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Processo n.º 76/2013
Recurso jurisdicional em matéria fiscal.
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças
Data da conferência: 22 de Janeiro de 2014
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
Assuntos: - Recurso para o Tribunal de Última Instância
 - Indicação do valor da causa
 - Acções sobre interesses imateriais
  
SUMÁRIO
1. No processo do contencioso administrativo fiscal e quando o valor da causa seja susceptível de determinação, a fixação do valor da causa é indispensável para aferir da admissibilidade do recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância, pesa embora não seja exigível como requisito da petição de recurso.
2. Nada obsta a que o Tribunal convide o interessado para declarar o valor da causa e, consequentemente, fixe o valor, em função do qual vai depois decidir se o recurso é, ou não, admissível.
3. Não se encontrando no Código de Processo Administrativo Contencioso qualquer norma referente à indicação do valor da causa, é de lançar mão às normas de processo civil, que se aplicam subsidiariamente aos processos de contencioso administrativo.
4. No recurso contencioso fiscal em que pretende o recorrente a anulação do acto administrativo que decidiu proceder à liquidação do imposto sobre os veículos motorizados devido, cujo valor se totaliza numa determinada quantia, está em jogo um interesse patrimonial, pelo que não se pode seguir o critério estabelecido no art.º 254.º do Código de Processo Civil para fixar o valor da causa.
5. É de considerar tal quantia como o valor da causa, que representa a utilidade económica imediata do pedido (art.ºs 247.º n.º 1 e 248.º n.º 1 do CPC, aplicáveis subsidiariamente por força do art.º 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
  
A Relatora,
Song Man Lei
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
Inconformada com o douto Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância que decidiu negar provimento ao recurso contencioso por si interposto, vem a A recorrer para este Tribunal de Última Instância.
Por despacho do Exmo. Juiz-Relator do Tribunal de Segunda Instância, de 17 de Julho de 2013, o recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.
Subidos os autos para o Tribunal de Última Instância, constata-se que não foi atribuído valor à causa, pelo que foi convidada a recorrente para declarar o valor de causa e a entidade recorrida notificada para o impugnar,após o que foi fixado ao recurso contencioso o valor de MOP$771.292,00, por despacho proferido em 28 de Novembro de 2013.
Notificada do despacho, vem a recorrente reclamar para a conferência.
O Ex.mo Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer no sentido de indeferir a reclamação.
Corridos os vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, cumpre agora decidir.

2. Fundamentação
Antes de mais, convém transcrever aqui o despacho ora reclamado, com o qual se concorda e, por isso, se subscreve:
“Convidada a declarar o valor da causa, vem a recorrente a dizer que não é necessário indicá-lo, e no caso de assim não se entender e em cumprimento do despacho judicial, atribui à causa o valor de MOP$1.000.001,00, nos termos do art.º 254.º do Código de Processo Civil.
E a entidade recorrida entende que o valor indicado pela recorrente está em flagrante oposição com a realidade, devendo o valor da causa ser equivalente à quantia em dinheiro do benefício fiscal que a recorrente visa obter, que é de MOP$771.292,00.
Ora, é verdade que o art.º 42.º do Código de Processo Administrativo Contencioso não exige a indicação do valor da causa como um dos requisitos da petição do recurso contencioso, o que não afasta, porém, a aplicação subsidiária das normas contidas no Código de Processo Civil que regulam a matéria em causa, sob pena de esvaziar o disposto no n.º 3 do art.º 18.º da Lei de Bases da Organização Judiciária de qualquer sentido e utilidade.
E não é válido para o presente caso o critério estabelecido no art.º 254.º do CPC, que rege apenas “as acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais”, que não é, evidentemente, o nosso caso.
Na realidade, constata-se nos autos que, com a interposição do recurso contencioso, impugna a recorrente o acto administrativo que decidiu proceder à liquidação do imposto sobre os veículos motorizados devido pela recorrente, que tinha beneficiado da isenção do mesmo imposto.
E as quantias em causa totalizam-se no montante de MOP$771.292,00.
É de considerar tal quantia como o valor da causa do presente caso, que representa a utilidade económica imediata do pedido (art.ºs 247.º n.º 1 e 248.º n.º 1 do CPC, aplicáveis subsidiariamente por força do art.º 1.º do CPAC).
Assim, fixo ao recurso contencioso o valor de MOP$771.292,00.
Notifique.”

Na tese da reclamante, no caso vertente não há lugar à aplicação subsidiária do disposto na al. e) do n.º 1 no art.º 389.º do Código de Processo Civil, atenta a norma contida no art.º 42.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, que regula os requisitos próprios da petição de recurso contencioso, pelo que não há de indicar o valor da causa.
Alega ainda que, estando em causa um processo em que se aprecia a legalidade dum acto administrativo, pretendendo a anulação do mesmo, que deve ser considerada como uma acção sobre interesses imateriais, é de fixar o valor da causa no montante de MOP$1.000.001,00, ao abrigo do disposto do art.º 254.º do Código de Processo Civil.
E entende a entidade recorrida que se está perante um processo onde o valor da causa é determinável e para efeitos de apuramento da possibilidade de recurso jurisdicional, haverá lugar à indicação do valor da causa e que o art.º 254.º do Código de Processo Civil não é aplicável uma vez que não estão em causa acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais.

