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Proc. nº 69/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 22 de Novembro de 2012
Descritores:
-Art. 33º, nº1, al. a), do CPAC
-Legitimidade activa


SUMÁRIO:

I - Nos termos do art. 33º, nº1, al. a), do CPAC, o recorrente, ou terá que revelar uma lesão do seu direito subjectivo ou interesse legalmente protegido, ou alegar um interesse directo, pessoal e legítimo (art. 33º, al. a), do CPAC).
Directo, na medida em que do provimento do recurso lhe advenha um proveito imediato e objectivo. Directo, também, na medida em que o provimento implique a anulação de um acto que esteja a constituir um obstáculo à satisfação de uma pretensão ou seja causa imediata de um prejuízo. E directo, por fim, de forma que se traduza numa verosímil posição de utilidade ou vantagem, independentemente de ficar ou não eliminada a causa da lesão que motive o recurso.
Pessoal, no sentido da existência de um relação de titularidade entre a pessoa do recorrente e a pretensão por cuja vitória pugna ou o prejuízo causado pelo acto cuja anulação pretende obter.
Legítimo, supondo-se estar em sintonia com a ordem jurídica estabelecida e por esta não reprovada.

II - Sendo a legitimidade/pressuposto diferente da legitimidade/condição, o que importa é olhar para a forma como se encontra desenhada a causa de pedir, isto é, como a relação material controvertida é configurada, independentemente da titularidade da posição jurídica substantiva, a fim de se ajuizar da vantagem ou utilidade que do provimento do recurso possa advir.


