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Processo n.º 81/2012
Recurso Civil
Recorrente: A aliás A1 aliás A2
Recorrida: B aliás B1
Data da conferência: 22 de Janeiro de 2014
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Erro-vício
- Erro essencial
- Erro cognoscível
- Erro não objectivamente essencial

SUMÁRIO
1. Nos termos do art.º 240.º do Código Civil, a declaração negocial é anulável por erro essencial do declarante, desde que o erro fosse cognoscível pelo declaratário ou tenha sido causado por informações prestadas por este.
2. O erro é essencial quando tenha recaído sobre os motivos determinantes da vontade do errante, de tal modo que este, caso tivesse tido conhecimento da verdade, não teria celebrado o negócio ou, a celebrá-lo, só o teria feito em termos substancialmente distintos e uma pessoa razoável colocada na posição do errante, caso tivesse tido conhecimento da verdade, não teria celebrado o negócio ou, a celebrá-lo, só o teria feito em termos substancialmente distintos.
4. O erro considera-se cognoscível quando, face ao conteúdo e circunstâncias do negócio e à situação das partes, uma pessoa de normal diligência colocada na posição do declaratário se podia ter apercebido dele.
5. E é também causa de anulação do negócio o erro não objectivamente essencial previsto no art.º 241.º do Código Civil, desde que as partes hajam reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo ou, verificando-se os demais pressupostos constantes do art.º 240.º, o declaratário conhecia ou não devia ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
B, aliás B1 intentou, junto do Tribunal Judicial de Base, uma acção declarativa de condenação com processo ordinário contra A, aliás A2, C, D e E, pedindo que fosse anulado o negócio de compra e venda das acções representativas do capital da 4.ª Ré, com os números 17.527 a 17.536, celebrado entre a Autora e a 2.ª Ré bem como a 4.ª Ré condenada a abster-se de proceder ao registo da transmissão de qualquer dessas acções até ao trânsito em julgado da sentença e a proceder ao registo das mesmas acções, em nome da Autora, no livro de registo de Acções da Sociedade.
Por despacho saneador proferido em 13/01/2009 pelo Exmo. Juiz do Tribunal Judicial de Base, a 2.ª Ré C e a 3.ª Ré D foram julgadas como partes ilegítimas e consequentemente absolvidas da instância.
Inconformada com esta decisão, recorreu a Autora B, aliás B1 para o Tribunal de Segunda Instância.
E por sentença proferida em 21/12/2010, o Tribunal Judicial de Base julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu a 1.ª Ré A, aliás A2 e a 4.ª Ré E dos pedidos formulados pela Autora.
Dessa decisão recorreu também a Autora B, aliás B1 para o Tribunal de Segunda Instância.
Por Acórdão proferido em 24/05/2012, o Tribunal de Segunda Instância decidiu julgar improcedente o recurso intercalar e parcialmente procedente o recurso final e revogar a sentença recorrida, declarando anulado o negócio de compra e venda das acções em causa celebrado entre a Autora e a 1.ª Ré, por erro-vício essencial, condenando a 1.ª Ré a restituir as mesmas acções à Autora, contra a devolução integral por esta do valor do preço recebido e absolvendo a 4.ª Ré dos pedidos.

