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Recurso nº 763/2012 (Providência Cautelar)
Recorrentes: A e outros




A cordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
A, B, C, D, E, F, G, H, e I, sociedades comerciais com sede no Japão, em XX, XX, XX, Tokyo, vem instaurar contra, Sociedade de Investimento Imobiliário J, S.A. em português, J置業發展股份有限公司 em Chinês e J Property Investment Company Limited em Inglês, sociedade comercial anónima com sede em Macau, na Rua XX, nº XX, Edifício XX, XXº andar, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o número 7625 SO, Procedimento Cautelar de Suspensão de Deliberações Sociais, nos termos e com os fundamentos seguintes:
- A Requerida Sociedade de Investimento Imobiliário J, S.A. é uma sociedade comercial anónima, com sede em Macau na Rua XX, nº XX, Edifício “XX”, XXº andar.
- Que até 28 de Dezembro de 2011, data em que foi tomada deliberação por parte do seu Conselho de Administração de aumentar o respectivo capital social para MOP$2,000,000.00.
- Tinha o seu capital dividido em 10 mil acções de MOP$100.00 cada uma, num total de um milhão de patacas.
- Tendo a sociedade K Limited – accionista da sociedade Requerida e cujos interesses são nesta sede judicial assegurados pelas Requerentes, nos termos e pelos motivos já acima alegados – então uma participação social de 4.505 acções, correspondente a 45,5% do total do capital social da Requerida Sociedade de Investimento Imobiliário J, S.A.. Ora,
- A sociedade aqui Requerida é concessionária do terreno respeitante ao lote 9 da zona “A”, integrante da concessão titulada pelo Despacho nº 73/SATOP/92, publicado no Boletim Oficial nº 27/92, de 6 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Despacho nº 57/SATOP/93, publicado no Boletim Oficial nº 17/93, de 26 de Abril, e Despacho n6 56/SATOP/94, publicado no Boletim Oficial nº 22/94, II Serie, de 1 de Junho, encontrando-se o terreno, com a área de 3.449 metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 22.298 a fls. 84 do livro B-8k e assinalado na planta nº 4 211/92, emitida em 27 de Julho de 1993 pela DSCC.
- Tendo adquirido os direitos decorrentes da referida concessão por contrato celebrado com a Sociedade de L, S.A.R.L., e sendo a transmissão autorizada e o referido contrato publicado no âmbito do Despacho nº 97/SATOP/94, constante do Boletim Oficial nº 30/94, II Série, de 27 de Julho – Docs. 7 e 8.
- A mencionada concessão prevê que o terreno seja aproveitado com a construção de um complexo constituído por um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado a escritórios, com uma área de 23.261 m2 e estacionamento, com uma área de 4.036 m2 – cfr. mencionado documento nº 8.
- Numa das zonas mais nobres e valorizadas da Região Administrativa Especial de Macau, qual seja a zona do fecho do Lago Nam Van e Torre de Macau.
- Sendo por isso a aludida concessão de terreno muitíssimo valiosa em termos económicos.
- Tendo recebido o sobredito aproveitamento do terreno uma avaliação de HKD$2,536,000,000.00 (dois mil e quinhentos e trinta e seis milhões de Hong Kong Dólares) no Relatório de Avaliação elaborado pela empresa Jones Lang Lasalle em 20 de Fevereiro de 2006 – Doc. 9, a fls. 38.
- E o terreno sem aproveitamento foi avaliado no mesmo Relatório de Avaliação em HKD$1,140,000,000.00 (mil cento e quarenta milhões de Hong Kong Dólares).
- E sendo hoje em dia o aproveitamento daquele terreno avaliado em HKD$2,300,000,000.00 (dois mil e trezentos milhões de Hong Kong Dólares) no Relatório de Avaliação efectuado em 7 de Maio de 2012 pela empresa Companhia de Investimentos e Fomento Predial M (Macau), S.A.R.L. – Doc. 10.
- E o terreno sem aproveitamento foi avaliado no mesmo Relatório de Avaliação em HKD$1,100,000,000.00 (mil e cem milhões de Hong Kong Dólares).
Ou seja,
- Tendo a sociedade Requerida Sociedade de Investimento Imobiliário J, S.A. o seu capital inicial dividido em 10 mil acções de MOP$100.00 cada uma, num total de um milhão de patacas.
- Até à tomada da deliberação por parte do seu Conselho de Administração em 28 de Dezembro de 2011 de aumentar o respectivo capital social para MOP$2,000,000.00.
- Significava então que 1 acção da referida sociedade, que havia custado a cada accionista MOP$100.00, tinha uma real expectativa de valor efectivamente pelo menos HKD$110,000.00 (cento e dez mil dólares de Hong Kong).
- Considerando apenas o valor de mercado do terreno concessionado à Requerida Sociedade de Investimento Imobiliário J, S.A., uma vez que o aproveitamento do mesmo ainda não começou a ser realizado.
- E tendo em conta a avaliação de HKD$1,100,000,000.00 (mil e cem milhões de Hong Kong Dólares) estabelecida no Relatório de Avaliação efectuado em 7 de Maio de 2012 pela empresa Companhia de Investimentos e Fomento Predial M (Macau), S.A.R.L.,
Pelo que,
- A sociedade K Limited, titular de 4.505 acções, tinha por isso a real expectativa de tais acções da sociedade Requerida Sociedade de Inestimento Imobiliário J, S.A. valerem pelo menos um total de HKD$495,550,000.00 (quatrocentos e noventa e cinco milhões e quinhentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong).
Ora,
- Com a deliberação do aumento do capital da sociedade Requerida Sociedade de Investimento Imobiliário J, S.A. de um milhão para dois milhões de patacas, o valor expectável de cada acção passou a ser de metade, ou seja HKD$55,000.00 (cinquenta e cinco mil dólares de Hong Kong).
- Tendo, no entanto, os accionistas da sociedade a possibilidade de subscreverem o aumento de capital, e na proporção das acções que então detivessem.
- Pagando por cada acção o montante correspondente ao valor nominal, ou seja MOP$100.00, acrescido do prémio de emissão adicional de MOP$7,900.00 previsto na deliberação de aumento do capital.
- O que significava que os accionistas podiam assim beneficiar do valor expectável de HKD$55,000.00 (cinquenta e cinco mil dólares de Hong Kong) por cada nova acção, pagando apenas MOP$8,000.00 para ser titular da acção e do seu respectivo valor expectável.
- No caso da sociedade K Limited, titular de 4.505 acções, podia esta subscrever outras, 4.505 acções no aumento de capital.
- O que significaria que, pagando MOP$36,040,000.00 (trinta e seis milhões e quarenta mil patacas) por esse conjunto de novas acções, ficaria com um valor expectável para essas novas 4.505 acção de HKD$247,775,000.00 (duzentos e quarenta e sete milhões e setecentos e setenta e cinco mil dólares de Hong Kong).
