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Proc. nº 851/2012
(Recurso cível e laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 15 de Novembro de 2012
Descritores:
- STDM
- Declaração de remissão/quitação
- Nulidade do saneador por omissão de pronúncia


SUMÁRIO

I- A remissão consiste no que é vulgarmente designado por perdão de dívida.

II- A quitação (ou recibo, no caso de obrigação pecuniária) é a declaração do credor, corporizada num documento, de que recebeu a prestação.

III- O reconhecimento negativo de dívida é o negócio pelo qual o possível credor declara vinculativamente, perante a contraparte, que a obrigação não existe.

IV- O reconhecimento negativo da dívida pode ser elemento de uma transacção, se o credor obtém, em troca do reconhecimento, uma concessão; mas não o é, se não se obtém nada em troca, havendo então um contrato de reconhecimento ou fixação unilateral, que se distingue da transacção por não haver concessões recíprocas.

V- Não se justifica a declaração de nulidade do saneador quando, para além de alguma concretamente apreciada, o tribunal “a quo” não relega para final o conhecimento de outra suscitada pelo contestante, e, em vez disso, declara não haver quaisquer outra matéria exceptiva de que cumpra conhecer, se tal matéria vier a ser conhecida no sentido defendido pelo excepcionante na sentença.


Proc. nº 851/2012

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I- Relatório
A, com os demais sinais dos autos, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento da indemnização no valor de Mop$742.349,10, correspondente aos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios não gozados desde o início da relação laboral até ao seu termo.
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Na contestação, previamente à defesa por impugnação, a ré suscitou a excepção de prescrição, excepcionando ainda a quitação e renúncia da A aos créditos reclamados nos autos.
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No despacho saneador, o tribunal de 1ª instância julgou prescritos os créditos anteriores a 19/01/1992, não se pronunciando sobre a outra matéria exceptiva, dizendo inexistirem outras excepções ou questões prévias obstativas do conhecimento de mérito da causa (fls. 104).
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Deste despacho saneador foi interposto recurso pela STDM, em cujas alegações foram apresentadas as seguintes conclusões:
“ A) A ora Recorrente deduziu duas Excepções Peremptórias e não uma como erradamente conclui o Tribunal Recorrido, ao dizer, a fls. do Despacho Saneador, que “Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.”
B) Pelo que não poderia nunca o Tribunal a quo ter decidido, prévia e temporariamente, no [mal do douto despacho saneador, que apenas existia uma só excepção peremptória deduzida pela Ré e aqui Recorrente.
C) Termos em que deverá ser desde logo dada sem efeito e desconsiderado e revogada esta parte do referido despacho saneador e substituído em conformidade.
D) Há uma omissão de pronúncia, uma causa de nulidade da sentença, bem como, ainda, um vício da mesma sentença (no caso específico, de um «saneador-sentença» que não foi proferido, nem sequer equacionado), nos termos e para os efeitos dos seguintes normativos e diplomas legais: a alínea b) do número 1 do artigo 429º, o número 1 do artigo 570º, a alínea d) do número 1 e o número 3, ambos do artigo 571º, as alíneas a) e b) do número 2 do artigo 598º e a alínea a) do número 1 do artigo 599º, todos do Código de Processo Civil (CPC), e, ainda, os números 1 e 2 do artigo 34º, o artigo 43º, o artigo 110º, os números 1, 4 e 5 do artigo 111º, e o ponto 5) do número 1 do artigo 112º, todos estes do CPT.
E) De acordo com o Documento n.º 3 junto com a Contestação da R./Recorrente, em 24 de Julho de 2003, quase um ano depois de cessada a relação contratual e laboral com a R. e ora Recorrente, o A. e ora Recorrido, recebeu a quantia monetária referida de MOP$14,747.87, (facto este totalmente ignorado pelo Mmo. Juiz a quo)
F) Como compensação da DSAL, antiga DSTE, no quadro de um acordo entre Autoridades e Governo da R.A.E.M., a associação dos trabalhadores da STDM, S.A., a união dos operários de Macau e a ora R. e Recorrente (processo de transgressão laboral n. º 1476/2002), conforme parecer do Departamento da Inspecção do Trabalho.
G) Pelo que o A. e ora Recorrido, tendo recebido duas quantias, a títulos distintos, não poderia ter nunca intentado a douta P. I.
H) O Tribunal recorrido, inexplicavelmente, nem se pronunciou pela absolvição da Ré e da aqui Recorrente, do pedido do A. e ora Recorrido, nos termos e para os efeitos dos números 1 e 3 do artigo 412º e do artigo 415º, ambos do CPC,
I) Como fora expressamente requerido pela R., no artigo 41º da sua Contestação.
J) Desta forma, a Contestação tem duas Excepções Peremptórias, oportunamente deduzidas, e não uma, como, certamente por lapso, o Tribunal Judicial de Base (TJB) decidiu no seu despacho saneador.
K) Pelo que, entende a ora Recorrente que a decisão ora em crise padece de errada interpretação dos normativos vigentes na ordem jurídica de Macau, sendo por isso mesmo anulável e impondo-se, assim, a sua revogação, nos termos do número 2 do artigo 598º e a alínea a) do número 1 do artigo 599º, ambos do CPC, aqui aplicável ex vi dos números 1 e 2 do artigo 1 º e dos artigos 110º e seguintes, todos do CPT.
