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Processo n.º 78/2013
Recurso Civil
Recorrente: A
Recorridos: B e C
Data da conferência: 18 de Dezembro de 2013
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Artigo 625.º n.º 2 do Código de Processo Civil
- Impedimento do Juiz para intervir no julgamento do recurso
- Nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia
- Legitimidade para recorrer
- Substituição da providência decretada por caução adequada


SUMÁRIO

1. A violação do contraditório, por não cumprimento do disposto no art.º 625.º n.º 2 do Código de Processo Civil, constitui uma nulidade processual, que deve ser suscitada perante o juiz que praticou a nulidade e no prazo de 10 dias, a contar “do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”.
2. Nos termos do art.º 312.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, quando tenha conhecimento da verificação de alguma das causas de impedimento, deve o juiz declarar-se impedido. E no caso de não se declarar impedido, podem as partes requerer, até à sentença, a declaração do impedimento. Daí que o requerimento de impedimento de juiz, pelas partes, é sempre feito até à prolação da sentença.
3. Uma vez concluído pela ilegitimidade da recorrente para interpor recurso, não se admitindo o recurso, fica prejudicada a decisão sobre as restantes questões suscitadas no recurso.
4. Nos termos do art.º 585.º do Código de Processo Civil, a legitimidade para recorrer é conferida à pessoa que, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencida e ainda àquelas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.
5. A circunstância de ter prestado caução nos termos do n.º 3 do art.º 332.º do Código de Processo Civil, na pressuposição de que era parte na causa de procedimento cautelar, não transforma a recorrente em parte, nem determina que seja directamente prejudicada pela decisão de procedimento cautelar.

A Relatora,
Song Man Lei

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
B e C requereram, junto ao Tribunal Judicial de Base, procedimento cautelar comum contra D, E, A1, F e, bem assim, todas as entidades expositoras que participassem na exposição “G2E Asia”, organizada pela “Reed Exhibitions” em conjunto com a “American Gaming Association”, a realizar nos dias 22 a 24 de Maio de 2012, no Centro de Convenções e Exposições do The Venetian Macau – Resort –Hotel.
Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, em 15 de Maio de 2012, foi decidido que fossem as 1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª Requeridas impedidas e inibidas da prática de quaisquer actos em violação das Patentes I/150 e I/380 e, bem assim, dos direitos conferidos pelas mesmas aos Requerentes, até que a acção principal a interpor transite em julgado, nomeadamente fosse ordenada a proibição da exposição na referida “G2E Asia” de equipamento e material de jogo violador das Patentes I/150 e I/380.
Inconformada com a decisão, A1, redenominada A, interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu não admitir o recurso, por falta de legitimidade da recorrente.
Deste Acórdão vem agora A recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O Acórdão julgou procedente a arguição de ilegitimidade da Recorrente que havia sido alegada pela Recorrida na sua contra-alegação, sem audição da ora Recorrente;
2. A ora Recorrente não havia alegado o que quer que fosse quanto à sua própria legitimidade no âmbito da alegação que acompanhou o recurso para o Tribunal recorrida e tão pouco teve qualquer outra oportunidade processual para sobre tal questão se pronunciar após a prolação do despacho de admissão do recurso;
3. Se devesse valer a qualificação dada pelo acórdão a esta mesma questão como incidente – mas julga-se que tal qualificação seja errada – o direito de audição da ora Recorrente resultaria então, antes do que dispõe o n.º 2 do Artigo 625.º do Código de Processo Civil, do disposto no n.º 2 do Artigo 245.º do mesmo Código;
4. A violação do contraditório na circunstância constitui uma nulidade processual (Artigo 147.º n.º 1 do CPC) recoberta pelo acórdão que julgou procedente a contra-alegação de ilegitimidade, podendo por isso constituir objecto de recurso para, e de conhecimento por, esse Venerando Tribunal, nos termos do disposto no Artigo 639.º do Código de Processo Civil.
