito.
15. O recorrente só pratica na forma consumada o crime de contrafacção de moeda quando se prova que ele efectuou o implante dos dados no cartão de crédito.
16. Por isso, salvo o devido respeito, o recorrente não concorda com o entendimento do Tribunal recorrido, por o Tribunal a quo não ter provado que o recorrente efectuou o implante de dados em qualquer cartão de crédito.
17. Por só fica provado que o recorrente adquiriu os instrumentos para a contrafacção de cartão de crédito, quer dizer, as condutas do recorrente pertencem apenas aos actos preparatórios do crime de contrafacção de moeda, deve-se passar a condenar o recorrente pela violação do art.º 261.º n.º 2 em conjugação com o n.º 1 do mesmo artigo do CPM, e revogar a parte relativa ao recorrente da sentença feita pelo tribunal a quo.
III. Em relação à tentativa
18. No respeitante ao entendimento da tentativa nas fls. 14 a 16 da sentença recorrida, salvo o devido respeito, o recorrente não está de acordo.
19. No caso sub judice, conforme o ponto 12 dos factos provados pelo Tribunal a quo, só se pode provar que o recorrente deteve o cartão de crédito sem qualquer dado e os instrumentos tais como o computador portátil, e não se pode provar que o recorrente efectuou o implante de dados no cartão de crédito.
20. Por isso, a respectiva conduta de falsificação de cartão de crédito não chegou a consumar-se, razão pela qual as condutas do recorrente só constituem a tentativa prevista pelo supracitado art.º 21.º do CPM.
21. Pelo que o recorrente praticou o crime de falsificação de moeda na forma de tentativa, e deve-se condenar o recorrente na pena aplicável à tentativa.
22. De acordo com os art.ºs 22.º e 67.º do CPM e as anteriores sentenças judiciais, deve ser especialmente atenuada a pena aplicável à tentativa, e fazer a decisão adequada e imparcial.

