打印全文
Processo nº 986/2012
Data do Acórdão: 07MAR2013


Assuntos:

Nulidade processual
Sanação de nulidade processual
Regulação do poder paternal
Litigância de má-fé


SUMÁRIO

1. A prática ou a omissão de um acto processual com a inobservância das prescrições legais ou a falta da exacta correspondência do acto processual aos parâmetros normativos que a lei estabelece para a sua perfeição é susceptível de constituir nulidade processual. O CPC tipifica expressamente nos seus artºs 139º a 146º algumas inobservâncias das prescrições legais estabelecidas para a prática dos actos processuais como nulidade processual. Fora dessas nulidades processuais nominadas, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa – artº 147º/1 do CPC.

2. Na matéria de regulação do poder paternal, a constante, frequente e regular ausência física de um dos progenitores em Macau por motivo de profissão dificulta, senão impossibilita, o bom e adequado desempenho das funções de progenitor por ele se a ele vier a ser entregue a confiança dos filhos menores.


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 986/2012


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos de regulação do exercício do poder paternal, embargos, registados sob o nº CV2-11-0022-MPS, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi realizada em 16MAR2012 a audiência de discussão e julgamento a que se refere o artº 119º/2 do D.L. nº 65/99/M.

Mediante o requerimento que deu entrada em 12JUN2012, a requerida A pediu ao Tribunal a designação da data para a realização do debate sobre a matéria de facto, previsto no artº 555º/3-e) do CPC, ex vi do artº 100º do D.L. nº 65/99/M.

Por despacho do Exmº Juiz a quo, proferido em 28JUN2012, o tal pedido foi indeferido por entender que nos processos de jurisdição voluntária de regulação do poder paternal, não há lugar a esse debate – cf. fls. 346 do p. autos.

Na mesma data de 28JUN2012, foi proferida a seguinte sentença:

I. Relatório:
B, divorciado, portador do BIRM nº 5XXXXX(7), com o domicílio profissional na Av. XX, No. XX, XX Square, XXº andar, Macau, XX da RAEM, vem, ao abrigo do disposto no artigo 1760º, no 2, do Código Civil e artigo 114o do Decreto-Lei n.º 65/99/M, pedir a Regulação do Poder Paternal contra,
A, divorciada, portadora do BIRM no 5XXXXX(1), hospedeira aérea, ora residente na Estrada de XX, Rua XX dos Jardins de XX, no XX, moradia XX, Coloane.
Para o efeito alegou, em síntese, que os pais dos menores (C e D) se encontram separados e não chegam a acordo sobre a forma de exercerem o poder paternal, sendo que actualmente os mesmos residem e estão ao cuidado da mãe, ora requerida.
*
Foi designado dia para a conferência a que alude o artigo 115.o do Decreto-Lei n.º 65/99/M, na qual os pais não lograram chegarem a acordo quanto ao exercício do poder paternal.
*
Oportunamente foram apresentadas as alegações por ambas as partes.
*
Foi solicitada ao IASM a elaboração de relatório social no que respeita a situação social e económica do requerente e da requerida, o qual se encontra junto a fls. 147 a 160, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde o técnico opina a atribuição à requerida do exercício do poder paternal.
*
Foram inquiridas as testemunhas e ouvidos os menores em causa.
*
A Digna Magistrada do M.P. emitiu douto parecer no sentido de que:
a) deverá ser atribuído ao requerente pai o exercício do poder paternal;
b) deverá ser a requerida mãe obrigada a prestar alimentos aos filhos no valor total de MOP$6.000 por mês;
c) poderá a requerida mãe visitar os filhos menores sempre que desejar, desde que avise previamente o requerente pai.
*
Produzida a prova, compete ao Tribunal proferir decisão - cfr. artigo 120.°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 65/99/M.
*
Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
Ambas as partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias e são partes legítimas.
Não há excepções ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito do pedido.
*
II. Fundamentação de facto:
  Com interesse para a decisão mostram-se provados os seguintes factos:
1. O requerente e a requerida casaram-se em 6 de Novembro de 1994, em Macau.
2. Na constância do matrimónio nasceu a filha C e o filho D, em XX de XX de 19XX e XX de XX de 19XX respectivamente.
3. Por sentença datada de 18 de Fevereiro de 2011 proferida no processo CV3-10-0006-CDL, foi decretado o divórcio entre o requerente e a requerida.
4. Em Abril de 2008, o requerente saiu de casa de morada da família sita em Coloane.
5. Após a separação entre o requerente e a requerida, os filhos menores continuaram a viver com a requerida e uma empregada doméstica na casa em Coloane até à data presente.
6. Mesmo após o divórcio do requerente e da requerida, as relações dos menores quer com o requerente quer com a requerida são muito positivas. Ambos os filhos menores respeitam e obedecem ao requerente e à requerida, tendo comunicação normal com cada um deles.
7. Entre o requerente e a requerida existe pouca comunicação em relação aos assuntos relacionados com os filhos menores, donde obrigam os menores a transmitir mensagens de um ao outro.
8. Os filhos entendem que o requerente é capaz de resolver a maior parte dos problemas que enfrentam no quotidiano e é mais fácil contactar o requerente em caso de necessidade.
9. Tanto o requerente como a requerida viajam com os filhos menores nas férias de Verão ou de Natal.
10. A requerida mantém contacto com os filhos por meio da Internet ou do Facebook quando não se encontra em Macau.
11. A requerida presta cuidado aos filhos menores e sempre acompanha os mesmos para passar o tempo livre quando ela está em Macau.
12. A requerida, sempre que está em Macau, participa nas actividades extra-curriculares com os filhos.
13. É o requerente ou o motorista por si contratado quem transporta, diariamente, os menores da casa em Coloane para a escola dos filhos, ainda que a requerida se encontra em Macau.
14. Depois das aulas, é o requerente ou o motorista por si contratado quem vai buscar os filhos à casa da avó materna para fazer trabalhos de casa e jantar. Quando a requerida se encontra em Macau, é a mesma que vai buscar os menores à casa da avó materna.
15. Desde pequeno que os menores tomam banho, fazem trabalhos de casa e jantam na casa da avó materna, e depois regressam à casa em Coloane.
16. O requerente, o motorista por si contratado, ou a requerida quando se encontra em Macau, leva os filhos à casa da morada de família em Coloane após o jantar na casa da avó materna. Normalmente, entre as 21:30 e 22:30, os menores chegam a casa em Coloane.
17. Quando a requerida se encontra em Macau, é a mesma que leva a filha para as aulas de violino, quando não está, é o requerente que o faz.
18. É o motorista contratado pelo requerente que leva o filho para as actividades de ténis de mesa e de futebol, às vezes o requerente o leva.
19. Quando os filhos ficam doentes, normalmente é o requerente que os leva ao médico.
20. Nas ausências da requerida, o requerente dorme na casa em Coloane para cuidar dos filhos.
21. Normalmente, quando a requerida não se encontra em Macau, os menores não pernoitam na casa da avó materna.
22. O requerente contrata uma explicadora para os filhos compreenderem a língua chinesa.
23. O requerente acompanha de perto o percurso escolar dos filhos, quer no que se refere à assistência das reuniões da escola quer mesmo no contacto com os professores pessoalmente.
24. O Director da escola onde estudam os menores disse que, qualquer actividade escolar, a escola contacta tanto o requerente, como a requerida, e qualquer um deles aparece, mas não consegue afirmar quem dos dois participa mais.
25. Normalmente, o requerente participa em actividades desportivas e recreativas do seu filho menor, organizando a festa de aniversário para este.
26. Os filhos frequentam o 7o e o 8o ano do ensino secundário respectivamente, em Macau Anglican College.
27. A filha é uma aluna brilhante, com a única dificuldade na disciplina da língua chinesa. O filho é um aluno médio com resultados estáveis.
28. O requerente é XX da R.A.E.M., auferindo cerca de MOP$ 110.000,00 mensais e de MOP$ 9.000,00 mensais provenientes de trabalho de docência a tempo parcial na Universidade de Macau.
29. A requerida é hospedeira aérea, auferindo cerca de MOP$ 30.836,00 mensais.
30. Para além da transferência mensal de MOP$ 20.000,00 para a conta bancária da requerida, o requerente ainda paga todas as despesas relativas a saúde, alimentação, vestuário, educação e lazer dos filhos menores.
31. As propinas anuais dos filhos estão à volta de MOP$ 95.480,00. (fls. 166)
32. A requerida contribui mensalmente no valor de HKD$ 4.000,00 para cada um dos filhos menores, como fundo de poupança para o estudo universitário dos mesmos. (fls. 196-197)
33. O requerente suporta as despesas da casa em Coloane: luz, água, gás, despesas de condómino, contribuição predial e pequena obra de manutenção.
34. O requerente tem uma nova família, da qual nasceu uma filha de 2 anos e vivem conjuntos na nova morada de família do requerente que se situa próximo da escola dos filhos.
35. Os menores conhecem a mulher actual e a filha mais nova do requerente, encontrando-se regularmente e têm mantido uma relação pacífica com elas.
