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Processo n.º 804/2012
(Recurso cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 14/Março/2013


ASSUNTOS:
- Alcance do título executivo; fins e limites do título executivo
- Artigo 12º, n.º 1 do CPC
- Rendas vincendas


SUMÁRIO :
    Tendo sido proferida sentença em acção de despejo, em que o autor pedira, para além do despejo e entrega do locado, apenas a condenação do réu no pagamento das quantias a que por lei tinha direito, nos termos da qual se decidiu a resolução do contrato de arrendamento e a condenação do réu a pagar ao A. a quantia de HKD 120,000.00, correspondente ao MOP$ 123,780.00, a título de rendas vencidas e não pagas, acrescida de juros moratórios legais, a partir de trânsito de sentença, até ao efectivo e integral pagamento, não pode o A., em acção executiva, pretender o pagamento das rendas entretanto vincendas.
     O Relator,
     Joao A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 804/2012
(Recurso Cível)
Data: 14/Março/2013

Recorrente: A (exequente)

Objecto do Recurso: Despacho que indeferiu parcialmente o pedido
de pagamento de quantia exequenda

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    SONG, XIAOYONG, mais bem identificado nos autos, inconformado com o despacho que indeferiu parcialmente o pedido de pagamento de rendas vincendas, em sede de acção executiva, por não contido na decisão proferida em acção de despejo que moveu contra B, vem apresentar as suas alegações, concluindo como segue:
    i) Numa acção de despejo, com fundamento na falta de pagamento de rendas, não é possível liquidar, em sede de acção declarativa, o valor total das rendas em dívida pelo R., inquilino, já que tal operação dependerá de factores vários (v.g. a diligência posta na citação do R., a contestação, ou não, deste, o depósito, ou não, das rendas devidas até à data desse depósito, a entrega voluntária, ou não, do arrendado ao A., senhorio ... );
    ii) Para além do pedido específico de despejo, pode o A. formular pedidos genéricos, designadamente quando a fixação do quantitativo a pagar pelo R. esteja dependente da prestação de contas ou de outro acto que deva ser praticado pelo R. (in casu, o depósito das rendas devidas e não pagas);
    iii) Tratando-se de prestações periódicas, se o devedor deixa de cumprir, podem compreender-se no pedido tanto as prestações já vencidas como as que se vencerem enquanto subsistir a obrigação, o que o A. fez ao pedir que o R., cumulativamente com a resolução do contrato de arrendamento e o despejo do inquilino, fosse condenado a pagar-lhe as quantias a que por lei tem direito, nos termos do art. 931º do C.P.C., ou seja, pagamento de rendas e indemnização;
    iv) O douto despacho recorrido não tomou em consideração a possibilidade de pedidos genéricos consagrada pelo legislador no art. 392°, n.º 1 do C.P.C.;
    v) Ignorou, de igual modo, o direito do credor tanto às prestações já vencidas, como às que se vencerem enquanto subsistir a obrigação, tal com bem resulta do n.º 1, do art. 393° do C.P.C.;
    vi) Omitiu, ainda, que o primeiro passo processual a dar num processo de execução é tornar a obrigação certa, exigível e líquida, quando esta o não seja em face do título executivo, tal como dispõe o art. 686° do C.P.C., o que exequente fez com o requerimento de execução;
    vii) Com o que se deixa descrito, o douto despacho recorrido violou as disposições contidas nos n.º 1 do art. 392°, n.º 1 do art. 393°, n.º 2 do art. 564° e art. 686°, todos do C.P.C.
    Nestes termos pede seja alterado o despacho recorrido, no sentido de incluir, na quantia exequenda, o valor correspondente às rendas dos meses de Maio a Outubro, assim como a valor correspondente à ocupação da fracção, pelo R., nos primeiros 4 dias de Novembro, períodos estes relativos ao ano de 2011, no valor de MOP$63.265,30 (sessenta e três mil duzentas e sessenta e cinco patacas e trinta avos), isto é,
    Determinando-se que à quantia exequenda corresponda o valor global total de MOP$195.039,60 (cento e noventa e cinco mil e trinta e nove patacas sessenta avos), deduzido que foi já o depósito prestado pelo R., mas incluídos os juros legais - $7.994,30 - nesta data (28/03/2012), bem como os juros vincendos até à data do integral pagamento.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II – 1. É do seguinte teor o despacho recorrido:
    “Vimos no requerimento inicial, o exequente pediu a execução de pagamento de quantia de MOP$191,292.75 (Capital: HKD$120,000 + HKD$61,333.30 e juros de mora, desde a data de transito até à presente entrada de execução: MOP$4,247.45).
*
    Vimos que o título executivo nos presentes autos, é uma sentença condenatória transitada em julgado, em que o Tribunal condenou ao Réu B (Executado) a pagar ao Autor A (Exequente) a quantia de HKD$120,000.00, a título de rendas vencidas e não pagas, acrescida de juros moratórias legais, a contar ao trânsito de sentença até ao efectivo e integral pagamento.
    Assim sendo, vimos que a 1ª parte de capital acima referida, está conforme com a condenação constante na sentença transitada em julgado.
    Quanto a 2ª parte de capital referida, não está condenada na decisão proferida e não deve ser abrangida na quantia exequenda.
    Nestes termos, os respectivos juros de mora deverão reduzidos, uma vez a 2ª parte capital não deve ser abrangida.
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    Pelo exposto, indefiro parcialmente o pedido de pagamento de quantia exequenda (respeitante à 2ª parte de capital bem como os respectivos juros de mora).
    Notifique e D.N..”
    2. Esse despacho foi doutamente sustentado do modo como segue:
    “No uso de faculdade concedido pelo art. 617º, n.º 2 do CPCM, venho por este meio sustentar a decisão proferida recorrida (o despacho de indeferimento parcial do pedido de pagamento de quantia exequenda, respeitante à 2ª parte de capital bem como os respectivos juros de mora, cfr. fls. 37).
*
    Na acção principal de despejo, pede o autor que seja condenado o réu a pagar:
    - Ser declarado resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre A. e R.;
    - Ser o R. condenado a entregar ao A., livre e desocupada, a fracção arrendada, cumulativamente e atento o disposto no art. 931 do CPCM;
    