Respondeu o Ministério público, terminou a sua resposta com as seguintes conclusões:
1. Inconformado com o referido Acórdão do TSI, o recorrente A interpôs, em 27 de Setembro de 2013, o presente recurso ao TUI.
2. Na motivação do seu recurso, entendeu o recorrente A que o Acórdão do TSI incorreu no vício de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, e que as suas condutas eram actos preparatórios ou constituíram tentativa, pelo que o referido acórdão violou os art.ºs 400.º, n.º 2, al. a) e 114.º do Código de Processo Penal, o princípio de in dubio pro reo, e o art.º 261.º, n.º 2 em conjugação com o n.º 1 do mesmo artigo ou os art.ºs 22.º e 67.º do CPM.
3. Em relação ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada invocado pelo recorrente sobre o Acórdão recorrido do TSI (art.º 400.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal), ao art.º 114.º do Código de Processo Penal e ao princípio de in dubio pro reo:
4. O recorrente A entende que todos os factos acusados são centralizados em torno da falsificação de cartões de UnionPay (designado vulgarmente por cartão de débito) pelo recorrente, e os cartões de UnionPay não dispõem das funções de cartão de crédito, pelo que não pode o recorrente ser condenado pela prática do crime de falsificação de moeda p. p. pelo art.º 252.º, n.º 1 em conjugação com o art.º 257.º, n.º 1, al. b) do CPM, e o acórdão recorrido do TSI incorre no vício previsto pelo art.º 400.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal.
5. É consabido que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” previsto pelo art.º 400.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal ocorre quando o tribunal tenha omissão na investigação dos factos, e quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente e incompleta para a respectiva decisão de direito.
6. Em relação ao art.º 400.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, o TSI tem manifestado o seu entendimento em vários processos de recurso, tais como no acórdão do processo n.º 5/2011, de 23 de Junho de 2011, e no acórdão do processo n.º 304/2007, de 26 de Julho de 2007.
7. No caso concreto, o Colectivo do TSI já elencou no Acórdão recorrido todos os factos provados e não provados constantes da acusação, dos quais os provados incluem o de que quando os guardas entraram no quarto n.º 1325 do [Hotel (1)], descobriram que o recorrente estava a usar um computador portátil equiparado com auscultador, câmara de vídeo e leitor de cartão magnético, ficando ao seu lado 15 cartões pré-pagos de UnionPay e 1 cartão de crédito, ou seja o cartão n.º XXXXXXXXXXXXXXXX do [Banco (1)].
8. É de salientar que apesar da designação de “cartão de UnionPay”, verifica-se que o referido cartão n.º XXXXXXXXXXXXXXXX do [Banco (1)] é cartão de crédito, pelo que o facto não é como defendido pelo recorrente, ou seja que “todos os factos acusados são centralizados em torno da falsificação de cartões de UnionPay (designado vulgarmente por cartão de débito) pelo recorrente”, pelo menos um destes cartões, designado por “cartão de UnionPay e tem as funções de cartão de crédito, é equiparado a moeda e suficiente para os tribunais das duas instâncias reconhecer que as condutas do recorrente constituem o crime de “falsificação de moeda” p. p. pelo art.º 252.º, n.º 1 em conjugação com o art.º 257.º, n.º 1, al. b) do CPM.
9. Por o TSI ter elencado no acórdão recorrido todos os factos acusados, incluindo os factos provados e não provados (vide as fls. 372 a 375 dos autos), não se verifica o vício previsto pelo art.º 400.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal; além disso, também não se pode ver que o TSI, na apreciação da prova, violou de forma manifesta as regras de experiência ou o princípio de livre convicção, e de facto, na sua motivação do recurso, o recorrente A não impugnou os factos provados pelo tribunal a quo, o que o recorrente impugnou foi a qualificação jurídica feita pelo tribunal a quo de acordo com os factos provados, e não foi a questão de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, pelo que é de reiterar que não pode o recorrente, com base na sua opinião subjectiva sobre a prova, pôr em questão o juízo sobre o julgamento de facto formado pelo juiz após a apreciação da prova.