L) Assim, o Tribunal deverá pronunciar-se sobre a matéria de facto e a matéria jurídica invocada pela Ré nos artigos 25º a 41º da Contestação, conhecendo deste modo da segunda excepção peremptória invocada pela ora Recorrente.
M) O Douto Despacho Saneador deve, pois, ser alterado, corrigido ou anulado no ponto aqui em crise e que é objecto do presente Recurso.
N) Visto que a segunda excepção invocada pela R., ora Recorrente, não foi objecto de pronúncia, o que demonstra uma omissão de pronúncia, sujeita à nulidade, nos termos, designadamente dos artigos 571º, 598º e 599º, todos do CPC.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se a decisão recorrida em conformidade, fazendo-se, mais uma vez, a habitual JUSTIÇA!”.
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Não houve contra-alegações.
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Prosseguiu o processo os seus normais termos, vindo na oportunidade a ser proferida sentença, que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.
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É dessa sentença que a autora da acção interpõe o presente recurso, em cujas alegações deduziu as seguintes conclusões:
“A - Ao caso sub judicio apenas se pode aplicar o R.J.R.T. da RA.E.M., uma vez que o mesmo não contém lacuna que deva ser integrada, não se podendo fundar a Sentença recorrida no art. 854º do Código Civil - art. 3º do D.L. 39/99/M e art 6º, nº 3, 8º, 9º do CC e 25º e 33º do R.J.R.T.
B - De acordo com o disposto no art. 33º do Decreto-Lei nº 84/89/M, de 03 de Abril, os direitos dos trabalhadores a créditos laborais, designadamente a salários por trabalho efectivamente prestado, são inalienáveis e irrenunciáveis.
C - Ao não aplicar ao caso concreto a norma do art. 33º do R.J.R.T., a Douta Sentença recorrida sofre de nulidade - art. 571º, nº 1 alínea d) do CP.C.
D - Os créditos laborais dos trabalhadores da R.A.E.M. não têm um tratamento diferenciado, i.e., indisponíveis na vigência do contrato de trabalho e disponíveis após essa vigência.
E - Uma tal interpretação, no sentido da sua disponibilidade após a cessação da relação laboral, não resulta nem da letra da Lei, nem do seu espírito, nem das circunstâncias efectivas e históricas em que foi criada.
F - Bem como violaria o Princípio da Igualdade, pois os direitos dos trabalhadores nas mesma circunstâncias do recorrente têm vindo a ser acauteladas pelas Tribunais da R.A.E.M., existindo sobre a questão Jurisprudência Assente.
G - A “Declaração” assinada pelo recorrente não constitui, por falta de todos os legais requisitos e por violação do art. 33º do R.J.R.T. uma remissão ou renúncia absdicativa, sendo nula e de nenhum efeito.
H - O recorrente, embora tenha cessado o seu contrato de trabalho com a recorrida, continuou a exercer funções para a sua subsidiária, existindo entre aquela e a SJM, subsidiária da recorrida e por ela controlada, uma relação de trabalho, que o impedia de, livremente, formar uma vontade, com o que os documentos que suportam a Decisão recorrida são nulos e inquinam a mesma art. 259º do CC.
I - A Jurisprudência portuguesa que suporta a Decisão recorrida não tem aplicação ao caso concreto, pela que padece a mesma de ausência de fundamentação - art. 571º, nº 1, alíneas b) e d) do C.P.C.
J - A “Declaração” assinada pelo recorrente é vaga e imprecisa, sendo certo que os requisitos do art. 854º do CC, sem conceder, são a existência de um direito e não a mera hipótese de existência ou probabilidade de existência do mesmo, e a certeza, pela concretização, do direito a que se renúncia, quer pela sua especificação exacta, quer pela reconhecimento da sua existência, o que não acontece in casu.
L - A “Declaração” do recorrente e documentos constantes dos autos, reportam-se a um “prémio de serviço” e não a um qualquer direito efectivado, não representando, ainda, a perda de um valor pecuniário/patrimonial, por si só e sem contrapartida.
M - Ainda, para que se dê a remissão/renúncia consensual do direito, nos termos do art. 854º do CC, é condição essencial o consentimento do devedor na remissão, que inexiste nesta concreta situação.
N - Ninguém pode dar quitação de um crédito que ignora e cuja titularidade nem sequer lhe é reconhecida, donde, não existindo qualquer remissão/renúncia abdicativa da recorrente aos seus créditos laborais e não sendo permitido retirar qualquer efeito liberatório de uma “Declaração” viciada, está a Decisão recorrida ferida de nulidade - cfr. arts. 854º, 239º e 240º do C.C. e art. 571º, nº 1 alíneas b) e d) do C.P.C.
O - Atento o inderrogável Princípio do Favor Laboratoris, elaborado atentas as especificidades do Direito de Trabalho e a necessidade de proteger o trabalhador, encontrando-se a solução jurídica que lhe seja mais favorável, uma vez que é a parte débil em qualquer relação laboral, deve sempre entender-se a “Declaração” sub judicio como declaração retratável - na senda da Jurisprudência da R.A.E.M., sob pena de violação do art. 6º do D.L. nº 24/89/M, de 3 de Abril.
