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Processo n.º 831/2012 Data do acórdão: 2012-11-22
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – coooperação judiciária com autoridades de Hong Kong
  – Lei n.o 6/2006
– autoridade judiciária
– art.º 213.º do Código de Processo Penal
– art.o 214.º, n.o 2, do Código de Processo Penal
– art.o 216.º, n.o 2, do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
1. A Lei n.º 6/2006, de 24 de Julho (Lei da cooperação judiciária em matéria penal) só regula a cooperação judiciária em matéria penal entre a Região Administrativa Especial de Macau e Estados ou Territórios exteriores à República Popular da China.
2. Não se aplicando assim essa Lei à cooperação judiciária em matéria penal entre Macau e Hong Kong, e inexistindo, até agora, nenhum acordo estabelecido entre Macau e Hong nessa matéria, há que observar, por comando do art.º 213.º do Código de Processo Penal, o disposto nos art.os 214.º e seguintes do mesmo Código, nas relações com Autoridades de Hong Kong.
3. Do articulado das normas do n.º 2 do art.o 214.º, por um lado, e, por outro, da alínea a) do n.o 1 e do n.º 2 do art.º 216.º, todos do Código de Processo Penal, se retira que as relações em matéria penal devem ser estabelecidas entre as autoridades judiciárias.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 831/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho da M.ma Juíza de Instrução Criminal que lhe indeferiu, com fundamento no segredo de justiça vigente num processo de inquérito penal pendente em Macau, a promovida autorização do pedido de dispensa de sigilo bancário sobre alguns dados bancários de um mesmo indivíduo suspeito solicitados pelas Autoridades Policiais de Hong Kong para efeitos de investigação, nessa Região vizinha, de um caso de burla em valor consideravelmente elevado, também em investigação naquele inquérito, veio o Ministério Público recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar, nos termos vertidos na sua motivação ora constante de fls. 30 a 31v dos presentes autos recursórios, a revogação daquele despacho judicial, com consequente autorização do pedido referido.
Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 37 a 39v, pugnando pelo provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, fluem os seguintes elementos pertinentes à decisão do recurso:
– a pedido das Autoridades Policiais de Hong Kong, a Polícia Judiciária de Macau solicitou, em Junho de 2012, ao Ministério Público que promovesse ao Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) a autorização da dispensa do sigilo bancário acerca de alguns dados bancários de um indivíduo suspeito da prática do crime de burla, necessários para efeitos da respectiva investigação em Hong Kong (cfr. o ofício da Polícia Judiciária de fl. 2);
– e segundo o ofício das Autoridades Policiais de Hong Kong (ora a fl. 3), em anexo ao referido ofício da Polícia Judiciária, os dados bancários pretendidos em questão referem-se à documentação de abertura de duas contas bancárias em Macau, aos extractos das mesmas contas num período de quatro meses do ano 2010 e aos registos da transacção detalhada sobre a transferência bancária em alguns milhões de patacas numa data determinada em 2010;
– recebido o ofício da Polícia Judiciária, o Ministério Público descobriu que os factos criminosos referidos no dito ofício das Autoridades Policiais de Hong Kong eram comuns aos factos sob investigação num inquérito penal pendente em Macau (cfr. o despacho do Digno Delegado do Procurador exarado a fl. 8);
– em 28 de Setembro de 2012, o Ministério Público promoveu ao Juízo de Instrução Criminal a autorização do pedido de dispensa do sigilo bancário em questão (cfr. a promoção constante de fl. 15);
– em 28 de Setembro de 2012, a M.ma Juíza de Instrução Criminal indeferiu essa promoção, citando, como fundamento dessa decisão, que os factos criminosos objecto do pedido de dispensa de sigilo bancário são, na sua essência, idênticos aos factos objecto daquele inquérito penal pendente no Ministério Público, pelo que em prol do segredo de justiça vigente no dito inquérito, não se pode autorizar o pedido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Tendo em conta que a Lei n.º 6/2006, de 24 de Julho (Lei da cooperação judiciária em matéria penal) só regula a cooperação judiciária em matéria penal entre a Região Administrativa Especial de Macau e Estados ou Territórios exteriores à República Popular da China (pelo que o mesmo diploma legal não se aplica à cooperação judiciária em matéria penal entre Macau e Hong Kong), e que como se sabe, até agora, inexiste nenhum acordo estabelecido entre Macau e Hong nessa matéria, há que observar, por comando do art.º 213.º do Código de Processo Penal vigente (CPP), o disposto nos art.os 214.º e seguintes do mesmo Código, nas relações com Autoridades de Hong Kong.
In casu, como as Autoridades Judiciárias de Hong Kong não chegaram a dirigir qualquer carta rogatória ao Juízo de Instrução Criminal do TJB, para pedir a obtenção de dados bancários em causa com dispensa de sigilo bancário para efeitos de investigação criminal, nessa Região vizinha, de um caso de burla em valor consideravelmente elevado, mas sim só houve um ofício dirigido pelas Autoridades Policiais de Hong Kong à Polícia Judiciária de Macau para rogar a mesma pretensão, deveria a M.ma Juíza de Instrução Criminal ter indeferido o pedido assim formulado com fundamento na falta de observância do formalismo prescrito no art.º 215.º do CPP, porquanto do articulado das normas do n.º 2 do art.o 214.º, por um lado, e, por outro, da alínea a) do n.o 1 e do n.º 2 do art.º 216.º, todos do CPP se retira que as relações em matéria penal devem ser estabelecidas entre as Autoridades Judiciárias.
Assim sendo, e sem mais outra abordagem por desnecessária, é de manter a decisão judicial de indeferimento ora recorrida, com fundamento diverso do concretamente invocado pela M.ma Juíza a quo, não se tomando, assim, conhecimento na presente lide recursória, por estar prejudicado pela análise acima feita, do mérito desse fundamento da M.ma Juíza a quo, e sem prejuízo naturalmente de um pedido idêntico vir a ser formulado pelas Autoridades Judiciárias competentes de Hong Kong para o Juízo de Instrução Criminal do TJB, hipótese em que já caberá ao Juízo de Instrução Criminal tratar e decidir do pedido nos termos ditados nos art.os 215.º e 216.º do CPP (neste sentido, cfr. aliás o entendimento jurídico já veiculado no acórdão deste TSI, de 10 de Novembro de 2011, no Processo n.º 664/2011).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso do Ministério Público, mantendo a decisão judicial recorrida.
Sem custas.
Macau, 22 de Novembro de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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