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Processo nº 13/2013 Data: 28.02.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “danificação ou subtracção de documento ou notação técnica”.
Pena.
Teoria da margem de liberdade.



SUMÁRIO

Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.



O relator,

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Processo nº 13/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os sinais dos autos respondeu, no T.J.B., vindo a ser condenada como autora de 1 crime de “danificação ou subtracção de documento ou notação técnica”, p. e p. pelo art. 284°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 60 dias de multa, a taxa de MOP$100,00 por dia, perfazendo a multa global de MOP$6.000,00, ou 40 dias de prisão subsidiária; (cfr., fls. 114 a 120).

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Inconformada, a arguida recorreu.
Motivou para concluir nos termos seguintes:

“1. Vem o presente recurso interposto do acórdão que condenou a Arguida A, ora Recorrente, à “pena de sessenta (60) dias de multa à razão de cem (100) patacas por dia, o que perfaz o montante total de seis mil patacas (MOP$6.000.00)”, pela prática de um crime de um crime de danificação ou subtracção de documento ou notação técnica, previsto e punido pelo artigo 248.°, n.° 1 do Código Penal.
2. A ora Recorrente não se conforma com o número de dias de multa a que foi condenada nem com o quantum determinado pelo douto Tribunal a quo.
3. Considera a Recorrente que o Tribunal a quo violou a disposição do artigo 45.° do Código Penal porquanto o número de dias de multa aplicada à ora Recorrente revela-se, salvo devido respeito, desproporcional em relação à moldura legal prevista para o caso e o quantum fixado para cada dia é, também salvo devido respeito, desproporcional em face da situação económica da arguida.
4. Na determinação da pena de multa, o douto Tribunal a quo não atendeu às condições pessoais do agente, em especial, ao facto da recorrente ser primária, à conduta posterior ao facto de que vem condenada, que já leva mais de 5 anos.
5. A Recorrente encontra-se desempregada, como ficou provado em sede da audiência de julgamento, resultando ainda dos autos que tem 4 filhos de 4,8,9 e 13 anos, necessitando a recorrente da ajuda de familiares para suportar as despesas e encargos da sua família, nomeadamente, a educação daqueles.
6. A aplicação da pena "de sessenta (60) dias de multa à razão de cem (100) patacas por dia, perfazendo o montante total de seis mil patacas (MOP$6.000.00)", é excessiva, devendo a fixação do quantitativo diário da multa, ser feita em função da situação económica e financeira da recorrente e dos seus encargos pessoais e familiares.
7. O Tribunal a quo considerou como provada a situação de desemprego da recorrida e não indagou, como era seu dever, das condições pessoais (familiares) da recorrente, não lhe sendo assim possível fixar a pena que aplicou à mesma dentro dos princípios de proporcionalidade e adequação.
8. A pena de multa determinada representa para a Recorrente um sacrifício acrescido, que a coloca numa situação que põe em causa os mínimos de subsistência, tanto dela como das quatro (4) crianças.
9. A determinação da pena de multa em sessenta (60) dias é excessiva, devendo passar para o mínimo de 10 dias, uma vez que a conduta adoptada pela recorrente deveu-se a uma reacção impulsiva e instantânea, que não pôs, nem põe em causa, as exigências de prevenção criminal.
10. A recorrente reúne os predicados e os requisitos necessários para beneficiar de mais benevolência e não revela um quadro de antecedentes criminais que dá nota de uma determinada propensão para a prática de crimes.
11. O fim do direito penal é o da protecção dos bens jurídico/penais e a pena é o meio de realização dessa tutela, havendo de estabelecer-se uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, nesta entrando as considerações de prevenção geral e especial.
12. A acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o autentico pressuposto material da atenuação especial da pena (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português - as consequências jurídicas do crime, pg. 306)
13. Pela prevenção geral (positiva) faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e pelo outro no restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens tutelados; pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa).
14. No caso, não são elevadas as exigências de prevenção, o que permite formular um prognóstico favorável acerca do comportamento da recorrente no futuro e uma pena excessiva não cumpre as finalidades de prevenção geral, porque intolerável comunitariamente; e não realiza as funções de prevenção especial, porque o agente não a aceita e tem-na por injusta.
15. A "confiança" da generalidade das pessoas não foi afectada pela conduta da recorrente e considerando o quadro concreto do presente caso, estão preenchidas todas as condições para que o Tribunal decida por um juízo de prognose social mais favorável à recorrente e por conseguinte defira a diminuição do número de dias de multa a que a Recorrente foi condenada, tendo em consideração o facto da recorrente ser primária e sua conduta posterior ao facto de que vem condenada decorridos que estão mais de 5 anos.
16. Deve ser também ponderada a situação económica da recorrente e do seu agregado familiar, encontrando-se a recorrente desempregada, sendo de crer que a taxa diária da pena de multa deva passar para os limites mínimos, para cinquenta (50) patacas por dia, sob pena de, se assim não se entender, se fazer perigar as finalidades de prevenção da pena aplicada.
17. O douto Tribunal a quo não atendeu às condições pessoais (familiares) da Recorrente e à sua conduta posterior.
18. Verifica-se, salvo melhor opinião, um vício de erro de julgamento nos termos do n.° 1 do artigo 400.° do Código de Processo Penal”; (cfr., fls. 138 a 141).