Ou seja,
- Não subscrevendo, ou não pudendo subscrever essas 4.505 acções no aumento de capital social realizado na sociedade Requerida Sociedade de Investimento Imobiliário J, S.A., tal significa para a sociedade K Limited – e para os seus respectivos accionistas, em que se integram os aqui Requerentes – o elevadíssimo prejuízo ou dano no montante de HKD$211,735,000.00 (duzentos e onze milhões setecentos e trinta e cinco mil dólares de Hong Kong).
- Montante esse que preenche absolutamente o conceito de dano apreciável, constante do art. 341º, nº 1 in fine do Código de Processo Civil.
Ora,
- Acontece que as sobreditas deliberações da Assembleia Geral de Accionistas e do Conselho de Administração tomadas ambas em 28 de Dezembro de 2011 são, por variadas razões, nulas.
- O que motivou por parte das ora Requerentes a competente instauração de procedimento cautelar de suspensão dessas mesmas deliberações sociais no dia 27 de Abril de 2012.
- Que corre seus trâmites legais no 1º Juízo Cível desse Tribunal Judicial de Base sob o número de processo CV1-12-0002-CPV.
- Tendo esse procedimento cautelar sido levado a registo na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis no dia 2 de Maio de 2012, sob a apresentação nº 56/02052012.
Ora,
- Conforme já acima alegado, foram tomadas no âmbito da sociedade Requerida Sociedade de Investimento Imobiliário J, S.A. duas deliberações sociais inquinadas do vício da nulidade.
A saber,
- A deliberação social tomada em assembleia geral de accionistas realizada em 28 de Dezembro de 2011, cujo objecto foi “(…) a proposta de pagamento de um prémio de emissão adicional no montante de MOP$7.900,00 por cada nova acção que venha a ser subscrita no aumento do capital social da Sociedade para MOP$2.000.000,00 por recurso a novas entradas através da emissão de 10.000 novas acções com o valor nominal de MOP$100 cada a favor dos accionistas apenas, de acordo com a proporção de acções de que são titulares, conforme vier a ser deliberado, nos termos do disposto no parágrafo 2 do artigo 4 dos Estatutos da Sociedade, na reunião do Conselho de Administração a realizar na presente data.”.
- E a deliberação social tomada pelo seu Conselho de Administração na mesma data, cujo objecto foi “(…) o Conselho deliberou, por unanimidade, nos termos do disposto no parágrafo 2 do artigo 4 dos Estatutos da Sociedade, aumentar o capital social da sociedade para MOP$2.000.000,00 por recurso a novas entradas através da emissão de 10.000 novas acções com o valor nominal de MOP$100 e um prémio de emissão adicional no montante de MOP$7.900,00 cada, conforme deliberado na Assembleia Geral da Sociedade realizada nesta data, a favor dos accionistas apenas, de acordo com a proporção de acções de que são titulares, as quais deverão ser realizadas no prazo de 2 semanas a contar da sua subscrição.”.
Em primeiro lugar,
- Sendo inequívoco o objecto das supra referidas deliberações, isto é, o aumento de capital.
- É inequívoco que, antes de mais, estamos perante um acto que importa uma alteração aos estatutos.
- Matéria que compete exclusivamente aos sócios, ao abrigo do disposto no art. 260º, nº 1 do Código Comercial, o qual prescreve que “Compete aos sócios deliberar sobre as alterações dos estatutos da sociedade, salvo quando a lei disponha em sentido diverso.”
- E ao abrigo do disposto no art. 216º, al. f) do Código Comercial que dispõe que “Além das matérias que lhes são especialmente atribuídas por lei, compete aos sócios deliberar sobre as seguintes matérias:”f) Aumento e redução do capital social.”
Ora,
- Como se pode constatar da leitura do teor da deliberação da Assembleia Geral de 28 de Dezembro de 2011, esta veio a reunir com um ponto único na ordem de trabalho:
“ponto único – pagamento de um prémio de emissão na subscrição das novas acções resultantes do aumento do capital da sociedade.”
Ou seja,
- A Assembleia Geral não veio, por via desta deliberação, nem por via de qualquer outra, deliberar o aumento de capital da sociedade.
- Mas tão só aprovar “… a proposta de pagamento de um prémio de emissão adicional no montante de MOP$7,900.00 por cada nova acção que venha a ser subscrita no aumento de capital social da Sociedade para MOP$2,000,000.00 por recurso a novas entradas através da emissão de 10.000 novas acções com o valor nominal de MOP$100 cada a favor dos accionistas apenas, de acordo com a proporção de acções de que são titulares…”
- O aumento de capital, nos termos dessa mesma deliberação da Assembleia Geral, viria a ser deliberado na reunião do Conselho de Administração, a realizar nessa mesma data.
E que, como vimos, veio precisamente a acontecer em reunião do Conselho da Administração no mesmo dia, pelas 16 horas.
Com efeito.
- O Conselho de Administração da sociedade requerida veio a reunir nesse mesmo dia, com um único ponto na ordem de trabalhos: aumento do capital social da sociedade para MOP$2,000,000.00/
- Tendo deliberado, como se viu supra, o referido aumento de capital.
Porém,
Tal deliberação é nula.
Termos em que,
Deverá o presente procedimento cautelar ser julgado procedente, por provado, e em consequência ser decretada a suspensão da deliberação social tomada em 17 de Maio de 2012 pela Assembleia Geral de Accionistas da sociedade Requerida, respeitante ao ponto nº 2 da respectiva Ordem de Trabalhos, a saber, a alteração dos artigos 6, 17, 18, 23, 26, 27, 30 e 35 dos Estatutos da sociedade requerida, com as demais consequências da lei.
As Requerentes vêm dizer, ao abrigo e para os efeitos do disposto no art. 9º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, e arts. 1º, nº 2, 8º, nº 1 e 9º do Decreto-Lei nº 101/99/M, de 13 de Dezembro, que pretendem escolher a língua portuguesa para a prática de todos os actos processuais.

A Mmª Juiz titular do processo proferiu o despacho preliminar, com o seguinte teor:
“Vieram as sociedade A, B, C, D, E, F, G, H, e I, instaurar o presente procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais contra a sociedade, Sociedade de Investimento Imobiliário J, S.A., com base nos artigos 467º, nº 6, 228º, nº 1 e 232º todos do Código Comercial e no artigo 341º do Código de Processo Civil, pedindo que, pela sua procedência, seja decretada a suspensão da deliberação social tomada em 17 de Maio de 2012 pela Assembleia Geral de Accionistas da sociedade requerida, relativa à alteração dos artigos 6º, 17º, 18º, 23º, 26º, 27º, 30º e 35º dos respectivos estatutos sociais.