Deste Acórdão vem agora a 1.ª Ré A aliás A1 aliás A2 recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando as alegações com a formulação das seguintes conclusões:
I - O erro alegado pela ora Recorrida não é essencial, posto que não se verifica o requisito exigido na al. b) do nº 2 do artigo 240º do Código Civil (CC), i.é, que o alegado erro seja objectivamente essencial.
II - Com efeito, entendeu tout court o Distinto Tribunal a quo, que, segundo as regras da experiência comum, não seria razoável que alguém celebrasse um negócio de compra e venda de 10 acções (do capital social da “E”), pelo preço de dez milhões de patacas, correndo o risco de perder uma compra e venda de 200 acções (da mesma sociedade), por 200 milhões de patacas.
III - Todavia, o que resulta de forma clara dos factos provados é, exactamente, que antes de anuir na venda de 10 daquelas 200 acções à ora Recorrente, a ora Recorrida certificou-se primeiramente de que o negócio atinente à compra e venda das restantes 190 acções se manteria, sem quaisquer alterações das condições inicialmente acordadas para a primitiva compra e venda de 200 acções, designadamente, quanto ao seu preço.
IV - Na verdade, resulta dos factos provados que quando soube da intenção por parte da Recorrente em adquirir aquelas 10 acções, a Recorrida, primeiro, “discutiu com as Senhoras F e G a subsistência, ou não do negócio” (Al. E) dos factos assentes).
V - E que só depois de estas duas Senhoras confirmarem a manutenção daquele negócio independentemente da referida compra e venda de 10 acções – passando a primeira a adquirir 90 acções e a segunda a adquirir 100 acções pelo mesmo preço anteriormente acordado entre as três – é que a Recorrida celebrou, então, o tal negócio com a ora Recorrente, de compra e venda de 10 acções (vd. Alíneas F), G), H), M) e S) dos factos assentes).
VI - Consequentemente, se o risco que ditou a convicção do Tribunal de Segunda Instância (TSI), levando-o a decidir pela existência deste requisito, já estava totalmente eliminado ao tempo da celebração do negócio a anular, afigura-se que não poderia o douto acordão recorrido concluir que, de acordo com as regras da experiência comum, uma pessoa razoável não correria um tal risco.
VII - Tudo somado, a Recorrida vendeu na mesma 200 acções pelo preço que inicialmente pedia, só que, em vez de vender 100 a F, vendeu-lhe 90, vendendo 100 a G e 10 à Recorrente.
VIII - E apenas celebrou esta última compra e venda depois de, como resulta provado, ter tido a certeza absoluta de que tal não afectaria a venda das restantes 190 acções, nas condições que sempre pretendeu.
IX - Uma pessoa razoável colocada no lugar da Recorrida nada teria, pois, a perder e a opor a este negócio, pelo que, salvo o devido respeito, a douta decisão recorrida incorre em erro de julgamento ao assim não entender, acabando por violar a al. b) do nº 2 do artigo 240º do CC.
X - Ressalvada melhor opinião, também se não verifica a situação prevista na al. b) do artigo 241º do CC, nem, desde logo, o requisito da cognoscibilidade do erro por parte da Recorrente, previsto nos nºs. 1 e 3 do artigo 240º do mesmo Código.
XI - No que diz respeito a este último requisito, o douto acórdão recorrido conclui pela sua verificação, única e simplesmente porque no contrato de compra e venda impugnado, se refere que o respectivo negócio deriva do exercício de um direito de preferência de que a Recorrente seria titular.
XII - Ora, este facto não é susceptível de provar que a Recorrente sabia ou devia saber que a Recorrida não celebraria o negócio em caso de inexistência de preferência.
XIII - São três realidades perfeitamente distintas:
- Uma, é que a Recorrente adquiriu, por contrato escrito, 10 acções à Recorrida, constando do respectivo contrato a menção de que tal aquisição era efectuada ao abrigo de um direito de preferência;
- Outra, é que a Recorrente sabia que a Recorrida não teria celebrado tal negócio em caso de inexistência da preferência;
- E outra, é que uma pessoa de normal diligência se aperceberia deste facto, ou, por outras palavras, que a Recorrente se devia ter apercebido do erro.
XIV - Concluir pela segunda e terceira realidades através da primeira, significa uma extrapolação de factos, não tutelada pela lei.
XV - Efectivamente, dos textos dos factos que resultaram provados, ressalta de imediato a completa ausência de qualquer referência ao conhecimento por parte da Sra. A2 desta convicção interna da ora Recorrida.
XVI - A este respeito, note-se que para justificar a verificação deste requisito, a Recorrida apenas invocou uma pseudo-existência de más relações entre si e a ora Recorrente, a qual não resultou provada em nenhuma das instâncias.
XVII - Pelo que, consequentemente, salvo o devido respeito, estamos face a mais um erro de julgamento por parte do Distinto Tribunal a quo, que acaba por se traduzir na violação do nº 1 e do nº 3 do artigo 240º do CC, bem como, da al. b) do seu artigo 241º.
XVIII - Finalmente, alegou a Recorrida que ambas as partes reconheceram a existência do erro, o que nos conduz ao disposto na al. a) do nº 1, do artigo 241º do CC, nos termos da qual, “Se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo”, o erro continua a ser causa de anulação do negócio, independentemente de não preencher as condições da al. b) do nº 2 do artigo 240º do CC.
XIX - Como diz Vaz Serra, o “acordo” é constituído por dois reconhecimentos, que são declarações de ciência e não de vontade, mas sem natureza negocial (RLJ, 104º-366).