10. Não verificamos qualquer omissão do tribunal na investigação dos factos, ou que a matéria de facto provada se apresente insuficiente e incompleta para a respectiva decisão de direito; também não verificamos qualquer facto não apurado, e o tribunal, ao apreciar as condutas do recorrente A, não suscitou qualquer dúvida ou violou as regras de experiência, pelo que não há espaço para a aplicação do princípio de “in dubio pro reo” e a censura de violação do art.º 114.º do Código de Processo Penal.
11. Com base nisso, a decisão de impugnar o Acórdão recorrido é feita pelo recorrente A sem suporte dos factos provados, sendo injustificada a imputação ao Acórdão recorrido do vício da “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, porque a decisão no respectivo acórdão foi feita depois de ter elencado e considerado todos os factos provados e as questões de direito. Afigura-se-nos que o acórdão recorrido não incorreu no vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no art.º 400.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, não violou os princípios de livre apreciação da prova e de “in dubio pro reo”, e improcede o recurso interposto pelo recorrente A nesta parte.
12. Em relação ao fundamento do recorrente A de que as suas condutas pertencem aos actos preparatórios:
13. Na sua motivação do recurso, o recorrente A afirmou que se aceitasse que um dos objectos apreendidos fosse cartão de crédito e em consequência, imputou-lhe a prática do crime de “falsificação de moeda” p. p. pelo art.º 252.º, n.º 1 em conjugação com o art.º 257.º, n.º 1, al. b) do CPM, por ainda não efectuar o implante de qualquer dado neste cartão de crédito, encontrava-se apenas na fase de aquisição do cartão de crédito contrafeito, pelo que as suas condutas devem constituir actos preparatórios previstos pelo art.º 261.º, n.º 2 em conjugação com o n.º 1 do mesmo artigo do CPM.
14. Ao abrigo do disposto geral no art.º 20.º do CPM, os actos preparatórios não são puníveis, mas quando os respectivos actos possam criar perigo para os bens jurídicos que a lei visa proteger, e determine-se a antecipação da tutela, pode-se dispor expressamente que certos actos criminosos são puníveis na fase preparatória.
15. Os actos criminosos de contrafacção de moeda, depreciação do valor de moeda metálica, contrafacção de valores selados, contrafacção de selos, cunhos, marcas ou chancelas, e pesos e medidas falsos perturbam e lesam os bens jurídicos do sistema financeiro, e o legislador decidiu regular e punir antecipadamente tais actos na sua fase preparatória, pelo que criou o art.º 261.º do CPM.
16. In casu, de acordo com o estado do recorrente A quando foi encontrado pela polícia, conjugado com os equipamentos na sua volta e os actos e depoimentos do outro arguido no processo, é sem dúvida que as condutas do recorrente não se limitam a preparar os objectos ou actos referidos no art.º 261.º, n.º 1 do CPM, porque deteve na sua mão um cartão de crédito integral.
17. Segundo as regras de experiência comum, se não for descoberto pela polícia, é previsível que o recorrente A iria efectuar o implante dos dados necessários no respectivo cartão de crédito e pô-lo em circulação como moeda legítima, de facto, isso foi verificado pela confissão do próprio recorrente feita no inquérito e na audiência de julgamento.
18. Por isso, afigura-se-nos que, o Colectivo do TSI recorrido, com base nos factos provados e nas regras de experiência comum, reconheceu que se não fosse a intervenção policial, o recorrente A teria efectuado necessariamente o implante dos dados no cartão de crédito envolvido, e que a sua detenção deste cartão de crédito não era simples; conjugado com o ambiente no local e o circunstancialismo integral, o recorrente deteve o cartão de crédito em causa com intenção de efectuar o implante de dados falsos, falsificar um cartão de crédito e pô-lo em circulação, pelo que as suas condutas já constituíram o crime de “falsificação de moeda” p. p. pelo art.º 252.º, n.º 1 (em conjugação com o art.º 257.º, n.º 1, al. b)) do CPM, e não apenas os actos preparatórios previstos pelo art.º 261.º, n.º 2 em conjugação com o n.º 1 do mesmo artigo do CPM.
19. Segundo o princípio da legalidade, as condutas do recorrente A provadas não são expressamente abrangidas pelo art.º 261.º do CPM, pelo que entendemos correcta a decisão do Colectivo do TSI recorrido de não reconhecer as condutas do recorrente A como actos preparatórios da contrafacção de moeda.
20. Improcede, por isso, o recurso interposto pelo recorrente A nesta parte.