5. O Exmo. Senhor Dr. Juiz Relator estava, e está, legalmente impedido de intervir no julgamento do recurso, por força disposto na alínea e) do n.º 1 do Artigo 311.º do Código de Processo Civil;
6. O Exmo. Senhor Dr. Juiz relator reconhece expressamente no Acórdão recorrido o facto que dá causa ao impedimento, mas não o declarou;
7. O facto de que a ora Recorrente (i) não haja sido notificada para se pronunciar sobre a arguição de ilegitimidade, o facto de que (ii) não exista registo electrónico de distribuição junto do Tribunal de Segunda Instância e, bem assim, o facto de que (iii) a normal diligência da parte não justificasse qualquer intervenção ou consulta dos Autos desde que foram apresentadas as respectivas alegações de recurso, não permitiram que a Recorrente se tivesse apercebido em momento anterior ao da notificação do Acórdão recorrido, da ocorrência de impedimento do Exmo. Senhor Dr. Juiz Relator.
8. Razão por que a arguição e conhecimento da nulidade que da circunstância resulta nos termos gerais do Artigo 147.º n.º 1 in fine não deve achar-se subordinada pela limitação prevista no n.º 2 do Artigo 312.º, ambos do Código de Processo Civil.
9. O Acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia (Artigo 571.º n.º 1 alínea d) do CPC), por não ter conhecido dos factos, invocados no recurso, que dão causa à nulidade-inexistência da sentença originariamente proferida pelo Tribunal Judicial de Base, ou à extinção da lide por impossibilidade originária;
10. A decisão de dar provimento à contra-alegação de ilegitimidade não preclude nem dispensa o poder-dever de conhecimento dos factos-causa da nulidade-inexistência / factos-causa da extinção da instância. Nos parágrafos 14 a 16 da alegação explica-se porquê;
11. A nulidade por omissão de pronúncia determina, nos termo do disposto no n.º 1 do Artigo 650.º do Código de Processo Civil, a contrario senso, a remessa dos Autos ao Tribunal de Segunda Instância para reforma.
12. Os argumentos arrolados no Acórdão recorrido para justificar o juízo de ilegitimidade são, ou desprovidos de validade jurídica, ou irrelevantes para esse mesmo Juízo; outrossim, o mesmo Acórdão, antecipado pelo projecto do Juiz Relator impedido, imputa à alegação da Recorrente coisas que a mesmas não contém e coisas contrárias àquelas que contém (matéria que constitui objecto de alegação abreviada nos parágrafos 18 a 21 supra);
13. A qualificação de um interveniente processual como parte ou como terceiro processualmente legitimado constitui uma questão de direito, não uma questão de facto, sendo, como tal, insusceptível de confissão.
14. Se o Tribunal qualificar o estatuto da Recorrente nos Autos como de parte principal, a respectiva legitimidade conforma-se directamente pelo que estatui o n.º 1 do Artigo 585.º do Código de Processo Civil, não podendo valer qualquer limitação ao âmbito da sua alegação quanto às causas de nulidade, ineficácia ou justificada revogação da decisão que decretou a providência entretanto substituída por caução;
15. Se, diferentemente, o Tribunal qualificar o Estatuto da Recorrente como parte não principal ou como terceiro, mantêm-se intacto o respectivo direito de invocar as causas de nulidade, de ineficácia ou os fundamentos de revogação por demérito da providência decretada e entretanto substituída por caução por si prestada. Porque, em síntese:
16. As nulidades-inexistência / causa e extinção da instância são de conhecimento oficioso e não existe disposição legal que limite a sua invocação a quem seja parte principal; e, e sobretudo
17. A relação de prejudicialidade intrínseca que intercorre entre a decisão que decreta a providência e a decisão que, admitindo-a, ordena a sua substituição por caução, traduz-se em que a validade, o conteúdo e os efeitos da relação instituída pela prestação de caução (relação condiciona ou pressuposta) sejam directamente modelados pela validade, o conteúdo e os efeitos instituídos pela decretação originária da providência (relação condicionante ou pressuposta);
18. O conhecimento das causas de nulidade da providência, ou de causa de extinção da mesma por impossibilidade originária, não podem estar reservadas à parte contra a qual a providência foi decretada – muito menos quando esta não exista –, tendo essa legitimidade que ser reconhecida também a todos aqueles que, por força da relação acessória (de caução), vêem o destino desta directa e imediatamente modelado pelas vicissitudes da relação (condicionante) que a decretação da providência cautelar havia instituído.