36. A filha disse que caso viva com a nova família do requerente, haverá probabilidade de existir conflitos entre ela e a mulher do requerente. O filho disse ter pouca comunicação entre ele e a nova família do requerente e mais disse não pretender nenhuma convivência com a nova família do requerente.
37. Às vezes, os menores ficam na nova casa do requerente para passar fim-de-semana com o mesmo.
38. O requerente pretende arrendar mais uma fracção no mesmo piso da sua casa para que se coloquem os filhos e a avó paterna a viver lá, caso lhe seja concedida a guarda dos filhos menores.
39. Os filhos menores preocupam-se que possam não adaptar caso viverem com a avó paterna porque nunca chegaram a viver com a mesma e a relação entre eles é menos íntima.
40. A relação dos menores com a avó paterna é normal, mas nunca pernoitaram na casa da mesma.
41. O avô paternal faleceu em 28/01/2012.
42. A filha mais velha de ambos disse ser difícil escolher entre o requerente e a requerida com quem viver.
43. O filho menor disse preferir viver com a requerida mãe.
44. Noites em que a requerida não pernoita em Macau com os filhos:
- Outubro de 2010: cerca de 13 noites; Novembro de 2010: cerca de 13 noites; Dezembro de 2010: cerca de 13 noites; Janeiro de 2011: cerca de 13 noites; Fevereiro de 2011: cerca de 12 noites; Março de 2011: cerca de 12 noites; Abril de 2011: cerca de 13 noites; Maio de 2011: cerca de 13 noites; Junho de 2011: cerca de 10 noites; Julho de 2011: cerca de 13 noites; Agosto de 2011: cerca de 8 noites; Setembro de 2011: cerca de 13 noites; Outubro de 2011: cerca de 13 noites; Novembro de 2011: cerca de 15 noites; Dezembro de 2011: cerca de 13 noites; Janeiro de 2012: cerca de 15 noites; Fevereiro de 2012: cerca de 10 noites; Março de 2012: cerca de 11 noites; Abril de 2012: cerca de 7 noites; Maio de 2012: cerca de 12 noites.
*
  Motivação da decisão de facto:
  O Tribunal formou a sua convicção com base no relatório social, documentos juntos aos autos, depoimentos das testemunhas e declarações dos menores.
  Relativamente aos horários, agendas, hábitos diários, e situação actual dos menores, o Tribunal teve mais em conta as declarações dos mesmos, auxiliadas pelos depoimentos dos familiares - nomeadamente familiares da requerida - são os que mais conviveram com os menores - que conhecem directamente os factos.
  Relativamente aos sentimentos dos menores, nomeadamente a emoção, a relação e a convivência entre eles, os pais, as avós e a nova família do pai, o Tribunal baseou-se nas declarações dos menores, complementado pelo relatório social e depoimento das testemunhas.
  No que diz respeito à ausência da mãe de Macau, o Tribunal não seguiu o cálculo sugerido pelo requerente a fls. 301 dos autos, nem os documentos apresentados pela requerida a fls. 311 a 315 dos autos. O cálculo do Tribunal baseou-se nos registos de entradas e saídas fornecidos pela PSP que se referem à requerida e aos filhos (fls. 219 a 228; 241 a 247; 334 a 341 dos autos). Foram calculadas as noites que a requerida não pernoitou em Macau com os menores quando estes se encontravam em Macau.
*
III. Fundamentação jurídica:
  Dispõe o art. 1760º do C.C. que:
“Artigo 1760.º
(Divórcio, separação de facto ou anulação do casamento)
1. Nos casos de divórcio, separação de facto ou anulação do casamento, o destino do filho, os alimentos a este devidos e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação do tribunal; a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor, incluindo o interesse deste em manter com aquele progenitor a quem não seja confiado uma relação de grande proximidade.
2. Na falta de acordo, o tribunal decidirá de harmonia com o interesse do menor, podendo este ser confiado à guarda de qualquer dos pais ou, quando se verifique alguma das circunstâncias previstas no artigo 1772.º, a terceira pessoa ou a instituição, pública ou particular, adequada.
3. No caso referido no número anterior, é estabelecido um regime de visitas ao progenitor ou progenitores a quem não tenha sido confiada a guarda do filho, a menos que excepcionalmente o interesse deste o desaconselhe.”
  De acordo com o art. 1761º no 1 do C.C., o poder paternal será exercido pelo progenitor a quem o menor for confiado.
  Reza o art. 120º no 1 e 2 do Decreto-Lei no 65/99/M que:
“Artigo 120.º
(Sentença)
1. Na sentença, o exercício do poder paternal é regulado de harmonia com o interesse do menor, podendo este, no que respeita ao seu destino, ser confiado à guarda de qualquer dos pais ou, cautelarmente, de terceira pessoa ou de instituição adequada.
2. É estabelecido um regime de visitas aos, ou dos, pais, excepto quando, excepcionalmente, o interesse do menor o desaconselhe.
…”
  Nos termos do no 1 do art. 1733º do C.C., “1. Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.”
  No caso dos autos o requerente e a requerida estão divorciados pelo que se impõe proceder à regulação do poder paternal. Determinada a necessidade de regular o poder paternal, impõe-se definir a quem fica confiada a guarda dos menores e exercício do poder paternal, regime de visitas e alimentos a favor dos menores e qual o progenitor obrigado e em que medida, tendo sempre como critério o interesse dos menores.
  Nos divórcios, a vítima acaba por ser sempre as crianças, pelo que, o chamado maior interesse é o que permite o melhor crescimento e estabilidade emocional para as mesmas.
*
  Quanto à guarda dos menores:
  Conforme os factos dados como provados, após a separação dos pais em 2008, os filhos continuaram a viver na antiga casa até à data presente.
  Interesse-nos ver a actual situação quotidiana dos menores.
  Nos dias de escola, o pai ou o motorista por si contratado vai buscar e transportar os filhos da casa em Coloane à escola na Taipa. À saída da escola, a mãe dos menores vai buscar os mesmos à escola, e quando esta não se encontra em Macau, vai o motorista contratado pelo requerente que o faz, transportando os menores para a residência da avó materna, na qual aproveitam para jantar e fazer os trabalhos de casa. Por volta das 21:30 às 22:30, tanto a mãe, como o pai ou o motorista por si contratado levam de volta os menores para a casa em Coloane.
  Quando a mãe se ausente de Macau, os menores ficam a cargo da empregada doméstica, e normalmente o pai vai pernoitar com os menores.
*
  Para manter o estilo e ritmo da vida actual dos menores, seria bom que o poder paternal seja atribuído a ambos os progenitores conjuntamente, por forma a organizarem-se a devida responsabilidade. O exercício conjunto do poder paternal é atribuído aos progenitores que tenham confiança mútua, melhor dizendo que possam dialogar-se e tomar decisões conjuntas respectivamente a vida dos menores. No entanto, parece-nos que in casu, não estamos perante a referida situação, pelo que, não nos parece sensato atribuir poder paternal a ambos os progenitores conjuntos.
*
  Depois de ouvir ambas as partes, o Tribunal entende que ponto fulcral da divergência entre as partes é o seguinte: a ausência constante da mãe dos menores de Macau, a pouca convivência entre os menores e a avó paterna, e a eventualmente dificuldade de integração dos menores na nova família do pai.
  Olhando para o caso no seu todo, não tendo a mãe dos menores de se ausentar de Macau por motivos profissionais, de certeza que não se questionava a atribuição do poder paternal à requerida.