21. Em relação ao fundamento do recorrente A de que as suas condutas constituem a tentativa:
22. Na sua motivação do recurso, o recorrente A impugnou de forma segura, indicando que se as suas condutas não pertencessem à situação do art.º 261.º do CPM, também deviam constituir a tentativa prevista pelos art.ºs 21.º, n.º 1 e 22.º do mesmo Código, e que deve-se fazer a medida da pena conforme o art.º 67.º do mesmo Código.
23. Salvo o devido respeito, mantemos o parecer e a posição do Ministério Público no presente processo, concordando com esta parte do recurso.
24. De acordo com os art.ºs 21.º, n.º 1 e 252.º, n.º 1 do CPM, além da exposição da tentativa feita pelo TSI no processo n.º 547/2009 de 29 de Outubro de 2009, é de mencionar que a contrafacção de moeda prevista pelo art.º 252.º do CPM é considerada crime de perigo em vez do crime de resultado, e também é considerada crime forma ou de actividade, quer dizer, constitui-se o crime sempre que o agente pratica os respectivos actos típicos, independentemente da produção efectiva do resultado de crime. O que é determinado pelo bem jurídico que o crime de falsificação de documento pretende tutelar – “a segurança e fé pública de documentos”. Por isso, “o preenchimento ou não do elemento constitutivo do tipo de crime acima referido” é crítico para distinguir a tentativa e a consumação deste crime.
25. No caso concreto, segundo os factos provados, o recorrente A praticou uma comparticipação.
26. A nível subjectivo, o recorrente A sabia bem que o cartão de crédito detido por si teria sido posto em circulação como legítimo, e as suas condutas revelaram o seu conhecimento do respectivo plano criminoso e a sua determinação de participar na prática dos actos criminosos, razão pela qual preencheram os elementos constitutivos subjectivos do crime de “falsificação de moeda” p. p. pelo art.º 252.º, n.º 1 (em conjugação com o art.º 257.º, n.º 1, al. b)) do CPM.
27. A nível objectivo, o recorrente A foi responsável por usar o computador para eliminar, alterar ou introduzir os dados importantes na tarja magnética do cartão de crédito em causa, a fim de fabricar o cartão de crédito falso. Não ficou provado nos autos que os cartões bancários nos quais o recorrente A teve sucesso em introduzir os dados tinham as funções do cartão de crédito, mas eram apenas cartões de UnionPay (cartão de débito), incluindo os dois cartões n.º XXXXXXXXXXXXXXXXXXX e n.º XXXXXXXXXXXXXXXXXXX (vide as fls. 378v dos autos) que, segundo o acórdão recorrido do TSI, continham dados introduzidos e tinham sido usados; de facto, o TJB já absolveu o recorrente do crime respeitante aos cartões de UnionPay (vide as fls. 315 dos autos).
28. Nos factos provados pelos tribunais das duas instâncias, ficou provado que apenas o cartão n.º XXXXXXXXXXXXXXXX do [Banco (1)] era cartão de crédito, mas ainda não lhe foram introduzidos quaisquer dados (vide as fls. 314 e 375 dos autos). Salvo o devido respeito, entendemos que este cartão de crédito nunca foi fabricado, pelo que não se pode reconhecer que o recorrente concluiu integralmente os actos criminosos previstos e punidos pelo art.º 252.º, n.º 1, em conjugação com o art.º 257.º, n.º 1, al. b) do CPM, e não deve o recorrente ser condenado pela prática na forma consumada do respectivo crime.
29. Segundo os factos provados, quando os guardas chegaram no quarto hoteleiro, o recorrente A, sentado ao lado do computador, só começava a efectuar o implante dos respectivos dados no cartão de crédito, mas a intervenção policial fez com que o recorrente não pudesse concluir a introdução dos dados por causas alheias à sua vontade, pelo que nos termos do art.º 21.º, n.º 1 e n.º 2, al. c) do CPM, apesar de o recorrente ter começado a praticar os actos que preencheram os elementos constitutivos objectivos previstos pelo art.º 252.º, n.º 1 (em conjugação com o art.º 257.º, n.º 1, al. b)) do CPM, os seus actos ainda não se consumaram, e deve o recorrente ser condenado na forma de tentativa.
30. Nestes termos, e salvo o devido respeito, mantemos os nossos pareceres e opiniões, entendendo que se deve passar a condenar o arguido, pela prática na forma de tentativa, dum crime de “falsificação de moeda” p. p. pelo art.º 252.º, n.º 1, em conjugação com o art.º 257.º, n.º 1, al. b) do CPM, e em consequência, fazer a medida da pena segundo o art.º 67.º do mesmo Código.
 
Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição já assumida na resposta à motivação do recurso.
Foram corridos vistos.

2. Os Factos provados
O Tribunal de 1.ª instância considerou assentes os seguintes factos:
6.
Em 15 de Maio de 2012, “B” entregou ao arguido A mais de 10 cartões de UnionPay, e mais tarde, o arguido A, sob instruções de “B”, entrou em Macau junto com um homem do Interior da China “C”, que foi arranjado por “B” como motorista. Depois de terem chegado a Macau, o arguido A e “C” alojaram no [Hotel (2)], esperando pelas instruções de “B” e pelos dados de clientes que este iria fornecer, mas depois de alguns dias, por ainda não receber os dados de clientes fornecidos por “B”, “C” saiu.
7.
Vários dias depois, o arguido A conheceu no Casino do [Hotel (2)] um indivíduo de sexo masculino, ou seja o arguido D. Mais tarde, para praticar as supracitadas actividades, o arguido A alegou ao arguido D que tinha grande quantidade de cartões de UnionPay para levantar numerário em Macau, levando-o para o quarto n.º 1325 do [Hotel (1)], no qual o arguido D conversou com “B” através do computador portátil do arguido A. Na altura, “B” alegou ao arguido D que o arguido A tinha grande quantidade de cartões de UnionPay, e que estes cartões podiam ser usados para levantar numerário em vários lugares em Macau, exigindo que o arguido D usasse estes cartões de UnionPay para levantar numerário com a remuneração de 4% do montante levantado; para obter benefício ilegítimo, o arguido D manifestou o seu consentimento.
8.
Em 28 de Maio de 2012, o arguido A teve uma conversação de voz com vídeo com “B” no seu computador portátil, este forneceu ao arguido A uns dados de clientes, e o arguido A utilizou o computador portátil e outros equipamentos tais como leitor de cartões magnéticos para o implante dos dados de clientes em dois cartões de UnionPay do [Banco (2)] (n.º XXXXXXXXXXXXXXXXXXX e n.º XXXXXXXXXXXXXXXXXXX), entregando posteriormente estes dois cartões ao arguido D para serem passados.
9.
Pelas 23h05 do mesmo dia, o arguido D dirigiu-se à [Casa de Penhor] na [Endereço], usou 1 cartão de UnionPay (n.º XXXXXXXXXXXXXXXXXXX) emitido pelo [Banco (2)] para pagar a conta, com intenção de levantar HKD$15.000,00 em numerário, durante o período, o funcionário da casa de penhor E solicitou ao arguido D a exibição de documentos de identificação para o registo, mas o arguido exigiu de repente o cancelamento da transacção, retirando o cartão de UnionPay e saindo da loja apressadamente.
10.
Os guardas CPSP que estavam a patrulhar fora da porta da referida loja viram que o arguido D saiu da loja com ar nervoso, pelo que efectuaram-lhe a investigação da identidade.
11.
Durante a investigação, os guardas encontraram na posse do arguido D os seguintes objectos: dois cartões de UnionPay do [Banco (2)] (n.º XXXXXXXXXXXXXXXXXXX e n.º XXXXXXXXXXXXXXXXXXX), dois cartões do quarto do [Hotel (1)], um recibo de depósito a título de caução do [Hotel (1)] e um telemóvel de cor preta (de marca SAMSUNG, modelo: SCH-S269 e n.º de série: 2007CP2299).
12.
Ao mesmo dia, os guardas, segundo as informações fornecidas pelo arguido D, dirigiram-se ao quarto n.º 1325 do [Hotel (1)] para investigação, descobrindo que o arguido A estava a usar no quarto um computador equiparado com um auscultador, uma câmara de vídeo e um leitor de cartão magnético ligado com transformador; encontrando ao lado do computador portátil um telemóvel, sete cartões de UnionPay do [Banco (3)] (n.ºs XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXX e XXXXXXXXXXXXXXXX), três cartões de UnionPay do [Banco (4)] (n.ºs XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXXXXX e XXXXXXXXXXXXXXXX), três cartões de UnionPay do [Banco (2)] (n.ºs XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXXXXX e XXXXXXXXXXXXXXXXXXX), um cartão de UnionPay do [Banco (5)] (n.º XXXXXXXXXXXXXXXX), um cartão de UnionPay do [Banco (1)] (n.º XXXXXXXXXXXXXXXX) e um cartão de UnionPay do [Banco (6)] (n.º XXXXXXXXXXXXXXXX).
13.
Submetidos ao exame da PJ, verificaram-se que dos 18 cartões de UnionPay acima referidos, os cartões n.ºs XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXXXXX e XXXXXXXXXXXXXXXXXXX continham dados magnéticos correspondentes às informações na superfície; os cartões n.ºs XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXX e XXXXXXXXXXXXXXXX não continham dados magnéticos completos; e os cartões n.ºs XXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXX e XXXXXXXXXXXXXXXX não continham nenhum dado (vide o relatório nas fls. 185 e 203 dos autos).
14.
Para obter benefícios ilícitos, o arguido A agiu de forma livre, consciente e voluntária ao cooperar com “B” para, por mútua determinação e com divisão de tarefas, falsificar cartões de UnionPay na RAEM e pô-los em circulação como cartões legítimos.
15.
O arguido D, sabendo bem que os cartões de UnionPay usados eram falsificados pelo arguido A sob instruções de “B”, ainda agiu de forma livre, consciente e voluntária ao passar, a pedido de “B”, os falsos cartões de UnionPay na RAEM, com intenção de usá-los como cartões de UnionPay legítimos e obter enriquecimento, mas sem sucesso por causas alheias à sua vontade.
16.
Os dois arguidos sabiam bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
***
Mais se provou:
- Dos 16 cartões de UnionPay encontrados pelos guardas no quarto n.º 1325 do [Hotel (1)], o cartão do [Banco (1)] n.º XXXXXXXXXXXXXXXX foi classificado de cartão de crédito, e os restantes incluindo os encontrados na posse do arguido D foram classificados de cartões pré-pagos.
- O 1º arguido é trabalhador, auferindo mensalmente cerca de RMB¥6.000,00.
- O 1º arguido tem habilitações literárias o ensino primário, tendo a seu cargo os pais, a esposa e uma filha.
- De acordo com o certificado de registo criminal, ambos os arguidos são delinquentes primários.
***
Não são provados os factos importantes constantes da acusação mas não correspondentes aos factos provados, designadamente:
1.
Em Março de 2012, o arguido A e um homem chamado “B”, por acordo comum e com divisão de tarefas, fabricaram e usaram cartões de UnionPay falsos, a fim de obter vantagem pecuniária ilícita; “B” era responsável por recolher os dados de clientes, fornecer cartões de UnionPay e os equipamentos para fabricar cartões de UnionPay falsos, e encontrar uns indivíduos como motorista ou para assistir o trabalho, com retribuição em dinheiro, e o arguido A era responsável pelo implante, através dos referidos equipamentos, dos dados de clientes nos respectivos cartões de UnionPay.
2.
Para praticar as supracitadas actividades, depois de entrar em Macau, o arguido A veio alugar um quarto hoteleiro como oficina para fabricar os cartões de UnionPay falsos, e depois, o arguido A recebeu, através do seu computador portátil, dados de identidade emitidos por “B” do exterior da RAEM, e de acordo com os métodos e processos ensinados por “B”, efectuou, com os equipamentos tais como computador portátil, o implante dos dados de clientes nos cartões de UnionPay, a fim de fabricar cartões de UnionPay falsos.
3.
Em 11 de Abril de 2012, “B” entregou ao arguido A vários cartões de UnionPay cujos dados foram eliminados, e o arguido A entrou em Macau junto com um homem do Interior da China “F”, que foi arranjado por “B” como motorista, alojando no [Hotel (3)].
4.
Em 12 de Abril de 2012, o arguido A teve uma conversação de voz com vídeo com “B” através do software SKYPE, e sob instruções deste, o arguido A efectuou o implante dos dados de clientes nos cartões de UnionPay, entregando posteriormente estes cartões a “F” para serem passados.
5.
Depois, “F” usou os referidos cartões para levantar mais de HKD$100.000,00 numa casa de penhor não verificada, e ao mesmo dia, o arguido A e “F” saíram de Macau; posteriormente, o arguido A e “F” receberam respectivamente a remuneração de HKD$4.500,00.