Contra-alegaram B e C, formulando as seguintes conclusões:
1. A Recorrente teve, de facto, oportunidade de se pronunciar e pronunciou-se, por diversas vezes, sobre a questão da sua (i) legitimidade, quer na Reclamação para o Presidente do Tribunal de Segunda Instância, quer nas Alegações do Recurso interposto para o Tribunal de Segunda Instância.
2. Pelo que o contraditório por parte da Recorrente foi assegurado, por mais do que uma vez, nos termos do n.º 2, in fine, do artigo 625.º do CPC, a contrario.
3. Sendo a própria Recorrente quem alega ser parte ilegítima, por não ser “parte principal nos presentes Autos, porque a providência não foi contra ela requerida”, a mesma não pode, assim, recorrer da decisão de mérito, uma vez que o caso julgado que com ela se formou apenas produz efeitos inter partes.
4. O Meritíssimo Juiz-Relator a quo determinou a sua submissão sem vistos à conferência, parecendo por demais evidente que, ao abrigo do princípio da economia processual em geral e do princípio da limitação dos actos em particular, se mostrava manifestamente desnecessário ouvir, uma vez mais, a Recorrente sobre a questão da sua (i) legitimidade.
5. Não houve qualquer preterição do estatuído no artigo 625.º do CPC, não enfermando, em consequência, o Acórdão recorrido de qualquer nulidade.
6. A Recorrente faz uma interpretação ad absurdum da alínea e) do n.º 1 do artigo 311.º do CPC quando arguiu a nulidade do Acórdão recorrido com base num alegado impedimento do Juiz-Relator.
7. O alegado pela Recorrente não configura uma situação de impedimento processual tal como descrita na alínea e) do n.º 1 do artigo 311.º do CPC, porquanto, esta disposição destina-se, exclusivamente, a impedir que um mesmo Juiz possa pronunciar-se, em sede de recurso, se já se tiver pronunciado, em instância inferior, tendo proferido a decisão recorrida ou tomado posição sobre questões suscitadas no recurso.
8. Como o Acórdão recorrido bem afirma na página 31, “em sede da admissão ou não do recurso, o Juiz só limita a apreciar os pressupostos formais de recurso, tais como a recorribilidade da decisão tendo em conta a sua natureza ou os valores da causa e da sucumbência, a tempestividade do recurso, as condições necessárias que o recorrente possui para recorrer, nomeadamente a legitimidade para recorrer”, pelo que carece absolutamente de sentido o argumento de que o Meritíssimo Juiz-Relator, Presidente do Tribunal de Segunda Instância, já se tinha pronunciado sobre a questão da (i) legitimidade da Recorrente em sede de Reclamação e que, por mor disso, estaria impedido de tomar posição sobre a mesma matéria.
9. Não existe, pois, qualquer situação de impedimento nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 311.º do CPC, não enfermando, em consequência, o Acórdão recorrido de qualquer nulidade.
10. A Recorrente apenas poderia requerer a declaração do impedimento até à prolação do Acórdão recorrido, tal como preceitua o n.º 2 do artigo 312.º do CPC, pelo que a arguição da nulidade do Acórdão recorrido com base neste impedimento é manifestamente extemporânea.
11. A tese da Recorrente não colhe quando alega que “Não deve valer a limitação temporal prevista no n.º 2 do Artigo 312.º do Código de Processo Civil” dado que (i) não foi “notificada para se pronunciar sobre a arguição de ilegitimidade”, (ii) não existir “registo electrónico de distribuição junto do Tribunal de Segunda Instancia” e, (iii) “a normal diligência da parte não justificasse qualquer intervenção ou consulta dos Autos desde que foram apresentadas as respectivas alegações de recurso”, o que não “permitiram que a Recorrente se tivesse apercebido [do alegado impedimento] em momento anterior ao da notificação do Acórdão recorrido”, porquanto constitui obrigação dos Mandatários das partes em pleito consultarem, de quando em quando, os autos dos processos em que intervêm.
12. A Recorrente foi notificada do despacho de fls. 652 do apenso “A” do Processo CV1-12-0041-CAO, que ordenou a remessa do Apenso “D” deste mesmo processo ao Venerando Tribunal de Segunda Instância, em 31/05/2013, pelo que sabia – ou tinha obrigação de saber – que, após a remessa ao Tribunal de Segunda Instância, os autos seriam distribuídos.