As requerentes alegam que são detentoras de 88,9% do capital social da sociedade comercial K Limited, na respectiva percentagem melhor identificada no artigo 2º do seu requerimento inicial, e que esta, por seu turno, é accionista da ora requerida, sendo titular de 45,5% do respectivo capital social. Mais alegam as requerentes que, dado que a mencionada sociedade K, de momento, se encontra impossibilitada de actuar e manifestar a sua vontade colectiva através dos respectivos administradores – por não ser possível registar a actual administração no N Limites – na qualidade de accionistas maioritárias dessa sociedade K Limited têm legitimidade para requerer a presente providência, em defesa dos seus interesses.
Parta preenchimento dos requisitos materiais da providência, as requerentes alegam, ainda, que:
- em 28 de Dezembro de 2011, o Conselho de Administração da requerida deliberou aumentar o respectivo capital social para MOP2.000.000,00, sendo que antes o seu capital estava dividido em 10 mil acções de MOP100,00 cada uma;
- a sociedade K Limited detinha na requerida uma participação social de 4.505 acções, correspondente a 45,5% desse capital social, pelo que, sendo esta concessionária de um terreno, melhor identificado em 38º do requerimento inicial – que, sem aproveitamento em regime de propriedade horizontal, se estima valer HKD$1.100.000.000,00 -, a K Limited tinha a expectativa de que as suas acções valorizassem pelo menos HKD$495.550.000,00 (quatrocentos e noventa e cinco milhões e quinhentos e cinco mil Hong Kong Doláres);
- com o aludido aumento de capital, que a K Limited não pode subscrever, veio esta a sofrer um prejuízo de cerca de HKD$211.735.000,00, sendo certo que esta factualidade está a ser objecto de uma outra providência cautelar, para suspensão das deliberações sociais supra aludidas (datadas de 28 de Dezembro de 2011), que corre termos neste mesmo juízo sob o nº CV1-12-0002-CPV.
- tomaram conhecimento que a requerida convocou uma assembleia geral de accionistas para o dia 17 de Maio de 2012, tendo como ordem de trabalhos: aprovar o balanço, conta de ganhos e perdas e relatório do Conselho de Administração para 2011 e alteração dos artigos 6º, 17º, 18º, 23º, 26º, 27º, 30º e 35º dos respectivos estatutos sociais.
- o facto de se estar a alterar a matéria relativa ao artigo 6º dos Estatutos da Sociedade (que diz respeito ao direito de preferência na transmissão das acções da sociedade, entre accionistas e estranhos, e cuja versão até agora em vigor confere tal preferência primeiro à sociedade e depois aos accionistas), fez de imediato perceber aos ora requerentes que se preparava a consumação de nova etapa no ilícito escopo de prejudicar gravosamente os interesses e legítimos direitos da accionista K Limited, e beneficiar ilegitimamente os restantes accionistas da mesma sociedade;
- a deliberação de alteração dos Estatutos da requerida é nula, por contrária aos bons costumes nos termos do artigo 228º, nº 1, alínea c) do Código Comercial, foi tomada em violação do disposto no artigo 18º, nº 2 desses estatutos, dado que Assembleia Geral em questão se constituiu com menos de dois terços do capital social, o que inquina também tal deliberação de nulidade por violação da alínea e) do citado preceito legal.
Cumpre apreciar.
Quanto à legitimidade activa, estatui o artigo 341º, nº 1 do Código de Processo Civil que: (…) qualquer associado ou sócio pode requerer, no prezo de 10 dias se não for outro o fixado em disposição especial, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de associado ou sócio (…).
Por sua vez, da conjugação desta norma com o artigo 232º do Código Comercial – cujo regime prevalece sobre o artigo 341º do Código de Processo Civil, quanto mais não seja porque o nº 4 do artigo 232º do Código Comercial assim o definiu expressamente – sabemos que qualquer pessoa com legitimidade para requerer a declaração de nulidade ou a anulação de uma deliberação dos sócios pode requerer ao tribunal que seja decretada, cautelarmente, a suspensão da execução de uma deliberação ou a da sua eficácia caso já tenha sido executada ou esteja em vias de execução.
Ora, segundo decorre expressamente desta norma, cremos que não surgem grandes dúvidas quanto ao facto de as requerentes, na qualidade de sócias, com mais de 88% do capital social da sócia da requerida, têm legitimidade para pedir a suspensão das deliberações sociais em causa.
Abrantes Geraldes1, a propósito do ordenamento jurídico português, em que não existe norma semelhante à do artigo 232º do Código Comercial de Macau, dá-nos conta que, em regra, existe coincidência entre o critério de aferição do pressuposto processual da legitimidade activa para as providências e para as acções, o que está de acordo com o nexo de dependência entre um e outro dos meios processuais.
No entanto, ao nível da anulação ou declaração de nulidade de deliberação sociais, essa regra não foi inteiramente acatada.
A declaração de nulidade pode ser obtida mediante solicitação de qualquer interessado directo, seja sócio ou não. (…) Já para a instauração do procedimento cautelar impõe a lei a qualidade de sócio (…). Para quem não detenha essa qualidade e pretenda, ainda assim, impugnar a deliberação prejudicial restará o recurso ao procedimento cautelar comum verificados os respectivos requisitos.
Ora, o legislador de Macau, ciente da incongruência que existia quanto à legitimidade activa exigida para as providências e a necessária para as acções de nulidade consagrou expressamente, na lei substantiva, a total coincidência de critérios.
Assim sendo, cremos que, face às normas em vigor, tendo as requeridas legitimidade para a acção de nulidade, também a terão para a presente providência cautelar.
Já quanto ao requisito periculum in mora, vejamos.
O já citado artigo 341º, nº 1 do Código Processo Civil, exige que o requerente da providência mostra que a execução pode causar dano apreciável, enquanto que o artigo 232º, nº 3 do Código Comercial impõe que o requerente deve indicar o interesse que tem na providência e os danos que da execução, da continuação da execução ou da sua eficácia podem resultar.
Verifica-se, assim, que são requisitos essenciais – a terem de ser alegados e provados pelo requerente da providência, sendo pois constitutivos do seu direito à suspensão – a nulidade da deliberação e o dano apreciável que possa decorrer da execução imediata da decisão, da continuação da execução ou da sua eficácia.
Mais concretamente em relação ao dano “apreciável”, a lei não exige que ele seja irreparável ou de muito difícil reparação, mas também se não pode contentar com um qualquer prejuízo.
Lebre de Freitas, (in Código de Processo Civil Anotado, Vo1. II, 2001, pág. 91, escreve que “os factos de que resulta a ilegalidade da deliberação e os que integram a possibilidade da produção de dano apreciável constituem a causa de pedir do pedido cautelar de suspensão. A prova de uns e outros deve ser oferecida com a petição inicial (artigos 303º, nº 1 e 384º, nº 3), bastando, quanto à ilegalidade, a prova sumária correspondente ao fumus boni júris (…), mas exigindo-se, quanto ao dano apreciável, em que se traduz o periculum in mora (…) uma prova mais consistente, traduzida na probabilidade muito forte de que a execução da deliberação possa causar o dano apreciável que, com a providência, se pretende evitar”.