XX - Ora, analisando a fundamentação do douto acórdão recorrido, verifica-se que a decisão ali subscrita, no sentido de que a Recorrente e a Recorrida acordaram na essencialidade do motivo do negócio, assenta exclusivamente no mesmo raciocínio de que se serviu para decidir pela verificação do requisito da cognoscibilidade do declaratário, a que acaba de se fazer referência.
XXI - Desde logo, parece-nos que também aqui ocorre urna extrapolação de factos, que vai bem mais além da simples análise crítica da prova e que, como tal, está vedada ao julgador.
XXII - É que, uma realidade é a simples assinatura do referido contrato e outra, completamente distinta, é o reconhecimento da essencialidade do motivo por parte da Recorrente.
XXIII - E, como diz Castro Mendes, a simples aceitação do negócio não vale como reconhecimento (Teoria Geral, 1979, Vol. III - 207) .
XXIV - Aliás, resulta, inequivocamente, dos factos provados e demais prova constante dos autos, que o negócio foi celebrado mercê de uma mediação activa e contínua da E, informando as partes, aconselhando e acompanhando a Recorrida através de reuniões entre esta e os Secretário e Vice-Secretário da E, durante todas as negociações preliminares e até à concretização do negócio, com a assinatura do contrato acima referido.
XXV - E na carta em que a Sra. B1 formula a sua proposta de venda junta pela ora Recorrente como doc. 1 da contestação, em nenhuma lugar se faz referência a um direito de preferência.
XXVI - Assim, como o refere de forma taxativa a douta sentença de 1ª Instância face ao mesmo contrato de que se socorre o douto acórdão recorrido, não ficou demonstrado que as partes reconheceram a essencialidade do que quer que seja, nem do mesmo consta qualquer manifestação dessa vontade ainda que indirecta.
XXVII - Assim, reiterando o que supra se refere com apelo às palavras do Ac. RL, de 10/11/94 (in, CJ 1994, 5º 92), “se um facto concreto, submetido a julgamento, for dado como não provado, não é admissível, posteriormente, considerá-lo como provado, com base em meras presunções, ou na extrapolação de factos”.
XXVIII - Por outro lado, o recurso do julgador a esta figura (“reconhecimento por acordo”) deve ter lugar apenas em casos restritos e absolutamente nítidos, uma vez que a sua configuração pelo legislador visa tutelar a segurança e fluência das transacções e os interesses gerais do comércio, prevenindo o enorme acréscimo de litígios com a consequente instabilidade dos negócios, se assim não fosse (Mota Pinto, ob. cit. pág. 514); o que não sucede no caso vertente.
XXIX - Pelo que, salvo o devido respeito, que é muito, pelo Distinto Tribunal a quo, afigura-se ocorrer novo erro de julgamento na decisão recorrida ao concluir, com base apenas na assinatura do contrato supra referido, pelo acordo entre as partes quanto à discutida essencialidade do motivo do negócio, que lhe está subjacente.
XXX - A ora Recorrente invocou uma excepção peremptória e formulou, ainda, subsidiariamente, ao TSI, no caso de provimento do recurso que lhe foi submetido pela ora Recorrida, um pedido, sobre os quais a decisão recorrida não se pronunciou.
XXXI - A excepção peremptória invocada pela Recorrente consiste na existência de um abuso de direito, figura prevista no artigo 326º do CC, a qual, como é sabido, em caso de procedência impede o exercício do direito que a ora Recorrida pretende exercer.
XXXII - Em caso de improcedência da excepção deduzida, pugnou a Recorrente pela convalidação do negócio, por força do disposto no artigo 242º do CC.
XXXIII - A douta sentença do Tribunal Judicial de Base não se debruçou sobre estas duas questões, por considerar que, atenta a improcedência da acção, tais questões se encontravam prejudicadas.
XXXIV - Sucede que o douto acórdão recorrido concedeu provimento parcial ao recurso apresentado pela ora Recorrida, anulando o negócio em questão, sem se pronunciar sobre qualquer destas duas questões.
XXXV - Note-se que a excepção do abuso de direito e o pedido subsidiário de convalidação do negócio não são meros argumentos ou raciocínios, mas sim questões que importava obrigatoriamente decidir a menos que resultassem prejudicadas com a decisão ora colocada em crise – o que não foi o caso.
XXXVI - Assim, como a 2ª Instância decidiu em contrário da 1ª, deveria ter ordenado a baixa do processo ao TJB ou, talvez mais correcto, conhecido ela própria estes dois temas (vd., por ex., Castro Mendes, em Direito Processual Civil-Recursos, págs. 12 e 13; Anselmo de Castro, em Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Apêndice, pág.409).
XXXVII - Ao haver omitido a análise destes dois temas, o douto acórdão recorrido incorreu no incumprimento do dever prescrito no nº 2 do artigo 563º do CPC, que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação e, consequentemente, no vício de nulidade por omissão de pronúncia previsto na 1º parte da al. d), do nº 1, do artigo 571º do mesmo Código.
XXXVIII - Tal nulidade, uma vez que foi cometida pela 2ª Instância, parece-nos não poder ser suprida por esse Venerando Tribunal de Última Instância, pelo que, em caso de não revogação do acordão recorrido, afigura-se ser de determinar a baixa do processo ao TSI para este se pronunciar sobre estas duas questões (vd. Acórdão Doutrinário do STJ, de 22/06/88, 283º-876).
Disposições violadas: Artigos 240º/1, 240º/2-b), 240º/3 e 241º, todos do Código Civil, bem como, os artigos 563º/2 e 571º/1/-d), ambos do Código de Processo Civil.