13. A partir de 31/05/2013 recaía sobre a Recorrente a obrigação de consultar os autos sob pena de ver sanada qualquer nulidade relativa ao eventual – e in casu inexistente – impedimento que alega.
14. No caso em apreço, após a distribuição, foi aberta conclusão ao Meritíssimo Juiz-Relator em 17 de Junho de 2013 e só volvido um mês, em 16 de Julho de 2013, foi feita a inscrição na tabela, agendando-se a sessão para o dia 18 de Julho de 2013, pelo que, independentemente da distribuição dos autos ter ocorrido no dia 6 ou no dia 13 de Junho de 2013 (dado que a distribuição no Tribunal de Segunda Instância é feita, como a Recorrente deve saber, à quinta-feira) a alegada nulidade, a ter existido – no que não se concede – encontra-se sanada, pelo menos, desde a prolação do Acórdão recorrido.
15. É completamente falsa a alegação da Recorrente de que “a entidade contra a qual a providência foi decretada pelo Tribunal Judicial de Base não existe” da mesma forma que é completamente falsa a alegação de que “tal alegação de facto não foi contrariada pela ora Recorrida” ou que “em momento algum dos Autos” os Recorridos ofereceram qualquer prova da existência da sociedade “A1”, uma das Requeridas nos Autos da Providência Cautelar.
16. Basta compulsar os Autos da Providência Cautelar, ainda que brevemente, e ler as contra-alegações de recurso apresentadas pelos Recorridos, para concluir exactamente o contrário daquilo que, sobre esta matéria, foi alegado, com manifesta má-fé, pela Recorrente.
17. Por outro lado, e mais relevante, uma entidade que não existe não pode receber citações! Ora, a entidade que a Recorrente alega não existir, não só existe como até recebe citações.
18. A Recorrente alega a inexistência da sociedade “A1”, com sede na Austrália, em [Endereço(1)] (que, curiosamente, é também o domicílio declarado pelo seu (único) administrador, quer no registo comercial quer na procuração junta aos Autos da Providência Cautelar) e aproveita-se do prazo de uma entidade inexistente para requerer a interposição de recurso.
19. A Recorrente utilizou – certamente na “convicção” de que podia e convicta da existência da sociedade que ora alega não existir – o prazo para interposição de recurso da sociedade “A1” e, como se tal não bastasse, ainda se aproveitou da prorrogativa conferida pelo n.º 4 do artigo 95.º do CPC à entidade que alega ser inexistente.
20. O Tribunal a quo não conheceu, nem tinha que conhecer, ao contrário do que alega a Recorrente, da questão da existência / inexistência da sociedade “A1”, com sede na Austrália, em [Endereço(1)], porquanto a Recorrente não tem legitimidade para recorrer da decisão de mérito por não ser, como alega, “parte principal nos presentes Autos, porque a providência não foi contra ela requerida”, acompanhando-se o Acórdão recorrido também nesta parte.
21. Ao contrário do que alega a Recorrente, o conhecimento da nulidade invocada não é dever ex officio do Tribunal, de nada lhe valendo referir o artigo 148.º do CPC, visto que a questão em apreço não cabe em nenhuma das suas previsões.
22. Não sendo do conhecimento oficioso, a omissão de pronúncia sobre a alegada nulidade / inexistência não constitui fundamento de nulidade da sentença nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC.
23. Além de não existir qualquer nulidade-inexistência / impossibilidade originária como alega a Recorrente, não tem a mesma legitimidade para recorrer e, dessa forma, arguir tal nulidade, pelo que o não conhecimento da questão pelo Tribunal a quo não consubstancia qualquer omissão de pronúncia nos termos e para os efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º, conjugado com o n.º 2, in fine, do artigo 563.º, ambos do CPC.
24. Razão pela qual deve ser julgado totalmente improcedente, também nesta parte, o presente recurso.
25. A Recorrente prestou, voluntariamente e em nome da sociedade “A1”, caução em substituição da providência decretada, não tendo sido directa ou efectivamente prejudicada pela decisão tomada nos Autos da Providência Cautelar, uma vez que não foi contra ela decretada qualquer providência.