Proc. nº 69/2012

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
“Sociedade de Transportes Públicos B, S.A.”, recorre contenciosamente do despacho do Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 22 de Novembro de 2011, que considerou improcedente o recurso hierárquico interposto da decisão da Ex.ma Directora dos Serviços e Finanças de 5 de Agosto de 2011, que lhe havia indeferido o pedido de isenção de Imposto sobre Veículos Motorizados (doravante IVM) relativo a 22 veículos de transporte de passageiros.
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Na sua contestação, a entidade recorrida excepcionou a aceitação do acto e a ilegitimidade activa, além de, por impugnação, defender a legalidade do acto.
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A recorrente respondeu à matéria exceptiva, sobre a qual também se pronunciou o digno Magistrado do MP, ambos no sentido da sua improcedência.
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O tribunal relegou o conhecimento desta matéria para a decisão final e determinou que as partes apresentassem as suas alegações facultativas, o que fizeram.
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A recorrente concluiu as suas alegações da seguinte maneira:
“1. É entidade recorrida o Senhor Secretário para a Economia e Finanças, constituindo objecto do recurso o despacho de 22 de Novembro de 2011, que indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto contra o despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, de 5 de Agosto de 2011, notificado à recorrente através do Ofício n.º 104/NAJ/DB/2011, de 24 de Novembro.
   2. Entende a entidade recorrida que não pode a ora recorrente aceder à norma de isenção da alínea 1) do n.º 1 do artigo 6.º do RIVM, em virtude de não ser uma empresa concessionária do serviço público de transporte colectivo terrestre.
   3. Foram concedidas isenções fiscais ao abrigo da mesma norma - a alínea 1) do n.º 1 do artigo 6.º do RIVM - à C e à D, ao abrigo do anterior contrato de concessão, quando os veículos com benefício de isenção já não podiam servir o interesse público pelo termo do contrato.
   4. Inexistiu qualquer reversão dos veículos isentos afectos à anterior concessão da C e da D para a RAEM.
   5. A recorrente requereu a devolução dos montantes pagos a título de Imposto sobre os Veículos Motorizados, sob reserva feita por escrito, permitindo o art.º 34.º do CPAC que se impugne o acto de indeferimento da isenção fiscal;
   6. A recorrente detém legitimidade activa no presente recurso, na medida em que é uma concessionária de serviço público de transportes colectivos de passageiros, e, por isso, está abrangida pela isenção fiscal prevista no parágrafo 1) do n.º 1 do art.º 6.º da Lei n.º 5/2002.
   7. Anulado o acto recorrido, com fundamento na violação do DL n.º 64/84/M, Lei n.º 3/90/M e DL 50/88/M, e no facto de a ora Recorrente ser uma concessionária de um serviço público, existem efeitos da Decisão que permitirão à recorrente beneficiar da isenção prevista no parágrafo 1) do n.º 1 do art.º 6.º da Lei n.º 5/2002, sempre que pretenda adquirir veículos motorizados novos destinados ao transporte colectivo de passageiros, de lotação não inferior a quinze lugares, para seu uso exclusivo.
   8. Permitirá, também a Decisão o benefício de isenção do pagamento anual do imposto de circulação, a qual é conferida através da al. g) do n.º 1 do art.º 4.º do Regulamento do Imposto de Circulação, aprovado pela Lei n.º 16/96/M, de 12 de Agosto.
   9. A recorrente detém interesse na impugnação do acto recorrido, independentemente de reembolso, uma vez que este não resulta da anulação ou revogação do acto recorrido, o qual continua a subsistir e a produzir efeitos no estatuto jurídico da ora Recorrente.
   10. A entidade recorrida entende que a Lei n.º 3/90/M, de 14 de Maio, define o conceito de “concessão de serviço público” bem como o regime jurídico do contrato de serviço público, extraindo da alínea b) do seu artigo 2.º que estes contratos são aqueles -pelos quais se opera a transferência para outrem de poder em exclusivo, explorar, por sua conta e risco, os meios adequados à satisfação de uma necessidade pública individualmente sentida.
   11. Pelo que o objecto do contrato será uma actividade de serviço público, onde o concessionário se obriga a gerir, por sua conta e risco, um serviço público.
   12. Entende também que na concessão de serviço público, a entidade concessionária actua por sua conta e risco sendo remunerada por meio de taxas ou tarifas a pagar pelos utentes, com concomitante gestão da responsabilidade financeira e do serviço público.
   13. Afirma a entidade recorrida que tal se não verifica no Contrato existente entre a ora recorrente e a RAEM, porquanto a primeira é remunerada por uma verba global, concluindo que o Contrato mais não é que uma aquisição de serviços, porque a sua gestão financeira permanece a cargo da DSAT.
   14. A entidade recorrida conclui que não existe uma concessão que permita activar em favor da ora recorrente a norma de isenção da alínea 1) do n.º 1 do artigo 6.º do RIVM.
   15. Não é exigível que o risco pela actividade concessionada esteja a cargo da concessionária ou que dependa somente do preço do tarifário, ao invés do que defende a entidade recorrida na apreciação que faz do “Contrato entre a Região Administrativa Especial de Macau e a Sociedade de Transportes Públicos B, S.A. para a Prestação do Serviço -Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros à RAEM- Secção II e Secção V”, lavrado em 4 de Janeiro de 2011.
   16. Como decorre de outras concessões em Macau, designadamente no “Contrato de concessão da construção e exploração do Aeroporto Internacional de Macau” e no “Contrato de concessão da prestação de serviços de operação e manutenção da Central de Incineração de Resíduos Sólidos de Macau”.
   17. A entidade recorrida não acautelou os ditames do Decreto-Lei n.º 64/84/M, de 30/06 que determina no n.º 2 do artigo 1.º que são sempre concessões de serviço público os serviços de transportes públicos.
   18. O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 64/84/M, de 30/06 determina que se deve legislar sobre as bases gerais de cada um dos serviços públicos identificados no n.º 2 do artigo 2.º por forma a manter esta protecção dos serviços com interesse para toda a Região e, especificadamente, como bem de primeira necessidade para os seus utentes.
   19. Quando a entidade recorrida diz que se trata neste caso de uma prestação de serviços de utilidade pública e não atenda a esta lei, incorre em ilegalidade a todos os títulos insanável.
   20. A Lei proíbe que sejam firmados contratos relativos ao serviço público de transportes terrestres por outra via que não seja a da concessão de serviço público, o que é o fundamento para que se tenha posteriormente legislado pelo Decreto-Lei n.º 50/88/M de 20/06 em igual sentido.
   21. A Administração sempre pretendeu que esta actividade fosse tida como uma concessão, como se extrai dos termos do contrato e da página electrónica http://www.dsat.gov.mo/pt/news_detail.aspx?a_ id=1225)
   22. Todo o procedimento concursal decorreu ao abrigo da legislação genericamente aplicável ao regime de aquisição de bens e serviços, mas o concurso público visou a adjudicação e a contratualização de um serviço de transportes terrestres, pelo que é obrigatória a aplicação do Decreto-Lei n.º 50/88/M, de 20 de Junho, como resulta da cláusula 10ª do contrato.
   23. Só se admite que os serviços a prestar se façam no regime de concessão de serviço público, conforme resulta da alínea a) do n.º 2 do artigo 11.º do citado Decreto-Lei, porque é um concurso especial em matéria de transportes terrestres.
   24. Caso o Contrato titulasse uma mera aquisição de serviços e não uma concessão o mesmo seria inválido numa dupla vertente: por falta de lei que sustentasse a aquisição nesses termos e por existência de lei que expressamente a proíbe, a saber, o Decreto-Lei n.º 64/84/M e o Decreto-Lei n.º 50/88/M.