3. O direito
O recorrente suscitou as seguintes questões:
- O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
- A qualificação da sua conduta como actos preparatórios; e
- A prática do crime de contrafacção de moeda na forma tentada e a consequente atenuação especial da pena.

3.1. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
Como se sabe, este Tribunal de Última Instância tem entendido que, para que se verifique o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, “é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada”.1
No caso vertente, nota-se que o recorrente não põe em causa a matéria de facto dada como assente pelo Tribunal.
Limita-se a alegar que todos os factos se centralizam em torno da falsificação de cartão de UnionPay, que é designado vulgarmente por cartão de débito e não dispõe das funções de cartão de crédito, só se podendo pagar com o cartão quando há depósito na respectiva conta bancária, pelo que não se deve considerá-lo como cartão de garantia ou de crédito previsto no art.º 257.º n.º 1, al. b) do CPM. E apesar de ficar provado que o cartão do [Banco (1)] n.º XXXXXXXXXXXXXXXX é cartão de crédito, certo é que os factos provados revelam apenas que o recorrente deteve o cartão de crédito sem armazenar qualquer dado e tal cartão ficava sempre na posse dele, pelo que é mais lógico que este cartão lhe pertenceu, na falta de provas de que o recorrente adquiriu ou deteve, de forma indevida, o referido cartão de crédito.
Ora, é verdade que, com excepção de um, todos os cartões referidos na matéria de facto provada são cartões de UnionPay, vulgarmente conhecidos por cartões de débito, sem funções de cartão de crédito, daí que não se integram na previsão da al. b) do n.º 1 do art.º 257.º do CPM.
O cartão do [Banco (1)] n.º XXXXXXXXXXXXXXXX, apreendido nos autos, foi porém identificado como cartão de crédito, conforme a matéria de facto provada.
E ficou provado que este cartão de crédito não continha nenhuma informação, enquanto os outros cartões apreendidos continham dados magnéticos, completos ou não.
Constata-se ainda que, ao chegar ao quarto n.º 1325 do [Hotel (1)] para investigação, os agentes policiais descobriram que o ora recorrente estava a usar um computador equiparado com um auscultador, uma câmara de vídeo e um leitor de cartão magnético ligado com transformador, tendo encontrado ao lado do computador portátil um telemóvel, sete cartões de UnionPay do [Banco (3)], três cartões de UnionPay do [Banco (4)], três cartões de UnionPay do [Banco (2)], um cartão de UnionPay do [Banco (5)], um cartão de UnionPay do [Banco (1)] (que é exactamente o cartão identificado como de crédito) e um cartão de UnionPay do [Banco (6)].
Os factos provados revelam ainda todo o plano feito pelo indivíduo “B”, com a colaboração do recorrente e o 2.º arguido, tendo o recorrente trazido para Macau mais de dez cartões de UnionPay, aguardando no Hotel pelas instruções de “B” e pelos dados de clientes que este iria fornecer, com os quais o recorrente chegou a contrafazer os cartões, utilizando o computador portátil e outros equipamentos tais como leitor de cartões magnéticos para o implante dos dados de clientes, enquanto o 2.º arguido serviu como “motorista” para passar os cartões já contrafeitos como legítimos.
Todos os factos provados, conjugados com as regras de experiência comum, demonstram que o recorrente agiu a comando de “B”, sendo que todos os cartões apreendidos nos autos, incluindo o cartão de crédito, foram entregues por “B”, com vista à sua contrafacção, com dados de clientes que iriam ser fornecidos por aquele e utilização de computador e os demais equipamentos, com intenção de os pôr em circulação como legítimos.
Face à factualiade assente, é de crer que não há nenhuma lacuna que permita julgar verificado o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
E não se vê como foi violado o princípio in dubio proreo.

3.2. Actos preparatórios
Alega o recorrente que nos autos só fica provado que ele adquiriu os instrumentos para a contrafacção de cartão de crédito e deteve o cartão de crédito do [Banco (1)], que não continha nenhum dado, pelo que a sua conduta deve ser qualificada como actos preparatórios do crime de contrafacção de moeda, p.p. pelo art.º 261.º n.º 2 do CPM, em conjugação com o n.º 1 do mesmo artigo.