Contra-alegou a Autora B, aliás B1, formulando as seguintes conclusões:
1. As Partes (ora Recorrente e Recorrida) reconheceram, quer por declarações comuns, quer por declarações convergentes que exararam no contrato que celebraram, que foi por causa da declaração de preferência da ora Recorrente na transmissão de 10 (dez) acções que a ora Recorrida lhe vendeu essas mesmas acções;
2. Acham-se definitivamente assentes nos Autos os factos em que se revela a essencialidade subjectiva do erro em que a ora Recorrida incorreu. Tal assentamento definitivo não é disputado, e é aceite, pela Recorrente;
3. Esses mesmos factos são assumidos pelas partes, nos termos expressos dos considerandos e das estipulações contratuais, como motivos determinantes (hoc sensu, essenciais) da vontade. Nisso se traduz o reconhecimento por acordo da essencialidade do motivo;
4. A determinação do reconhecimento por acordo da essencialidade do motivo constitui um problema de interpretação das declarações negociais e, in casu, a aplicação do padrão legal do artigo 228º do Código Civil confirma o acerto inquestionável do julgado do Tribunal a quo;
5. O reconhecimento da essencialidade do motivo toma irrelevante – porque irrelevante sob o ponto de vista da tutela jurídica da confiança – qualquer discussão quanto à cognoscibilidade: se o declarante sabia, e aceitou porque o contratou, que a causa pela qual a declaração de vontade de venda das 10 acções foi emitida com a convicção da existência da obrigação correspondente, no caso em que tal declaração possa ser emitida em erro o mesmo é, necessariamente, susceptível de ser conhecido pela contraparte.
6. O contrato de compra e venda de 10 acções é, assim, anulável nos termos e com os fundamentos constantes da alínea a) do artigo 241º do Código Civil.
7. Os mesmos factos e considerações pelos quais se revela o reconhecimento por acordo da essencialidade do motivo justificam também a decisão do Tribunal a quo ao julgar que a ora Recorrente não podia desconhecer a essencialidade do motivo – razão por que o negócio pode também ser anulado com fundamento no disposto na alínea b) do artigo 241º do Código Civil;
8. Tais factos são coerentes com, e confirmados por, aqueloutros, também definitivamente assentes nos Autos) relativos ao iter negotii que culminou com a configuração do conteúdo e com a celebração do contrato de compra e venda de dez acções anulado pelo douto Acórdão recorrido;
9. O contrato de compra e venda de 10 acções é, assim, anulável nos termos e com os fundamentos constantes da alínea b) do artigo 241º do Código Civil, desde que verificados os demais requisitos de eficácia anulatória do erro (previstos estes na alínea a) do no. 1 e no no. 3 do artigo 241º Código Civil).
10. Procede-se à identificação dos factos assentes definitivamente nos Autos por cuja consideração se revela a essencialidade objectiva do erro: os factos identificados pelo Acórdão recorrido neste contexto são apenas exemplos da espécie e não, como pretende a Recorrida, o fundamento do juízo confirmativo da essencialidade objectiva;
11. Procede-se, outrossim, à identificação de não factos alegados pela Recorrente na sua alegação e que, porque não provados, devem ser desconsiderados;
12. Assume especial relevo o facto de que a ora Recorrida não tenha jamais intencionado uma venda à Recorrente daquelas 10 acções mas, antes, uma venda das mesma a pessoa diferente da ora Recorrida: diz a experiência que quem quer vender a A e acorda com A essa venda com um propósito específico (o de que A se torne sócio de uma determinada sociedade), não quer vender a B (que não quer fazer sócio dessa sociedade) e a quem jamais propôs venda alguma;
13. Inversamente, a representação de que a celebração do negócio com A (terceiro), ao invés de que com B (a Recorrente) constitua violação de obrigações legais ou estatutárias constitui, segundo regras de experiência comum, causa determinativa de um comportamento conforme a obrigação (ainda que esta haja sido erradamente representada);
14. O contrato de compra e venda de 10 acções é, assim, anulável nos termos e com os fundamentos constantes da alínea b) do artigo 241º do Código Civil, porque verificado também o requisito da alínea a) do no. 2 do artigo 240 º do mesmo Código.
15. Quem acorda sobre a essencialidade de um motivo com a convicção de que o mesmo não esteja verificado ou, de todo o modo, quem actua em vezo objectivamente capaz de determinar o surgimento da convicção da existência da obrigação de preferência não pode achar-se incapaz de conhecer o erro da declaratária (ou como actualidade, ou como possibilidade);
16. Em qualquer de tais situações, as exigências de tutela da confiança do declarante ou não existem – porque o declarante não pode antes deixar de confiar no comportamento em erro que, por actuação daquele, o declaratário veio a tomar – ou desagravam-se – porque o declarante normal não possa ter deixado de prefigurar ou de efectivamente conhecer o erro de que enfermava o comportamento declarativo do declaratário;
17. Identificam-se os factos em que se revela o efectivo conhecimento (e, em qualquer caso, a impossibilidade de desconhecimento) do erro da Recorrida por parte da Recorrente;
18. O contrato de compra e venda de 10 acções é, assim, anulável nos termos e com os fundamentos constantes da alínea b) do artigo 241º do Código Civil, porque verificado também o requisito de cognoscibilidade a que faz referência a alínea b) do n.º 2 e o n.º 3 do artigo 240º do Código Civil.
19. A actuação da Recorrente é ainda, em face dos factos provados nos autos, tem de qualificar-se juridicamente como dolosa;
20. As declarações de vontade emitidas pela da Recorrente em momento anterior à celebração do negócio de compra e venda das 10 acções e, bem assim, no momento da sua celebração são inquestionavelmente idóneas a criar a representação / percepção que a Recorrente pretendia exercer um direito de preferência e que foi por causa desse exercício que o referido negócio foi celebrado;
21. A mesma conclusão é extraída do juízo sobre as declarações confessórias da Recorrente nos presentes autos e, bem assim, nos autos de numeração CV3-05-0067-CAO: a mesma não tinha qualquer intenção de exercer um direito de preferência e;
22. A única razão plausível pela qual a Recorrente tenha emitido a declaração de vontade nos termos em que o fez na carta junta como documento 2 com a Petição Inicial e, bem assim, nos termos do contrato celebrado em 12 de Maio de 2005, reside na intenção de criar a convicção na ora Recorrida de que (i) a Recorrente estaria a exercer um direito de preferência e (ii) que a Recorrida estaria, por essa razão, obrigada a proceder à alienação de 10 acções à Recorrente;
23. A não se entender desse modo, porém, sempre teria que se entender que, ao actuar por aquela forma, a Recorrente não poderia não ter a consciência de estar a criar tal convicção na ora Recorrida, com isso se conformando;
24. Resulta, assim, anulável o negócio de compra e venda de 10 acções por dolo (considerando então irrelevante qualquer discussão relativamente aos requisitos de cognoscibilidade e de desculpabilidade do erro).
25. O Tribunal recorrido, tal como, em primeira instância, o Tribunal Judicial de Base, conheceram das alegações, em via de excepção, de convalidação e da de preterição do pedido por abuso de direito arguida pela Recorrente e julgaram-nas improcedentes;
26. Está assente, sem possibilidade de revisão processual, que a ora Recorrida não teria celebrado o negócio se não houvesse sido induzida / incorrido em erro: tal facto, os juízos que o mesmo impõe e o comportamento ulterior da recorrida são diametralmente inconsistentes com uma qualquer vontade ou manifestação de aceitação dos efeitos do negócio anulável;
27. Foi o comportamento da Recorrente que determinou o comportamento da Recorrida; não o contrário: não pode, assim, a Recorrente pretender ter fundado confiança num comportamento, em erro, que ou intitulou ou de todo o modo conhecia;
28. De todo o modo, nota-se que, nas Contra-Alegações de recurso apresentado pela ora Recorrente para o Tribunal de Segunda Instância, as mesmas omitem, nas respectivas conclusões, a questão agora suscitada. Impõe-se, por isso, a conclusão de que a invocação de omissão de pronúncia pelo Tribunal de Segunda Instância quanto ao objecto (afinal não) ampliado do recurso não é admissível atenta a formação do julgado sobre a decisão da primeira instância.
29. O Tribunal recorrido omitiu parcialmente pronúncia quanto ao recurso interposto pela ora Recorrida da decisão proferida quanto à matéria de facto pelo Tribunal Judicial de Base;
30. Na medida em que o Venerando Tribunal de Última Instância julgue procedente o recurso – o que só por exigência de exaustão de patrocínio se cogita – deverá ordenar a baixa dos Autos ao Tribunal de Segunda Instância para que o mesmo conheça do recurso junto deste interposto em matéria de facto, tendo em vista determinar o que segue:
a) A Recorrente invocou perante a Recorrida ser titular de um direito de preferência?
b) Essa invocação foi feita até depois da celebração do contrato de compra e venda das 10 acções com a ora Recorrida?
31. Por outro lado, ainda para o caso em que o presente recurso possa vir a merecer algum provimento, deverá, nos termos do disposto no artigo 590º do Código de Processo Civil, o presente recurso ser ampliado, dele constituindo objecto as seguintes questões:
a) O erro de julgamento do Venerando Tribunal a quo ao não apreciar a impugnação dos juízos sobre factos contidos na decisão da Primeira Instância (Capítulo II, ponto 3, pags. 24 e ss da douta decisão recorrida);
b) A relevância da questão de saber se a Autora, ora Recorrida e a E contestaram a acção de preferência que corre termos sob os autos de numeração CV3-05-0067-CAO, no caso em que V.Exas entendam ter sido omitida pronúncia quanto à invocação de abuso de Direito pela Recorrente.

Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos Provados
Foi considerada assente a seguinte factualidade:
1. O artigo sétimo dos estatutos da 4ª ré tem a seguinte redacção:
“Um: É livre a cedência de acções ordinárias simples ou privilegiadas entre os accionistas mas a sua alienação a estranhos não terá efeitos com relação à sociedade, nem o adquirente obterá direito ao respectivo averbamento sem a observância do seguinte:
a) O accionista que desejar ceder ou alienar qualquer acção, assim o comunicará, por escrito, ao Conselho de Administração, indicando o número de acção e o nome da pessoa ou entidade à qual pretende fazer a alienação ou cedência.
b) O Conselho de Administração deliberará no prazo de dez dias se a sociedade pretende usar o direito de preferência, e não o querendo, avisará, por carta registada, os accionistas que tenham acções na sede da sociedade para, no prazo de cinco dias, a contar da recepção do aviso, declararem, também por carta registada, se querem usar desse direito;
c) Quando mais de um accionistas declarar querer optar, terá preferência aquele que então tiver a propriedade de maior número de acções e, em caso de igualdade, o que for accionista mais antigo;
d) Não pretendendo a sociedade nem os accionistas optar, pode a alienação ou cedência ser feita livremente, passando o Conselho de Administração a necessária declaração de não ter usado o direito de preferência;
e) A propriedade e a transmissão de acções somente produzem efeitos para com a sociedade após o averbamento no competente livro de registo e desde a dará deste averbamento.
Dois: Sendo a sociedade uma accionista dominante da “H”, titular de uma licença para a exploração de jogos de fortuna ou azar em Casino, por contrato assinado com o Governo da Região Administrativa Especial de Macau, a transmissão de acções está ainda sujeita às limitações decorrentes do referido Contrato de Concessão ou das suas alterações.” (alínea A) dos factos assentes)
2. F e G não eram titulares de qualquer participação no capital social da 4ª Ré quando a autora lhes pretendeu transmitir as acções em litígio nestes autos. (alínea B) dos factos assentes)
3. Em 25 de Abril de 2005, a E enviou aos respectivos accionistas, incluindo a primeira ré, uma carta da qual constava, entre o mais, o seguinte:
“O Conselho de Administração tomou conhecimento que a accionista B1 intende transferir 200 acções ordinárias que lhe pertencem para as Senhoras F e G, sendo cem acções a cada um. O preço da transferência para cada 100 acções é de MOP$100.000.000,00 (cem milhões de patacas), no total de MOP$200.000.000,00 (duzentos milhões de patacas), e o pagamento será feito numa vez só através da “cashier order” a favor de transmitente.
O Conselho de Administração deliberou sobre a referida transferência, a Companhia decidiu não exercer o direito de preferência, concordando com a referida transferência.
(...)” (alínea C) dos factos assentes)
4. Na sequência de tal facto, a ora Autora recebeu a seguinte comunicação enviada pelo Secretário-Geral da E:
“Relativamente à sua carta de 19 de Abril, somos a informar que na sequência de deliberação do Conselho de Administração de não exercer o seu direito de preferência, comunicámos a proposta de venda a todos os accionistas.
Recebemos apenas uma resposta da Senhora A2, da qual juntamos cópia para sua referência e decisão, solicitando que dela nos informe o mais brevemente possível.
(...)”. (alínea D) dos factos assentes)
5. Confrontada com tal comunicação, a Autora discutiu com as Senhoras F e G a subsistência, ou não, do negócio entre as mesmas combinado (alínea E) dos factos assentes).
6. Tendo a Senhora F mostrado que manteria interesse na aquisição de apenas noventa acções do capital da E (alínea F) dos factos assentes).
7. Foi com a mesma acordada a redução do preço a pagar (alínea G) dos factos assentes).
8. Na sequência de que tal facto foi comunicado ao Secretário da E (alínea H) dos factos assentes).
9. A transmissão das dez acções a favor da ora Primeira Ré foi formalizada em 12 de Maio de 2005 (alínea I) dos factos assentes).
10. Pelo valor de MOP$10.000.00,00 (dez milhões de patacas) (alínea J) dos factos assentes).
11. Constando ainda do acordo formalizado por escrito entre a Autora e a Primeira Ré o seguinte texto (alínea L) dos factos assentes):
“(...)
Considerando que a Parte A propôs-se alienar as Acções e a Parte B exerceu o direito de preferência, nos termos dos Estatutos da E;
(...)
Pelo presente contrato e pelo exercício do direito de preferência a Parte A venda à Parte B, que aceita, as Acções.”
12. Foram celebrados os acordos de transmissão com as Senhoras F e G sobre, respectivamente, noventa e cem acções representativas do capital social da E (alínea M) dos factos assentes).
13. A Primeira Ré, tal como os demais accionistas da E, foi notificada por esta Sociedade para o exercício do direito de preferência (alínea N) dos factos assentes).
14. A Primeira Ré respondeu, directamente á 4ª Ré E que:
“(...)
Gostaria de exercer o meu direito de preferência relativamente à transmissão acima proposta no termos do Cláusula 7 1b dos Estatutos da Sociedade. Gostaria de adquirir 10 das duzentas acções propostas transmitir.” (alínea O) dos factos assentes)
15. Em 29 de Julho de 2005, a Primeira Ré veio comunicar à 4ª Ré a sua intenção de proceder à transmissão para a 3ª Ré da acção Nº 17.527 que adquirira à Autora (alínea P) dos factos assentes).
16. A cláusula 5ª, nº 2, do contrato de compra e venda celebrado entre a Autora e a primeira Ré estipula que: a Autora (Parte A) garante que a transmissão é válida e reconhecida pela E (4ª Ré) e que está devidamente averbada no respectivo livro de registo de acções (provisório) (alínea Q) dos factos assentes).
17. A autora é accionista da 4ª Ré, tendo inclusive desempenho cargos sociais, incluindo o de administradora (alínea R) dos factos assentes).
18. A Autora é directora da 2ª Ré (C).
O Administrador Delegado da 4ª Ré (E), é o accionista único ou accionista principal da 2ª Ré.
As Sras. F e G, são igualmente directoras da 2ª Ré e passaram a ser accionistas da 4ª Ré com a transmissão de acções efectuada pela Autora, respectivamente de 90 e 100 acções da 4ª Ré.
A Autora é a representante da 2ª Ré no Conselho de Administração da 4ª Ré.
A 2ª Ré interpôs uma acção de preferência relativa à compra e venda das 10 acções que constitui o objecto da presente acção, contra as ora Contestante, Autora e 4ª Ré. Nem a Autora, nem a 4ª Ré contestaram aquela acção de preferência (alínea S) dos factos assentes).
19. A Autora, além de ser uma das mais antigas accionistas da 4ª Ré, onde desempenhou diversos cargos nos seus órgãos sociais, é também a representante da 2ª Ré no Conselho de Administração daquela mesma 4ª Ré (alínea T) dos factos assentes).
20. Em meados de Abril do ano de 2005, a ora Autora e as F e G cumpriram um processo negocial com vista à conclusão de um acordo pelo qual a ora Autora procederia à transmissão de duzentas acções por si detidas no capital da E (E) (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
21. A ora Autora comunicou à E os termos e condições do negócio de alienação que se propunha celebrar – identidade das transmissárias, preço e condições de pagamento (resposta ao quesito da 2 da base instrutória).
22. A Autora acordou transmitir as acções para a Primeira Ré convicta que estava a exercer preferência na transmissão que a Autora propunha fazer para a F (resposta ao quesito da 3 da base instrutória).
23. A Autora não teria celebrado o acordo de transmissão daquelas mesmas acções com a ora Primeira Ré se não estivesse convicta que esta última beneficiava do direito estatutário de preferência cujo exercício expressamente invocou e que ela Autora estava obrigada a celebrá-lo com a Primeira Ré (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
24. A comunicação aos accionistas referida em C) da matéria de facto assente, não previa a faculdade de fraccionar os lotes de 100 acções e transmiti-las separadamente, com um qualquer preço unitário (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).