   25. Também neste sentido milita a melhor jurisprudência desse Venerando Tribunal, através do Douto Acórdão proferido no Processo n.º 10/2008, do qual resulta clara resulta a sujeição às regras da Lei n.º 3/90/M e DL 64/84/M foi especialmente firme na defesa dos pressupostos que defendemos.
   26. Em matéria de risco a verba contratualmente prevista como pagamento à recorrente é uma projecção de custos para a concedente, estando por isso o risco do lado da ora recorrente.
   27. As exigências contratuais são um decalque da Lei n.º 3/90/M, de 14 de Maio, que define os “Princípios gerais a observar nas concessões de obras públicas e serviços públicos”.
   28. A recorrente detém a qualidade de empresa concessionária de transportes colectivos, pelo que beneficia da isenção fiscal constante da alínea 1) do n.º 1 do artigo 6.º do RIVM que lhe deve ser concedida”.
*
A entidade recorrida, por seu turno, terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:
(1) O presente recurso tem por objecto o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 22.11.11, ex arado na informação nº 180/NAJ/CF/2011, que indeferiu o recurso hierárquico, interposto pela ora recorrente, em 29.08.11, da decisão de indeferimento da reclamação da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, de 05.08.11, exarada na Informação n.º 0354/NVT/DOI/RFM/2011, que manteve o indeferimento do pedido de isenção de IVM ao abrigo da alínea 1) do n.º 1 do artigo 6º do RIVM, relativamente a 66 veículos pesados de transporte colectivo de passageiros.
(2) Indeferimento este efectuado por despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, de 05.07.11, exarado na Informação n.º 0303/NVT/DOI/RFM/2011, pelo facto de não deter a recorrente a condição de empresa concessionária, pelo que não se enquadrava na norma de isenção.
(3) Tratando-se de um recurso contencioso de mera legalidade, ele limita-se a solicitar a “anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica” - Cfr. artigo 20.º do CPAC., ou seja, a verificar ou não da existência dos alegados vícios do acto administrativo, ora impugnado - Cfr. artigo 21.º, n.º 1 , alíneas a) a e) e n.º 2 do CPAC.
(4) Assim sendo, como efectivamente é, o que está em causa é a anulação do acto recorrido e não uma acção sobre contratos administrativos ou acção para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos, no sentido de lhe ser definida a situação como concessionária de serviço público como entende ser a recorrente.
(5) O reembolso do montante pago de imposto sobre veículos motorizados, relativo aos veículos ora em causa, preclude a eliminação dos efeitos da eventual anulação do acto recorrido.
(6) Isto porque, na hipótese de eventual anulação do acto em crise, a reconstituição da situação hipotética consubstanciar-se-ia no deferimento dos 66 pedidos de isenção do I.V.M, incluindo a restituição da quantia paga a esse título,
(7) Pelo que ao interpor o recurso em apreço, se encontrava integralmente “curado” o dano na esfera patrimonial da recorrente por efeito do aludido reembolso, não se justificando já então o recurso a via judicial, sob pena de enriquecimento sem causa.
(8) Verifica-se a falta do pressuposto processual - legitimidade activa/interesse em agir/inutilidade originária da lide - que obsta ao prosseguimento do recurso impedindo o tribunal de se pronunciar sobre o mérito do mesmo e, em consequência, conduz à rejeição do recurso contencioso (artigos 33º e 46º nº 2 alínea d) CPAC e artigo 72º CPC ex vi artigo 1.º do CPAC, alínea e) do artigo 84.º do CPAC).
(9) Não impõem o Decreto-Lei nº 64/84/M nem o Decreto-Lei 50/88/M que o exercício do serviço público de transportes só possa ser feito por concessão excluindo a própria Administração de prestar aquele serviço, nem qualquer modelo, antes regulamentam o tradicional contrato de concessão.
(10) O artigo 8º alínea a) do Decreto-Lei 50/88/M dispõe que os transportes de aluguer para passageiros em veículos pesados só poderão ser explorados por concessionários de transportes públicos. O transporte de aluguer é um serviço não regular ou ocasional. Apenas por deficiente leitura e interpretação deste preceito legal se poderá concluir no sentido pugnado pela recorrente.
(11) Sendo em consequência legal o modelo vigente, baseado na prestação de serviços, em que não existe alteração da responsabilidade pela gestão do serviço, que se mantém na Administração - a recorrente apenas colabora na execução de determinadas condições da realização daquele -, o essencial do poder decisório relativo à organização e ao modus operandi do serviço público, dando a Administração instruções directamente à recorrente.
(12) Nos termos do contrato celebrado, a proposta elaborada e submetida pela recorrente, caderno de encargos e programa do concurso, está em causa a aquisição de serviços de transporte em que a empresa privada é remunerada pela prestação de serviços nas condições pré-fixadas pela Administração, contra o pagamento de prestações mensais calculadas com base na quilometragem dos percursos efectuados e na caracterização técnica dos veículos postos à disposição do público com a garantia da sua comodidade e segurança.
(13) Não estando sujeita aos resultados de exploração decorrentes dos preços impostos aos utentes e não dependendo da taxa da utilização do serviço, isto é, do número de utentes transportados.
(14) Pelo que estamos perante um contrato de prestação de serviços de transporte público e não de um contrato de concessão, nos termos da alínea b) do artigo 2º, alínea b) da Lei nº 3/90/M, por não haver transferência da responsabilidade pela gestão do serviço, nem transferência do risco, que se mantém na Administração.
(15) Improcedem, portanto, todos os vícios do acto invocados pela recorrente.
Termos em que, e nos demais de Direito, com o douto suprimento de V.ª Ex.ª deverá:
a) Ser rejeitado o presente recurso, por falta do pressuposto processual, legitimidade activa/interesse em agir por inutilidade originaria da lide;
Sem conceder, caso assim não se entenda,
b) Declarado o mesmo improcedente, sendo mantido o despacho recorrido, com as devidas consequências legais”.
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O digno Magistrado do MP opinou no sentido da improcedência do recurso nos termos do seu parecer de fls.285/286, cujo teor aqui damos por legalmente reproduzido.
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Oficiosamente, o relator suscitou nova questão que poderia vir a constituir novo fundamento exceptivo (cfr. fls. 289 e vº), vindo as partes a tomar posição sobre o conteúdo do respectivo despacho.
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Cumpre decidir.
***
II- Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias.
1- Os Factos
Antes de entrarmos na apreciação da matéria de excepção invocada, alinhemos os factos:
1- Em 15/10/1988 foi celebrado um “Contrato de Concessão de Serviço Público de Transportes colectivos Rodoviários de passageiros “entre o então Território de Macau e a C (BOM, nº 44, pag. 4503; fls. 137 dos autos).
2- Em 8/10/2008 foi outorgada escritura pública do “Contrato de Concessão do Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de passageiros” celebrado entre a RAEM e a SD (fls. 141 a 151).
3- Por aviso publicado em 23/09/2009 no BO da RAEM nº 38, /II série, foi lançado o Concurso Público de “Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros de Macau” (fls. 152; ver ainda Caderno de encargos109 a 126 e Programa do concurso de fls. 153 a 166)
4- A “Sociedade de Transportes Públicos B, S.A., com sede em Macau, na Alameda Dr. ......, nº ..., edifício ......, …º andar, “…”, apresentou-se ao referido concurso público
5- Na sequência desse concurso, em 4 de Janeiro de 2011 a RAEM celebrou com a recorrente o contrato de prestação de serviço Público de transportes colectivos rodoviários de passageiros (fls. 841 p.a., vol. 2, p.a).
6- A ora recorrente apresentou junto da DSF 66 pedidos de isenção de IVM ao abrigo da alínea 1) do n.º 1 do artigo 6.º do RIVM relativos aos seguintes veículos:
Licença de importação n.º
Marca
Modelo
Classe do veículo
005143/2011
005144/2011
005145/2011
YUTONG
ZK6118HGE
A/T
Pesado
005146/2011
005147/2011
005148/2011