P - Sem conceder, mesmo que a “Declaração” assinada tivesse feito surgir o contrato de remissão de dívida, de acordo com as normas imperativas dos arts. 6º e 2º, alínea d) do R.J.R.T., não podia este surtir qualquer efeito, pois ê: em concreto, muitíssimo desfavorável à recorrente”.
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A STDM respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
“1. Andou bem a douta Sentença recorrida na consideração da “Declaração” como extintiva dos eventuais créditos do Autor sobre a Ré, decorrentes da relação laboral mantida entre ambas e já cessada;
2. O Tribunal a quo aderiu, assim, ao entendimento do TUI no que toca a esta matéria, mormente ao expresso no Acórdão n.º 46/2007, de 27 de Fevereiro de 2008, no âmbito do qual se declara que “A remissão de créditos do contrato de trabalho é possível após a extinção das relações laborais”;
3. Autor e Ré chegaram a um acordo quanto às eventuais compensações decorrentes da prestação de trabalho em dias de descanso, consubstanciando-se na assinatura da “Declaração” aqui em causa;
4. O Autor sabia e estava consciente do que assinava, aliás nada em contrário resulta da prova constante dos autos, ou seja, estava plenamente consciente de que se encontrava a dispor de eventuais direitos que eram disponíveis, porquanto a relação laboral com a Ré já tinha cessado;
5. Este entendimento é também perfilhado por este douto Tribunal de Segunda Instância (TSI), tal como decidido no Acórdão n.º 1003/2010, de 30 de Junho de 2011, no âmbito do qual se julgou uma situação idêntica com um outro ex-trabalhador da Ré;
6. No tocante à questão fundamental da validade da declaração remissiva e a sua consequência jurídica, sabe-se que também é entendimento deste douto Tribunal de Recurso que a mesma é válida e extintiva de toda e qualquer compensação emergente da relação laboral1 (cfr. o Acórdão do TSI, de 24 de Julho de 2008, no âmbito do processo n.º 491/2007);
7. Trata-se de uma remissão que se traduz numa causa de extinção das obrigações e na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação que lhe é devida, feita com a aquiescência da contraparte2, revestindo, por isso, a forma de “contrato”, como claramente se preceitua no artigo 854.º, n.º 1 do Código Civil, onde consta que o credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor; ou, tal como entende o Alto Tribunal de Última Instância, trata-se de uma questão de “quitação acompanhada de reconhecimento negativo de dívida” que se prevê no disposto no artigo 776.º do Código Civil, versando, portanto, sobre direitos disponíveis;
8. Seja qual for a qualificação, visa a mesma “Declaração” a produção dos efeitos de extinção da dívida do devedor e o reconhecimento definitivo da inexistência da prestação devida ao credor;
9. No caso dos presentes autos, encontrando-se a “Declaração” assinada, e cessada que estava a relação laboral entre as aqui Ré e Autor, nada mais deve aquela a esta;
10. Nestes termos, porque a declaração produz efeitos extintivos sobre a eventual dívida resultante das compensações por trabalho prestado em dias de descanso, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se, na íntegra, o doutamente decidido em Primeira Instância;
Ainda concluindo,
11. A “Declaração” não é subsumível à figura da cessão ou cedência de créditos. Aliás, bem pelo contrário, no âmbito da cessão de créditos o crédito continua a existir, não se extingue, apenas operando-se mudanças quanto à sua titularidade. No caso dos autos e da “Declaração” em concreto, discute-se a extinção do crédito;
12. Por outro lado, o artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, não tem aplicabilidade no caso dos presentes autos, porquanto o preceito refere-se a valores resultantes de créditos ao salário e não a valores resultantes de eventuais compensações por trabalho prestado em dias de descanso;
13. Esta posição da Recorrida tem, inclusivamente, acolhimento neste douto Tribunal de recurso, mormente no recente Acórdão proferido no Processo n.º 1003/2010, de 30 de Junho de 2011, no âmbito do qual se julgou uma situação de todo idêntica, envolvendo uma “Declaração” assinada por um outro ex-trabalhador da Ré;
14. Nestes termos, não tendo o artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, aplicabilidade no casados presentes autos, deverá o presente recurso ser considerado improcedente, mantendo-se na totalidade a douta Decisão recorrida;
Ainda concluindo,
15. Não há na matéria assente qualquer facto que se possa subsumir a um hipotético Erro-vício na declaração de vontade do Autor expressa na “Declaração” remissiva, ou a qualquer outra tipologia de falta ou vício da vontade, sendo que a prova de tais hipotéticos factos sempre caberia ao Autor;
16. Realce-se que o Autor nem sequer o alegou na sua Petição Inicial, nem em qualquer outra fase do processo. Repescando o Acórdão do TUI de 30 de Julho de 2008, proferido no processo n.º 27/2008, transcreve-se o aí doutamente decidido quanto a esta matéria: “Quanto à alegação de que o Autor não teve uma vontade livre e esclarecida quando assinou a declaração, a mesma é irrelevante nesta fase, já que o Autor não alegou no momento próprio factos integradores de vícios da vontade.”;
17. Sem necessidade de mais, estamos em crer, deverá o recurso improceder também no que a esta parte se refere, mantendo-se na totalidade a Decisão constante da douta Sentença, o que se requer;
Em face de todo o exposto, deverá o recurso apresentado pelo Recorrente ser considerado improcedente porque infundado e, consequentemente, ser mantida em conformidade a douta Sentença recorrida, na parte em que absolveu a aqui Recorrida, fazendo-se desta forma a devida e costumada Justiça”.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
“a) O A. trabalhou para a R. pelo menos desde 21.10.1994 a pelo menos até 15.07.2002 inicialmente como Assistente de Clientes e após 1995 como croupier.