26. A Recorrente nunca alegou que ficou prejudicada de forma conveniente, acompanhando-se o Acórdão recorrido quando, na página 34, refere que a Recorrente “pede a restituição da caução por ela prestada apenas com fundamento, por arrastamento, na pretendida anulação da audiência de julgamento por preterição de tribunal colectivo”.
27. ln casu, a legitimidade ad recursum está reservada, nos termos do artigo 585.º do CPC, apenas e tão-só às entidades contra as quais a providência requerida foi decretada (e a Recorrente não é nenhuma dessas entidades).
28. Mesmo que assim não se entendesse, no que não se concede, o requerimento de interposição de recurso apresentado pela Recorrente é manifestamente extemporâneo.
29. A Recorrente, apesar de totalmente estranha à lide, prestou, voluntariamente e em nome da sociedade “A1”, a caução em substituição da providência decretada, tendo, pelo menos desde 22/05/2012, conhecimento da decisão que decretou a providência cautelar.
30. Não obstante, para requerer a interposição do recurso, a Recorrente aproveitou-se do prazo da sociedade “A1”, 3.ª Requerida nos Autos da Providência Cautelar, entidade que alega não existir.
31. Como bem refere o Acórdão recorrido, “( ... ) tal decisão tomada em sede de reclamação, necessária precária e nunca vinculativa ao Tribunal ad quem, que reconheceu à ora recorrente a legitimidade para recorrer já não é de manter, tendo em conta a matéria de facto assente, o alegado pela própria recorrente e a veste de que este agiu na interposição do recurso. ( ... )”.
32. É evidente que o Tribunal de Segunda Instância, agora face a um recurso motivado, e não a uma simples reclamação, tenha tido que aferir novamente da (i) legitimidade da Recorrente.
33. E tendo concluído, e bem, pela ilegitimidade da Recorrente no presente recurso, com fundamento nas alegações por si apresentadas, tal facto obsta ao conhecimento sobre a decisão tomada nos autos de providência cautelar. Pelo que não só é válido como é também relevante o juízo sobre a (i) legitimidade da Recorrente expresso no Acórdão recorrido, o qual deve ser mantido in totum.

Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos Provados
O Tribunal de Segunda Instância deu como assente a seguinte matéria de facto com relevância para a decisão da questão da (i) legitimidade da recorrente:
- B e C vieram requerer contra, nomeadamente D, com sede na Eslovénia, E, com sede na Coreia do Sul, A1, com sede na Austrália e F, com sede na Austrália que fossem as requeridas e todas as entidades expositores que participassem na exposição G2E Asia, organizada pela Reed Exhibitions em conjunto com a American Gaming Association, que tinha lugar nos dias 22 a 24MAIO2012 no Centro de Convenções e Exposições The Venetian Macau, impedidas e inibidas da prática de quaisquer actos em violação das Patentes I/150 E I/380 e bem assim, dos direitos conferidos pelas mesmas aos requerentes, até que a acção principal a interpor transitasse em julgado, nomeadamente fosse ordenada a proibição da exposição na referida G2E Asia de equipamento e material de jogo violador das Patentes I/150 e I/380;
- Por despacho proferida pela Exmª Juiz a quo nos autos de procedimento cautelar, foi decidido, entre outros, que fossem as requeridas D, com sede na Eslovénia, E, com sede na Coreia do Sul, A1, com sede na Austrália e F, com sede na Austrália, que participassem na exposição G2E Asia, organizada pela Reed Exhibitions em conjunto com a American Gaming Association, que tinha lugar nos dias 22 a 24MAIO2012 no Centro de Convenções e Exposições The Venetian Macau, impedidas e inibidas da prática de quaisquer actos em violação das Patentes I/150 E I/380 e bem assim, dos direitos conferidos pelas mesmas aos requerentes, até que a acção principal a interpor transitasse em julgado, nomeadamente fosse ordenada a proibição da exposição na referida G2E Asia de equipamento e material de jogo violador das Patentes I/150 e I/380;
- A sociedade A1, com sede em Macau, na [Endereço(2)], alegando ser a terceira requerida no procedimento cautelar, veio, mediante o requerimento datado de 22MAIO2012, requerer ao Tribunal a quo a substituição da providência cautelar decretada pela prestação da caução no valor correspondente ao valor da providência cautelar, ou seja, MOP$1.000.001,00, nos termos permitidos no art.º 332.º /3 do CPC;