005149/2011
005150/2011
005151/2011



005152/2011
005153/2011
005154/2011



005155/2011
005156/2011
005157/2011



005158/2011
005159/2011
005160/2011



005161/2011
005162/2011
005163/2011



005164/2011
005165/2011
005167/2011



005170/2011
005172/2011
005173/2011



005176/2011
005177/2011
005178/2011



005179/2011
005181/2011
005182/2011



005184/2011
005185/2011
005187/2011



005188/2011
005189/2011
005190/2011



005191/2011
005192/2011
005193/2011



005194/2011
005195/2011
005196/2011



005197/2011
005198/2011
005199/2011



005200/2011
005201/2011
005205/2011



005206/2011
005208/2011
005209/2011



005210/2011
005211/2011
005212/2011



005214/2011
005216/2011
005220/2011



005222/2011
005224/2011
005225/2011



005679/2011
005683/2011
005692/2011



7- Tais pedidos de isenção vieram a ser indeferidos por despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, datado de 5 de Julho de 2011, exarado sobre a Informação n.º 0303/NVT/DOI/RFM/2011, sustentando liminarmente que a requerente não detinha a qualidade de concessionária e, como tal, não preenchia um dos requisitos da norma invocada, conforme Ofício n.º 0916/NVT/DOI/RFM/2011 (fls. 29 e sgs. do apenso “traduções”).
8- Face a tal decisão, a recorrente apresentou, em 26 de Julho de 2011, uma reclamação contra tal despacho, pugnando pela sua ilegalidade, posição que não mereceu acolhimento por parte da Directora dos Serviços de Finanças, a qual, por despacho de 5 de Agosto de 2011, exarado sobre a Informação n.º 0354/NVT/DOI/RFM/2011, manteve o indeferimento da isenção de IVM, relativamente aos veículos que ficaram identificados, utilizando, para tanto, a mesma fundamentação.
9- Em 29/09/2011, a recorrente recorreu hierarquicamente para o Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças.
10- Foi prestada a Informação nº 180/NAJ/CF/2011, com o seguinte teor:
“Vem a contribuinte “Sociedade de Transportes Públicos B, S.A., em requerimento dirigido ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças, com entrada nesta Direcção de Serviços em 29.08.2011, interpor recurso hierárquico da decisão da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, de 05 de Agosto de 2011, ex arada na Informação n.º 0354/NVT/DOI/RFM/2011, que lhe foi notificada pelo ofício n.º 1013/NVT/DOI/RFM/2011, de 08 de Agosto de 2011, de indeferimento da reclamação que manteve o indeferimento do pedido de isenção de IVM, relativamente a 66 veículos pesados de transporte colectivo de passageiros aí identificados, isenção esta requerida ao abrigo da alínea 1) do n.º 1 do artigo 6º do Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados (RIVM).
Tendo o despacho de indeferimento sido notificado através do supra mencionado oficio de 08 de Agosto, o recurso é tempestivo, sendo o Senhor Secretário para a Economia e Finanças a entidade competente para decidir, nos termos do disposto nos artigos no n.º 2 do artigo o do Código do Procedimento Administrativo, por remissão expressa do n.º 1 do artigo 41.º do RIVM.
I. Dos Factos
1. Aos 4 de Janeiro de 2011, celebrou a Região Administrativa Especial de Macau e a Sociedade de Transportes Públicos B, S.A., um contrato para a prestação do Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros à RAEM - Secção II e Secção V.
2. A recorrente entregou na DSF os pedidos de isenção de IVM para um lote de 66 veículos por si importados destinados a transporte colectivo rodoviário de passageiros, ao abrigo do previsto na alínea 1) do nº 1 do artigo 6º do RIVM.
3. Por ofício nº 0916/NVT/DOI/RFM/2011, foi a ora recorrente notificada do despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, de 05.07.11, ex arado na Informação n.º 0303/NVT/DOI/RFM/2011, que indeferiu os pedidos de isenção de IVM relativos aos 66 veículos em apreço, pelo facto de não deter a mesma a condição de empresa concessionária, pelo que não se enquadrava na norma de isenção.
4. No dia 26.07.11, deu entrada na Direcção dos Serviços de Finanças (DSF) uma reclamação da Sociedade de Transportes Públicos B, S.A., tendo por objecto o supra citado despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, de 05.07.11, requerendo a revogação do mesmo e consequente deferimento do pedido de isenção, ao abrigo da alínea 1) do n.º 1 do artigo 6º do RIVM.
5. Tal reclamação foi indeferida, por despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, de 05.08.11, exarado na Informação n.º 0354/NVT/DOI/RFM/2011, com o fundamento de que a reclamante não celebrou com a RAEM um contrato de concessão de serviço público nem é concessionária de um serviço de transporte colectivo.
6. O despacho que antecede foi notificado à agora recorrente pelo ofício n.º 1013/NVT/DOI/RFM/2011, de 08 de Agosto de 2011.
II. Do Recurso
Vem a recorrente impugnar a qualificação efectuada pelo acto recorrido do contrato celebrado em 04.01.11.
Alega a recorrente em suma que é uma empresa concessionária de transportes colectivos, tendo celebrado com a RAEM um contrato de concessão de serviço público de transportes colectivos.
Afirma que a fundamentação da resposta à reclamação parte para a conceptualização da figura dos contratos de concessão em termos que não encontram há várias décadas suporte interpretativo, numa clara manifestação de má-fé ao abordar esta temática estribada exclusivamente em dados ou cláusulas que, alegadamente, estarão a favor da DSF, merecendo todas as demais o seu total desprezo.
Classifica de errada a qualificação contratual efectuada pela DSF assente na assunção dos riscos financeiros por parte da concessionária, no âmbito do serviço que presta, como critério caracterizador da existência de uma concessão afastado pelo preço fixo pago pelo Governo.
Refere a recorrente, da análise histórica de Pedro Gonçalves (in A concessão de Serviços Públicos, Coimbra Almedina), que pertence à concepção clássica das concessões a atribuição aquelas dos seguintes elementos essenciais:
1. O Objecto da concessão ser a exploração e funcionamento de um serviço público;
2. Colaboração entre uma pessoa colectiva de direito público com uma outra de direito privado;
3. Exploração do serviço público por conta e risco do concessionário; e a
4. Remuneração do concessionário resultar exclusivamente dos preços a pagar pelos utentes.
Mais adiante e na esteira do mesmo autor refere que o uso da técnica concessionária como modelo de gestão de serviços públicos “sem utentes” vem pôr em crise esse critério tradicional, passando a doutrina, para falar de concessão, a exigir que a remuneração provenha dos resultados financeiros de exploração concluindo que a remuneração do concessionário pode consistir exclusivamente numa retribuição a cargo do concedente, excluindo-se também que a concessão pressuponha a assunção de um risco económico-financeiro por parte do concessionário.
Daí conclui a recorrente que tudo aquilo em que se sustentou o acto recorrido para concluir que o contrato firmado não era um contrato de concessão, falece à luz da doutrina que desde há muito se aplica ao regime das concessões, mormente no que se refere à não exigibilidade de um risco pela actividade concessionada exclusivamente a cargo da concessionária, com a gestão financeira expurgada de qualquer retribuição que não seja o preço do tarifário.
