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Reclamação nº 11/2012

No âmbito dos autos de procedimento cautelar comum nº CV1-12-0041-CAO-A que correm os seus termos por apenso à Acção Ordinária registada sob nº CV1-12-0041-CAO no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, a A, LIMITED, sociedade comercial registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o nº 19870 (SO), interpôs recurso da decisão proferida em 15MAIO2012 constantes da fls. 211 a 217v daquele apenso, que decretou a providência cautelar.

Por douto despacho da Mmª Juiz a quo, não foi admitido esse recurso com fundamento na falta de legitimidade para recorrer.

E porque não lhe foi admitido o recurso, veio formular a presente reclamação nos seguintes termos:

1. A ora Reclamante interveio nos presentes Autos, prestando caução em substituição de providência cautelar decretada sem audição prévia, na convicção de que a mesma era Parte Requerida;
2. Foi nessa mesma convicção - que o Tribunal a quo expressamente consignou no despacho que ordenou a prestação de caução - que a ora Reclamante foi justamente admitida a intervir, fazendo-o como parte.
3. O Tribunal sabe hoje, e não pode desconhecer atentos os elementos disponíveis nos Autos, que (i) a providência não foi decretada contra a ora Reclamante (o próprio despacho impugnado o afirma) e que (ii) a mesma foi decretada contra entidade que não existe.
4. Como consequência daquelas ocorrência processuais, a ora Reclamante é hoje a única entidade lesada pela providência decretada, e é-o directa e efectivamente tendo, por isso, interesse em recorrer:
a) Ou bem que (i) a ora Reclamante é julgada parte principal nos Autos - porque o Tribunal a admitiu a participar nos mesmos enquanto tal. ainda que erradamente - e (ii) a mesma é directa e efectivamente prejudicada pela decisão de que interpôs recurso porque foi tomada pelo Tribunal como destinatária da mesma e disso resultou que a mesma se ache desembolsada em MOP1.000.001,00;
b) Ou bem que (i) a ora Reclamante não é julgada parte principal nos Autos – porque, não obstante ter sido admitia a participar nos mesmos como tal, não deveria tê-lo sido - mas. (ii) a mesma sofre um prejuízo directo e efectivo por ter sido admitida a prestar caução para substituição de providência decretada contra pessoa diferente da sua, rectius, in casu, contra pessoa que não existe, achando-se desembolsada da quantia de MOP1.000.001,00.
5. Atenta a configuração legal da prestação de caução como substituição de providência decretada - e não como garantia (hoc sensu acessória) da mesma - a recusa do recurso tem como efeito prático (i) a consolidação na esfera da ora Reclamante do prejuízo que lhe foi causado pela decisão de decretação de uma providência cautelar contra pessoa inexistente a partir de uma falsa representação feita ao Tribunal pelas Requerentes da providência (ii) mantendo-se a mesma desembolsada da quantia de MOP1.000.0001,00.

Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que Vossa Excelência, Senhor Doutor Juiz Presidente do Venerando Tribunal de Segunda Instância, há-de sapientemente suprir, se requer seja que o despacho de não admissão do recurso e substituído por outro que o admita
Mais requerendo que Vos digneis ordenar os demais termos da lide nos termos da lei.

II - Fundamentação

Passemos pois a apreciar a reclamação.

Ora, a única questão levantada pela reclamante é saber se ela tem legitimidade para interpor o recurso do despacho a fls. 211 e s.s. dos autos de procedimento cautelar.

De acordo com os elementos existentes nos autos, está assente a seguinte matéria de facto com relevância à boa decisão da presente reclamação:

* B, e C LIMITED, vieram requerer contra, nomeadamente XXX, com sede na Eslovénia, XX SYSTEMS INC., com sede na Coreia do Sul, A LIMITED, com sede na Austrália e XXX LIMITED, com sede na Austrália que fossem as requeridas e todas as entidades expositores que participassem na exposição G2E Asia, organizada pela XXX em conjunto com a XXX Association, que tinha lugar nos dias 22 a 24MAIO2012 no Centro de Convenções e Exposições The Venetian Macau, impedidas e inibidas da prática de quaisquer actos em violação das Patentes I/150 E I/380 e bem assim, dos direitos conferidos pelas mesmas aos requerentes, até que a acção principal a interpor transitasse em julgado, nomeadamente fosse ordenada a proibição da exposição na referida G2E Asia de equipamento e material de jogo violador das Patentes I/150 e I/380;