Na jurisprudência, o Acórdão da Relação do Porto, de 17 de Dezembro de 2008, disponível in www.dgsi.pt sumaria: “I. O requisito do dano apreciável é matéria que implica a alegação e prova de factos concretos bastantes e relevantes – v.g. quanto ao montante do mesmo e situação económico-financeira do requerente, etc. -, em função dos quais se possa densificar o conceito legal e concluir pela sua ocorrência. II. Os danos atendíveis no âmbito do artigo 396º do Código de Processo Civil não são todos aqueles que resultem de actos mediatos ou complementares da deliberação societária, mas apenas os que cuja prática os administradores ou gerentes ficam, expressa, directa e imediatamente vinculados pela mesma.”
Ora, se relativamente ao requisito – ilegalidade da deliberação – se admita que foram alegados factos suficientes para o seu preenchimento em termos indiciários, na medida em que as requerentes alegam que a deliberação de alteração dos Estatutos da requerida será nula, por contrária aos bons costumes no entanto, que a verificação do segundo vício – ter-se a Assembleia Geral em questão constituído com menos de dois terços do capital social – está dependente da decisão cautelar que vier a ser tomada na providência que corre termos neste mesmo juízo sob o nº CV1-12-0002-CPV, porque é um vício que decorre da produção de efeitos da deliberação de 20.12.2011), já quanto ao dano substancial, salvo melhor entendimento, não cremos que o mesmo tenha sido alegado de forma que permita ao tribunal aferir da sua existência na decisão de mérito a proferir.
Os factos que as requerentes alegam em 1º a 161º do seu requerimento, configuram, salvo melhor juízo, um dano apreciável, mas corresponde àquele que está a ser avaliado na providência cautelar para suspensão das deliberações sociais datadas de 28 de Dezembro de 2011, que corre termos neste mesmo juízo sob o nº CV1-12-0002-CPV.
Relativamente à deliberação que se pretende suspender nesta providência, aquela tomada na assembleia geral de accionistas da requerida, no dia 17 de Maio de 2012, as requerentes, limitam-se a alegar que, por estar em causa matéria relativa ao artigo 6º dos Estatutos da Sociedade (que diz respeito ao direito de preferência na transmissão das acções da sociedade, entre accionistas e estranhos, e cuja versão até agora em vigor confere tal preferência primeiro à sociedade e depois aos accionistas), perceberam de imediato que se preparava a consumação de nova etapa no ilícito escopo de prejudicar gravosamente os interesses e legítimos direitos da accionista K Limited, e beneficiar ilegitimamente os restantes accionistas da mesma sociedade.
De que forma se consumará essa nova etapa, questionamos nós?
Em que termos foi alterado o ponto 6 dos estatutos e quem tem agora preferência na transmissão das acções da sociedade?
Por outro lado, não depende esta nova etapa do desfecho da providência já intentada (e subsequente acção), pelas ora requerentes contra a requerida?
Salvo melhor juízo, não basta alegar que as alterações pretendidas vão com certeza no sentido de pôr em causa os interesses dos accionistas, alterando a estrutura dos seus direitos societários.
Apesar de alegarem não terem tido acesso aos textos propostos, relativos às alterações estatutárias referentes ao ponto 2 da ordem de trabalhos, e supra exposta, conforme as requerentes descreveram, na reunião participou um dos Directores da K Limites, que terá naturalmente conhecimento em que termos foram concretizadas as deliberações dessa alteração, matéria relevante para se aferir do preenchimento de tal requisito.
De qualquer forma, a estrutura dos direitos societários dos accionistas só poderia ficar afectada caso se viesse a concretizar uma transmissão de acções a favor de terceiros de boa fé, dado que só esses poderiam ver a sua posição ser acautelada no futuro. Ora, tendo em mente que a instauração da providência cautelar nº CA1-12-0002-CPV já se encontra devidamente registada, na matricular comercial da ora requerida, dando assim conhecimento a eventuais interessados de que existe um litígio relativo ao aumento do capital social da requerida, julgamos que, também por esta razão, a posição da accionista K Limited já está suficientemente acautelada e permite que se aguarde pela decisão da causa principal.
Em suma, os factos alegados, ainda que resultassem demonstrados, não são susceptíveis de traduzir o necessário requisito periculum in mora, pelo que a pretensão das Requerentes, por falta de um dos requisitos essenciais para o decretamento da providência, está necessariamente votada ao fracasso. E assim sendo, impõe-se indeferir liminarmente a presente providência.
Pelo exposto, decido julgar manifestamente improcedente a pretensão das requerentes e, em consequência, indefiro liminarmente o requerimento inicial.
Custas a cargo das Requerentes.
Registe e notifique.”

Notificadas desta decisão, com a qual não se conformaram, recorreram os requerentes, que se alegaram nos seguintes termos:
I. Vem o presente recurso interposto do despacho de fls 500-503 dos autos que indeferiu liminarmente o requerimento inicial de suspensão de deliberações sociais que as Recorrentes intentaram contra a sociedade Sociedade de Investimento Imobiliário J, SA, com base nos artigos 467.º, n.º 6, 228.°, n.º 1 e 232.° todos do Código Comercial e no artigo 341.° do Código de Processo Civil, no qual pediram que, com sua procedência, fosse decretada a suspensão da deliberação social tomada em .17 de Maio de 2012 pela Assembleia Geral de Accionistas da sociedade requerida, relativa à alteração dos artigos 6.º, 17.º, 18.°, 23.°, 26.°, 27.°, 30.° e 35.° dos respectivos estatutos sociais.
II O Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento na medida em que:
III. Ofende o princípio da autonomia dos processos judiciais, uma vez que sustenta a verificação ou existência dos mesmos efeitos pretendidos com a presente providência com o registo de uma providência requerida num outro processo também em curso no Tribunal Judicial de Base com petitório e causa de pedir diferentes.
IV. Funda-se em matéria de facto não sujeita ao contraditório tirando conclusões que contradizem, essas sim, com o conteúdo do requerimento inicial das ora Recorrentes, ao dar por assente que as Requerentes tiveram conhecimento da forma como se concretizou a deliberação quando as mesmas fundam também a providência nesse mesmo de conhecimento.
V. A suspensão da execução de deliberação depende da verificação cumulativa destes requisitos: a) verificar-se a legitimidade activa dos Requerentes; b) ser essa deliberação contrária à lei ou ao pacto social; c) resultar da sua execução dano apreciável.
VI. Nos termos da decisão em crise a meritíssima juiz a quo considerou desde logo, e bem, que a legitimidade das Recorrentes se encontra verificada, pelo que se encontra a decisão imaculada neste particular.
VII. Quanto ao dano apreciável, a mesma meritíssima juiz de direito considerou que os factos constantes dos artigos 1.° a 161.° do requerimento inicial configuramum dano apreciável.