Afirma ainda que o DL nº 64/84/M no nº 2 do seu artigo 1º determina que são sempre concessões de serviço público os serviços de transportes públicos a par dos de água e de electricidade, dai retirando que o legislador definiu claramente que a política de transportes públicos era de importância vital e que merecia uma protecção acrescida quanto ao modo como a prestação desses serviços deveria ser adjudicada, impondo o artigo 2º do mesmo diploma que se deveria legislar sobre as bases gerais de cada um dos serviços identificados no nº 2 do artigo 2º por forma a manter essa protecção dos serviços.
Concluindo que quando a entidade recorrida diz que se trata de uma prestação de serviços de utilidade pública e não atende a esta lei, incorre em ilegalidade insanável. Afirmando que o que aqui interessa não é a opinião ou o parecer mas sim a lei, que aliás é o fundamento para que se tenha posteriormente legislado pelo DL nº 50/88/M, de 20 de Junho.
Que da leitura cuidada do contrato que não faz menção expressa a um regime de concessão resulta evidente que se aplica, nos termos da cláusula primeira o regime do DL nº 50/88/M, de 20 de Junho, o qual define o “Regime Jurídico dos Transportes de Macau”, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 59/88/M, de 4 de Julho, o qual determina no seu artigo 11º que compete especialmente ao Governador outorgar concessões de serviços públicos de transportes, única forma prevista nesse diploma e, como tal, a única legalmente possível na prossecução da política de transportes em Macau.
Que apesar de todo o procedimento concursal ter decorrido ao abrigo da legislação genericamente aplicável ao regime de aquisição de bens e serviços, o simples facto de o concurso público visar a adjudicação e, finalmente, a contratualização de um serviço de transportes terrestres, conduz-nos para as regras do DL nº 50/88/M, de 20 de Junho como veio a confirmar-se pela introdução da cláusula 10ª no contrato.
Que face à especialização do concurso em matéria de transportes terrestres, só se admite que os serviços a prestar se façam no regime de concessão de serviço público, conforme resulta da alínea a) do nº 2 do artigo 11 º do citado diploma.
Que, em geral, todas as referência legais deste diploma ao regime pelo qual se faz a exploração de transportes terrestres apontam para o regime de concessões, conforme se extrai do parágrafo 4º do preâmbulo, nº 4 do artigo 3º e alínea a) do seu artigo 8º.
Mais refere que todas as exigências impostas contratualmente encontram uma colagem completa ao regime da Lei nº 3/90/M, de 14 de Maio, que define os princípios gerais a observar nas concessões de obras públicas e serviços públicos.
Concluindo que caracterizado e verificado o contrato, não podem restar dúvidas de que, por ele, a RAEM fez transitar da sua esfera de competências para a ora reclamante a gestão e as operações do serviço público de transporte colectivo terrestre de passageiros, deixando nas suas mãos a conceptualização das operações comerciais no sentido de proporcionar aos cidadãos o melhor serviço possível, nos termos em que se obrigou, mediante uma retribuição à concessionária com contrapartida numa entrega à concedente do valor de tarifário cobrado, sendo esta uma obrigação puramente acessória que não releva para a conceptualização do contrato.
Apesar do referido anteriormente vem acrescentar que pelo contrato em análise há afinal transferência dos riscos de exploração que se reflectem nos resultados, conforme resulta da leitura da cláusula 5ª do contrato. Afirmando que nos termos do disposto no nº 1 daquela cláusula a adjudicatária tem de prestar o serviço de acordo com os preços unitários que constam da sua proposta, prevendo-se o preço pagável à adjudicatária de Mop$1.638.888.149,10... que se calcula conforme a fórmula do nº 2, sendo discriminados os preços por quilómetro que são usados na fórmula para determinar os pagamentos que deverão ser e efectivamente pagos a recorrente. Daqui retira a recorrente que se os veículos por qualquer razão não conseguirem percorrer a quilometragem prevista na sua proposta os preços a pagar pela RAEM são mais baixos - considerando ser este o risco de exploração assumido pela ora recorrente. Referindo ser o montante global previsto no nº 1 da cláusula 5a do contrato uma mera previsão, dependendo os efectivos pagamentos da quilometragem efectivamente realizada pelos autocarros, dependendo de factores que estão fora de controlo da ora recorrente, como a densidade do tráfego, impedimentos à circulação automóvel, a ocorrência de acidentes, avarias mecânicas ou tempestades tropicais considerando isto tudo riscos de exploração assumidos pela ora reclamante e transferidos a esta pela RAEM e que se reflectem nos resultados. Concluindo que não são fixos os pagamentos efectuados pela RAEM como resulta do acto recorrido.
Perfilhando a recorrente a interpretação mediante a qual celebrou um contrato de concessão, considera que lhe é aplicável a norma da alínea 1) do nº 1 do artigo 6º do RIVM, devendo, nessa medida ser-lhe conferido o benefício de isenção.
Afirma, por outro lado, ser ilegal o indeferimento de uma isenção com base em direito a constituir, por entender a recorrente ter a Directora dos Serviços de Finanças fundamentado de direito o acto recorrido em “disposições complementares” futuras quanto ao modus operandi do sistema de transportes.
III. Da Apreciação do recurso
Fundamentando-se o recurso na errada qualificação do contrato em causa passaremos desde já a analisar as características do contrato de concessão de serviço público.
Corresponde à verdade ter sido a definição clássica de concessão objecto de críticas sobretudo no que respeita à remuneração e ao risco do concessionário e quando não existe uma definição legal da figura da concessão, designadamente da concessão de serviço público, é à doutrina que se recorre para integrar a figura.
No entanto, em Macau dispomos, há muito, de uma definição legal da figura da concessão de serviços públicos bem como do seu regime jurídico, devendo ser este o ponto de partida para aferir se o contrato ora em causa é ou não um contrato de concessão de serviço público.
Para os efeitos da Lei nº 3/90/M, de 14 de Maio, que estabelece os princípios gerais a observar nas concessões de obras públicas e de serviços públicos da competência do Chefe do Executivo, entende-se por concessão de serviços públicos, a transferência para outrem do poder de, em exclusivo, explorar, por sua conta e risco, os meios adequados à satisfação de uma necessidade pública individualmente sentida1 (artigo 2º alínea b)).
De acordo com a definição legal, o objecto no contrato de concessão de serviço público é uma actividade de serviço público, como conjunto de actividades que a lei coloca a cargo da Administração e que se resolve numa actividade de prestação, para satisfação de necessidades colectivas individualmente sentidas.
Estreitamente conexo com o objecto temos a obrigação assumida, que consiste em o concessionário se obrigar a gerir, por sua conta e risco, uma actividade de serviço público.
Neste aspecto, a noção legal acolhe uma dimensão característica clássica.
O outro elemento caracterizador clássico traduz-se no tipo de remuneração da actividade prestada. A remuneração do contraente particular resulta exclusivamente dos preços a pagar pelos utentes.
O artigo 9º, sob a epígrafe, direitos do concedente, no seu nº 2 alínea a) determina que os Contratos de concessão devem prever essencialmente o regime de fixação de taxas, tarifas e dos contratos-tipos inerentes à exploração.