  Todavia, conforme os factos dados por provados, a mãe, por razão profissional, não pernoita em Macau, em média, mais que 10 noites por mês.
  Acreditamos que ambos os progenitores amam os menores e esperam que os filhos tenham um bom ambiente familiar. E os menores demonstram ter boas relações com ambos os progenitores. Efectivamente, ambos os progenitores, sozinho, sem a nova família, sem a saída profissional, possuem capacidades para educar os menores.
*
  Entendemos que os factores seguintes são favoráveis à requerida:
1) Após a separação de facto da requerida e do requerente, os filhos continuam a viver na antiga casa em Coloane. A referida situação manteve-se por muitos anos até à data presente. Aparenta ser uma situação estável e que os menores parecem estar habituados.
2) A requerida tem apoio da sua família, i.e., da sua mãe e das suas irmãs. A relação dos menores com a família da requerida parece ser mais saudável do que com a família do pai, i.e., que os menores sentem-se mais próximos da família da mãe do que com a família do pai.
3) O filho disse pretender ficar a viver com a mãe. O Tribunal não põe em causa a boa relação entre o filho e o pai, mas admite que o filho tem uma relação de confiança, dependência mais próxima da mãe.
*
Factor não favorável à requerida:
1) A ausência constante da requerida de Macau gera dúvidas se a mesma está em condições de cumprir objectivamente com o exercício do poder paternal, caso lhe seja atribuído.
*
Entendemos que os factores seguintes são favoráveis ao requerente:
1) O requerente tem mais estabilidade em termos de horário profissional, i.e., está sempre em Macau.
2) Tem uma situação financeira melhor do que a requerida.
*
Factores desfavoráveis ao requerente:
1) Tanto os filhos, como a requerida não lhes agrada a ideia de viverem numa fracção adjacente à do pai com a avó paterna. Segundos os menores, as relações entre os mesmos e a avó paterna não é de muita proximidade.
2) Questiona-se se o requerente está em condições de gerir as duas “fracções” ao mesmo tempo.
3) Entregando os menores ao requerente para irem viver numa nova fracção, será que se quebra uma relação emocional já estabelecida entre os menores e a requerida (bem a família da avó materna) no período em que se encontra em Macau, ou será que é a continuidade de uma relação entre o requerente e os menores que também já se encontra estabelecida durante o tempo que a requerida se ausente de Macau?
*
  Se os filhos viverem com a mãe, evita-se desta forma a dificuldade de convivência com a nova família do requerente. Mais, o filho tem mais confiança e a vontade de ficar com a mãe. De momento, a mãe não tem nova família constituída, o que parece confirmar a possibilidade de estar mais dedicada aos filhos.
Acima de tudo, os filhos já ultrapassaram a situação do divórcio dos pais. Parece-nos penosa que os mesmos tenham de enfrentar uma alteração de hábitos - mudança para uma nova situação desconhecida, i.e., um novo ambiente familiar.
*
Há que, antes de mais, esclarecer a nossa posição: o facto de a requerida se ausentar de Macau, não faz com que o poder paternal deve ser necessariamente atribuído ao requerente.
Em muitos casos em que os pais se ausentam de Macau ou precisam de trabalhar por turnos, são-lhes na mesma atribuídos o poder paternal. Ou seja, a questão essencial é se a razão profissional porá em causa o adequado cuidado e o desenvolvimento educacional das crianças.
  No caso concreto, se for atribuído o poder paternal à requerida, como é que a mesma organizaria a parte em que esteja em Macau? No momento em que a mãe se ausente de Macau por motivo profissional, possui três apoios relativamente ao cuidado dos filhos: 1) a família da requerida; 2) empregada doméstica; 3) requerente.
  Não obstante, os apoios oferecidos pela família da requerida e empregada doméstica continuam a ser limitados. Está provado que os menores costumam ficar em casa da avó materna para juntar e fazer trabalho de casa, todavia, relativamente aos assuntos quotidianos, extra-curriculares e educacionais dos mesmos, a família da avó materna não tem muita intervenção.
  A empregada doméstica cuida da higiene da casa, dos menores e o acompanhamento dos mesmos, mas a verdade é que a empregada doméstica não tem autoridade sobre os menores, o que acaba por gerar menos respeito e menos poder de controlo sobre os mesmos.
  Não podemos deixar de realçar que a actual estabilidade dos menores, para além dos contributos por parte da requerida, também se deve à presença assídua do requerente. Mesmo na ausência da requerida, o requerente acaba por gerir as suas responsabilidades do pai tanto com a nova família com os filhos menores (claro, uma obrigação que advém da qualidade do pai que não é transferível). Sem a presença assídua do pai, teríamos dúvida se o apoio da família da requerida e da empregada daria a actual estabilidade que as crianças aparentam ter.
Se mantivermos a situação actual, quer dizer que o pai seria obrigado a tomar conta dos menores, pernoitar com os mesmos em Coloane na ausência da mãe, o que também obriga o pai a faltar à sua obrigação de marido e pai para a sua nova família.
  Sim, temos certeza de que, mesmo que o poder paternal cabe à mãe, o requerente continua a ter a obrigação de zelar pela educação, acompanhamento, cuidado dos menores. Mas, até quando será essa exigência? Será razoável exigir que o requerente suprir a ausência da mãe por um tempo indeterminado, tudo dependente de ausência profissional e indisponibilidade da mãe?
Se obrigarmos o pai a manter esse sacrifício, porque é que não atribuímos desde já o poder paternal ao requerente? O que pode, por um lado, colmata as ausências frequentes da mãe, e por outro lado, garantir de que os menores têm pelo menos um dos progenitores sempre presente.
Se assim decidirmos, a maior dificuldade será: como suprir o constrangimento familiar que poderá decorrer da convivência diária entre os menores e a nova família do pai. Será que é possível criar algum sentimento de inveja, ciúmes, ou até ódio para com a nova família do pai (a experiência tem-nos demonstrado que as crianças que têm uma boa relação com a mãe têm, por vezes, muita dificuldade de aceitar uma nova família e de conviver com a nova mulher e irmãos paternos, quer isto dizer que o problema pode surgir de ambas as partes, tanto da nova família do pai, como das crianças. Normalmente, as crianças não aceitam partilhar o carinho que o pai lhes atribuía com a actual família do pai, diga-se, nova mulher e irmãos paternos. Claro, que temos que nos focar no caso concreto, do qual não temos provas que nos confirma que algo desse género possa vir acontecer, mas só nos referíamos a experiência comum que nos alerta para essa eventualidade…)?
Francamente, a dificuldade neste processo é enorme, havendo de ponderar entre os factores acabados de destacar. Como acabamos de ver, a XX é da opinião de que o poder paternal deve ser atribuído ao requerente, enquanto o técnico do IASM inclina-se para a atribuição do poder paternal para a requerida.
Ponderando todos os factores supra mencionados, somos de opinião que o poder paternal deve ser atribuído ao requerente.
Vejamos.
Em primeiro lugar, o facto de a requerida ter de se ausentar de Macau por motivo profissional é um facto tido por adquirido - concreto, e os problemas que eventualmente os menores podem vir a passar com a nova familiar do pai é uma probabilidade, algo abstracto. Actualmente, a relação entre os menores e a nova família do pai é tida por pacífica e normal.