b) Como contrapartida da actividade que exercia na R., o A. durante o período referido em A), recebeu, uma quantia fixa diária e outra variável resultante das gorjetas entregues pelos clientes da R. as quais eram por esta reunidas contabilizadas e distribuídas.
c) Entre os anos de 1994 e 2002, o A. recebeu ao serviço da R. os seguintes rendimentos anuais:
1994 - MOP$11.720,00
1995 - MOP$117.825,00
1996 - MOP$137.493,00
1997 - MOP$140.993,00
1998 - MOP$137.742,00
1999 - MOP$127.417,00
2000 - MOP$134.458,00
2001 - MOP$132.373,00
2002 - MOP$72.229,00
e) O A. prestou serviço em turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal.
f) A ordem e o horário dos turnos são os seguintes.
- 1º dia das 15.00 às 19.00 horas e das 23.00 às 03.00 horas do dia seguinte;
- 2º dia das 11.00 às 15.00 horas e das 19.00 às 23.00 horas do dia seguinte;
- 3º dia das 07.00 às 11.00 horas e das 03.00 às 07.00 horas do dia seguinte;
g) Em 18 de Julho de 2003 o A. apôs a sua assinatura no documento de fls. 68 do qual consta: “Eu, (…) recebi, voluntariamente (…) a quantia de MOP$18.685,62 (…), da STDM, referente ao pagamento de compensação extraordinária de eventuais direitos relativos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, eventual licença de maternidade e rescisão por acordo do contrato de trabalho, decorrentes do vínculo laboral com a STDM. (…) entendo que, recebido o valor referido, nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a STDM subsiste e, por consequência, nenhuma quantia é por mim exigível, por qualquer forma, à STDM, na medida em que nenhuma das partes deve à outra qualquer compensação relativa ao vínculo laboral.”
h) A quantia fixa diária referida em B) desde o início a 30.04.1995 era de HKD$10,00 e de 01.05.1995 até ao final de HKD$15.00.
i) O A. nunca gozou de descansos semanais.
j) Sem que, por isso, a R. lhe tenha pago qualquer compensação salarial ou disponibilizado outro dia de descanso por cada dia em que prestou serviço.
l) O A. trabalhou para a R. nos feriados obrigatórios.
m) Sem que a R. lhe tenha pago qualquer compensação salarial.
n) O R. nunca autorizou que a A. gozasse os dias de descanso anual.
o) Sem que a R. lhe tenha pago qualquer compensação salarial.
p) O A. quando foi trabalhar para a R. aceitou que a cada dia de descanso gozado não correspondia qualquer remuneração.
q) O A. gozou os seguintes dias sem remuneração:
1994: 7 dias
1995: 10 dias
1996: 9 dias
1997: 25 dias
1998: 39 dias
1999: 38 dias
2000: 42 dias
2001: 47 dias
2002: 26 dias”
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III- O Direito
1- Do recurso do despacho saneador
Invocava a recorrente STDM a nulidade do dito despacho por omissão de pronúncia, em virtude de, contra o que havia suscitado na sua peça contestatória, o tribunal “a quo” ter afirmado inexistirem quaisquer outras excepções ou questões prévias que obstassem ao conhecimento de mérito.
Ora, a contestação, para além da excepção de prescrição (que foi apreciada), também deduzira a quitação ou o pagamento através da invocação da existência de documento assinado pela autora em que declarava ter recebido já todas as importâncias relativas a eventuais direitos referentes a descansos semanais, anuais e feriados obrigatórios e licença de maternidade, que nenhum outro direito decorrente da relação laboral estabelecida com a STDM subsistiria e que nenhuma outra quantia por si era exigível.
Ora, sendo assim, a afirmação do despacho saneador a respeito da inexistência de qualquer outra matéria exceptiva além da prescrição não condiz com a realidade processual. O douto tribunal, por lapso, incorreu em erro ao tomar por certo algo que não se verificava.
Ainda assim, cremos que essa ocorrência não é geradora da nulidade invocada, por duas razões:
Em primeiro lugar, porque só constitui caso julgado formal o conhecimento concreto da matéria exceptiva em despacho transitado (art. 429º, nº2, do CPC). Em segundo lugar, o não conhecimento de tal matéria no despacho saneador não pode gerar a nulidade a que se refere a recorrente, uma vez que o tribunal sempre o poderia relegar expressamente para a sentença final. Ora, mesmo que essa justificação expressa não conste do referido despacho, a omissão não teve outra qualquer consequência senão o diferimento para a fase da sentença. Com efeito, o tribunal acabou por tomar conhecimento dessa matéria na sentença final, e foi até com base nela que o dispositivo judicial foi alcançado. Isto é, foi precisamente com base na factualidade que incorporava a dita excepção que o tribunal “a quo” decidiu absolver a ré/recorrente do pedido, decisão que neste momento está a ser sindicada. Seria inútil a declaração de nulidade peticionada com base em tal circunstância, se neste momento a nossa tarefa é precisamente a de apreciar a mesma matéria sobre a qual a sentença se pronunciou.