Por outro lado, o artigo 4º estipula que as concessões de serviços públicos são atribuídas por prazo certo (nº 1) estabelecendo o nº 2 de forma impressiva, quanto ao imperativo da transferência do risco, que o prazo da concessão é fixado tendo em conta as características (...) do serviço e o tempo necessário para, em condições normais de rendibilidade, permitir a amortização dos capitais investidos pelo concessionário.2
Com efeito, veja-se a este propósito a definição apresentada no Código do Procedimento Administrativo de Macau, anotado e comentado por Lino Ribeiro e José Cândido Pinho (página 916) na qual o contrato de concessão de serviços públicos é definido como o contrato administrativo pelo qual uma pessoa colectiva pública (entidade concedente) transfere para outra pessoa (entidade concessionária) o poder de, em exclusivo, montar e explorar, por sua conta e risco, os meios adequados à satisfação de uma necessidade Pública individualmente sentida, sendo retribuída pelo pagamento de taxas de utilização a cobrar directamente aos utentes.
Na concessão de serviço público a entidade concessionária actua por sua conta e risco, como se fora o concedente sendo remunerada por meio de taxas ou tarifas a pagar pelos utentes.
Constituem elementos essenciais da figura do contrato de concessão o critério da remuneração pelos utentes, o critério da responsabilidade financeira (traduzida pela expressão “por Sua conta e risco”) bem como o critério da gestão do serviço público.
Ora, conforme o disposto nas cláusulas primeira (objecto do contrato), terceira (posição Contratual da sociedade adjudicatária), quarta (documentos contratuais), quinta (preço), sexta (forma e condições de pagamento), oitava (caução), décima (responsabilidade da sociedade adjudicatária) e décima-segunda (sub contratação), que aqui se dão por reproduzidas, a RAEM adquiriu, mediante abertura de concurso público, a prestação de serviços de transporte a uma empresa privada para fins de utilidade pública (função transportadora), ou seja, a execução do serviço de transporte público colectivo, nos percursos descritos nas secções II e V, com os meios de transporte e o equipamento da propriedade da empresa, mediante uma remuneração paga em 84 prestações mensais, no montante global de MOP$ 1 638 888 149,10.
A empresa contratante gere e mantém a sua frota de veículos ao serviço da RAEM contra o pagamento de prestações mensais de montante fixo e previamente estabelecido no contrato, revertendo para a Administração o preço do serviço de transporte pago pelos utentes, conforme tarifário (regulamento dos preços públicos) fixado pela Administração, cumprindo apenas à entidade prestadora do serviço de transporte, uma vez apurados os resultados de exploração do serviço, arrecadar as tarifas cobradas e entregá-las à DSAT.
O preço global que vem estipulado neste contrato (a soma de 84 prestações mensais) é o pagamento pré-fixado do exercício da função transportadora executada mensalmente pela empresa de transporte com a obrigação desta arrecadar e entregar à DSAT o montante das tarifas cobradas e os demais documentos e facturas a que correspondam os pagamentos mensais das referidas prestações (cfr. cláusula sétima).
O controlo da gestão financeira do serviço público mantém-se na responsabilidade directa da DSAT. A recorrente presta serviço directamente sob controlo daquela Direcção dos Serviços devendo cumprir as obrigações contratuais e legais reguladoras do funcionamento do sistema de transportes, sujeita às disposições complementares reguladoras do modus operandi daquele sistema.
Por este contrato está em causa a aquisição de serviços de transporte em que a empresa privada é remunerada pela prestação de serviços nas condições pré-fixadas pela Administração, contra o pagamento de prestações mensais calculadas com base na quilometragem dos percursos efectuados e na caracterização técnica dos veículos postos à disposição do público com a garantia da sua comodidade e segurança.
Não há pois qualquer transferência da responsabilidade pela gestão financeira do serviço público com a correspondente sujeição aos resultados de exploração decorrentes dos preços impostos aos utentes.
Não traduzindo os “riscos” a que se refere a recorrente no ponto 51 do recurso qualquer transferência de responsabilidade nos termos legais a que nos temos vindo a referir.
A Administração, por este contrato, não transfere o risco dos resultados da exploração como ocorre nos contratos de concessão em que a entidade concedente transfere para a entidade concessionária os poderes de gestão do serviço público, por sua conta e risco, sujeito à fixação de tarifas e mediante uma retribuição à entidade concedente (que pode ser dispensada nos casos previstos no artigo 12º da Lei nº 3/90/M).
Não havendo transferência de risco não há contrato de concessão não sendo a utilização da figura do resgate que corresponde, na teoria geral das causas de extinção dos contratos administrativos, à resolução do contrato por acto unilateral da Administração por razões de interesse público e da figura sequestro, pensada de facto para o abandono da concessão em que o remédio imediato será a exploração do serviço público pelo próprio concedente para assegurar a sua continuidade (que alguns autores qualificam como sanção), que poderá alterar esta qualificação.
Estamos, pois, e em suma, perante um contrato de prestação de serviços de transporte, público e não de um contrato de concessão por não haver transferência da responsabilidade pela gestão do serviço, que se mantém na Administração.
Não podendo a empresa requerente ser qualificada legalmente, em face do contrato celebrado com a RAEM e da Lei nº 3/90/M como concessionária do serviço público de transportes colectivos, a sua qualidade de prestadora de serviços de transportes colectivos à RAEM não lhe atribui o direito à isenção do imposto de transmissão de veículos motorizados novos afectos a essa prestação de serviços tal como decorre do artigo 6º nº 1 alínea 1) do RIVM no qual se estipula a isenção do imposto para as transmissões de veículos motorizados novos destinados ao transporte colectivo de passageiros, de lotação não inferior a 15 lugares, com exclusão do condutor, adquiridos para uso exclusivo de empresas concessionárias de transportes colectivos.
A referência feita nas conclusões da Informação na 0354/NVT/DOI/RFM/2011 ao facto de o próprio contrato referir que se aguardam disposições complementares do modus operandi do sistema de transportes refere-se, como se retira do contexto, à qualificação contratual no sentido de a responsabilidade pela gestão do serviço se manter na DSAT.
Termos em que não procedem os vícios invocados.
Conclusão
A Administração, por este contrato, não transfere o risco dos resultados da exploração como ocorre e nos contratos de concessão em que a entidade concedente transfere para a entidade concessionária os poderes de gestão do serviço público, por sua conta e risco, sujeito à fixação de tarifas e mediante uma retribuição à entidade concedente (que pode ser dispensada nos casos previstos no artigo 12º da Lei nº 3/90/M).
A empresa contratante gere e mantém a sua frota de veículos ao serviço da RAEM contra o pagamento de prestações mensais de montante fixo e previamente estabelecido no contrato, revertendo para a Administração o preço do serviço de transporte pago pelos utentes, conforme tarifário (regulamento dos preços públicos) fixado pela Administração, cumprindo apenas à entidade prestadora do serviço de transporte, uma vez apurados os resultados de exploração do serviço, arrecadar as tarifas cobradas e entregá-las à DSAT.
