打印全文
Processo n.º 13/2014. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças.
Assunto: Poderes discricionários. Caducidade da autorização temporária de residência. Fuga a impostos. Comprovado incumprimento das leis da RAEM. Princípio da proporcionalidade. Erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
Data da Sessão: 9 de Abril de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
  Não se verifica erro manifesto ou grosseiro no uso de poderes discricionários ou violação dos princípios da adequação e proporcionalidade se a Administração declara caduca autorização temporária de residência, concedida mediante investimento imobiliário, com fundamento em fuga à sisa devida na compra da fracção objecto do investimento, por considerar ter existido comprovado incumprimento das leis da RAEM.
  O Relator,
  Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 21 de Fevereiro de 2012, que declarou a caducidade das autorizações de residência temporária do recorrente e do seu agregado familiar.
Por acórdão de 28 de Novembro de 2013, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) negou provimento ao recurso.
Inconformado, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:
- O recorrente considera que a sua situação não viola as disposições do artigo 24º, nº 1, e do artigo 15º, sobretudo, o recorrente não tem nenhum registo criminal, não tendo violado qualquer lei da RAEM após obtido a autorização de fixação de residência, antes observa as leis da RAEM.
- Além disso, aponta o nº 2 do artigo 24º do Regulamento Administrativo nº 5/2003 que “qualquer circunstância que, nos termos da lei de princípios e do presente regulamento, seja impeditiva da manutenção da autorização, nomeadamente a falta de residência habitual do interessado na RAEM.” Entende o recorrente que esta norma regula os factos que aconteçam após o interessado ter obtido a autorização de residência temporária.
- Depois de formular pedido, à entidade recorrida, de residência temporária mediante o investimento na aquisição da fracção autónoma em 9 de Julho de 2003, o recorrente e seu agregado familiar observam sempre a lei da RAEM e o valor do imóvel adquirido ultrapassa um milhão de patacas. Até à presente, o recorrente reúne ainda os pressupostos e requisitos para o pedido de autorização de fixação de residência, devendo ser mantido o seu direito de obter autorização de residência provisória.
- Assim, salvo o devido respeito, o recorrente entende que a este processo não é aplicável o artigo 24º do Regulamento Administrativo nº 5/2003.
- Por último, os factos provados nºs 11 e 12 comprovam que o recorrente, a sua esposa e filha já residem, vivem, trabalham e estudam em Macau há muito tempo.
- O recorrente considera que os órgãos administrativos, ao praticar actos, devem respeitar, observar e concretizar interesses públicos e, ao mesmo tempo, respeitar e assegurar os interesses particulares. Devem actuar em conformidade com o princípio da proporcionalidade quando os dois colidam para assegurar, em primeiro lugar, a concretização de interesses públicos e só podem afectar os interesses particulares quando não se encontre a solução para a realização dos interesses públicos, mas de forma proporcional e adequada.
- Alem disso, a decisão em causa impedirá a permanência do recorrente e seu agregado familiar em Macau. O seu filho menor B nesceu em Macau e possui o bilhete de identidade de residente permanente de Macau, por isso, não tem registo de residência permanente nem documento de identidade da República Popular da China, este não pode viver com o recorrente e a mãe no Interior da China.
- Salvo o devido respeito, o recorrente considera que a entidade recorrida viola as disposições do Regulamento Administrativo nº 5/2003 e se verifica erro manifesto ou desarrazoamento absoluto no exercício do poder discricionário pela entidade recorrida.
- Pelas razões acima indicadas, o acórdão em questão foi proferido na falta de fundamentos factuais e de direito que o justificam. Segundo a al. b), nº 1 do artigo 571º do Código de Processo Civil (CPC), “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Salvo o devido respeito, tal acórdão deve ser nulo.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.