* Por despacho proferida pela Exmª Juiz a quo nos autos de procedimento cautelar, foi decidido, entre outros, que fossem as requeridas XXX, com sede na Eslovénia, XX SYSTEMS INC., com sede na Coreia do Sul, A LIMITED, com sede na Austrália e XXX LIMITED, com sede na Austrália, que participassem na exposição G2E Asia, organizada pela XXX em conjunto com a XXX Association, que tinha lugar nos dias 22 a 24MAIO2012 no Centro de Convenções e Exposições The Venetian Macau, impedidas e inibidas da prática de quaisquer actos em violação das Patentes I/150 E I/380 e bem assim, dos direitos conferidos pelas mesmas aos requerentes, até que a acção principal a interpor transitasse em julgado, nomeadamente fosse ordenada a proibição da exposição na referida G2E Asia de equipamento e material de jogo violador das Patentes I/150 e I/380;

* A sociedade A, LIMITED, ora reclamante, alegando ser a terceira requerida no procedimento cautelar, veio, mediante o requerimento datado de 22MAIO2012, requerer ao Tribunal a quo a substituição da providência cautelar decretada pela prestação da caução no valor correspondente ao valor da providência cautelar, ou seja, MOP$1.000.001,00, nos termos permitidos no artº 332º/3 do CPC;

* Notificados os requerentes B e C LIMITED, vieram suscitar a ilegitimidade da A LIMITADA com sede em Macau por esta ser uma sociedade diversa da terceira requerida do procedimento cautelar;

* E dizer não obstante que se não opunha à prestação da caução no montante de MOP$1.000.001,00;

* Por despacho da Exmª Juiz a quo proferida em 23MAIO2012, foi determinado que “notifique a 3ª Requerida para pagar caução requerida (MOP$1.000.001,00) de imediato”;

* Prestada e julgada validamente prestada a caução, foi determinada pela Exmª Juiz a quo a substituição da providência quanto à parte relativa à 3ª requerida;

* Não se conformando com a decisão que decretou a providência, veio a sociedade A LIMITED, com sede em Macau, ora reclamante, interpor recurso para esta segunda instância;

* Recurso esse que não foi admitido por despacho nos termos seguintes:

  Conforme a resposta dada pelo ilustre mandatário do "A LIMITADA", com sede em Macau, vem dizer a sua intervenção nestes Autos de Providência Cautelar é feita em nome da sociedade mandante - "A LIMITADA", com sede em Macau -, cuja exacta identificação se acha consignada substabelecimento junto aos Autos a fls. 349.
*
  Fazemos relembrar aqui o despacho anterior a fls. 596, a providência cautelar foi instaurada contra quatro sujeitos, designadamente, i) XXX, ii) XX SYSTEMS INC., iii) A LIMITED, com sede na Austrália, em 1 XXX, XXX, New South Wales XXX, abreviado por "XXX" e iv) XXX LIMITED.
  Por requerimento de fls. 585 a 594, a "A LIMITADA", ora sociedade registada em Macau, abreviado por "XXX", registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o número de matrícula 19780(SO), com sede na XXX, n.ºXXX, Edif. XXX, XX° andar, X, X, X, Macau, representada pelo ilustre Advogado Dr. XXX (cfr. substabelecimento junto aos Autos a fls. 349),
interpor o Recurso da presente decisão da Providência Cautelar e pedir a passagem das guias de multa.
  Cumpre decidir:
  Do art. °585 do CPCM, "1. Os recursos, exceptuada a oposição de terceiro, só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencidos.
  2. As pessoas directas e efectivamente prejudicadas pela decisão podem dela recorrer, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias."
  Como é sabido, no n.º 1 deste artigo fala-se sobre parte vencida, ora, a parte vencida é parte afectada objectivamente pela decisão, é a parte que não obteve a decisão mais favoráveis aos seus interesses.
  E no n.º 2 fala-se partes acessórias, que em processo declarativo, são o chamado à intervenção acessória provocada (art.º 272) e o assistente (art.º 276). São terceiros, por ex., as testemunhas que hajam sido condenadas em multa por falta a acto judicial.1
  Mais, citamos aqui para referência uma Reclamação para o Presidente do TSI, Proc. N.º15/2010/R, de 01.08.2010., fala-se, no art.º 585°/2 do CPCM, tanto age na veste da parte acessória como na do terceiro prejudicado, a sua legitimidade só se verifica quando a decisão de que pretende recorrer lhe causar um prejuízo directo e efectivo.
  Pois, a inverificação dos prejuízos directos e efectivos, a que alude o art° 585°/2 do CPC não justifica a atribuição à ora reclamante da legitimidade para recorrer, quer na veste da parte acessória quer na do terceiro prejudicado.
  Face aos elementos compulsados dos autos, é evidente que a "A LIMITADA", ora sociedade registada em Macau, não é parte principal da causa (um dos REQUERIDOS) dos autos de Providência Cautelar, basta ver o requerimento inicial da Requerente desta Providência Cautelar. Quem é a 3a Requerida nestes autos é a A LIMITED,com sede na Austrália, em 1 XXX, XXX, New South Wales XXX, abreviado por "XXX" .
  Pelo que, como a XXX não é parte principal dos Autos de Providência Cautelar, esta não tem legitimidade para recorrer nos termos do n.º l do art. °585 do CPCM.
*
  Mais, muito embora a XXX tinha sido prestado a caução e que tem o mesmo nome como XXX, porém, como se sabe, cada sociedade tem a sua personalidade jurídica autónoma e que independente dos outros, e aqui, como não temos elementos suficientes para demonstrar qual é a relação entre XXX e a Requerida XXX, tornando que, não sabemos, por um lado, qual é a qualidade da intervenção da XXX neste providência cautelar, por outro lado, nem a própria XXX tinha alegado qual é. a sua qualidade de intervenção nestes autos nem justificado quais prejuízos directo e efectivo que lhe causar pela decisão desta Providência Cautelar... etc. Pelo que, a XXX também não tem legitimidade para recorrer nos termos do n.º2 do art.º585 do CPCM.
*
  Em suma, a "A LIMITADA", ora sociedade registada em Macau não tem legitimidade para recorrer nesta decisão de providência cautelar, pelo que, não admito o recurso interposto bem como o pedido de passagem de multa a fls. 585 a 594.
  Notifique e D.N..