O requerente consegue servir de elo entre os menores e a nova família do pai, uma situação que o mesmo demonstrou saber gerir até então. A presença da avó paterna, mesmo não existindo muita relação de proximidade entre os menores e a mesma, é sempre mais uma valia para garantir uma relação pacífica entre os menores e a nova família do pai, uma vez que a avó paterna é familiar dos menores, com a qual os mesmos podem partilhar as sua emoções, e tarde que seja, vão-se criar laços de proximidade. Aliás, a avó paterna está em condições de contribuir na educação, cuidado e controlo dos mesmos.
Outro factor que devemos ter conta é a vontade dos menores. A filha não faz escolha entre os progenitores, enquanto o filho manifestou a sua vontade de viver com a mãe. O filho tem 12 anos de idade, portanto é menor e menos maturo. Não obstante termos de considerar a sua vontade, a idade parece demonstrar que não ponderou muitos factores a não ser a dependência emocional que tem para com a mãe e quiçá tenha medo de mudança, diga-se, de novo ambiente familiar. A filha tem 13 anos de idade, está na fase de adolescência, na qual muitas dúvidas podem surgir.
  Com todo o exposto, considerando a necessidade de a requerida ter de ausentar de Macau (nos Factos Provados, referimo-nos simplesmente as noites em que a requerida não pernoitou em Macau e não calculamos as manhãs, as tardes, em que ela também teve de se ausentar e o tempo de recuperação do jet-lag), seria melhor atribuir o poder paternal ao requerente, de modo que os menores possam sentir a presença de um progenitor ao seu lado, facilitando assim um controlo mais regular, uma boa-educação, carinho e amor da família.
  Em suma, as crianças na idade dos menores necessitam de presença constante dos seus progenitores, alguém que sirva de ídolo-referência para os menores.
  Finalmente, queremos afirmar que o requerente tem uma boa participação na vida diária dos menores, nomeadamente, nas actividades escolares, extra-curriculares e nos tempos livres. Não pretendemos com isso atribuir culpa ou responsabilidade à requerida porque compreendemos que a mesma tem de cumprir com suas obrigações profissionais.
Entendemos, ainda, que a presença constante do pai em Macau e nomeadamente na vida dos menores, facilita os cuidados em qualquer situação de emergência, que eventualmente os menores possam se encontrar.
Por todo exposto, é a nossa opinião que a atribuição do poder paternal ao pai é uma decisão mais acertada, e no que diz respeito à dependência dos filhos da mãe, vamos supri-la com o regime de visita.
  Quanto a visitas:
  No geral, não há divergência entre as partes no que toca ao regime de visita.
  Para dar continuidade a vida familiar dos menores e a requerida, fixamos o seguinte regime de visita:
1) Nos fins-de-semana, quando a requerida não tiver de se ausentar de Macau, a mesma pode visitar e conviver com os menores, pernoitando com eles na sua casa, devendo a mesma comunicar ao requerente da sua pretensão de passar os fins-de-semana com os menores com 24 horas de antecedência;
2) Noutros dias, a requerida, após comunicando ao requerente com antecedência e na condição de não influenciar o estudo e repouso dos menores, pode visitar e conviver com os mesmos; e depois de ouvir os menores e com o consentimento do pai, a requerida pode pernoitar com os menores na casa da mesma em qualquer dia;
3) Nos feriados e férias escolares, os pais consultar-se-ão mutuamente.
*
  Quanto a alimentos:
  Resta-nos apreciar a questão dos alimentos devidos aos menores.
  De acordo com o disposto no arto 1844º do C.C.:
“Artigo 1844.º
(Noção)
1. Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida do alimentado, nomeadamente ao seu sustento, habitação, vestuário, saúde e lazer.
2. Os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor ou, embora maior, se encontrar na situação prevista no artigo 1735.º”
  Deve ainda considerar-se abrangido na noção de alimentos todas as despesas que seja necessário realizar e que digam respeito a cuidados de saúde, segurança e outros necessários ao são desenvolvimento do menor e que de acordo com o nível de vida do progenitor seja razoável considerar.
  No que concerne à medida dos alimentos estes serão (art. 1845º no 1 do C.C.):
“Artigo 1845.º
(Medida dos alimentos)
1. Os alimentos devem ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
2. Na fixação dos alimentos deve atender-se, igualmente, à possibilidade de o alimentado prover à sua subsistência.”
  Segundo o art. 1846º e 1847º do C.C. os alimentos devem ser prestados mensalmente e são devidos desde a proposição da acção.
  Cabendo aos pais no exercício do poder paternal prover ao sustento dos filhos de acordo com as suas possibilidades devem, ambos, e na medida das suas capacidades contribuir para aquele.
  No caso vertente, ambos os progenitores não listaram concretamente quais as despesas que os menores efectivamente necessitam. As únicas despesas que temos conhecimento são as relacionadas com as propinas e fundo de poupança para o estudo universitário.
  Na conferência de pais, o requerente disse que a requerida poderá contribuir com a quantia que entenda adequada.
  É incontestável que o requerente ganha mais do qual a requerida. Actualmente, o pai transfere mensalmente MOP$ 20.000,00 patacas para a requerida para as despesas com os menores, e isto equivale a 1/6 do seu salário total. Na conjuntura actual, considerando as despesas com os menores e a qualidade de vida antigamente, entendemos que a requerida também deve contribuir 1/6 do seu salário como alimentos para os menores, i.e., MOP $5.000,00.
  Dito de um modo, o montante de MOP $25.000,00 é suficiente para as despesas quotidianas com os menores.
*
IV. Decisão:
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se regular o exercício do poder paternal de C, nascida em XX/XX/19XX, e de D, nascido em XX/XX/19XX, filhos de B e de A do seguinte modo:
  a) Os menores ficam confiados à guarda do requerente a quem cabe o exercício do poder paternal;
  b) Quanto a visitas:
1) Nos fins-de-semana, quando a requerida não tiver de se ausentar de Macau, a mesma pode visitar e conviver com os menores, pernoitando com eles na sua casa, devendo a mesma comunicar ao requerente da sua pretensão de passar os fins-de-semana com os menores com 24 horas de antecedência;
2) Noutros dias, a requerida, após comunicando ao requerente com antecedência e na condição de não influenciar o estudo e repouso dos menores, pode visitar e conviver com os mesmos; e depois de ouvir os menores e com o consentimento do requerente, a requerida pode pernoitar com os menores na casa da mesma em qualquer dia;
3) Nos feriados e férias escolares, o requerente e a requerida consultar-se-ão mutuamente.
  c) A requerida contribuirá com a quantia de MOP $5.000,00 mensais a título de pensão de alimentos a favor dos menores, a qual depositará em conta bancária a indicar pelo requerente no prazo de dez dias, quantia que tem de ser paga até ao dia 10 do mês a que respeita.
*
  Custas a cargo do requerente e da requerida, na razão de metade para cada um.
  Registe e notifique.
  Após trânsito, comunique a CRC nos termos do disposto no artigo 1776º do CC e artigo 58º do Código do Registo Civil.