3. Direito
3.1. Questões a resolver
O Tribunal de Segunda Instância decidiu revogar a sentença de 1.ª instância, declarando anulado o negócio de compra e venda das acções em causa celebrado entre a Autora, ora recorrida, e a 1.ª Ré, ora recorrente, por erro-vício essencial e condenando esta a restituir as mesmas acções àquela, contra a devolução integral do valor do preço recebido.
Insurgindo-se contra este segmento decisório, pretende a recorrente a sua revogação e consequente manutenção do negócio, ou pelo menos a sua convalidação, invocando, ainda, subsidiariamente a nulidade do douto Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia.
As questões colocadas residem em saber:
- Se o erro da recorrida é essencial para efeito da anulação do negócio;
- Subsidiariamente, se se verifica a nulidade do Acórdão, por omissão de pronúncia quanto à questão de abuso de direito e ao pedido de convalidação do negócio.

Por sua vez e na contra-alegação, apresentou a Autora ora recorrida o pedido de ampliação do objecto do recurso, ao abrigo do art.º 590.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, alegando que o Tribunal recorrido omitiu parcialmente pronúncia quanto à impugnação da resposta dada ao artigo 5.º da Base instrutória, está errada a decisão do Tribunal a quo ao não apreciar a impugnação dos juízos sobre factos contidos na decisão da 1 instância (Capítulo II, ponto 3, páginas 24 e ss. do Acórdão recorrido) e que é relevante a questão de saber se a Autora ora recorrida e a E contestaram a acção de preferência que corre termos nos autos CV3-05-0067-CAO.

3.2. Sobre o erro-vício
No caso ora em apreciação, o erro refere-se ao não gozo, por parte da recorrente, do direito de preferência na aquisição das 10 acções em causa.
Entende o Tribunal recorrido que, nos termos das al.s a) e b) do n.º 2 do art.º 240.º do Código Civil de Macau, tal erro da recorrida é essencial, tanto subjectivo como objectivo, pelo que deve ser anulado o negócio de compra e venda de 10 acções em causa, por erro-vício relevante.
E mesmo que se entendesse não ser objectivamente essencial pelo não preenchimento das condições da al. b) do n.º 2 do art.º 240.º, o erro continua a ser causa de anulação do negócio face à disposição do art.º 241.º do Código Civil.
Defende a recorrente o contrário.
Vejamos.

Ora, dispõem os art.ºs 240.º e 241.º do Código Civil de Macau o seguinte:
Artigo 240.º
(Erro-vício)
1. A declaração negocial é anulável por erro essencial do declarante, desde que o erro fosse cognoscível pelo declaratário ou tenha sido causado por informações prestadas por este.
2. O erro é essencial quando:
a) Tenha recaído sobre os motivos determinantes da vontade do errante, de tal modo que este, caso tivesse tido conhecimento da verdade, não teria celebrado o negócio ou, a celebrá-lo, só o teria feito em termos substancialmente distintos; e
b) Uma pessoa razoável colocada na posição do errante, caso tivesse tido conhecimento da verdade, não teria celebrado o negócio ou, a celebrá-lo, só o teria feito em termos substancialmente distintos.
3. O erro considera-se cognoscível quando, face ao conteúdo e circunstâncias do negócio e à situação das partes, uma pessoa de normal diligência colocada na posição do declaratário se podia ter apercebido dele.
4. Contudo, o negócio não pode ser invalidado se o risco da verificação do erro foi aceite pelo declarante ou, em face das circunstâncias, o deveria ter sido, ou ainda quando o erro tenha sido devido a culpa grosseira do declarante.

Artigo 241.º
(Erro não objectivamente essencial)
Ainda que o erro não preencha as condições da alínea b) do n.º 2 do artigo anterior, o mesmo é ainda causa de anulação do negócio:
a) Se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo; ou
b) Se, verificando-se os demais pressupostos constantes do artigo anterior, o declaratário conhecia ou não devia ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro.

Daí que, para se poder considerar como erro essencial, que implica a anulabilidade da declaração negocial, é exigível a verificação cumulativa dos requisitos previstos nas al.s a) e b) do n.º 2 do art.º 240.º do Código Civil.
E também é causa de anulação do negócio o erro não objectivamente essencial previsto no art.º 241.º do Código Civil.
Nas palavras do Professor Mota Pinto, tratando-se de um erro nos motivos determinantes da vontade, o erro-vício “traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio. Se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância – se tivesse exacto conhecimento da realidade –, o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou”.1
Conforme Manuel de Andrade, “o erro-vício consiste na ignorância (falta da representação exacta) ou numa falsa ideia (representação inexacta), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu”.2
Em princípio, o erro deve ser essencial para que seja anulável o negócio. Para o erro ser derimente, torna-se indispensável que ele seja essencial, causal ou determinante, sendo que a essencialidade “consiste em ter tido o erro um papel decisivo na determinação da vontade do declarante, por maneira que, se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas, não teria querido de modo nenhum concluir o negócio. Erro essencial é pois o que deu causa ao negócio. …Numa palavra: o erro essencial é aquele que – isoladamente ou em colaboração com alguma outra circunstância – levou o errante a concluir o negócio, em si mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído”.3
E ainda mais: exige-se que o erro seja objectivamente essencial, na medida em que “uma pessoa razoável colocada na posição do errante, caso tivesse tido conhecimento da verdade, não teria celebrado o negócio ou, a celebrá-lo, só o teria feito em termos substancialmente distintos”, nos termos da al. b) do n.º 2 do art.º 240.º do Código Civil.
Trata-se dum critério objectivo de razoabilidade para aferir a essencialidade do erro concretamente em causa.