VIII. Aquando da avaliação do dano considerável, a mesma meritíssima juiz entendeu que os factos correspondem àquele que está a ser avaliado na providência cautelar para suspensão das deliberações sociais datadas de 28 de Dezembro de 2011, que corre termos neste mesmo juízo sob o n.º CV1-12-0002-CPV.
IX. Conforme consta do Requerimento inicial, com a instauração do vertente procedimento cautelar, visam as Recorrentes alcançar a suspensão de deliberação social tomada em assembleia geral de accionistas da sociedade Requerida Sociedade de Investimento Imobiliário J, SA..
X. Ora, o processo invocado pela juiz a quo corresponde ao processo n.º CV1-120002-CPV, processo esse que, de acordo com o requerimento inicial, se pede que seja decretada a suspensão das deliberações sociais tomadas em 28 de Dezembro de 2011 pela Assembleia Geral de accionistas e pelo Conselho de Administração da sociedade ora Recorrida, com as demais consequências da lei.
XI. Tal significa, portanto, que o conteúdo dos processos e os factos são intrinsecamente diferentes.
XII. Concretizando, cumpre considerar as ordens de trabalhos das deliberações em causa em cada um dos processos: nos presentes autos as deliberações em causa tiveram como Ordem de Trabalhos: “1) aprovar o balanço, conta de ganhos e perdas e o relatório do Conselho de Administração para 2011; 2) alterar os artigos 6, 17, 18, 23, 26, 27, 30 e 35 dos Estatutos da sociedade.”
XIII. No processo n.º CV1-12-0002-CPV que tem como thema decidendum a eventual suspensão da deliberação da Assembleia Geral de 28 de Dezembro de 2011, refere-se a uma assembleia que teve como um ponto único na ordem de trabalhos: “ponto único - pagamento de um prémio de emissão na subscrição das novas acções resultantes do aumento do capital da sociedade.”
XIV. Ainda o mesmo processo CV1-12-0002-CPV refere-se ainda à reunião do Conselho de Administração da sociedade requerida que veio a reunir nesse mesmo dia, com um único ponto na ordem de trabalhos: aumento do capital social da sociedade para MOP$2,000,000.00.
XV. Compreende-se a interligação preliminar dos conteúdos dos dois processos na medida em que a deliberação em crise nos presentes autos é uma das consequências das deliberações cuja suspensão se pediu no processo CV1-120002-CPV.
XVI. De todo o modo, o Tribunal nunca poderia, salvo melhor opinião, deixar de atribuir a autonomia que o presente procedimento cautelar tem para com o processo n° CV1-12-0002-CPV.
XVII. Dos presentes autos constam uma série de factos que se prendem exclusivamente com a deliberação de realizada em 17 de Maio de 2012.
XVIII. Demonstraram as Requerentes que pretenderam intervir na assembleia geral de accionistas que sabiam encontrar-se convocada para o dia 17 de Maio de 2012.
XIX. As ora Recorrentes fizeram emitir a carta mandadeira, junta com o requerimento inicial como documento 11, e que foi dirigida ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral da sociedade Requerida Sociedade de Investimento Imobiliário J, SA, emitida pela accionista K Limited, e subscrita por dois dos seus directores, O e P.
XX. Os quais eram directores daquela sociedade antes da destituição dos anteriores directores Q, R e S, e nomeação dos novos directores T, U, V e W.
XXI. E que continuaram a ser directores da K Limited, como ainda são hoje em dia, emitindo a sobredita carta mandadeira e conferindo poderes ao director P para representar a accionista K Limited na dita assembleia geral de accionista da sociedade Requerida Sociedade de Investimento Imobiliário J, SA.
XXII. Em tudo de acordo com o previsto no artigo 16°, nº 2 dos Estatutos da sociedade Requerida, que estipula que o mandato outorgado aos representantes dos accionistas para tomar parte nas assembleias gerais da sociedade poderá ser conferido por simples carta, assinada pelo mandante, dirigida ao presidente da mesa da assembleia geral e da qual conste a identidade do representante.
XXIII. Tendo o identificado P comparecido no dia 17 de Maio de 2012, e cerca das 14.55 horas, na sede da sociedade Requerida Sociedade de Investimento Imobiliário J, SA, sita na Rua XX, nº XX, Edifício XX, XX° andar, em Macau, foi o mesmo impedido de participar na assembleia geral de accionistas que se constituiu cerca das 15.30 horas desse dia, na sua aludida qualidade de representante da accionista K Limited, por não ter o Presidente da Mesa da Assembleia Geral, Sr. X, aceite a regularidade e legitimidade da carta mandadeira emitida por essa accionista, sendo, no entanto, o mesmo P admitido a acompanhar os trabalhos da assembleia geral de accionistas, na sua qualidade de director da accionista K Limited.
XXIV. O referido P pôde testemunhar terem sido aprovados os dois pontos da Ordem de Trabalhos, por votos unânimes das accionistas Y Limited, Z Limited, AA Limited e BB Limited, que se encontravam presentes ou representadas, não tendo porém tido acesso ao texto do Balanço e Contas, e Relatório do Conselho de Administração referente ao exercício de 2011, nem ao texto das alterações estatutárias referentes ao ponto 2 da Ordem de Trabalhos da assembleia geral de accionistas.
XXV. A proibição de participação da accionista K Limited na referida assembleia geral de accionistas da Recorrida Sociedade de Investimento Imobiliário J, S.A. foi absolutamente ilegal, por violação do disposto no art. 218°, n° 1 do Código Comercial e no art. 16°, n° 2 dos Estatutos da sociedade Requerida, e a deliberação de alteração dos Estatutos, designadamente do respectivo art. 6°, tomada na sobredita Assembleia Geral de accionistas realizada no dia 17 de Maio de 2012 é nula.
XXVI. As alterações pretendidas vão com certeza no sentido de por em causa os interesses dos accionistas, alterando a estrutura dos seus direitos societários, alterando as regras societárias de preferência na transmissão de acções entre accionistas e estranhos à sociedade, e deixando de conferir preferência aos accionistas nessas mesmas transmissões, alterando regras de maioria na constituição das Assembleias Gerais de accionistas, e com certeza, conferindo maiores poderes de decisão ao Conselho de Administração, tudo na linha de actuação tendente ao afastamento da accionista K Limited das decisões mais importantes da vida da sociedade Requerida, e tendentes também a permitir a livre transmissão das acções por parte das restantes quatro accionistas, designadamente aquelas acções ilegitimamente adquiridas decorrentes do ilegal aumento de capital social.
XXVII. Da presente deliberação resulta o eventual mas sério risco de resultar na total liberdade por partes destas quatro accionistas na transmissão da titularidade do terreno concessionado, com avultadíssimos prejuízos para a accionista K Limited e respectivos accionistas, aqui devidamente representadas pelas ora Recorrentes.