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Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público:

“Antes de mais quanto ao pedido apoio judiciário sempre se dirá:
1 - não estando comprovado as dificuldades económicas da recorrente, não deve o mesmo ser deferido.
2 - sendo o signatário das doutas alegações do recurso, defensor oficioso, mal se compreende que a situação de carência económica da recorrente não lhe permita e custear os preparos e os autos deste processo, nem os Honorários de Advogado.
Esta arguida foi condenada neste juízo, pela prática de um crime de danificação ou subtracção de documento ou notação técnica, p. p. no art° 248 n° 1 CPM na benevolente pena de 6000 patacas de multa (60 dias de multa à razão de 100MOP por dia).
E porque considerou severa a pena aplicada, vem alegar que o tribunal violou o disposto no art° 45 CPM, interpondo o presente recurso:
Assim, como forma de impugnar o julgado, afirma - que a recorrente era primária;
- que teve boa conduta após a prática dos factos;
- que os factos ocorreram há mais de 5 anos;
- que Se encontra desempregada.
factos estes que o tribunal não tomou em consideração para a fixação de pena concreta, entendendo como justa a pena de multa de 10 dias à razão diária de cinquenta patacas por dia
Ora sem qualquer razão.
A pena aplicável é de prisão até 3 anos ou multa.
O tribunal, numa manifestação de benevolência, optou por aplicar à ora recorrente uma pena de 60 dias de multa, à razão de 100 patacas por dia.
E dizemosu benevolência, porque estando a pena de multa balizada entre os 10 e os 360 dias, e a multa correspondente a cada dia variando entre as 50 e as 10.000 MOP, facilmente se conclui que se optou por uma pena muito próximo dos mínimos legais.
E para tal, naturalmente que o tribunal atentou a quase todas as circunstâncias atenuantes invocadas pela recorrente.
Ora, tendo a arguida respondido à revelia não beneficia nem de confissão nem do arrependimento, sendo essas, sim, circunstâncias relevantes para a determinação da pena.
E porque respondeu à revelia ignora o tribunal se a mesma tem dificuldades económicas ou se se encontra desempregada.
Como dissemos, se alguma critica se poderá fazer ao douto acórdão, a mesma estará relacionado com a sua benevolência.
Pretender que o Tribunal aplique a pena mínima a uma arguida julgada à revelia é algo que não se pode esperar.
O douto acórdão apresenta-se isento de críticas, pelo que o confirmando, será feita a habitual”; (cfr., fls. 144 a 144-v).

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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer pugnando pela rejeição do recurso; (crf., fls. 158 a 159).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Vem a arguida dos autos recorrer da decisão proferida pelo T.J.B. que a condenou como autora de 1 crime de “danificação ou subtracção de documento ou notação técnica”, p. e p. pelo art. 284°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 60 dias de multa, a taxa de MOP$100,00 por dia, perfazendo a multa global de MOP$6.000,00, ou 40 dias de prisão subsidiária.

Bate-se pela redução da pena, alegando, em síntese, que era primária, que os factos ocorreram há mais de cinco anos, que teve boa conduta após o cometimento do ilícito e que se encontra desempregada.

Sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, e como se consignou em sede de exame preliminar, cremos que não tem a recorrente razão, sendo o recurso de rejeitar, dada a sua manifesta improcedência; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).

Vejamos.