Não há pois qualquer transferência da responsabilidade pela gestão financeira do serviço público com a correspondente sujeição aos resultados de exploração decorrentes dos preços impostos aos utentes.
A recorrente presta serviço directamente sob controlo daquela Direcção dos Serviços devendo cumprir as obrigações contratuais e legais reguladoras do funcionamento do sistema de transportes, sujeita às disposições complementares reguladoras do modus operandi daquele sistema.
O preço global que vem estipulado neste contrato (a soma de 84 prestações mensais) é, o pagamento pré-fixado do exercício da função transportadora executada mensalmente pela empresa transporte com a obrigação desta arrecadar e entregar à DSAT o montante das tarifas cobradas os demais documentos e facturas a que correspondam os pagamentos mensais das referidas prestações (cfr. cláusula sexta).
Não havendo transferência de risco não há contrato de concessão.
Não podendo a empresa requerente ser qualificada legalmente, em face do contrato celebrado com a RAEM e da Lei nº 3/90/M como concessionária do serviço público de transportes colectivos, a sua qualidade de prestadora de serviços de transportes colectivos à RAEM não lhe atribui o direito à isenção do imposto de transmissão de veículos motorizados novos afectos a essa prestação de serviços tal como decorre do artigo 6º nº 1 alínea 1) do RIVM no qual se estipula a isenção do imposto para as transmissões de veículos motorizados novos destinados ao transporte colectivo de passageiros, de lotação não inferior a 15 lugares, com exclusão do condutor, adquiridos para uso exclusivo de empresas concessionárias de transportes colectivos.
Pelo que deverá o presente recurso ser considerado improcedente e, em consequência, manter-se o acto da Senhora Directora, de 5 de Agosto de 2011, de indeferimento da reclamação que manteve o indeferimento dos pedidos de isenção do IVM objecto do recurso em apreço» (fls. 50 a 565).
11- Na sequência desta Informação foi emitido o seguinte parecer da Ex.ma Directora (fls. 19 do p.a):
“Ex.mo Sr. Secretário para a Economia e Finanças,
Subscrevo o parecer jurídico e a conclusão constantes da informação. Peço a V. Ex.ª para considerar a rejeição do recurso hierárquico necessário interposto pela “Sociedade de Transportes Públicos B, S.A.”, porque o pedido apresentado pela companhia de isenção de IVM não se mostra conforme com as disposições legais referentes.
                       A directora,
XXX
                     (rubrica: vd. o original)
                       Aos 1/11/2011.
12- Em 22/11/2011, o Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças proferiu então a seguinte decisão:
“Subscrevo a proposta. Indefiro o recurso hierárquico em causa”.
*
2- Da aceitação do acto
A entidade recorrida considera que o facto de a recorrente, em 12/09/2011, ter solicitado, e obtido, junto da DSAT o reembolso do imposto de 245 veículos (entre os quais os que foram objecto do acto ora sindicado), ao abrigo da Lei nº 5/2002 e de acordo com a cláusula 21.1 da parte III do Caderno de Encargos do concurso, revela uma conformação da impetrante para com os efeitos do acto de indeferimento dos pedidos de isenção. Isto é, para a excepcionante, aquele comportamento, significaria uma aceitação do acto incompatível com a vontade de impugnar.
Diferente é a posição da recorrente. Esta vem esclarecer que a devolução foi feita sob reserva, para cuja demonstração se socorre do documento nº1 junto com a contestação.
Vejamos, então.
Em primeiro lugar, importa sublinhar que no momento do pedido de reembolso se encontrava pendente o recurso hierárquico contra o indeferimento de isenção, sendo certo que dele não expressamente desistiu a recorrente, nem que a entidade recorrida o tenha feito extinguir com esse fundamento.
O facto de ter sido pedido o reembolso do imposto – o que pressupõe, obviamente, o prévio pagamento – não significa que dessa maneira a recorrente tenha implicitamente admitido que o direito à isenção não lhe era aplicável. Não há aí qualquer incompatibilidade entre as pretensões, nem uma exclui a outra: o pedido de reembolso, ao abrigo da Lei nº 5/2002 e da cláusula 21.1 da parte III do Caderno de Encargos, apresenta-se como uma tentativa da interessada em fazer regressar à sua esfera patrimonial uma importância anteriormente paga. Este reembolso, porém, podia não ser concedido, visto que o poder administrativo é, para esse caso, discricionário3. Já a isenção tem um objectivo mais profundo, na medida em que, por decorrer de uma actuação administrativa vinculada (cfr. art. 6º, nº1, al.1), da Lei nº 5/2002, de 17/06), satisfaria o recorrente de outra maneira, libertando-o de repetidas pretensões de reembolso, que podiam, inclusive, nem sequer merecer acolhimento. Portanto, o pedido de reembolso não funciona aqui como facto incompatível com a vontade de recorrer (cfr. art. 34º, nº2, CPAC).
Em segundo lugar, o requerimento apresentado com aquele fim foi elaborado sem prejuízo dos direitos conferidos à empresa, bem como de outros relativos a quaisquer impostos (cfr. fls. 108). Isto é, a vontade da requerente ficou manifestada de uma maneira muito clara, a ponto de indelevelmente deixar exposto que não abdicaria de nenhum direito referente a quaisquer impostos, neles se incluindo, obviamente, o exercício do direito à “isenção de impostos”.
Portanto, esta declaração constitui, sem dúvida alguma, a reserva escrita a que se refere o art. 34º, nº1, do CPAC.
Improcede, pois, a referida excepção.
*
Da legitimidade activa
Invocou a entidade recorrida a ilegitimidade activa da recorrente, tendo por base o art. 33º, al. a), do CPAC, com o argumento de que o reembolso precludiria a eliminação prática dos efeitos de eventual anulação do acto recorrido. Isto é, a devolução do dinheiro do imposto pela via do reembolso teria como efeito o aniquilamento da lesão que a recorrente poderia sofrer. Portanto, ela não demonstraria qualquer interesse directo e pessoal na anulação do acto.
Ora bem. Bem podemos dizer que a teleologia do reembolso é diferente da da isenção. O reembolso tem carácter temporário; a isenção tem carácter perene. O reembolso é liberatório; a isenção é imunitária. O reembolso depende da vontade do administrador contratante; a isenção decorre da vontade do legislador. O reembolso implica um prévio pagamento do imposto, de montante que pode ser apreciável e que, por isso mesmo, é susceptível de provocar dificuldades de tesouraria da empresa; a isenção evita o tributo. Tudo isso parece certo.
Contudo, não podemos esquecer que a legitimidade não é um pressuposto indiferente à esfera do recorrente e é por essa razão que no contencioso administrativo é, habitualmente, levado em consideração para a caracterização da legitimidade activa ou o critério da lesão efectiva, ou o critério do interesse.
E esse interesse «há-de ser aferido de acordo com a descrição do pleito a que o recorrente procede no articulado inicial (Ac. do STA de 24/04/2003, Proc. Nº 044693)