Como disse o STJ em 16/03/2000, Proc. nº 151/00, da 7ª Secção “vai contra a lógica do sistema, que procura fundamentar decisões justas com o mínimo de dispêndio processual e em tempo útil para os cidadãos que recorrem à justiça, a anulação pela Relação do processado, para que se conhecesse no tempo próprio (saneador) daquilo que se conheceu só na sentença”, pois “chegando o processo à Relação com decisão de todas as questões postas, anular o processado em homenagem ao valor “tempo do acto” é absurdo: o tempo do acto não é no processo um valor “a se”, é um valor subordinado à boa administração da justiça”3.
Em nossa opinião, portanto, mais do que julgar improcedente este recurso (que se não chega a apreciar) o que deste tribunal se pode esperar é que não o conheça, porque prejudicado pela circunstância da respectiva matéria ter sido apreciada na sentença, e da qual não foi interposto recurso pela mesma interessada recorrente, a STDM, porque claramente coincidente com o seu ponto de vista e manifestamente favorável aos seus interesses.
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2- Do recurso da sentença
a) Da sua nulidade
Começa a recorrente por pugnar pela nulidade da sentença, à sombra do art. 571º, nº1, al. d), do CPC. E isto pelo facto de ela não ter aplicado o art. 33º do RJRT de Macau ao caso vertente, a respeito da inalienabilidade dos créditos laborais.
Todavia, não nos revemos na tese da recorrente. Efectivamente, a parte transcrita do acórdão do TUI, e da qual o aresto sob escrutínio por remissão se apropriou, tratou especificamente do problema da (in)susceptibilidade da cessão de créditos de salário. Por outro lado, não deixou o acórdão do TUI não deixou de abordar a questão do art. 33º citado na perspectiva da insusceptibilidade da cessão de créditos. O que aconteceu foi que a solução jurídica tomada acabou por ser divergente da defendida pela autora. Mas, isso não a torna nula, mas quando muito errada, o que adiante veremos.
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Mais à frente, a recorrente sustenta que a citação da jurisprudência portuguesa, porque sem aplicação ao caso concreto, torna a sentença ferida mais uma vez de nulidade, agora porém estribada no art. 571º, nº1, als. b) e d), do CPC.
Outra vez sem qualquer razão.
Ainda que o suporte jurisprudencial feito na sentença não tenha a mínima aplicação à RAEM (suponhamos que tal jurisprudência assenta em pressupostos jurídicos e normativos completamente distintos), nem por isso a sentença padeceria da imputada nulidade. Na verdade, o que aí se vislumbraria, caso tivesse razão a recorrente, seria uma fundamentação errada, seria uma má avaliação da situação e uma imperfeita e inconsequente tarefa de subsunção dos factos ao direito. Isto é, o caso teria sido mal julgado.
Ora, um erro de julgamento em nada se assemelha a um julgamento nulo ou à nulidade a que se referem as alíneas do art. 571º citado.
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Depois, a recorrente ensaia uma esgrima tendente à declaração de nulidade do julgado, ainda uma vez mais face ao art. 571º, nº1, al. b), do CPC. Para ela, a sentença padece de falta de fundamentação, por não esclarecer como é que uma declaração unilateral reveste carácter sinalagmático, uma vez que se apoia no art. 854º, nº1 do CC, que prevê a consensualidade da remissão.
Não é verdade que a sentença sofra do referido mal. E isto porque, o que o TUI definiu com um peso decisivo (e que a sentença recorrida assumiu para si), foi que a declaração tinha um pendor de quitação acompanhada de reconhecimento negativo de uma dívida. “Quitação”, portanto, com um carácter declarativo do credor corporizada num documento, que a 1ª instância afastou da previsão do art. 854º do CC, que tem por âmbito e pressuposto a natureza de uma “remissão”, o que é bem diferente.
Sendo assim, não vemos em que medida haja alguma falta de fundamentação que justifique a decisão tomada.
*
b) Da solução jurídica do julgado
A primeira – e que acabou por ser a única - questão que a sentença apreciou foi a da valoração do documento referido em g). E na avaliação que dele fez, o M.mo juiz fez o exercício de transcrição da decisão que o TUI já havia tomado sobre o tema, para acriticamente o sufragar e a ele integralmente aderir.
Nesse sentido, acolheu a posição segundo a qual, por força da quitação – e o mesmo seria “ex vi” da remissão ou transacção - a declaração que a autora assinou quanto aos créditos emergentes da relação laboral estabelecida com a STDM tornou inexistente o direito de crédito contra esta invocado.
Ora, nós também assim o temos entendido, precisamente abrigados no mesmo aresto do TUI (Ac. de 30/07/2008, Proc. nº 27/2008), que entre outras coisas, assevera:
“A remissão é o contrato pelo qual o credor, “com a aquiescência do devedor”, renuncia ao poder de exigir a prestação devida, afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse”4.
E acrescenta ANTUNES VARELA, “o interesse do credor a que a obrigação se encontra adstrita não chega a ser satisfeito, nem sequer indirecta ou potencialmente.