Está provado o que segue:

“Por volta das 15H25 do dia 9 de Fevereiro de 2007, aquando a arguida estava a tratar do registo de nascimento da sua filha B na Conservatória do Registo Civil que fica no 15° andar do Edifício da Administração Pública sita na Rua do Campo, por questões relativo ao nome do pai constante no registo de nascimento da sua filha, teve uma discussão com C, funcionário da Conservatória do Registo Civil.
Dado que a arguida não ficou satisfeita com a explicação do C sobre a questão em causa, pelo que interveio o Conservador do Registo Civil D para lhe fazer a explicação.
O ofendido antes de facultar à arguida os documentos que anteriormente ela tinha entregue para efectuar o registo de nascimento da filha, disse-lhe claramente que tais documentos eram da pertença da Conservatória, que não podiam ser danificados. Após a arguida ter aceite a promessa, o ofendido entregou um volume de documentos compilado à arguida para verificar.
Quando a arguida viu a cópia do seu registo de casamento no volume de documentos, de repente deu um puxão e tirou a cópia do seu registo de casamento que estava compilado no volume, rasgou-o em pedaços, posteriormente a mesma pegando nesses pedaços rasgados começou a berrar e a causar distúrbios no gabinete.
A arguida sabia perfeitamente que tal documento pertencia à conservatória de registo civil, entretanto, consciente e livre danificou o supracitado documento compilado, a sua conduta causou directamente uma perda do documento da entidade governamental.
A arguida bem sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei.
Conforme o CRC, a arguida é primária”.

Aqui chegados, vejamos.

Ao crime pelo qual foi a arguida condenada – notando-se que não se discuta aqui tal qualificação jurídica – cabe a pena de prisão até 3 anos ou pena de multa; (cfr., art. 248°, n.° 1 do C.P.M.).

Tendo o Tribunal a quo optado – e bem – pela pena de multa, fixou-a em 60 dias, à taxa de MOP$100,00, perfazendo assim a multa global de MOP$6.000,00.

Preceitua o art. 45° do C.P.M. que:

“1. A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos nos n.os 1 e 2 do artigo 65.º, tendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360.

2. Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 50 e 10 000 patacas, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

3. Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação; dentro dos limites referidos e quando motivos supervenientes o justificarem, os prazos de pagamento inicialmente estabelecidos podem ser alterados.

4. A falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das restantes”.

E, nesta conformidade, face à conduta provada da arguida (que atrás se deixou explicitada), e à moldura penal em questão – 10 a 360 dias de multa – manifesto é que excessiva não é a multa de 60 dias pelo Tribunal a quo fixada.

De facto, e como tem este T.S.I. afirmado: “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 06.12.2012, Proc. n° 903/2012).

Por sua vez, não se pode olvidar que a arguida agiu com dolo directo e intenso, (sendo de notar até que foi advertida pelo Sr. Conservador de que os documentos não podiam ser danificados), e que em momento algum dos autos demonstrou reconhecer o desvalor da sua conduta.

Daí, e evidente sendo que a pena aplicada ainda se situa bem junto do limite mínimo da sua moldura legal, evidente é que censura não merece a decisão na parte em questão.

Outrossim, e certo sendo que cada dia de multa corresponde a uma quantia entre MOP$50.00 a MOP$10.000,00, também não vemos como considerar-se inflaccionado o quantum de MOP$100.00 por dia.

É verdade que tal quantum é fixado “em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”; (cfr., n.° 2).

Todavia, há que ter em conta que em relação a tal aspecto nada se apurou – essencialmente, por culpa da própria arguida que não compareceu ao julgamento, embora estivesse representada pelo seu Defensor Oficioso – e que o quantum de MOP$100.00 por dia, (também aqui) já se encontra bem próximo do mínimo legal.

Reconhece-se que “cada caso é um caso”, e que determinada quantia pode ser irrisória para uns, e vital para outros.

Porém, dentro dos padrões que se consideram de normalidade, inviável é considerar absolutamente “insuportável” a quantia fixada, especialmente tendo presente o estatuído no n.° 3 do comando do transcrito art. 45°, onde, (repete-se), preceitua que “sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação; dentro dos limites referidos e quando motivos supervenientes o justificarem, os prazos de pagamento inicialmente estabelecidos podem ser alterados”.

Nesta conformidade, e dada a manifesta improcedência do recurso, imperativa é a sua rejeição.

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Quanto ao “pedido de apoio judiciário”, subscreve-se o entendimento pelo Ministério Público assumido na sua Resposta, pois que comprovada não estando a dificuldade económica da requerente/recorrente, inviável é a sua concessão; (cfr., art. 4° do D.L. n.° 41/94/M de 01.08).

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 3 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$1.000,00.

Macau, aos 28 de Fevereiro de 2013

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José Maria Dias Azedo
(Relator)

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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)

Proc. 13/2013 Pág. 18

Proc. 13/2013 Pág. 1