XXVIII. A deliberação em crise visa, não os superiores interesses da sociedade requerida, mas antes unicamente o claro prejuízo da accionista K Limited, mostrando-se assim contrária aos bons costumes, e por isso, inquinada do vício de nulidade nos termos do disposto no art. 228°, nº 1, alínea c) do Código Comercial.
XXIX. Todos estes factos são manifestamente autónomos e independentes do processo CV1-12-0002-CPV.
XXX. Apesar das Recorrentes terem invocado que a deliberação ora em crise foi tomada ilegalmente, em clara violação do disposto no art. 18°, n° 2 dos Estatutos da sociedade, sendo ilegal o aumento do capital social, como invocado também no processo CV1-12-0002-CPV, esta mesma deliberação em causa nos presentes autos pode causar dano apreciável à accionista K Limited e respectivos accionistas, aqui devidamente representadas pelas ora Recorrentes.
XXXI. Na decisão recorrida, a meritíssima juiz a quo considerou que, porque na reunião participou um dos Directores da K Limited, este […] terá naturalmente conhecimento em que termos foram concretizadas as deliberações dessa alteração, matéria relevante para se aferir do preenchimento de tal requisito, e esta conclusão que retirou a meritíssima juíza é manifestamente inverdadeira e contradiz o alegado no requerimento.
XXXII. O representante da accionista K Limited não teve acesso, por lhe ter sido negado a toda a documentação referente à referida deliberação e a ainda à acta da própria deliberação.
XXXIII. Tal factualidade reveste de natureza, não só autónoma face às ilegalidades resultantes das deliberações em causa no processo n°. CV1-12-0002-CPV, mas tão ou ainda mais grave daquelas outras deliberações.
XXXIV. O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais tem essa mesma virtualidade de fazer face a este exercício abusivo, autoritário e contra-alegem por parte de quem rege os destinos das sociedades em detrimento dos accionistas.
XXXV. As Requerentes sabem que esta deliberação implicou uma alteração dos estatutos da sociedade, e tal não incidiu apenas certamente uma alteração ao artigo sexto, na medida em que a ordem de trabalhos indicava um vasto número de artigos dos estatutos a serem alterados.
XXXVI. Ao impedir o prosseguimento dos presentes autos para avaliação concreta dos elementos de que dependem a procedência da providência, a meritíssima juiz a quo não poderia, pois ter indeferido liminarmente a mesma.
XXXVII. A proceder a referida providência CV1-12-0002-CPV, esse efeito abrangerá ainda as deliberações dos presentes autos, na medida em que não ficaria nunca reunido o quórum de que dependeria a alteração dos estatutos, contudo, esse âmbito de protecção abrangerá somente alteração dos estatutos.
XXXVIII. Não abrangerá a aprovação do balanço, conta de ganhos e perdas e o relatório do Conselho de Administração para 2011.
XXIX. Na eventualidade remota de a providência CV1-12-0002-CPV improceder, ainda que tal improcedência não dependa de uma questão de mérito mas sim processual, a K Limited fica desprotegida face às deliberações em causa nos presentes autos.
XL. É pois manifesto que o fundamento em que se suporta a meritíssima juiz a quo para decretar o indeferimento liminar da presente providência é manifestamente ilegal.
XLI. Nestes autos, encontra-se provado periculum in mora, que se sustenta: No próprio desconhecimento do conteúdo concreto das deliberações tomadas; Na repercursão que as eventuais alterações aos estatutos, nomeadamente a alteração ao artigo 6 poderá implicar; Da eventual irreversibilidade face a terceiros de boa fé na eventualidade de improcedência (que não se concede) da a providência CV1-12-0002-CPV.
XLII. Nestes autos o Tribunal desconhece, como as Recorrentes o conteúdo das deliberações pelo que não poderá restar outra alternativa que não aceitar preliminarmente configuração de dano apreciável e estando este ligado à possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo de anulação principal.
XLIII. Termos em que deverá ser revogado o despacho de fls. 500-503 dos autos, por ter o mesmo violado o disposto no artigo 341º, e ser substituído por douta decisão desse venerando Tribunal que determine a admissão liminar do procedimento cautelar instaurado pelas ora Recorrentes, seguindo-se os ulteriores trâmites legais.

    Notificada este recurso, respondeu a recorrida Sociedade de Investimento Imobiliário J, S.A., que se alegou que:
a. Se aquando da apresentação do presente Procedimento Cautelar a legitimidade activa das Recorrentes foi justificada na circunstância de a Sociedade K limited - sociedade em relação à qual as Recorrentes são algumas das sócias – se encontrar impedida de exercer a sua “vontade social”, a partir do momento em que tal impedimento cessa, não faz qualquer sentido que a referida Sociedade continue a ser representada judicialmente pelas Recorrentes, porquanto os seus actos devem ser praticados pelos seus respectivos administradores.
b. Neste sentido, depois de 15 de Julho de 2012, deixou de estar verificada a legitimidade processual activa por partes das Recorrentes, pelo que as mesmas devem ser julgadas partes ilegítimas.
c. Ao que acresce que, até ao momento, nenhum dos actos praticados pelas Recorrentes em nome da Sociedade K limited foi por esta sociedade ratificado, o que igualmente põe em causa a concreta legitimidade das Recorrentes no que respeita a interesses directos da Sociedade K Limited.
Por outro lado,
d. É falso que o conteúdo do presente processo seja intrinsecamente diferente do Processo n.º CV1-12-0002-CPV, por estarem em causa diferentes deliberações sociais, tomadas em diferentes Assembleias Gerais da Recorrida.
e. Pelo contrário, o conteúdo dos factos e das decisões que se pretendem obter é manifestamente idêntico.
f. Basta ver que, os factos alegados pelas Recorrentes na Providência Cautelar ora em crise coincidem em absoluto com o exposto pela própria Sociedade K Limited entre os artigos 189.º a 202.º e 223.º a 246.º da Petição Inicial apresentada no âmbito do Processo n.º CVl-12-0002-CPV.
g. Existe, neste sentido, uma clara interligação dos conteúdos dos dois processos na medida em que a deliberação em apreciação nos presentes autos é uma das consequências das deliberações tomadas anteriormente, tal qual bem concluiu o Tribunal a quo.
h. É falso que as Requerentes, ou a Sociedade K Limited, não tenha tido conhecimento das deliberações tomadas em Assembleia Geral da Requerida e, em especial, das deliberações tomadas na reunião de 17 de Maio de 2012.
i. Pelo contrário, as Recorrentes (ou melhor, a sociedade K Limited), foi sempre convocada para participar em todas as Assembleias Gerais da ora Recorrida, tendo estado presente e representada na Assembleia Geral de 17 de Maio de 2012, ainda que sem direito de intervir e de votar.
j. A recusa de participação do Sr. P, na Assembleia Geral de 17 de Maio de 2012, deveu-se a razões meramente formais e, em concreto, à não regularidade da carta mandadeira por si apresentada.