Por carta registada expedida em 02JUL2012, a requerida foi notificada tanto do indeferimento do pedido para a designação da data para a realização do debate sobre a matéria de facto, como da sentença.

Mediante o requerimento datado de 07JUL2012, veio a requerida A arguir a nulidade do julgamento, por omissão do debate sobre a matéria de facto, previsto no artº 555º/3-e) do CPC, ex vi do artº 100º do D.L. nº 65/99/M, pedindo, no caso de assim entender, por arrastamento, a declaração da nulidade da sentença.

Além disso, também inconformada com a sentença e o decidido sobre a arguição da nulidade, mediante o requerimento datado de 16JUL2012 veio a requerida A recorrer da mesma para este Tribunal de Segunda Instância, tendo concluído e pedido nas respectivas motivações que:

1. No dia 16/03/2012 foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com inquirição das testemunhas arroladas pelas partes e finda ela, o Mm.º Juiz suspendeu a sessão sem ter conferido a palavra aos mandatários das partes para alegações sobre a matéria de facto.
2. Decorridos que se mostravam cerca de três meses sobre a suspensão da audiência, em 12/06/2012, a ora recorrente apresentou requerimento a solicitar a designação de dia para a realização do debate sobre a matéria de facto.
3. Tal requerimento veio a ser indeferido pelo M.mº Juiz a quo por douto despacho de fls. 346 com fundamento em que "a nosso ver, nos processos de jurisdição voluntária de regulação do poder paternal, não há lugar a esse debate (dos advogados - sobre a matéria de facto)".
4. Através de requerimento apresentado em 09/07/2012, arguiu a nulidade do julgamento, por omissão de uma formalidade que a lei prescreve, na medida em que o art.º 98.° DL 65/99/M, dispõe, na alínea c) do n.º 1 que "Finda a produção das prova, a palavra é dada ao Ministério Público e aos mandatários judiciais, quando os haja(...).
5. O art.º 147.°, n.º 1 do CPC fulmina com a nulidade a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, do que decorre que, diferentemente do decidido (em sentido opiniativo), pelo M.mº Juiz, o aludido despacho, cuja nulidade se arguíu, está em completa desconformidade com a lei procedimental.
6. Deixa, aqui, de todo o modo, e para os devidos efeitos legais, arguida (mais uma vez) a nulidade do julgamento, requerendo, preliminarmente, e desde já, se dignem Vossas Excelências dar por verificada a nulidade com a consequência legal da anulação de todo o processado (e, por arrastamento, da sentença) a partir da omissão da aludida formalidade.
7. Os menores, após a separação dos pais, em Abril de 2008, decorridos que vão mais de quatro anos, continuaram entregues aos cuidados e à guarda/confiança da ora recorrente.
8. Havendo a separação dos pais afectado, como é comum nestas situações, a estabilidade emocional dos menores, estando instituída, de facto, a guarda dos menores pela recorrente, entendia-se que só perante motivos particularmente prementes se justificaria uma alteração da situação em que se encontram.
9. Após a separação dos pais, os menores foram obrigados a uma readaptação do seu modo de vida, tendo logrado um equilíbrio que tem, como estrutura de base, o facto de viverem com a mãe, aqui alegante.
10. Ao equilíbrio emocional dos menores, à estabilidade necessária à sua vivência e ao cumprimento dos seus compromissos académicos importava sobremaneira a manutenção do presente estado de coisas, afigurando-se que uma alteração deste quadro, implicando que passassem a viver com o pai, representaria um novo foco de desequilíbrios.
11. A recorrente reconhece que, por força da sua actividade profissional de hospedeira aérea na Cathay Pacific, viaja com frequência para o exterior. A situação não é, porém, como nunca foi e se demonstrou nunca ter sido problemática, porque a verdade é que, ausentando-se de Macau sem os filhos 10 em cada 30 dias a verdade é que, de entre os 10 dias de ausência, apenas não pernoita em Macau cerca de 8 desses dias (dependendo dos planos de voo para que é escalada pela companhia aérea), pelo que tem mantido uma presença permanente na vida dos filhos.
12. O recorrido nunca levara consigo os filhos para pernoitarem em sua casa e raras vezes os levando a pernoitar em casa dos avós paternos (mais tarde a casa da avó paterna depois da infelicidade da morte do avô paterno).
13. Mesmo ausente de Macau, a recorrente mantém um contacto permanente com os filhos.
14. A guarda dos filhos pelo recorrido não conduziria a que eles passassem a viver na residência do pai mas, antes, em casa da sua avó paterna (como veio a acontecer pois a sentença atribuíu de facto o poder paternal das crianças à avó paterna e não ao pai delas), com quem os menores não têm qualquer convivência saudável e que mal conhecem (facto reconhecido na própria sentença).
15. Não tem, pois, a ter como verdadeiras as apontadas premissas, a pretensão da guarda exclusiva dos filhos pelo recorrido um propósito de vida comum efectiva com eles, o que, de todo, desaconselharia, por si mesmo, o deferimento pelo douto tribunal dessa pretensão.
16. O recorrido, Ilustre XX, é profissionalmente uma pessoa muito ocupada, como acontece normalmente com os profissionais do foro, não tendo um horário fixo de trabalho e prolongando, muitas vezes, a sua actividade pela noite dentro.
17. O facto de o recorrido se propôr dividir a sua família por duas casas distintas (numa vivendo com a companheira e filho comum e noutra tendo a viver os seus pais, avó paterna dos menores, com estes) pode oferecer a ideia de que os menores constituíriam o «lado pobre e secundário» da família do pai, com tudo o que isso teria de negativo e de perverso na sua formação e no desenvolvimento da sua personalidade.
18. O Relatório Social, subscrito pela Técnica dos Serviços de Apoio às Crianças e Jovens do IASM, apontou, inapelavelmente, "para que o poder paternal relativo aos dois menores seja atribuído à requerida mãe".
19. Só razões muito graves poderiam jusrtificar que lhe seja retirada essa guarda das crianças dadas as razões de estabilidade afectiva e de segurança familiar.
20. Como se constata da leitura da fundamentação da decisão que retirou à recorrente a guarda dos menores, nela se não conseguem identificar razões graves e sérias que pudessem ter justificado a surpreendente decisão de alterar uma situação que se verificava desde o nascimento das crianças e que continuo após a separação dos progenitores, vão decorridos mais de quatro anos.
21. Não se compreende, na verdade, em que é que a profissão da mãe, com as inerentes saídas de Macau, constituem um problema à manutenção da custódia das crianças. Se essa estabilização existiu durante toda a vida dos menores e continuou a existir depois da separação dos pais.
22. O tribunal dramatiza as ausências da recorrente. Não é verdade que ela passe 10 dias apenas por mês em Macau. Passa 10 dias fora de Macau por mês mas não são dias seguidos. Nunca está ausente mais do que 3 a 4 dias pois nos intervalos dos voos para que é escalada ela está em Macau com os filhos (uma vez que Hong Kong, a uma hora de distância de Macau, é sempre o seu porto de partida e de chagada da sua vida profissional).
23. De resto, é o próprio tribunal a reconhecer e a identificar "a dificuldade de integração dos menores na nova família do pai" e a afirmar que "olhando para o caso o seu todo, não tendo a mãe dos menores de se ausentar de Macau por motivos profissionais, de certeza que não se questionava a atribuição do poder paternal à requerida".
24. E a dar como seguro que "Após a separação de facto da requerida e do requerente, os filhos continuam a viver na antiga casa em Coloane. A referida situação manteve-se por muitos anos até ao presente. Aparenta ser uma situação estável e que os menores parecem estar habituados.
25. Não é, ademais, acertada a conclusão de que o pai das crianças tenha maior "estabilidade em termos de horário profissional", o que é um facto notório, sabido que os magistrados como, em geral, os profissionais do foro, não têm horários de trabalho fixos, trabalhando à noite muitas vezes.
26. A invocada "situação financeira melhor que a requerida" não podia ter sido invocada e utilizada como razão para retirar os menores à mãe ora recorrente.
27. Para mais, o tribunal, produzida a prova, reconheceu que "Tanto aos filhos, como à requerida não lhes agrada a ideia de os menores viverem numa fracção adjacente à do pai com a avó paterna. Segundo os menores, as relações entre os mesmos e a avó paterna não é de muita proximidade.
28. E a afirmar e reconhecer que "Acima de tudo, os filhos já ultrapassaram a situação do divórcio dos pais. Parece-nos penoso que os menores tenham de enfrentar uma alteração de hábitos - mudança para uma nova situação desconhecida, i.e., um novo ambiente familiar.
29. E a reconhecer mais que "o facto de a requerida se ausentar de Macau, não faz com que o poder paternal deva ser necessariamente atribuído ao requerente.(...) No momento em que a mãe se ausente de Macau por motivo profissional, possui três apoios relativamente ao cuidado dos filhos.
30. A questão metodológica colocada na sentença no sentido de que "Se obrigamos o pai a manter esse sacrificio, porque é que não atribuímos desde já o poder paternal ao requerente?" é incompreensível, oferecendo a ideia de que o tribunal funda a atribuição do poder paternal ao pai por conveniência deste e não tendo em atenção os interesses dos menores.
31. O tribunal recorrido incorreu em preterição de uma formalidade essencial do julgamento que tem como consequência jurídica a nulidade do acto a partir da omissão de formalidade do debate sobre a matéria de facto oportunamente arguida pela recorrente.
32. A sentença mostra-se viciada por contradições entre factos entre si e entre factos e fundamentos e incorreu em erro de julgamento e avaliação de factos e situações.
33. A sentença recorrida violou a norma do art.º 120.°, n.º 1 do DL 65/99/M.
E-PEDIDO
TERMOS EM QUE deve, com o douto suprimento de Vossas Excelências, ser:
a) Anulado o julgamento desde a omissão da formalidade preterida das alegações sobre a matéria de facto e, por arrastamento, da sentença e determinada a retomada do julgamento para preenchimento de tal formalidade; ou
b) Dado provimento ao recurso e (ré) atribuído o poder paternal à mãe ora recorrente sobre ambos os menores.
Procedendo desse modo farão Vossas Excelências, na modesta mas firme convicção da recorrente, boa
  JUSTIÇA!