- Notificados os requerentes B e C vieram suscitar a ilegitimidade da A1 com sede em Macau por esta ser uma sociedade diversa da terceira requerida contra a qual foi decretada a providência cautelar;
- E dizer não obstante que se não opunham à prestação da caução no montante de MOP$1.000.001,00 por essa sociedade com sede em Macau;
- Por despacho da Exmª Juiz a quo proferida em 23MAIO2012, foi determinado que “notifique a 3ª Requerida para pagar caução requerida (MOP$1.000.001,00) de imediato”;
- Prestada pela A1 com sede em Macau e julgada validamente prestada a caução, foi determinada pela Exmª Juiz a quo a substituição da providência quanto à parte relativa à 3ª requerida;
- Não se conformando com a decisão que decretou a providência, veio a sociedade A1, com sede em Macau, interpor recurso dela para esta segunda instância;
- Recurso esse que não foi admitido com fundamento na falta de legitimidade da A1 para recorrer, por o Tribunal a quo entender ser sociedade diversa daquela contra quem foi decretada a providência cautelar;
- E porque não lhe foi admitido o recurso, veio formular a reclamação para o presidente do Tribunal de Segunda Instância nos termos permitidos nos art.º s 595.º e s.s. do CPC;
- Por decisão proferida pelo presidente do Tribunal de Segunda Instância, ora relator por mera coincidência, foi ordenado que fosse admitido o recurso interposto pela A1, sociedade comercial com sede em Macau e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º XXXXX (SO), por requerimento datado de 19JUL2012, a fls. 591 dos autos de procedimento cautelar n.º CV1-12-0041-CAO-A;
- Baixados os autos à primeira instância onde foi lavrado o despacho de admissão do recurso; e
- A recorrente A1, foi posteriormente redenominada A.

3. Direito
No recurso foram suscitadas as seguintes questões:
- Falta de cumprimento do disposto no art.º 625.º n.º 2 do Código de Processo Civil, por o Juiz Relator do Tribunal de Segunda Instância não ter ouvido a recorrente sobre a questão da sua falta de legitimidade, suscitada pelos recorridos nas contra-alegações;
- Impedimento do Juiz Relator para intervir no julgamento do recurso;
- Nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre um facto invocado pela recorrente na alegação de recurso, provado por documento, de que a entidade contra quem foi decretada a providência não existe; e
- Legitimidade da recorrente para o recurso, que é a questão de fundo do presente recurso.

3.1. Falta de cumprimento do disposto no art.º 625.º n.º 2 do Código de Processo Civil
Entende a recorrente que o Juiz Relator do Tribunal de Segunda Instância não cumpriu o estatuído no n.º 2 do art.º 625.º, incorrendo na violação do contraditório, por não ter ouvido a recorrente sobre a questão da sua falta de legitimidade, suscitada pelos recorridos nas contra-alegações.
Ora, é verdade que, segundo a referida norma, no caso de o recorrido suscitar questão que obste ao conhecimento do recurso, o Juiz relator do processo deve ouvir o recorrente que não tenha tido oportunidade de responder.
A violação do contraditório, por não cumprimento do disposto no art.º 625.º n.º 2 do Código de Processo Civil, constitui uma nulidade de natureza processual, prevista no art.º 147.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
E na falta de disposição especial, as nulidades processuais são suscitadas no prazo de 10 dias (art.º 103.º n.º 1 do Código de Processo Civil), prazo este para a arguição que se conta “do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência” (art.º 151.º n.º 1 do Código de Processo Civil).
A arguição de nulidade processual é feita perante o juiz que praticou a nulidade (artigo 152.º do Código de Processo Civil), ao contrário da nulidade das decisões, que são deduzidas em recurso, se a decisão for recorrível (artigo 571.º n.º 3 do Código de Processo Civil).
Assim, deveria a ora recorrente ter arguido a nulidade processual no prazo de 10 dias, a contar da notificação do Acórdão recorrido (acto este realizado por carta registada em 19 de Julho de 2013) perante o Juiz Relator do processo.
Não o tendo feito, não é de conhecer da questão.