No caso em apreciação, entende o Tribunal recorrido que, face à matéria de facto assente, estão verificados ambos os requisito referidos nas al.s a) e b) do n.º 2 do art.º 240.º, pelo que o erro da recorrida é essencial, tanto subjectivo como objectivo.
Sem intenção de pôr em causa o requisito da al. a), que se afigura verificado, uma vez que ficou provado que a Autora ora recorrida não teria celebrado o acordo de transmissão das 10 acções com a 1.ª Ré, ora recorrente, se não estivesse convicta que esta última beneficiava do direito estatutário de preferência cujo exercício expressamente invocou e que ela Autora estava obrigada a celebrá-lo com a 1.ª Ré (resposta ao quesito da 4º da base instrutória), a recorrente coloca a questão quanto ao requisito exigido na al. b), entendendo que o Tribunal recorrido labora em erro de julgamento.
Daí que é de apurar se uma pessoa razoável, colocada na posição do declarante, i.é., da ora recorrida, não teria celebrado o negócio de compra e venda em causa ou teria celebrá-lo em termos substancialmente distintos, caso tivesse tido conhecimento da verdade, ou seja, que a recorrente não gozava do direito de preferência.
O raciocínio do Tribunal recorrido é o seguinte: uma pessoa razoável de normal diligência, colocada na posição da Autora (ora recorrida) e caso tivesse tido conhecimento de que a ora recorrente não gozava do direito de preferência na aquisição das 10 acções, não teria continuado a vender-lhe estas acções, sob pena de sujeitar-se a correr o risco de perder um negócio maior (as compradoras iniciais desistirem da aquisição).
O “negócio maior” refere-se ao negócio de compra e venda de 200 acções entre a recorrida e F e G, pelo preço de MOP$200.000.000,00, que era intenção originária daquela.
Ora, resulta da factualidade provada nos autos o seguinte:
- Em meados de Abril do ano de 2005, a Autora ora recorrida e as Senhoras F e G cumpriram um processo negocial com vista à conclusão de um acordo pelo qual aquela procederia à transmissão de duzentas acções por si detidas no capital da E (E) (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- Em 25 de Abril de 2005, a E enviou aos respectivos accionistas, incluindo a 1.ª Ré ora recorrente, uma carta, comunicando a intenção da B1 em transferir 200 acções ordinárias que lhe pertenciam para as Senhoras F e G, sendo cem acções a cada um, sendo de MOP$100.000.000,00 o preço da transferência para cada 100 acções, bem como a deliberação do Conselho de Administração de não exercer o direito de preferência, concordando com a referida transferência.
- Depois a Autora ora recorrida recebeu uma comunicação enviada pelo Secretário-Geral da E, informando que tinha recebido apenas uma resposta da Senhora A2, que pretendia exercer o direito de preferência na aquisição de 10 das 200 acções propostas transmitir.
- Confrontada com tal comunicação, a Autora ora recorrida discutiu com as Senhoras F e G a subsistência, ou não, do negócio entre as mesmas combinado, tendo a Senhora F mostrado que manteria interesse na aquisição de apenas noventa acções do capital da E, com a redução do preço a pagar.
- A transmissão das 10 acções a favor da 1.ª Ré ora recorrente foi formalizada em 12 de Maio de 2005, pelo valor de MOP$10.000.000,00.
- E foram celebrados os acordos de transmissão com as Senhoras F e G sobre, respectivamente, noventa e cem acções representativas do capital social da E.
Decorre da factualidade acima descrita que a transmissão das 10 acções a favor da ora recorrente, precedida da discussão entre a ora recorrida e as Senhoras F e G sobre a subsistência, ou não, do negócio já combinado, tendo F mostrado que manteria interesse na aquisição de apenas noventa acções, não prejudicou em nada o negócio de transmissão de noventa e cem acções com as duas Senhoras, que chegou a ser efectivamente celebrado, com a respectiva redução do preço inicialmente acordado.
Daí que não parece verificado o risco de perder o negócio de dimensão bastante maior sobre alienação de 190 acções, alegado pelo Tribunal recorrido como ponto de partida do seu raciocínio, já que, antes de transmissão de 10 acções para a ora recorrente, a recorrida já discutiu com as F e G sobre a subsistência ou não do negócio, tendo obtido confirmação das mesmas no sentido de manter o negócio, com redução das 10 acções, que foi depois efectivamente celebrado. A recorrida não sofreu nenhum prejuízo com a celebração dos dois negócios, em vez de um só, tendo concretizado a intenção inicial de vender 200 acções pelo preço de MOP$200.000.000,00.
E não se encontram quaisquer outros factos que indiciem a existência do referido risco, padecendo assim do fundamento o raciocínio do Tribunal recorrido, nem que permitam concluir pela objectividade do erro exigida por lei na medida em que uma pessoa razoável, colocada na posição da ora recorrida, não teria celebrado o negócio de compra e venda com a recorrente ou teria celebrá-lo em termos substancialmente distintos, caso tivesse tido conhecimento de que a recorrente não gozava do direito de preferência.
É de julgar procedente o argumento da recorrente.

Resta ver se se verifica a situação prevista no art.º 241.º do Código Civil, que determina também anulação do negócio, mesmo que o erro não preencha as condições da alínea b) do n.º 2 do art.º 240.º.
Na tese do Acórdão recorrido, o texto constante do contrato de compra e venda de 10 acções formalizado por escrito entre a recorrida e a recorrente demonstra que ambas as partes reconheceram a essencialidade do motivo do negócio, que é justamente o exercício do direito de preferência na aquisição apenas das 10 acções, ou pelo menos revela que a recorrente conhecia ou não devia ignorar a essencialidade para a recorrida da existência do direito de preferência na aquisição sobre que incidiu o erro.
É verdade que consta do acordo formalizado por escrito entre a recorrida e a recorrente o seguinte texto:
“(...)
Considerando que a Parte A propôs-se alienar as Acções e a Parte B exerceu o direito de preferência, nos termos dos Estatutos da E;
(...)
Pelo presente contrato e pelo exercício do direito de preferência a Parte A venda à Parte B, que aceita, as Acções.”
Será que de tal texto se pode retirar a conclusão de que as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo?
É o chamado erro sobre os motivos.
No ensinamento do Professor Mota Pinto, o erro sobre os motivos permite a anulação do negócio “desde que haja uma cláusula, expressa ou tácita, no sentido de a validade do negócio ficar dependente da existência da circunstância sobre que versou o erro:《Se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo》. Seria irrazoável permitir a anulação, uma vez provado, simplesmente, o conhecimento pela contraparte da essencialidade do motivo que levou o errante ao negócio, pois a contraparte normalmente não daria o seu acordo ao contrato, se este ficasse na dependência da circunstância cuja suposição levou o enganado a contratar. Também se compreende que não baste o conhecimento ou a cognoscibilidade do erro, pois, dado o acréscimo enorme de litígios e demandas a que esse regime daria lugar, a estabilidade dos negócios seria atingida e isso repercutir-se-ia na celeridade e segurança da contratação.
Justifica-se, pois, que se tenha exigido uma efectiva estipulação, expressa ou tácita, tornando a validade do negócio dependente da verificação da circunstância sobre que incidiu o erro, o que deve acontecer raramente.” 4
Ora, não se nos afigura que da leitura e interpretação do referido texto consignado no contrato de compra e venda se pode chegar à mesma conclusão do Tribunal recorrido, uma vez que, não obstante se constar a menção sobre o exercício do direito de preferência por parte da recorrente, certo é que do mesmo texto não resulta a ideia de que ambas as partes lhe atribuíram a relevância de fazer a validade do negócio depender da existência desta circunstância.