O artº 585º do CPC dispõe:
(Legitimidade para recorrer)
1. Os recursos, exceptuada a oposição de terceiro, só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.
2. As pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem dela recorrer, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.
Atendendo ao que foi alegado pela reclamante, esta defende ter legitimidade para recorrer por ser ela a única entidade lesada pela providência decretada, e sê-lo directa e efectivamente.

Ora, recurso cuja não admissão deu lugar à presente reclamação tem por objecto a decisão que decretou a providência.

E invocando ser uma das entidades requeridas contra as quais foi decretada a providência, a ora reclamante requereu a substituição da providência decretada pela caução e prestou.

Assim, de duas uma: se a ora reclamante é efectivamente uma das entidades requeridas, é claro que tem legitimidade para recorrer da decisão que decretou a providência, ou se o não é, tem legitimidade para recorrer uma vez que foi ele quem prestou a caução em substituição da providência que não foi decretada contra ele, ou seja, prestou indevidamente a caução por erro, razão por que deve conferir-lhe o direito de vir dizer qualquer coisa por via de recurso com vista a reaver o dinheiro que indevidamente saiu da sua algibeira.

Quer numa quer noutra qualidade, a ora reclamante está a actuar na veste de quem foi directa efectivamente prejudicado

Pelo que à luz do disposto no artº 585º/2 do CPC é de reconhecer à ora reclamante da legitimidade para recorrer, ou na veste da entidade contra a qual foi decretada a providência, ou pelo menos na qualidade do terceiro prejudicado por ter intervindo erroneamente no procedimento e ter prestado indevidamente a caução.

Tudo visto, resta decidir.

III - Decisão

Nestes termos e sem necessidade de mais considerações, ordeno que, se outro motivo não impedir, seja admitido o recurso interposto pela ora reclamante a A, LIMITED, sociedade comercial com sede em Macau e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o nº 19870 (SO), por requerimento datado de 19JUL2012, a fls. 591 dos autos de procedimento cautelar nº CV1-12-0041-CAO-A.

Sem custas.

Cumpra o disposto no artº 597/4 do CPC.

RAEM, 16NOV2012

O presidente do TSI

Lai Kin Hong


1 Manual de Direito Processual Civil, 2ª Edição, Viriato Manuel Pinheiro de Lima, a fls, 656 e ss.
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Recl. 11/2012-8