3.2. Impedimento do Juiz Relator para intervir no julgamento do recurso
Na óptica da recorrente, tendo tomado decisão, na qualidade do Presidente do Tribunal de Segunda Instância, sobre a reclamação apresentada contra o despacho de não admissão do recurso por si interposto, o Juiz Relator do processo estava processualmente impedido de intervir no julgamento do recurso, devendo declarar-se impedido nos termos da al. e) do n.º 1 do art.º 311.º do Código de Processo Civil.
Ora, nos termos do art.º 312.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, quando tenha conhecimento da verificação de alguma das causas de impedimento, deve o juiz declarar-se impedido. E no caso de não se declarar impedido, “podem as partes, até à sentença, requerer a declaração do impedimento”.
Daí que o requerimento de impedimento de juiz, pelas partes, é sempre feito até à sentença. É uma regra que não tem excepções.
No caso vertente, a questão de impedimento foi suscitada apenas em recurso do Acórdão em que interveio o juiz alegadamente impedido.
Logo, é intempestiva a arguição da questão.
Ainda que assim não fosse, nem se diga que só a partir da sentença é que a recorrente sabia que o juiz intervinha.
As partes do recurso foram notificadas do despacho que ordenou a remessa dos autos ao TSI, por carta registada em 31 de Maio de 2013 (fls.722 e 723 dos autos).
O recurso foi distribuído ao Juiz Relator do Tribunal de Segunda Instância, a 13 de Junho de 2013 e o Acórdão foi proferido a 18 de Julho de 2013.
As partes tiveram tempo suficiente para se informarem a que relator tinha sido distribuído o recurso, se tivessem agido com a normal diligência, até porque sabiam que a lei só permite a arguição de impedimento de juiz até ser proferida a decisão.
Improcede assim a questão suscitada.

3.3. Nulidade do Acórdão recorrido
Imputa a recorrente a nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia sobre um facto por si invocado na alegação de recurso, provado por documento: o de que a entidade contra quem foi decretada a providência não existe.
Alega ainda que o conhecimento desse facto não fica prejudicado pela decisão proferida quanto à legitimidade da recorrente.
É evidente sem razão da recorrente.
De facto, constata-se nos autos que a recorrente alegou no artigo 18. b) da alegação de recurso apresentada para o Tribunal de Segunda Instância que a entidade que figura como 3.ª Requerida não existe e que o Acórdão recorrido não considerou o facto como provado nem como não provado e que teria de conhecer da questão, visto que tal circunstância ou é causa de nulidade/inexistência da providência decretada ou é causa de extinção da instância por impossibilidade originária, sendo que o respectivo conhecimento corre como dever de ofício do Tribunal nos termos do art.º 148.º do Código de Processo Civil.
Só que o TSI não conheceu do mérito do recurso para si interposto, porque entendeu que faltava à recorrente legitimidade para interpor recurso, que é um pressuposto processual específico dos recursos.
Ora, desde que a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões que obstam ao conhecimento de mérito, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica (art.º 563.º n.º 1 do Código de Processo Civil), nada obstava a que conhecesse, em primeiro lugar, da falta de legitimidade da recorrente e só posteriormente da questão agora mencionada pela recorrente.
E desde que aquela questão procedeu (falta de legitimidade activa para o recurso), não conheceu do recurso, com o que ficaram prejudicadas as outras questões que, porventura, obstassem igualmente ao conhecimento do mérito do recurso (artigo 563.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
Por outras palavras, a apreciação das questões suscitadas no recurso interposto pela recorrente pressupõe o conhecimento do recurso. E uma vez concluído pela ilegitimidade da recorrente para interpor recurso, fica prejudicada a decisão sobre as restantes questões suscitadas no recurso.
Se o recurso não for admitido, como no nosso caso concreto, naturalmente não é de conhecer as questões suscitadas pelas partes, nem oficiosamente.
Não se verifica a nulidade invocada pela recorrente.

3.4. Questão de fundo do presente recurso: a legitimidade da recorrente para o recurso
Nos termos do art.º 585.º do Código de Processo Civil, a legitimidade para recorrer é conferida à pessoa que, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencida e ainda àquelas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.