    - Ser o R. condenado a pagar ao A. as quantias a que por lei tem direito.
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    No entanto, na sentença transitada em julgado (ora título executivo), o Juiz julgou parcialmente procedente a acção e condenou os seguintes.
    a) Declara-se resolvido o contrato de arrendamento;
    b) Condeno o R. a pagar ao A. a quantia de HKD 120,000.00, correspondente ao MOP$ 123,780.00, a título de rendas vencidas e não pagas, acrescida de juros moratorios legais, a contar a partir de trânsito de sentença, até ao efectivo e integral pagamento.
    Quanto às rendas condenadas, foram considerados e incluídos aos meses Fevereiro de 2010 até Abril de 2011, perfaz-se a quantia de MOP$150,000.00, descontando a caução de MOP$30,000.00, fica-se assim a quantia de capital de HKD$120.000.00.
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    E agora, vem o Exequente requer executar uma parte de rendas correspondente aos meses de Maio até Outubro de 2011, perfaz-se a quantia de MOP$63,265.30, acrescidos de juros moratórias. Porém, tal parte de rendas não foi claramente pedido e por isso não foi condenado.
    No nosso modesto entendimento, esta parte das rendas não foram condenadas na decisão da sentença, aliás, caso o ilustre mandatário do A. entende que há omissão ou erro de sentença condenatória, deverá recorrê-la por meio de recurso.
    E uma vez transitada a decisão declarativa, já tem o caso julgado desta decisão.
*
    Como diz o art. 12º, n.º 1 do CPCM, a acção executiva tem como base um título, pelo qual se determinam o seu fim e os seus limites.
    A propósito de título executivo, o Prof. Alberto dos Reis ensina que o título fixa os limites da acção executiva, é pelo título que se conhece, com precisão, o conteúdo da obrigação do devedor: qual o montante que deve pagar, qual a coisa que tem de entregar - cf. Alberto do Reis, Processo de Execução, Vol. I, p. 69
    O que quer dizer que o título executivo fixa os limites da acção executiva.
    Por isso, não vejo as possibilidades para alargar o âmbito de quantia exequenda se não haver uma condenação na sentença.
    É essa minha sustentação acaba exposta no meu despacho de indeferimento parcial do pedido de pagamento de quantia exequenda, respeitante à 2ª parte de capital bem como os respectivos juros de mora, cfr. f1s. 37.”
    
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa por uma questão muito simples: será que o pagamento das rendas vencidas e vincendas está incluído no título que se pretende dar á execução? Será que a sentença proferida condenou o R. a pagar as rendas vencidas e vincendas?
    2. A resposta é claramente não. A questão é tão simples como simples e linear é a resposta.
    3. O que ficou decidido na sentença foi:
    “a) Declara-se resolvido o contrato de arrendamento;
     b) Condeno o R. a pagar ao A. a quantia de HKD 120,000.00, correspondente ao MOP$ 123,780.00, a título de rendas vencidas e não pagas, acrescida de juros moratórios legais, a contar a partir de trânsito de sentença, até ao efectivo e integral pagamento.”
    
