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Processo n.º 896/2012 Data do acórdão: 2013-2-28
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – elemento intelectual do dolo
  – insuficiência da prova
– insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do Código de Processo Penal
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
S U M Á R I O

1. A questão de se ter feito prova, ou não, do elemento intelectual do dolo na prática do crime situa-se no plano de eventual insuficiência da prova, e nunca no de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (a que alude o art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do Código de Processo Penal), nem no de omissão de diligência tendente à descoberta da verdade.
2. Como após examinados todos os elementos dos autos, não se mostra patente ao tribunal ad quem que a livre convicção sobre os factos acusados a que chegou o tribunal a quo tenha violado qualquer norma sobre a prova legal, ou quaisquer legis artis ou qualquer regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, a decisão penal condenatória, ora recorrida pelo arguido, não pode padecer do vício de erro notório na apreciação da prova a que se refere o art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 896/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 212 a 216v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR4-12-0134-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material de um crime consumado de “precursores”, p. e p. pelo art.o 9.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de seis anos de prisão, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para imputar nuclearmente à referida decisão condenatória penal a violação daquela norma incriminadora, por entender que não se tinha provado que ele sabia que os comprimidos de gripe por si trazidos para Macau continham matéria para fabrico de droga, daí que a mesma decisão judicial está a padecer dos vícios de insuficiência para a decisão da materia de facto provada, e de erro notório na apreciação da prova, para além de pôr em causa o disposto nos art.os 106.o, alínea d), 110.o, 308.o, n.o 2, e 336.o, n.o 1, do vigente Código de Processo Penal (CPP), pelo que ele deve ser absolvido por força do princípio de in dubio pro reo (cfr. as conclusões da motivação do recurso, apresentada a fls. 220 a 228v dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público (a fls. 234 a 236 dos autos) no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 248 a 250), pugnando materialmente pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e realizada a audiência neste TSI, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que:
– o Tribunal recorrido já deu por provada toda a matéria de facto descrita no libelo acusatório penal;
– e na fundamentação fáctica do acórdão ora recorrido, o Tribunal seu autor afirmou que: em 28 de Dezembro de 2011, o arguido chegou ao Terminal Marítimo do Porto Exterior de Macau, e o pessoal afandegário de Macau descobriu que ele estava a trazer, na sua bagagem e mala de mão, e nomeadamente, um total de 45.210,50 (18.625,60+8.863.80+17.721,10) gramas de comprimidos, contentores, no seu interior, e ao total, de 16.376,90 (6.779,70+3.208,70+6.388,50) gramas líquidos de Pseudoefedrina; o arguido sabia que esses comprimidos com Pseudoefedrina no interior (e empacotados em 51 sacos) se destinavam ao fabrico de droga; o arguido sabia da natureza dos mesmos comprimidos, e agiu de modo livre, voluntário e consciente, sabendo que a sua conduta não era permitida por lei e como tal era punível.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, é de ver que no fundo, o recorrente defende, na sua motivação, que não se fez prova do elemento intelectual do dolo na prática do crime por que vinha condenado em primeira instância, questão essa que se situa propriamente no plano de eventual insuficiência da prova, e, como tal, nunca no de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (a que alude o art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do CPP), nem no de omissão de diligência tendente à descoberta da verdade.
O recorrente preconiza, então, que não se pode basear na quantidade de comprimidos de gripe que ele trazia para daí se retirar que ele sabia que os mesmos comprimidos de destinavam ao fabrico de droga.
Mas, para este Tribunal ad quem, e depois de examinados todos os elementos dos autos, não se mostra patente, e desde já, que a livre convicção sobre os factos acusados a que chegou o Tribunal a quo tenha violado qualquer norma sobre a prova legal, ou quaisquer legis artis ou qualquer regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, pelo que a decisão recorrida não pode padecer do vício de erro notório na apreciação da prova a que se refere o art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP, não sendo, assim, de sindicar do juízo de valor formado pelo Tribunal a quo no referente ao já concluído conhecimento pelo arguido de que os comprimidos dos autos se destinavam ao fabrico de droga.
Assim sendo, e atenta a factualidade fixada pelo Tribunal a quo, está verificado realmente o elemento intelectual do dolo da prática do crime do art.o 9.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, cujo tipo legal é descrito de maneira seguinte pelo Legislador: “Quem, sem se encontrar autorizado, produzir, fabricar, importar, exportar, transitar, transportar, comerciar ou distribuir
equipamentos ou materiais, ou substâncias inscritas nas tabelas V e VI, sabendo que são ou vão ser utilizados no cultivo, na produção
ou no fabrico ilícitos de plantas, de substâncias ou de preparados compreendidos nas tabelas I a IV, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos”.
Naufraga, pois, o recurso, sendo descabida, por impertinente, a invocação, pelo arguido, na sua motivação, das normas dos art.os 308.o, n.o 2, e 336.o, n.o 1, do CPP para sustentar a sua pretensão de absolvição penal por alegado in dubio pro reo.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas pelo arguido recorrente, com oito UC de taxa de justiça.
Macau, 28 de Fevereiro de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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