A obrigação extingue-se sem haver lugar a prestação5”.
A remissão consiste no que é vulgarmente designado por perdão de dívida6.
Aliás, remitir significa perdoar.
Ora, não parece ter sido isto que sucedeu, em face da declaração da autora.
A autora declarou que recebeu a prestação, que quantificou. E reconheceu mais nada ser devido em relação à relação laboral que já se tinha extinguido.
Mas não quis perdoar a totalidade ou mesmo parte da dívida, ou pelo menos não é isso que resulta da declaração, nem foi alegado ter sido essa a sua intenção.
Parece, portanto, tratar-se de quitação ou recibo, que é a declaração do credor, corporizada num documento, de que recebeu a prestação, prevista no art. 776.º do Código Civil.
Explicam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA7 que a “quitação é muitas vezes, como Carbonnier (Droit civil, 4, 1982, n.º 129, pág. 538) justamente observa, não uma simples declaração de recebimento da prestação, mas a ampla declaração de que o solvens já nada deve ao accipiens, seja a título do crédito extinto, seja a qualquer outro título (quittance pour solde de tout compte)”.
Poderá, desta maneira, a quitação, ser acompanhada de reconhecimento negativo de dívida, que é, na lição de ANTUNES VARELA8, o negócio “pelo qual o possível credor declara vinculativamente, perante a contraparte, que a obrigação não existe.
...
O reconhecimento negativo de dívida, assente sobre a convicção (declarada) da inexistência da obrigação, não se confunde com a remissão, que é a perda voluntária dum direito de crédito existente”.
Claro que o reconhecimento negativo da dívida pode dissimular uma remissão, mas para isso há que alegar e provar o facto, o que não aconteceu.
Explica VAZ SERRA9 nos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, que “o reconhecimento negativo propriamente dito distingue-se da remissão, pois, ao passo que, nesta, existe apenas a vontade de remitir (isto é, de abandonar o crédito), naquele, a vontade é a de pôr termo a um estado de incerteza acerca da existência do crédito”.
E, como ensina o mesmo autor, noutra obra dos mesmos trabalhos preparatórios, a remissão não é de presumir, “dado que, em regra, a quitação não é passada com essa finalidade”10.
O reconhecimento negativo da dívida pode, de outra banda, “ser elemento de uma transacção, se o credor obtém, em troca do reconhecimento, uma concessão; mas não o é, se não se obtém nada em troca, havendo então um contrato de reconhecimento ou fixação unilateral, que se distingue da transacção por não haver concessões recíprocas”11 12.
Mas a transacção preventiva ou extrajudicial não dispensa “uma controvérsia entre as partes, como base ou fundamento de um litígio eventual ou futuro: uma há-de afirmar a juridicidade de certa pretensão, e a outra negá-la”13.
Mas nem da declaração escrita, nem das alegações das partes no processo, resulta tal controvérsia.
Em conclusão, afigura-se-nos mais preciso qualificar a declaração da autora como uma quitação acompanhada de reconhecimento negativo de dívida.
Seja como for, trate-se de quitação, de remissão ou de transacção, os efeitos são semelhantes, já que, como se verá, se está perante direitos disponíveis, uma vez que a relação laboral já havia cessado, pelo que a consequência é a inexistência do direito de crédito contra a ré.
4. Insusceptibilidade de cessão de crédito de salário. Impossibilidade de renúncia a salário. Vícios da vontade
Nas alegações de recurso para o TSI, a autora veio defender que o art. 33.º do RJRL não permite a cedência de créditos, por força do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador. E os trabalhadores estiveram sempre sob alçada económica e disciplinar da ré, já que a B controla a C, pelo que a autora não teve uma vontade livre e esclarecida quando assinaram as declarações.
Mas a declaração de quitação não constitui qualquer cedência de créditos (a quem?).
Acresce que a cedência de créditos só está vedada enquanto durar a relação de trabalho e esta já se tinha extinguido quando foi emitida a quitação.
Por outro lado, ainda que tivesse havido renúncia a créditos, ou seja remissão, ela seria possível porque efectuada após extinção da relação de trabalho.
É o que defende a generalidade da doutrina. Escreve PEDRO ROMANO MARTINEZ14:
  “Relacionada com a irredutibilidade15 encontra-se a impossibilidade de renúncia, de cessão, de compensação e de penhora da retribuição. Estas limitações, excepção feita à penhora, só têm sentido na pendência da relação laboral; cessando a subordinação jurídica, o trabalhador deixa de estar numa situação de dependência, que justifica a tutela por via destas limitações”.
Quanto à alegação de que a autora não teve uma vontade livre e esclarecida quando assinou a declaração, a mesma é irrelevante nesta fase, já que a autora não alegou no momento próprio factos integradores de vícios da vontade.
5. Normas convencionais e declarações negociais. O princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador
O Acórdão recorrido considerou que o art. 6.º do RJRL não permitia o acordo das partes pelo qual a autora, trabalhadora, declarasse remitir a dívida para com a ré, tendo esta declaração violado o princípio de tratamento mais favorável dos trabalhadores.
E acrescentou o mesmo Acórdão, referindo-se ao princípio de tratamento mais favorável, ele “deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir”.