Cumprido o contraditório, o Exmº Juiz a quo indeferiu a arguição de nulidade com fundamento de que já houve pronúncia expressa por parte do Tribunal sobre o pedido para a designação da data para a realização do debate sobre a matéria de facto, o meio idóneo para reagir devia ser o recurso ordinário, e não a arguição de nulidade.

Ao recurso respondeu o requerente B, pugnando pela improcedência e pedindo a condenação da requerida em multa por litigância de má-fé.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões na petição do recurso, constituem o objecto da nossa apreciação as seguintes questões:

1. Da nulidade do julgamento;

2. Da impugnação da sentença; e

3. Da litigância de má-fé.

Então vejamos.

1. Da nulidade do julgamento

Tal como vimos no relatório no presente Acórdão, a requerida, ora recorrente, tanto suscitou a questão da alegada nulidade do julgamento por via de recurso, como também arguiu, alegadamente por cautela, mediante requerimento em separado, perante o Exmº Juiz a quo a mesma nulidade.

Foi por haver pronúncia expressa que o Exmº Juiz a quo indeferiu a arguição da nulidade com fundamento na inidoneidade do meio de para a reacção.

Como o Exmº Juiz a quo decidiu indeferindo o pedido para a designação da data para a realização do debate sobre a matéria de facto na mesma data em que foi proferida a sentença ora recorrida e a requerida foi notificada de ambas as decisões por via de uma mesma carta registada expedida em 02JUL2012, é de conhecer, por ser legal e tempestivo, o recurso na parte que diz respeito à nulidade do julgamento com fundamento na alegada preterição do debate da matéria de facto.

Como se sabe, a prática ou a omissão de um acto processual com a inobservância das prescrições legais ou a falta da exacta correspondência do acto processual aos parâmetros normativos que a lei estabelece para a sua perfeição é susceptível de constituir nulidade processual.

O CPC tipifica expressamente nos seus artºs 139º a 146º algumas inobservâncias das prescrições legais estabelecidas para a prática dos actos processuais como nulidade processual.

Fora dessas nulidades processuais nominadas, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa – artº 147º/1 do CPC.

In casu, a prescrição legal alegadamente inobservada pelo Tribunal a quo que a recorrente identifica é o preceituado no artº 555º/3-e) do CPC, cuja aplicabilidade subsidiária defende a recorrente resultante da norma remissiva do artº 100º do citado D.L. nº 65/99/M.

Ora, independentemente da aplicabilidade subsidiária ou não do preceituado no artº 555º/3-e) do CPC ao processo de regulação do poder paternal, nota-se que a sua inobservância desse preceito não integra qualquer das situações geradoras da nulidade processual especificadamente previstas nos artºs 139º a 146º do CPC, nem é declarada como tal pela lei.

Há que portanto virar a nossa cabeça para o regime geral de nulidade processual, estatuído nos artºs 147º e s.s..

Diz a lei residualmente que a omissão de um acto que a lei prescreva só produz nulidade processual quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

O que quer dizer a alegada omissão só pode ser geradora da nulidade por esta última via.

Todavia, por mera hipótese, mesmo que se aplicasse in casu subsidiariamente o artº 555º/3-e) do CPC e ainda que a omissão pudesse influir no exame ou na decisão da causa, a alegada nulidade já teria ficado desde há muito tempo sanada face ao estatuído no artº 151º/1 do CPC, à luz do qual, quanto às nulidades não previstas nos artºs 139º a 146º, se a parte estiver presente ou representada por mandatário no momento em que forem cometidas, só podem ser arguidas enquanto o acto não terminar, pois de acordo com o estatuído nos artºs 555º e 556º, o debate sobre a matéria de facto é parte integrante da audiência de discussão e julgamento e in casu a audiência, em que esteve presente a Ilustre Mandatária da ora recorrente, foi declarada encerrada no próprio dia de 16MAR2012 conforme se documenta na parte da respectiva acta – cf. fls. 323v dos p. autos.

Assim improcede o recurso nesta parte.

2. Da impugnação da sentença

Não se conformando com o decidido em primeira instância quanto à forma do exercício do poder paternal dos filhos menores, nomeadamente os filhos menores sejam confiados à guarda do pai requerente, pede a ora recorrente que seja revogado o tal decidido e em substituição passe a confiar a ela, mãe, a guarda dos filhos menores, tendo apoiado a sua pretensão, inter alia, por um lado, na circunstância de que os menores têm estado entregues aos cuidados e à guarda/confiança da mãe ora recorrente e a não manutenção desse estado de coisas já iniciado com a separação do casal implicará que os filhos menores passem a viver com o pai e a sua avô paterna, o que quebrará o equilíbrio que vinha sendo logrado com a convivência da mãe ao longo desses anos desde a separação dos pais e por outro lado na circunstância de ela própria ser hospedeira da companhia aérea não dever constituir obstáculo à confiança a ela da guarda dos menores.