    4. Com todo o respeito - e é muito - pelo Ilustre Causídico subscritor das diferentes peças, não podemos aceitar que tal formulação encerre o que manifestamente dela não consta. Uma coisa são as rendas vencidas e outras as vincendas após o decretamento do despejo.
    
    Nem se diga, como se pretende, que ao peticionar-se na acção de despejo que fosse o réu condenado, para além, da resolução do contrato de arrendamento, para além da entrega ao A. livre e desocupada da fracção arrendada, a pagar ao A. as quantias a que por lei tem direito, que daí decorre o pagamento das rendas vincendas. E diríamos até que temos dúvidas que tal pedido comportasse a condenação que sobreveio no pagamento das rendas vencidas.
    
    O certo é que a Mma Juíza, porventura em excesso, recortou o pedido com tal alcance e a decisão não deixou de transitar com esse reporte.
    
    5. Dizer que um pedido de condenação das quantias a que tem direito o senhorio é suficiente para aí incluir as rendas vencidas e vincendas afigura-se algo de atrevimento. É como se um proprietário em disputa com um vizinho viesse pedir o reconhecimento do seu direito e tudo o mais que fosse de lei e, depois, viesse pedir, em sede de execução, a condenação deste em indemnização por ocupação abusiva, por corte de árvores, por perda de negócio, etc., etc.
    6. Isto nada tem que ver com a formulação de pedidos genéricos a que se refere o recorrente ou a pedidos ainda não liquidados. O recorrente bem sabe que com o pedido de despejo pode pedir a condenação do réu no pagamento de rendas ou de indemnização, mas tem que o indicar claramente e tanto assim que é ele próprio que cita o artigo 931º que permite essa cumulação facultativa. Pode ou não pode cumular os pedidos; o certo é que tem de tomar posição expressa sobre aquilo que pretende.
    
    7. Não há muito mais a dizer sobre o assunto, a não ser louvarmo-nos na douta e acertada posição expressa na decisão recorrida e oportunamente sustentada pela Mma Juíza.
    
    Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva - artigo 12º, n.º 1 do CPC - nulla executio sine titulo.
    Trata-se de documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações.1
    Mais, como diz, A. Varela, o título exibido pelo exequente tem que constitui ou certificar a existência da obrigação, não bastando que preveja a constituição desta.2

8. Nem sequer se pode dizer que esta posição peca por excesso de rigor formal na medida em que tal pedido seria quase apodíctico, como que entraria pelos olhos dentro e daí a desnecessidade da sua concretização. Mas não assim. Se as obrigações se tivessem de ter por presumidas, imaginemos que se concedia que as rendas vincendas era devidas. Sendo lícito o pedido de juros legais moratórios relativos às rendas vencidas desde a data da citação e das vincendas desde o seu vencimento até, umas e outras, efectiva desocupação do locado, na medida em que esses juros representam a compensação pelo dano sofrido pelo senhorio com a ocupação do locado após o incumprimento e privação do valor das rendas em tempo oportuno,3 será que os juros também tinham de ser contabilizados? E porque não as indemnizações decorrentes da não entrega do locado?

A título exemplificativo, numa situação muito mais duvidosa, vista a acessoriedade da obrigação de juros em relação à obrigação principal, já se decidiu em termos de Jurisprudência Comparada4 que, sendo a sentença o título executivo que delimita o alcance e extensão da execução, não se referindo a sentença que serve de título executivo a juros, com base nela não podem ser arbitrados os juros indemnizatórios peticionados.

A parte tem de formular concretamente o que pede e só isso releva, ainda que o pedido formulado seja genérico e ainda não liquidado. A expressão utilizada de modo nenhum comporta o recorte pretendido.

Sem mais, falece toda a razão ao recorrente, pelo que o recurso não deixará de improceder.
IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente.
Macau, 14 de Março de 2013,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
    
1 -Manuel de Andrade, Noções Elementares de Proc. Civil, 1976, 58
2 . A. Varela, Man. Proc. Civil, 2ª ed., 1985, 79
3 - Ac. TRP, de 9/10/97, CJ Ano XXII, 1997, Tomo IV, 217
4 - Ac. STA, de 16/11/11, Proc. n.º 0132/11
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804/2012-S 1/13