Na feliz síntese de BERNARDO LOBO XAVIER16 “o princípio do tratamento mais favorável, no plano da hierarquia das normas, significa que as normas de mais alto grau valem como estabelecendo mínimos, podendo ser derrogadas por outras subalternas, desde que mais favoráveis para o trabalhador. No plano da interpretação, na dúvida sobre o sentido da lei, deverá eleger-se aquele que seja mais benéfico para o trabalhador. Na aplicação no tempo, aplicar-se-ão imediatamente todas as regras do trabalho, no pressuposto de que, havendo um constante progresso social, as novas normas são mais favoráveis para o trabalhador, conservando este, ainda, as regalias adquiridas à sombra de anterior legislação”.
O art. 6.º do RJRL dispõe o seguinte:
“Artigo 6.º
Prevalência de regimes convencionais
São, em princípio, admitidos todos os acordos ou convenções estabelecidos entre os empregadores e trabalhadores ou entre os respectivos representantes associativos ainda que disponham de modo diferente do estabelecido na presente lei, desde que da sua aplicação não resultem condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as que resultariam da aplicação da lei”.
Esta norma prevê que as normas convencionais, estipuladas entre empregadores e trabalhadores ou entre os respectivos representantes associativos, podem afastar o regime das normas legais desde que o regime convencional não seja menos favorável para os trabalhadores do que o regime legal.
Assim, e em primeiro lugar, as normas convencionais de que fala o preceito são normas relativas ao regime do trabalho, para vigorarem enquanto durar a relação laboral.
O acordo dos autos entre a autora e a antiga entidade patronal não é integrado por normas, isto é, não constituem nenhuma regulamentação normativa atinente às condições de trabalho. São antes declarações negociais, pelas quais a autora declara ter recebido as quantias devidas pela relação laboral já extinta e nada mais ter a receber da antiga entidade patronal.
Parece, portanto, que o art. 6.º do RJRL nada tem que ver com a matéria em apreço.
Por outro lado, o art. 6.º do RJRL prescreve, na verdade, o princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, no que respeita à prevalência dos acordos sobre a lei, ao plano da hierarquia das normas.
Mas, no caso dos autos, embora exista um acordo entre partes (entre um ex-trabalhador e uma ex-entidade patronal) não existe nenhuma lei mais favorável ou menos favorável aos trabalhadores ou a ex-trabalhadores, pelo que não se vislumbra, qualquer aplicação do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, na vertente que o art. 6.º do RJRL consagra, que é o da prevalência dos acordos sobre a lei.
Há, é certo, outras vertentes do mesmo princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, por exemplo, no art. 5.º, n.º 1 do RJRL, que é o da manutenção das regalias adquiridas sobre o regime constante do RJRL.
Mas, no caso em apreço não está em causa nenhuma alteração de regime convencional para um regime legal, pelo que a vertente do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, constante do art. 5.º, n.º 1 do RJRL, não aproveitaria à autora.
O Acórdão recorrido invoca, ainda, em abono da sua tese o art. 60.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, de 14 de Agosto, que institui o regime aplicável à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Tal preceito, no seu n.º 2 fere com a nulidade os actos e os contratos que visem a renúncia aos direitos estabelecidos naquele diploma. Ora, nem nos autos está em causa qualquer acidente de trabalho ou doença profissional, nem a quitação operou qualquer renúncia a direitos da autora.
O art. 60.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M é, pois, inaplicável.
Em suma, a autora não tem o direito que invocou, pelo que a acção estava condenada ao insucesso”.
*
Está ali tudo dito; seja pela remissão, seja pela quitação, o declarante assumiu livremente nada mais ter a receber do beneficiário da declaração, devendo considerar-se realizadas todas as prestações derivadas da relação laboral.
Trata-se de uma posição que temos, de resto, já subscrito noutros recursos em que o aqui relator foi adjunto. Veja-se, por exemplo, o Ac. do TSI de 28/07/2011, Proc. nº 318/2010, ou nº 316/2010. Olhemos, rapidamente, para o que no primeiro deles se disse:
“…O que verdadeiramente caracteriza o contrato de remissão é a renúncia do credor ao poder de exigir a prestação que lhe é devida pelo devedor. Ao contrário do que acontece com o cumprimento (em que a obrigação se extingue pela realização da prestação devida) e ao contrário do que acontece na consignação, na compensação e na novação (em que o interesse do credor é satisfeito, não através da realização da prestação devida, mas por um meio diferente), na remissão, tal como na confusão e na prescrição, o direito de crédito não chega a funcionar. O interesse do credor a que a obrigação se encontra adstrita não chega a ser satisfeito, nem sequer indirecta ou potencialmente e, todavia, a obrigação extingue-se.
O direito romano admitia a acceptilatio (remissão de uma obrigação verbal, mediante reconhecimento de se ter recebido a prestação, remissão que extinguia o crédito ipso jure), o pactum de non petendo (convenção pela qual o credor prometia ao devedor que não faria valer o crédito, definitiva ou temporariamente, contra todos - pactum in rem - ou contra determinada pessoa - pactum in provissem, produzindo o pacto o efeito de atribuir uma exceptio contra o crédito) e o contrarius consensus (convenção pela qual se extinguia toda uma relação obrigacional, derivada de um contrato consensual, o que só era possível se nenhuma das partes tinha ainda cumprido.