Todavia, ao contrário que entende a recorrente, a sentença não está em aspecto algum viciada de contradições entre factos entre si e entre factos e fundamentos, antes apresenta-nos com a fundamentação coerente e convincente que procurou analisar exaustivamente todos os aspectos que mereceram de ser abordados e é capaz de sustentar a decisão que tomou, é portanto de louvar os sensatos fundamentos e a decisão consubstanciados na sentença recorrida, o que ora alegado pela recorrente em nada pode abalar esse nosso entendimento.

Ora, como se sabe, no caso de separação dos pais, nomeadamente por efeito de divórcio, o que o Tribunal pode fazer em sede de regulação do poder paternal é apenas procurar fazer tudo quanto possível para obter uma solução capaz de assegurar o melhor interesse do menor, solução essa que como se sabe, fica não poucas vezes condicionada pelas limitações e consequências inevitavelmente negativas inerentes e advenientes da separação dos pais.

In casu, cremos que tendo em conta a riqueza das particularidades presentes, nomeadamente quanto à profissão de ambos os pais, e ao estatuto social-económico de ambos os pais, assim como ao modo de vida de ambos, antes e depois do divórcio, a decisão consubstanciada na sentença no que respeita ao destino dos menores, ao regime de visitas da mãe e aos restantes aspectos, foi tomado no exclusivo interesse dos menores, e não facilitar a vida do pai recorrido e dificultar a vida da mãe ora recorrente.

De facto, o que alega agora a recorrente para abalar os fundamentos da sentença, tais como a quebra de um tal alegado equilíbrio na vida quotidiana dos menores, que se tem constituído ao longo dos últimos anos após a separação do casal e a circunstância de ela própria ser hospedeira não constituir obstáculo para tomar conta dos filhos, não tem a virtualidade de alterar a nossa maneira de pensar as coisas.

Ora, não é bem verdade que desde a separação dos pais, os filhos menores tem vindo a ser confiados à guarda da mãe.

Pois de acordo com matéria de facto apurada nos autos, o que pode concluir é ambos os pais, repartem esta tarefa entre si, ou seja, enquanto e na medida em que a mãe não puder tomar conta dos filhos por ter de ir trabalhar fora da RAEM, o pai passa a substituir-se a ela na tomada da conta dos filhos.

E é sempre o pai quem se encarrega do transporte dos filhos menores da sua casa em Coloane para a escola que frequentam.

Essas circunstâncias todas, para nós, além de não jogarem a favor da recorrente na decisão do exercício do poder paternal, antes pelo contrário jogam a favor do pai ora recorrido, a sua dedicação na repartição dessas tarefas é bem demonstrativa de que não andou mal o Tribunal a quo ao confiar a ele a guarda dos filhos menores.

Sinceramente falando, tal como entende o Exmº Juiz a quo, a profissão da mãe é o que nos preocupa mais na opção de um dos pais a quem devemos confiar os filhos menores, pois a constante, frequente e regular ausência física da mãe em Macau por motivo de profissão dificulta, senão impossibilita o bom e adequado desempenho das funções de progenitor por ela se a ela vier a ser entregue a confiança dos filhos menores.
.

Assim sendo, sem mais delongas e nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, louvamos a sentença ora recorrida julgando improcedente o recurso nesta parte.

3. Da litigância de má-fé.

Finalmente, passemos a debruçarmo-nos sobre esta questão suscitada pelo pai recorrido nas suas contra-alegações.

Para sustentar o seu pedido de condenação da recorrente em multa por litigância de má-fé, alega o pai recorrido que “in casu, a Recorrente, bem sabendo que a alegação da entrega da guarda dos menores à mãe que não pernoita em Macau 8 noites por mês é flagrantemente falsa por ser bem diferente dos factos provados na douta sentença, usa tais factos para fundamentar a sua tese, litigando manifestamente com má-fé, pelo que deverá ser condenada em multa.

O artº 385º do CPC reza que:

1. Tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa.
2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé.

Ora, ficou provado na sentença o seguinte:

Noites em que a requerida não pernoita em Macau com os filhos:
- Outubro de 2010: cerca de 13 noites; Novembro de 2010: cerca de 13 noites; Dezembro de 2010: cerca de 13 noites; Janeiro de 2011: cerca de 13 noites; Fevereiro de 2011: cerca de 12 noites; Março de 2011: cerca de 12 noites; Abril de 2011: cerca de 13 noites; Maio de 2011: cerca de 13 noites; Junho de 2011: cerca de 10 noites; Julho de 2011: cerca de 13 noites; Agosto de 2011: cerca de 8 noites; Setembro de 2011: cerca de 13 noites; Outubro de 2011: cerca de 13 noites; Novembro de 2011: cerca de 15 noites; Dezembro de 2011: cerca de 13 noites; Janeiro de 2012: cerca de 15 noites; Fevereiro de 2012: cerca de 10 noites; Março de 2012: cerca de 11 noites; Abril de 2012: cerca de 7 noites; Maio de 2012: cerca de 12 noites.

O que alegou a recorrente foi o seguinte:

A recorrente reconhece que, por força da sua actividade profissional de hospedeira aérea na Cathay Pacific, viaja com frequência para o exterior. A situação não é, porém, como nunca foi e se demonstrou nunca ter sido problemática, porque a verdade é que, ausentando-se de Macau sem os filhos 10 em cada 30 dias a verdade é que, de entre os 10 dias de ausência, apenas não pernoita em Macau cerca de 8 desses dias (dependendo dos planos de voo para que é escalada pela companhia aérea), pelo que tem mantido uma presença permanente na vida dos filhos.

Admitimos embora que, confrontando com o provado na sentença recorrida e o alegado pela recorrente, existe discrepância entre duas versões no que diz respeito ao número das noites em que a recorrente se ausentou de Macau, cremos que isso resultou certamente de um erro, provocado pela convicção da ora recorrente, naturalmente muito influenciada por subjectividade das coisas, inerente a uma causa tão importante para a vida dela, de que era verdadeira essa versão de factos, já alegada na contestação, em que sempre insistia e com base na qual teceu as alegações de recurso.

Assim, afigurar-se-nos perdoável o tal erro, é de absolver portanto a recorrente do pedido de condenação por litigância de má-fé.

Tudo visto, resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar negar provimento ao recurso interposto pela requerida A, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

RAEM, 07MAR2013


_________________________
Lai Kin Hong
(Relator)

_________________________
Choi Mou Pan
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)