II - Os Factos
O Acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:
Em 9 de Julho de 2003, o recorrente formulou o pedido de fixação de residência em Macau, mediante o investimento na aquisição da fracção autónoma, sita [Endereço (1)].
O recorrente declarou aquando da aquisição do imóvel que o valor da compra e venda era de MOP$1.009.400,00.
Todavia, o valor real daquele negócio era no valor de cerca de $1.500.000,00.
A razão por que ter o recorrente declarado um valor mais baixo foi para pagar menos imposto.
O pedido foi deferido em 15 de Junho de 2005, tendo sido concedida autorização de fixação de residência temporária ao recorrente e seus familiares, a qual foi renovada até Janeiro de 2014.
Em 15 de Fevereiro de 2012, o IPIM recebeu do CCAC uma comunicação referindo que o recorrente tinha apresentado contrato de compra e venda de imóvel e escritura falsos aquando da apresentação do requerimento de fixação de residência em Macau na modalidade de investimento relevante, havendo, assim, suspeitas de violação do disposto na alínea d) do artigo 2º do DL nº 14/95/M.
Em consequência, o recorrente foi ouvido em declarações no IPIM na presença da sua advogada sobre os factos de compra e venda (conforme documento de fls. 26 do apenso).
Durante a inquirição, o recorrente admitiu que o preço real da compra e venda do imóvel adquirido para efeitos de requerimento de fixação de residência era cerca de $1.500.000,00, mas o recorrente apenas declarou perante as autoridades competentes o valor de MOP$1.009.400,00, para pagar menos imposto.
Em 21 de Fevereiro de 2012, o IPIM elaborou a Informação n.º XXXXX/GJFR/2012, na qual se propôs a declaração de caducidade das autorizações de residência temporária do recorrente e do seu agregado familiar, conforme o documento de fls. 20 a 23 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Nesse mesmo dia, pelo Sr. Secretário para a Economia e Finanças foi autorizada a proposta do IPIM.
O recorrente tem dois filhos, sendo a filha mais velha de nome C, nascida na China em 2003 e portadora do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente, e o filho mais novo de nome B, nascido em Macau em 2008 e portador do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM.
Os filhos estão a estudar, enquanto a esposa tem emprego fixo em Macau.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
Trata-se de saber se o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentos de facto e de direito e se o acto recorrido incorreu erro manifesto ou grosseiro no uso de poderes discricionários, ou se violou o princípio da proporcionalidade.
Não se conhece da violação do disposto no artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, dado que o recorrente não suscitou o vício no recurso contencioso. Não estando em causa questão de conhecimento oficioso, não pode a mesma ser conhecida, como é jurisprudência unânime deste Tribunal.

2. Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação
O acórdão recorrido não enferma de falta de fundamentação já que descreve os factos provados e está fundamentado juridicamente.

3. Breve síntese do caso dos autos
O recorrente e respectivo agregado familiar foram autorizados temporariamente a residir em Macau, com fundamento em investimento imobiliário que fez em Macau.
Veio-se a apurar que, na aquisição da fracção autónoma em questão, o recorrente declarou como valor de aquisição MOP$1.009.400,00 e não o valor real de MOP$1.500.000,00, para não pagar toda a sisa devida.
Com este fundamento, por considerar ter havido comprovado incumprimento das leis da RAEM, o acto recorrido declarou a caducidade das autorizações de residência temporária do recorrente e do seu agregado familiar.

4. Erro manifesto ou grosseiro no uso de poderes discricionários. Violação dos princípios da adequação e proporcionalidade
A caducidade das autorizações de residência temporária do recorrente e do seu agregado familiar fundamentou-se em comprovado incumprimento das leis da RAEM [artigo 9.º, n.º 2, alínea 1) da Lei n.º 4/2003, por força do artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003].
Está em causa o exercício de poderes discricionários por parte da Administração.
O recorrente entende que a sua conduta não tem a gravidade suficiente para justificar o fim da sua residência em Macau.
Alega, ainda, que o seu agregado familiar deixará de poder residir em Macau e que o seu filho não possui documento de residência na China.
A fuga ao pagamento do imposto devido pela aquisição de imóvel, que era pressuposto da autorização para o recorrente residir em Macau, não abona muito em favor do carácter do recorrente e da sua disposição para cumprimento das leis de um território onde se pretende estabelecer permanentemente.
Claro que da conduta do recorrente lhe podem advir consequências desfavoráveis, tais como as que indica. Mas a ser assim, devia o recorrente ter pensado primeiro nessas consequências quando decidiu infringir as leis de Macau.
Nos nossos acórdãos de 9 de Maio de 2012, no Processo n.º 13/2012 e de 3 de Maio de 2000, no Processo n.º 9/2000, tivemos oportunidade de apreciar questões atinentes ao erro manifesto ou grosseiro no uso de poderes discricionários ou à violação dos princípios da adequação e proporcionalidade.
Remetemos, quanto a tais questões para estes acórdãos.
Assim, afigura-se-nos não ter havido erro manifesto ou grosseiro no uso de poderes discricionários ou violação dos princípios da adequação e proporcionalidade.
No mesmo sentido, num caso muito semelhante ao dos autos, cfr. o acórdão de 6 de Novembro de 2013, no Processo n.º 59/2013.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC.
Macau, 9 de Abril de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho



1
Processo n.º 13/2014

9
Processo n.º 13/2014