É consabido que o Código Penal de 1886 definia, no seu art.º 14.º, os actos preparatórios como “os actos externos conducentes a facilitar ou preparar a execução do crime, que não constituam ainda começo de execução”, mas não continha uma definição de actos de execução.
Por sua vez, a lei penal ora vigente em Macau não dá uma noção de actos preparatórios, mas sim a noção de actos de execução (n.º 2 do art.º 21.º do Código Penal de Macau).
Daí decorre que os actos preparatórios são agora delimitados por via de exclusão, devendo entender como tais aqueles actos do iter criminis que já estão para além da resolução de realizar o tipo-de-ilícito, mas não cabem ainda na previsão do referido n.º 2 do art.º 21.º, que tem o seguinte teor:
Artigo 21.º
(Tentativa)
1. Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.
2. São actos de execução:
a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime;
b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou
c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos indicados nas alíneas anteriores.
 
Ora, face à matéria de facto provada nos autos, nomeadamente todo o plano feito por “B”, ao qual aderiu o recorrente com a sua colaboração, e o facto de que o recorrente foi encontrado no quarto do Hotel a usar um computador equiparado com um auscultador, uma câmara de vídeo e um leitor de cartão magnético ligado com transformador, ao lado do qual foram encontrados os cartões de UnionPay dos bancos diferentes, alguns já com os dados magnéticos implantados, completos ou não, outros ainda sem nenhum dado, afigura-se não haver dúvidas que se está já fora do âmbito dos actos preparatórios, já que o recorrente não se limitou a trazer os cartões a Macau nem a adquirir os respectivos equipamentos, mas sim foi muito mais longe: ele iria contrafazer tais cartões, e contrafez efectivamente, com os dados oferecidos por “B”, tudo conforme o combinado e o planeado.
Na realidade, o cartão de crédito em causa, embora ainda sem nenhum dado, está incluído nos cartões que o recorrente iria contrafazer; se não fosse a intervenção da Polícia, o recorrente iria implantar nesse cartão dados necessários oferecidos por “B”, contrafazendo-o.
Está assim verificada uma das situações em que os actos devem ser qualificados como de execução, e não meros preparatórios, que é precisamente a prevista na al. c) do n.º 2 do art.º 21.º do CPM.
A conduta do recorrente faz esperar que, se não se verificassem circunstâncias imprevisíveis, o recorrente teria contrafeito o cartão de crédito em causa e tudo teria passado como ilicitamente planeado.
Improcede a pretensão do recorrente.
 
3.3. Tentativa
Defende o recorrente que nos autos não ficou provado que ele efectuou o implante de dados no cartão de crédito, pelo que a respectiva conduta de falsificação não chegou a consumar-se, razão pela qual deve ser punido pela tentativa, com a atenuação especial da pena.
Ora, nos termos do n.º 1 do art.º 21.º do CPM, “Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”.
Quanto à consumação do crime de contrafacção de moeda, entende-se que o delito de contrafacção de moeda se consuma “com a conclusão do fabrico da primeira moeda”,2 daí que a consumação de contrafacção de cartão de crédito só se verifica com a implantação de todos os dados necessários para que o cartão possa ser usado como verdadeiro e legítimo.
Na tese do Acórdão recorrido, uma vez provado que o recorrente introduziu, no dia 28 de Maio de 2012, dados de duas pessoas (dois clientes) nos dois cartões UnionPay do [Banco (2)] (n.ºs XXXXXXXXXXXXXXXXXXX e XXXXXXXXXXXXXXXXXXX), entregando-os ao 2.º arguido para serem usados, e agiu de forma livre, consciente e voluntária, com intenção de obter benefício ilegal, está preenchido o preceituado nos art.ºs 252.º e 257.º n.º 1, al. b) do CPM.
Ora, nos termos do n.º 1 do art.º 252.º do CPM, é punido com pena de prisão de 2 a 12 anos o agente que pratica contrafacção de moeda, com intenção de a pôr em circulação como legítima.
E ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 257.º do CPM, para efeitos do disposto nos art.ºs 252.º a 256.º do mesmo diploma, são equiparados a moeda “os cartões de garantia ou de crédito”.
Há que ver se os cartões UnionPay apreendidos nos autos, nomeadamente os dois acima referidos, se integram, ou não, no conceito de cartão de garantia ou de crédito.
Entende-se que o cartão de garantia é um documento emitido por uma entidade nos termos de um contrato de acordo com o qual a entidade emissora cauciona a utilização do cheque, enquanto o cartão de crédito é o documento emitido por uma entidade nos termos de um contrato de acordo com o qual a entidade emissora suporta o pagamento de bens e serviços do beneficiário, que o beneficiário reembolsa posteriormente.3
Conforme a factualidade provada, os dois cartões de UnionPay encontrados na posse do 2.º arguido e todos os cartões de UnionPay encontrados no quarto do [Hotel (1)] foram classificados de cartões pré-pagos, com excepção do cartão do [Banco (1)] n.º XXXXXXXXXXXXXXXX, que foi identificado como cartão de crédito.
Ora, o cartão pré-pago é, evidentemente, diferente do cartão de garantia ou de crédito, normalmente considerado como cartão de débito, que constitui um meio de pagamento imediato, com débito de uma conta bancária, ficando fora da disposição legal da al. b) do n.º 1 do art.º 257.º do CPM.4
E face ao princípio da legalidade vigorado no Direito Penal, é de afastar a punição da conduta de contrafacção de cartões pré-pagos pelo crime de contrafacção de moeda.
Quanto ao único cartão de crédito apreendido nos autos, repare-se que no mesmo não foi ainda implantado nenhum dado, conforme a matéria de facto provada, pelo que não estava ainda concluído para pode ser usado como legítimo.
Daí que se deve concluir que o recorrente deve ser condenado pela prática, na forma tentada, do crime de contrafacção de moeda, face à não consumação dos actos de execução.
É de julgar procedente o recurso, nesta parte.