Terá que ser um interesse directo, pessoal e legítimo (art. 33º, al. a), do CPAC). Directo, na medida em que do provimento do recurso lhe advenha um proveito imediato e objectivo. Directo, também, na medida em que o provimento implique a anulação de um acto que esteja a constituir um obstáculo à satisfação de uma pretensão ou seja causa imediata de um prejuízo (M. Caetano, Estudos de Direito Administrativo, edições Ática, nº 46, pag. 240 e Manual de Direito Administrativo, 10ª ed., II, pag. 1356; Fermiano Rato in Revista de Direito Administrativo; F. Amaral, Direito Administrativo, IV, 1988, pag. 168/170; Ac. STA de 28/4/94, in AD nº 394/1111). E directo, por fim, de forma que se traduza numa verosímil posição de utilidade ou vantagem, independentemente de ficar ou não eliminada a causa da lesão que motive o recurso (Ac. do STA de 22/02/93, Rec. Nº 25 160). Nesta perspectiva, a legitimidade não é a legitimidade-condição, ligada ao fundo da causa, mas como se disse mero pressuposto processual (Ac. do STA de 17/11/96, Rec. Nº 38005 e1/10/98, Rec. Nº 43 423, entre outros).
Pessoal, no sentido da existência de um relação de titularidade entre a pessoa do recorrente e a pretensão por cuja vitória pugna ou o prejuízo causado pelo acto cuja anulação pretende obter (M. Caetano, in «Estudos...», pag. 242 e «Manual...», II, 1357).
Legítimo, supondo-se estar em sintonia com a ordem jurídica estabelecida e por esta não reprovada (M. Caetano, «Manual...» cit, II, pag. 1357; F. Amaral, ob. cit. pag. 171; Guilherme da Fonseca, in «Condições de procedibilidade» na obra Contencioso Administrativo, Livraria Cruz, Braga, pag. 201).
Ora, como se disse, sendo a legitimidade/pressuposto processual diferente da legitimidade/condição (Ac. do TSI, de 13/11/2003, Proc. nº 196/2003; 27/03/2003, Proc. nº Proc. nº 72/2000; Ac. do STA de 12/12/2002, Proc. Nº0828/02), o que importa é olhar para a forma como se encontra configurada a causa de pedir, isto é, como a relação material controvertida é configurada, independentemente da titularidade da posição jurídica substantiva (V. Andrade, in A Justiça Administrativa, 3ª ed., pag. 221), a fim de se ajuizar da vantagem ou utilidade que do provimento do recurso possa advir (Ac. do STA de 2/03/2004, Proc. Nº 046 937).
Ora, assim sendo, para preencher a legitimidade, a recorrente deveria invocar uma situação de utilidade, benefício e vantagem dignas de tutela jurídica, um quadro de proveito e interesse próprios imediatamente derivados da procedência do recurso, um panorama que ilustre uma repercussão directa e imediata na sua esfera.
Mas, nesse sentido, o que a recorrente fez foi encaminhar o tribunal para um campo aberto onde decorreria a esgrima com a entidade recorrida, na tentativa de mostrar, pela força dos seus argumentos, as razões mais concernentes à definição de um “status” jurídico que implicaria o reconhecimento da titularidade da qualidade de concessionária, e da qual decorreria toda a espécie de consequências, nomeadamente a do direito à isenção do pagamento do imposto sobre os veículos identificados na petição inicial.
Todavia, o interesse para a sua esfera não pode ultrapassar no caso em apreço a sua matriz económica ou material. Isto é, o que em boa verdade deve contar, não é saber se neste caso a recorrente tem direito à qualidade de concessionária, mas sim se ficou lesada com o acto e se, por isso mesmo, tem interesse em vê-lo anulado. Mas, em verdade se diga, ainda que “este”tribunal – isto é, este colectivo, ou a configuração do conjunto composto por estes elementos – resolvesse anular o acto por entender que a recorrente merecia o “status” de concessionária, nem por isso a sua situação estaria completa e definitivamente resolvida. Com efeito, nada impediria que outra composição colegial pudesse julgar coisa diferente, negando-lhe aquela qualidade. Quer dizer, em termos definitivos, só uma definição com a autoridade adveniente de um caso julgado recaído concretamente sobre a sua situação específica e abrangente seria capaz de lhe proporcionar o direito por que almeja neste e noutros processos que por si foram intentados com o mesmo objectivo. E isso só se resolveria através de um de dois meios:
1º- Da acção para o reconhecimento de direito (art. 100º do CPAC), desde que se considere que não chegou a ser praticado nenhum acto especificamente debruçado sobre um concreto pedido de atribuição da qualidade ou condição de concessionária;
2º- Da acção sobre contratos para dirimir conflito sobre a interpretação de alguma das suas cláusulas (art. 113º do CPAC), em que podia ser cumulado o pedido de anulação do acto.
Isso porém não o quis fazer a recorrente, uma vez que preferiu concentrar a sua estratégia no âmbito de um processo de índole anulatória.
Assim é que, no que se refere a estes concretos autos, pouco interessa o estudo da situação invocada. Em nossa opinião, a utilidade económica ou material, em caso de procedência do recurso, é nula, visto que nenhuma repercussão favorável, positiva e verdadeiramente útil adviria para a sua esfera, sabido que é ter ela já sido reembolsada do imposto pago. Ou seja, procedendo o recurso, e quanto a este lote de veículos, a recorrente não ficaria nem melhor nem pior do que está neste momento, uma vez que o reembolso das quantias pagas satisfez já o seu desejo de tutela jurídico-material.
Nem se diga, a contrapor a presente conclusão, que o recurso é simplesmente de mera legalidade e que a lesão não constitui causa ou fundamento do pedido. Na verdade, a mera legalidade da sua finalidade (art. 20º, do CPAC) não permite que escapem os pressupostos processuais, nomeadamente o da legitimidade, que, como vimos, carece da revelação de um interesse concreto (art. 33º do CPAC) nos termos acima expostos. Ou seja, ainda que não haja necessariamente lesão (a al. a), do art. 33º, efectivamente, apenas na 1ª parte a consente), não pode ainda assim o recorrente deixar de mostrar a utilidade relevante que para a sua esfera haverá de resultar do êxito da pretensão. E na hipótese em apreço, se a procedência do recurso, como vimos, não resolveria definitivamente a questão nuclear do seu estatuto jurídico, então a utilidade que assomaria do sucesso jurisdicional só poderia assentar no seu carácter material ou económico, visto que estava em causa uma importância em dinheiro de natureza tributária. Todavia, o reembolso da importância paga, elimina a utilidade do processo e da decisão eventualmente favorável.
Foi este o sentido de decisões tomadas já por este TSI (Ac. de 25/10/2012, Proc. nº 368/2012; 8/11/2012, Proc. nº 73/2012 e de 8/11/2012, Proc. nº 733/2012), cuja bondade aqui de novo se sufraga.
Face ao exposto, entendemos que a recorrente não está dotada de legitimidade. E mesmo que assim não se considerasse, atento o objectivo principal da sua pretensão anulatória, não seria este o meio próprio para alcançar o desiderato a que se propôs.
***
Consequentemente, acordam em julgar procedente a excepção suscitada de ilegitimidade activa da recorrente e, por isso, rejeitar o recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 8 UC.
TSI, 22 / 11 / 2012

Presente José Cândido de Pinho Vítor Manuel Carvalho Coelho (Relator)
Lai Kin Hong (Primeiro Juiz-Adjunto)
Subscrevo a decisão Choi Mou Pan (Segundo Juiz-Adjunto)


1 Sublinhado nosso
2 Sublinhado nosso
3 A cláusula em apreço dispõe que: “podem ser da conta da Região Administrativa Especial de Macau as despesas de imposto de circulação de veículos motorizados e de imposto de circulação de veículos motorizados relativos aos veículos de exploração pela prestação do serviço público de transportes colectivos rodoviários de passageiros, mediante requerimento apresentado pelo adjudicatário à DSAT juntamente com documento comprovativo de pagamento”.
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