k. Com efeito, nos termos dos Estatutos Sociais da Sociedade K Limited, são necessárias assinaturas de três administradores para que a mesma se possa fazer representar e a referida carta apenas se encontrava assinada por dois dos seis administradores da Sociedade K Limited.
l. De qualquer modo, o Sr. P foi admitido a assistir e a acompanhar os trabalhos da Assembleia de 17 de Maio de 2012, ainda que sem direito de voto, tal qual as próprias Recorrentes afirmam, tendo tido conhecimento in loco das deliberações tomadas, tal qual acertadamente concluiu o Tribunal a quo.
m. É falso, porém, que as Requerentes ou a Sociedade K Limited não tenham tido acesso ao texto do Balanço e contas, nem ao texto das alterações estatutárias.
n. Pelo contrário, os referidos documentos sempre estiveram disponíveis para consulta dos sócios na sede social da ora Recorrida, tal qual determina o artigo 430.º do Código Comercial e, como tal, se as Recorrentes ou a própria Sociedade K Limited, não tomou conhecimento dos mesmos foi tão-só porque não se dirigiu à sede social da Sociedade de Investimento Imobiliário J, S.A. para este ou outro propósito.
Ao que acresce que,
o. As alterações estatutárias operadas limitaram-se a consagrar as soluções que se encontram consagradas no Código Comercial de Macau em matéria de transmissão de acções e, bem assim, tiveram em vista adaptar os Estatutos Sociais da Sociedade de Investimento Imobiliário J, S.A. às alterações entretanto introduzidas ao Código Comercial pela Lei n.º 16/2009.
p. É falso que as referidas alterações tivessem tido ou tenham por finalidade prejudicar os respectivos accionistas ou prejudicar os “superiores interesses sociais da sociedade requerida”, bastando ver que as mesmas deliberações foram aprovadas por votos unânimes das restantes accionistas da ora Recorrida.
q. Se ao tempo da apresentação do Procedimento Cautelar, o representante da accionista K Limited não teve acesso à acta da referida Assembleia, tal ficou a dever-se tão-só ao facto de naquele momento a referida acta ainda se não encontrar redigida e assinada.
r. Por último, as Recorrentes limitam-se a alegar longínquos receios de que as acções da ora Recorrida venham a ser transferidas para terceiros, e que tal se traduza numa nova etapa em prejudicar a accionista K Limited e em beneficiar as restantes accionistas da sociedade, o que é manifestamente falso e infundado.
s. Mas mesmo que tal receio existisse, - o que por mera cautela de raciocínio se aceita, em conceder -, tendo em conta que o Processo n.º CVl-12-0002-CPV se encontra devidamente registado, tal é quanto baste para que seja dado conhecimento a eventuais interessados de que existe um litígio relativo ao aumento de capital da ora Requerida, o que é suficiente para acautelar a posição quer das Recorrentes quer da Sociedade K Limited, permitindo que se aguarde pela decisão da causa principal, tal qual bem concluiu o Tribunal a quo.
t. Pelo exposto, não se verifica qualquer periculum in mora que justifique a providência requerida e o Tribunal a quo acertadamente decidiu ao ter indeferido liminarmente tal providência, devendo manter-se integralmente o despacho de fls. 500-503 dos autos, porquanto o mesmo não enferma de nenhum vício ou invalidade.

    Cumpre conhecer.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    Conhecendo.
O objecto do presente recurso consiste na impugnação da decisão que julgou liminarmente improcedente a providência cautelar específica da suspensão da deliberação social, com fundamento de que, se admitindo a existência da ilegalidade da deliberação e haver dano apreciável pela execução da deliberação social, os factos alegados, ainda que resultassem demonstrados, não são susceptíveis de traduzir o necessário requisito periculum in mora, fundamentando-se essencialmente que as requerentes tiveram naturalmente conhecimento em que termos foram concretizadas as deliberações dessa alteração dos estatutos e as requerentes encontram sempre o seu mesmo direito salvaguardado com o registo do procedimento cautelar nº CV1-12-0002-CPV.
E no seu recurso, as recorrentes impugnou a decisão pela violação ao princípio da autonomia dos processos judiciais, uma vez que sustenta a verificação ou existência dos mesmos efeitos pretendidos com a presente providência com o registo de uma providência requerida num outro processo também em curso no Tribunal Judicial de Base com petitório e causa de pedir diferentes.
    Concretamente dito, os recorrentes entenderam que, conforme consta do Requerimento inicial, com a instauração do vertente procedimento cautelar, visam alcançar a suspensão de deliberação social tomada em assembleia geral de accionistas da sociedade Requerida Sociedade de Investimento Imobiliário J, SA., enquanto no processo invocado pela juiz a quo corresponde ao processo n.º CV1-120002-CPV, em que, de acordo com o requerimento inicial, se pede que seja decretada a suspensão das deliberações sociais tomadas em 28 de Dezembro de 2011 pela Assembleia Geral de accionistas e pelo Conselho de Administração da sociedade ora Recorrida, com as demais consequências da lei. Ainda mais concreto, as ordens de trabalhos das deliberações em causa em cada um dos processos eram os seguintes:
    - nos presentes autos as deliberações em causa tiveram como Ordem de Trabalhos: “1) aprovar o balanço, conta de ganhos e perdas e o relatório do Conselho de Administração para 2011; 2) alterar os artigos 6, 17, 18, 23, 26, 27, 30 e 35 dos Estatutos da sociedade.”
    - no processo n.º CV1-12-0002-CPV que tem como thema decidendum a eventual suspensão da deliberação da Assembleia Geral de 28 de Dezembro de 2011, refere-se a uma assembleia que teve como um ponto único na ordem de trabalhos: “ponto único - pagamento de um prémio de emissão na subscrição das novas acções resultantes do aumento do capital da sociedade” e se refere à reunião do Conselho de Administração da sociedade requerida que veio a reunir nesse mesmo dia, com um único ponto na ordem de trabalhos: aumento do capital social da sociedade para MOP$2,000,000.00.
    Concluindo as recorrentes que embora se compreendesse a interligação preliminar dos conteúdos dos dois processos na medida em que a deliberação em crise nos presentes autos é uma das consequências das deliberações cuja suspensão se pediu no processo CV1-120002-CPV, o Tribunal nunca poderia deixar de atribuir a autonomia que o presente procedimento cautelar tem para com o processo n° CV1-12-0002-CPV.
    Vejamos.
    Prevê o artigo 341º quanto aos pressupostos e formalidades da mesma providência que:
    “1. Se alguma associação ou sociedade, civil ou comercial, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao acto constitutivo, qualquer associado ou sócio pode requerer, no prazo de 10 dias se não for outro o fixado em disposição especial, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de associado ou sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.