E face à matéria de facto provada, não podemos deixar de dizer que, não obstante a não punição pelo crime de contrafacção de moeda, a conduta de contrafazer os cartões de débito, também aprendidos nos autos, se deve integrar no crime de falsificação de documento p.p. pelo art.º 244.º n.º 1, al. a) do CPM.
A punição deste crime, na forma consumada, entra em concurso efectivo com o crime de contrafacção de moeda pelo qual já foi condenado o recorrente, pois visa objectos diferentes e protege os bens jurídicos distintos.
Uma vez alterada a qualificação jurídica dos factos, que é, como se sabe, de conhecimento oficioso do tribunal, foi cumprido nos autos o disposto no n.º 1 do art.º 339.º do Código de Processo Penal.

Consequentemente, há que fixar as penas concretas, parcelares e única resultante do cúmulo jurídico, a aplicar ao recorrente.
Nos termos do n.º 2 do art.º 22.º do CPM, a tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada.
E ao abrigo do art.º 67.º n.º 1, al.s a) e b) do CPM, a conduta do recorrente (de contrafazer o cartão de crédito na forma tentada) é punível com a pena de 1 mês a 8 anos de prisão.
O crime de falsificação de documento é punido com a pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
O art.O 40. n. 1 do CPM dispõe que a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos.
Ao comando do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no ni 2 do artigo.
Atentas as circunstâncias apuradas nos autos e ao disposto nos art.º s 40.º e 65.º do CPM, afigura-se adequadas e ajustadas uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão para o crime tentado de contrafacção de moeda e uma pena de 9 meses de prisão para o crime de falsificação de documento.
Em cúmulo jurídico, fixa-se a pena única de 2 anos de prisão.
Tendo em conta o circunstancialismo do caso e as necessidades de prevenção geral e especial, é de afirmar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que não se suspende a execução da pena de prisão aplicada.

E não obstante a condenação do recorrente por mais um crime de falsificação de documento, não se afigura violado o princípio de proibição de reformatio in pejus previsto no n.º 1 do art.º 399.º do Código de Processo Penal, visto que a modificação da medida da pena concreta, para 2 anos de prisão, não foi operada em prejuízo do recorrente.
 
4. Decisão
Face ao expendido, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido A, que passa a ser condenado, pela prática de um crime tentado de contrafacção de moeda p.p. pelo art.º 252.º, conjugado com o art.º 257.º n.º 1, al. b), ambos do Código Penal de Macau, na pena de 1 anos e 6 meses de prisão e um crime de falsificação de documento p.p. pelo art.º 244.º n.º 1, al. a) do Código Penal de Macau na pena de 9 meses de prisão.
E em cúmulo jurídico, condena-se o recorrente na pena única de 2 anos de prisão efectiva.
Sem custas.

Macau, 8 de Janeiro de 2014

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

1 Ac.s do TUI, de 22-11-2000, Proc. n.º 17/2000, de 7-2- 2001, Proc. n.º 14/2000, de 16-3-2001, Proc. n.º 16/2000 e de 20-3-2002, Proc. n.º 3/2002.
2 A.M. Almeida Costa, anotação no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, p. 773.
3 Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, p. 692.
4 Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, p. 692.
 José de Faria Costa, anotação no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, p. 811.
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1
Processo n.º 72/2013