Pode-se dizer, num certo sentido, que, hoje, na remissão, - artigo 854ºdo Código Civil - extinguindo-se a obrigação, o interesse do credor não se satisfaz, nem sequer indirecta ou potencialmente.
Mas mesmo que, ainda porventura por algum excesso de rigor formal, se considerasse que o documento em causa não pudesse ser qualificado de remissão, por se entender ser necessário que a declaração nele contida tivesse carácter remissivo, isto é, que a parte tivesse declarado que renunciava ao direito de exigir esta ou aquela concretizada prestação, não se deixará de estar sempre perante uma declaração de quitação em que se consideravam extintos, por recíproco pagamento, ajustado e efectuado nessa data, toda qualquer compensação emergente da relação laboral, o que vale por dizer que todas as obrigações decorrentes do contrato de trabalho tinham sido cumpridas.
Como diz Leal Amado, uma quitação com aquela amplitude é, sem dúvida, uma quitação sui generis, uma vez que os credores não se limitaram a atestar que receberam esta ou aquela prestação determinada. Ao declarar que recebia as compensações a determinado título e que mais nenhum direito subsistia, por qualquer forma, nada devendo reciprocamente, atestaram que receberam todas as prestações que lhe eram devidas. E essa forma de quitação, por saldo de toda a conta, não deixa de ser admitida em direito.
Perante isto, em vez de se perguntar se o autor renunciou ao direito às prestações que eventualmente lhe seriam devidas em consequência da cessação da relação laboral, perguntar-se-á se essas prestações já se mostram realizadas ou se se mostram extintas, sendo que a resposta a esta última questão, tida como relevante, é seguramente afirmativa, perante a clareza daquela afirmação.
Na verdade, como inequivocamente decorre do teor do documento, os direitos abrangidos pela declaração emitida são os emergentes da relação contratual de natureza profissional que entre A. e Ré se manteve até àquela data”.
No mesmo sentido, ver ainda o Ac. de 29/09/2011, Proc. nº 490/2010; 20/10/2011, Proc. nº 233/2011; 6/10/2011, Proc. nº 265/2010; 6/10/2011, Proc. nº 317/2010; 7/06/2012, Proc.nº 44/2012; 19/07/2012, Proc. nº 218/2012; 11/10/2012, Proc. nº 765/2012.
E assim sendo, visto o que acaba de citar-se, estamos em condições de, sem mais escusados considerandos, concluir pela improcedência do recurso interposto pelo autor da acção.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
a ) Julgar prejudicado o recurso do saneador interposto pela STDM;
b ) Negar provimento ao recurso interposto pela autora, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
TSI, 15 / 11 / 2012
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong (Vencido nos termos de declaração de voto)
Choi Mou Pan
















Processo nº 851/2012
Declaração de voto de vencido

Vencido pois não vejo razão para alterar a minha posição já assumida na declaração de voto que juntei aos vários Acórdão do TSI, nomeadamente os Acórdãos tirados nos processos nºs 210/2010, 216/2011, 223/2010 e 252/2008, isto é, dada a natureza imperativa da norma do artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, um contrato mediante o qual se convencionaram as condições de trabalho aquém do mínimo da protecção dos trabalhadores não pode deixar de ser julgado nulo, por força do disposto no artº 287º do Código Civil, nos termos do qual, salvo excepção expressa em contrário resultante da lei, são nulos os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo.

RAEM, 15NOV2012
Lai Kin Hong





1 Vide os Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância proferidos nos Processos nºs 207/2008, 249/2008, 335/2008, 380/2008, 407/2008 e 428/2008, todos de 18 de Setembro de 2008.
2 Vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol.II, Coimbra Almedina, 7.ª Edição, 1995, p. 203 e ss.
3 No mesmo sentido, ver Ac. STJ, de 21/04/2012, Proc. nº 207/07, 4ª secção.
4 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Coimbra, Almedina, Vol. II, Reimpressão da 7.ª ed. de 1997, 2001, p. 243.
5 ANTUNES VARELA, Das Obrigações..., II vol., p. 243.
6 LUÍS M. TELLES DE MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Coimbra, Almedina, Vol. II, 4.ª ed., 2006, p. 219.
7 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra, Coimbra Editora, Vol. II, 3.ª ed, 1986, p. 40.
8 ANTUNES VARELA, Das Obrigações..., II vol., p. 252.
9 VAZ SERRA, Remissão, Reconhecimento Negativo da Dívida e Contrato Extintivo da Relação Obrigacional Bilateral, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 43, Julho de 1954, p. 82.
10 VAZ SERRA, Do Cumprimento como Modo de Extinção das Obrigações, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 34, Janeiro de 1953, p. 175.
11 VAZ SERRA, Remissão..., p. 82 e 83.
12 Transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões (art. 1172.º, n.º 1 do Código Civil).
13 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código..., II vol., p. 856.
14 PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2.ª ed., 2005, p. 597. No mesmo sentido, MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, Almedina, 1997, p. 734 e BERNARDO LOBO XAVIER, Curso de Direito do Trabalho, Lisboa/São Paulo, Verbo, 2.ª ed, 1999, p. 405.
15 O autor está a referir-se ao princípio da irredutibilidade do salário.
16 BERNARDO LOBO XAVIER, Curso..., p. 255.
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