No caso vertente, resulta dos autos que a recorrente não é parte principal no processo de procedimento cautelar, cujas partes estão identificadas na respectiva petição (cfr. certidão de fls. 72 e seguintes dos autos). E a providência cautelar não foi decretada contra ela.
Será uma parte não principal mas directa e efectivamente prejudicada pela decisão que decretou a providência cautelar?
Afigura-se-nos que a resposta há de ser negativa.
Ora, constata-se nos autos que, intitulando-se 3.ª requerida, a ora recorrente requereu a prestação de caução nos termos do art.º 332.º n.º 3 do Código de Processo Civil (cfr. requerimento de fls.102 dos autos), que foi deferido. E veio depois explicar na reclamação do despacho de não admissão do recurso que interpôs (fls. 160 dos autos) que agiu na convicção de que era a entidade contra a qual havia sido decretada a providência, pensando ser a 3.ª Requerida (cfr. artigo 5.º da reclamação, a fls. 163 dos autos).
A substituição da providência decretada, por caução adequada, só pode ser pedida pelo requerido, pela parte principal, como resulta da letra do preceito (art.º 332.º n.º 3 do Código de Processo Civil), mas também da sua ratio, pois só o afectado pela providência tem interesse na mencionada substituição. E só as partes principais podem ser directamente afectadas por uma providência cautelar.
Ora, a decisão que decretou a providência (fls. 95 dos autos) determinou que as Requeridas fossem impedidas e inibidas da prática de quaisquer actos em violação das Patentes I/150 e I/380 e, bem assim, dos direitos conferidos pelas mesmas aos Requerentes, nomeadamente fosse ordenada a proibição da exposição de equipamento e material de jogo violador das Patentes I/150 e I/380, na exposição a ter lugar de 22 a 24 de Maio de 2012 no Centro de Convenções e Exposições do The Venetian Macau – Resort – Hotel.
Logo, a ora recorrente, além de não ser parte, não é directamente afectada pela decisão, uma vez que a providência não foi decretada contra ela.
A circunstância de ter prestado caução, na pressuposição de que era parte, não a transforma em parte, nem determina que seja directamente prejudicada pela decisão de procedimento cautelar.
Sem intenção de ignorar a caução prestada pela recorrente, destinada à substituição da providência já decretada, e mesmo admitindo a relação intrínseca existente entre os dois institutos, certo é que não se pode aceitar que a recorrente fica directamente prejudicada pela decisão que decretou a providência cautelar, sendo que o prejuízo eventualmente sofrido resulta directamente da decisão que deferiu o requerimento de prestação de caução.
Assim sendo, a recorrente não tem legitimidade para interpor recurso da decisão que decretou a providência, nos termos do art.º 585.º do Código de Processo Civil.
E não tem razão a tese da recorrente que não existe disposição legal que limite a invocação de causas de extinção da instância a quem seja parte principal. Só as partes principais podem praticar actos processuais. Os terceiros não têm nenhuma legitimidade para se pronunciarem sobre nulidades processuais e para arguirem quaisquer vícios do processo. Decorre isso das disposições atinentes à legitimidade processual para a causa e para os recursos, ao princípio dispositivo, ao princípio do pedido e da iniciativa das partes, das normas que regulam o conhecimento das nulidades processuais (art.º 148.º do Código de Processo Civil), nulidades de decisões (art.º 571.º do Código de Processo Civil), E por outro lado, a lei prevê que só o Ministério Público, quando não é parte na causa, possa excepcionalmente praticar certos actos processuais, em defesa da legalidade e do interesse público (art.º 56.º n.º 2, al. 12) da Lei de Bases da Organização Judiciária).
Por fim, ao contrário do que alega a recorrente, a 3.ª requerida existe e tem sede na Austrália (cfr. despacho a fls. 161). Um lapso menor na indicação da sua designação não transforma 3.ª requerida em não parte.
Quanto à caução e seu destino, a sua discussão não está em causa no presente recurso, pelo que é irrelevante invocar que a prestação da caução tenha prejudicado a recorrente. Essa circunstância pode fundamentar a sua legitimidade para discutir a caução e seu destino, mas não a decisão que decretou a providência cautelar.
É de julgar improcedente o recurso.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

                Macau, 18 de Dezembro de 2013
                
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima



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Processo n.º 78/2013