Ora, quanto à primeira questão, sobre a indicação do valor da causa, repare-se, desde logo, que a recorrente anda no equívoco, pois integra, indevidamente, nos requisitos da petição de recurso a indicação do valor da causa, que não é a intenção da Juíza-Relatora do processo, sendo que, na realidade e no entendimento da mesma Juíza, a indicação do valor da causa tem como função servir de critério para aferir da admissibilidade do recurso jurisdicional interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no recurso contencioso.
Nos termos do art.º 44.º n.º 2, al. 4) da Lei de Bases da Organização Judiciária, o Tribunal de Última Instância, como o órgão supremo da hierarquia dos tribunais, tem competência para julgar os recursos dos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, proferidos em primeira instância, “que sejam susceptíveis de impugnação”.
De acordo com o n.º 1 do art.º 583.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do art.º 1.º do CPAC, o recurso ordinário só é admissível nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, salvo disposição em contrário.
E o art.º 18.º n.º 3 da Lei de Bases da Organização Judiciária prevê que “Em matéria de contenciosos fiscal e aduaneiro, quando o valor da causa seja susceptível de determinação, a alçada dos Tribunais de Primeira Instância é de 15 000 patacas e a do Tribunal de Segunda Instância é de 1 000 000 patacas”.
Daí que, em matéria de contenciosos fiscal e aduaneiro e quando o valor da causa seja susceptível de determinação, que é precisamente o nosso caso, a fixação do valor da causa é indispensável para aferir da admissibilidade do recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância.
Ora, sem intenção de ignorar a disposição do n.º 1 do art.º 42.º do CPAC, que prevê expressamente os requisitos da petição de recurso contencioso, sem nenhuma referência à indicação do valor da causa, certo é que nada obsta a que o Tribunal convide o interessado para declarar o valor da causa e, consequentemente, fixe o valor, em função do qual vai depois decidir se o recurso é, ou não, admissível.
E não se encontrando no Código de Processo Administrativo Contencioso qualquer norma referente à indicação do valor da causa, é de lançar mão às normas de processo civil, que se aplicam subsidiariamente aos processos de contencioso administrativo.
Improcede assim a reclamação, nesta parte.

No que concerne à determinação do valor da causa, é evidente que também não assiste razão à reclamante.
Ora, o art.º 254.º do CPC estabelece o critério para fixar o valor “das causas sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais”.
No caso vertente, não está em causa, evidentemente, nenhuma acção sobre o estado das pessoas nem sobre interesses imateriais.
Defende a reclamante que se trata duma acção sobre interesses imateriais, indicando o objecto e a finalidade do processo (apreciação da legalidade do acto administrativo e a anulação do mesmo), mas sem mínima razão.
As acções sobre interesses imateriais são “aquelas em que se visa realizar um interesse não patrimonial, como aquela em que se pede o reconhecimento da dominialidade pública de um caminho, as de inibição ou de limitação do exercício do poder paternal, escusa, exoneração ou remoção de tutor”.1
No caso em apreciação e com a interposição do recurso contencioso, pretende a reclamante a anulação do acto administrativo que decidiu proceder à liquidação do imposto sobre os veículos motorizados devido, tendo a reclamante beneficiado da isenção do mesmo imposto, cujo valor se totaliza no montante de MOP$771.292,00. Pretende no fundo a não reposição desta quantia.
Daí que está em causa, sem dúvida, um interesse patrimonial.
Por outro lado, resulta claramente do disposto no art.º 20.º do CPAC que, em regra, “o recurso contencioso é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica”.
Se acolhesse o entendimento da reclamante, seria admitir que em todos recursos contenciosos, incluindo em matéria de contenciosos fiscal e aduaneiro, estão em jogo interesses imateriais, pelo que o valor da causa é de MOP$1.000.001,00. E seria sempre admissível o recurso ordinário para o Tribunal de Última Instância.
Então, qual será o sentido útil da disposição no n.º 3 do art.º 18.º da Lei de Bases da Organização Judiciária? Onde estará a lógica que subjaz nas normas acima referidas que regulamentam a competência do Tribunal de Última Instância e a admissibilidade do recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre?
O entendimento da reclamante, incorrecto, faz esvaziar, no presente caso, o sentido e a utilidade dessas normas jurídicas.
Daí que não se pode seguir o critério estabelecido no art.º 254.º do CPC.
Ora, como já foi dito, pretende a reclamante a anulação do acto administrativo que decidiu proceder à liquidação do imposto sobre os veículos motorizados devido. E as quantias em causa totalizam-se no montante de MOP$771.292,00, representando este valor a utilidade económica imediata do pedido da ora reclamante.
Assim, é de atender aos critérios gerais para a fixação do valor da causa, previstos nos art.ºs 247.º n.º 1 e 248.º n.º 1 do CPC, aplicáveis subsidiariamente por força do art.º 1.º do CPAC.

Improcede, pois, a reclamação.

3. Decisão
Face ao expendido, acordam em indeferir a reclamação do despacho da Juíza-Relatora que fixou ao recurso contencioso o valor de MOP$771.292,00.
Custas pela reclamante, com a taxa de justiça que se fixa em 6 UC.

                 Macau, 22 de Janeiro de 2014
                 
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho
                 
1 Cândida da Silva Antunes Pires e Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Código de Processo Civil de Macau, Anotado e Comentado, Volume II, 2008, p.165.
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Processo n.º 76/2013 1