    2. O associado ou sócio deve instruir o requerimento com cópia da acta em que as deliberações foram tomadas; a administração deve fornecer essa cópia ao requerente no prazo de 24 horas, a contar do momento em que ele o requeira; quando a lei dispense reunião de assembleia, a cópia da acta é substituída por documento comprovativo da deliberação.
    3. O prazo fixado para o requerimento da suspensão conta-se, na falta de disposição especial, da data da assembleia em que as deliberações foram tomadas ou, se o requerente não tiver sido regularmente convocado para a assembleia, da data em que ele teve conhecimento das deliberações.”
    Como podemos ver, em conformidade com esta disposição legal, as providências cautelares têm por finalidade visa prevenir o periculum in mora, isto é, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação (ou declaração da nulidade) da deliberação social contra o risco da duração do respectivo processo, dependendo da verificação dos pressupostos, cumulativamente, para além do requisito temporal, da prova pelo requerente da sua qualidade de sócio, de ser aquela deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato, e de ter a execução da mesma a potencialidade de causar dano irreparável.
    Para efeito de suspensão de deliberações sociais, nos termos do artigo 341º do Código de Processo Civil, basta um juízo de probabilidade no tocante à ilegalidade da deliberação, mas é necessário um juízo de certeza ou probabilidade muito forte quanto ao dano.
    A exigência legal de demonstração de que a execução da providência pode causar “dano apreciável” reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade […] O “dano apreciável” não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois a providência cautelar visa prevenir o periculum in mora, ou seja, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respectivo processo”.
    Na verdade no direito societário a lei procura compatibilizar o direito de impugnação de deliberações viciadas com as preocupações de segurança jurídica e de salvaguarda do normal funcionamento da instituição.2
    Em termos gerais, o que importa nesta sede aquilatar é a invocação do periculum in mora, isto é, ponderar se o requerido com a sua actuação (de alterar os artigos 6, 17, 18, 23, 26, 27, 30 e 35 dos Estatutos da sociedade) causa a este lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito. A necessidade de composição provisória advém do prejuízo que a demora na decisão da acção principal e na composição definitiva causaria à parte cuja situação jurídica merece ser acautelada. Através da providência cautelar pretende-se evitar a lesão grave e dificilmente reparável, decorrente da demora na tutela da situação jurídica; se faltar o periculum in mora, isto é, se o requerente não estiver, pelo menos, na iminência de sofrer qualquer lesão ou dano, falta a necessidade da composição provisória e a providência não pode ser decretada, porque o periculum é um elemento constitutivo da providência requerida, obstando a sua inexistência ao respectivo decretamento.3
    Como a providência cautelar visa prevenir o periculum in mora, isto é, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respectivo processo,4 tem-se entendido, no direito comparado, que “…, deve, pois, o tribunal exigir, a respeito deste requisito, a certeza, ou, pelo menos, a probabilidade muito forte e séria de que a execução da deliberação poderá causar prejuízo apreciável”.5
    Ao requerente cabe provar de modo minimamente consistente, o montante, ainda que aproximado, dos danos que a providência visa prevenir e, para que tal prova se possa fazer terá naturalmente que alegar os factos respectivos.
    Aqui, a lei impõe que o requerente da providência faça prova de que a execução de uma deliberação ilegal acarreta uma ofensa intolerável perante a ordem jurídica e de tal modo grave que deve ser imediatamente suspensa mesmo antes de ser esta declarada inválida no processo declarativo normal.6
    Por outro lado, o dito dano apreciável não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois que não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência cautelar, à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença a proferir naquela acção.7
    A aferição do justo ou fundado receio, sem se reconduzir a situações de certeza inequívoca, deve fazer-se a partir de um juízo de certeza, de verdade, de realidade, nomeadamente sobre a iminência da lesão.8
    Neste propósito, o Tribunal a quo, ponderando o facto de terem os requerentes conhecimento do registo de um outro procedimento cautelar sob nº CV1-12-0002-CPV, corrido no mesmo tribunal, e conhecimento da existência de um litígio relativo ao aumento do capital social da requerida, pelo que a posição da accionista K Limited estaria suficientemente acautelada e permite que se aguarde pela decisão da causa principal, deu por não verificado o periculum in mora, ou seja, a iminência de causa o dano apreciável.
    Para os recorrentes, impugnaram a decisão pela violação do princípio da autonomia processual, por as causas de pedir desses dois processos serem diferentes e não serem comunicáveis.
    Não têm razão. Pois, o que o Tribunal ponderou, independentemente do entendimento de que “[o]s factos que as requerentes alegam em 1º a 161º do seu requerimento, configuram, salvo melhor juízo, um dano apreciável, mas corresponde àquele que está a ser avaliado na providência cautelar para suspensão das deliberações sociais datadas de 28 de Dezembro de 2011, que corre termos neste mesmo juízo sob o nº CV1-12-0002-CPV”, foi apenas o facto de terem os interessados conhecimento da existência do litígio relativo ao aumento do capital da requerida, pelo registo do procedimento cautelar no mesmo Tribunal, e nunca os factos dados por assentes pela prova produzida naquele processo distinto. Não se sabe em que termos se invoca a violação desse princípio.
    A decisão do Tribunal a quo fundamentou-se exaustivamente nas razões que o levaram concluir pela inexistência do periculum in mora, fundamentos estes que merecem a nossa adesão integral e pelo qual se conclui pela manifesta improcedência do requerido procedimento cautelar e a consequente indeferimento liminar do mesmo.
    Louvando os fundamentos da decisão recorrida, com o uso da faculdade conferida no artigo 631º nº 5 do CPC, dá-se improcedente o recurso.
    Pelo exposto acordam neste Tribunal de Segunda Instância em negar provimento ao recurso interposto pelos requerentes A e outros, mantendo-se a decisão recorrida.
    Custas pelos recorrentes.
RAEM, aos 7 de Março de 2013

_________________________
Choi Mou Pan
(Relator)

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
    
1 In Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 6. Procedimentos Cautelares Especificados, pág.
2 Ac. da Relação de Lisboa de 28.10.1993: Col. Jur., 1993, 5.°-103.
3 Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil”, Lex, pág. 232.
4 Vide Acórdão do STJ, de 19.1.1994, in www.dgsi.pt.
5 Ainda Ac. RP, de 1.6.2001 e Ac. STJ, de 17.6.1993, in www.dgsi.pt
6 Vide Ac. Ac. STJ, de 4.5.2000 in DGSI/STJ e de 16.5.1995 C.J. /STJ 1995, 2.°-85 e Ac, RP, de 12.2.1996: Col. Jur., 1996, 1 .°- 19.
7 Ac. STJ, de 20.5.1997: BMJ, 467.°-529.
8 Pinto Furtado, “Deliberações dos Sócios”, págs. 467 e ss; também neste sentido, Ac. RP de 27/9/2005 (Henrique Luís de Brito Araújo), Ac. RL de 27/03/2007 (Maria José Simões), www.dgsi.pt.
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