Também não se afigura verificada a situação prevista na al. b) do art.º 241.º do Código Civil, que pressupõe o preenchimento dos “demais pressupostos constantes do artigo anterior”, exigindo que o erro seja cognoscível pelo declaratário ou tenha sido causado por informações prestadas por este.
E “o erro considera-se cognoscível quando, face ao conteúdo e circunstâncias do negócio e à situação das partes, uma pessoa de normal diligência colocada na posição do declaratário se podia ter apercebido dele” (n.º 3 do art.º 240.º do Código Civil).
De facto, não consta da factualidade provada qualquer elemento susceptível de levar a concluir que uma pessoa de normal diligência, colocada na posição da ora recorrente, se podia ter apercebido do erro da recorrida, já que nem sequer provado que a recorrente se deu conta da existência do erro nem que houve discussão das partes sobre a possibilidade ou não de preferência parcial.
Por outro lado e quanto à provocação do erro por informação prestada pelo declaratário, é de dizer que, tal como se constata nos factos dados como assentos, foi em consequência da carta enviada pela E, da qual constava a informação sobre a transferência das 200 acções e a possibilidade de exercer o direito de preferência, que a ora recorrente manifestou à E a intenção de adquirir apenas 10 acções, que foi depois comunicada à recorrida pelo Secretário-Geral da E. No processo que se culminou com a transferência das 200 acções, o exercício do direito de preferência parcial não foi questionado por ninguém, incluindo a E e a ora recorrida, que chegou a desempenhar diversos cargos nos seus órgãos sociais da E, para além de ser uma das mais antigas accionistas da sociedade.
Daí que não se pode admitir que o erro foi causado por informação prestada pela recorrente.

Concluindo, não se verifica, in casu, qualquer erro que possa determinar a anulação do negócio de compra e venda de 10 acções celebrado entre a recorrente e a recorrida, pelo que é de revogar o Acórdão ora recorrido, na parte impugnada no presente recurso.

3.3. Sobre a nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto à questão de abuso de direito e ao pedido de convalidação do negócio
Resulta claramente das alegações apresentadas pela recorrente que o vício em causa apenas é invocada a título subsidiário, na eventualidade de este Tribunal de Última Instância se pronunciar pela não revogação do Acórdão recorrido, daí que não é de conhecê-lo uma vez que a questão fica prejudicada pela procedência do recurso.

3.4. Relativamente à impugnação subsidiária da Autora ora recorrida, ao abrigo do art.º 590.º n.º s 1 e 2 do Código de Processo Civil
Em primeiro lugar, alega a recorrida que o Tribunal recorrido omitiu parcialmente pronúncia quanto à impugnação da resposta dada ao artigo 5.º da Base instrutória, já que nas suas alegações de recurso para o Tribunal de Segunda Instância ela fez notar que este artigo compreendia vários factos distintos, a saber:
(i) Por um lado, o mesmo questiona que a 1.ª Ré tenha invocado perante a Autora ser titular de um direito de preferência;
(ii) Por outro lado, o mesmo questiona se a 1.ª Ré tinha invocado a titularidade desse mesmo direito até depois da celebração do negócio com a Autora;
(iii) Por último, questiona ainda que a 1.ª Ré soubesse que não beneficiava desse direito quando o invocou.
Na óptica da recorrida, ela pugnou por resposta diferente dada pela sentença do Tribunal Judicial de Base quanto a todos os factos compreendidos em tal quesito, tendo o Tribunal de Segunda Instância apenas se pronunciado quanto à última das referidas questões.
O quesito 5.º da Base Instrutória, ao qual respondeu negativamente o Tribunal Judicial de Base, tem o seguinte teor: A 1.ª Ré invocou perante a Autora até depois da celebração do acordo de transmissão das acções a sua qualidade de titular de um direito de preferência, convicta de que dele não beneficiava?
Ora, constata-se na alegação do recurso para o Tribunal de Segunda Instância que, ao contrário do que alega agora a recorrida, ela não pretendeu que se desse como provado o quesito, mas sim que o mesmo fosse reformulado, para um completamente diverso e esse novo quesito fosse dado como provado.
Na verdade, e fazendo referência aos artigos 44.º a 46.º da sua petição inicial, entende a recorrida que “deverá …o referido quesito ser reformulado em conformidade com a alegação feita … na sua petição inicial e, em consequência, e em face da prova produzida nos Autos, dado como provado” (cfr. fls. 698 a 701 dos autos).
E vem agora, em sede do recurso para o Tribunal de Última Instância, imputar a omissão de pronúncia “quanto à impugnação da resposta dada ao artigo 5.º da Base instrutória”, que é bem diferente da sua pretensão formulada no recurso interposto para o Tribunal de Segunda Instância.
Por outra palavra, o Tribunal de Segunda Instância não tinha obrigação de se pronunciar sobre a “impugnação da resposta dada ao artigo 5.º”, pois não foi alegada. O que foi impugnada é a formulação do quesito, pretendendo na altura a ora recorrida que fosse reformulado o quesito e esse novo quesito fosse dado como provado.
Daí que não há omissão de pronúncia quanto à impugnação da resposta ao quesito 5.º.

Em segundo lugar, a recorrida considera errada a decisão do Tribunal recorrido ao não apreciar a impugnação dos juízos sobre factos contidos na decisão da 1.ª instância (Capítulo II, ponto 3, páginas 24 e ss. do Acórdão recorrido), impugnando-a no artigo 61 da sua contra-alegação.
Ora, não é de conhecer tal impugnação, já que se trata de impugnar julgamento de mera matéria de facto, não havendo omissão de pronúncia. E como é sabido, este Tribunal de Última Instância não tem poder de cognição em matéria de facto, salvo nos caso expressamente previstos na parte final do n.º 2 do art.º 649.º do Código de Processo Civil.

Finalmente e quanto à relevância da questão de saber se a Autora ora recorrida e a E contestaram a acção de preferência que corre termos nos autos CV3-05-0067-CAO, alegada no artigo 62 da contra-alegação, nota-se que a questão foi suscitada no caso em que o Tribunal entenda ter sido omitida pronúncia quanto à invocação de abuso de direito pela recorrente.
Ora, também não é de conhecer esta questão, porque dependente da procedência do abuso de direito, que não foi conhecido, tal como se mostra no ponto 3.3. do presente Acórdão.
4. Decisão
Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso interposto, revogando o Acórdão recorrido na parte impugnada no presente recurso, ficando a valer a decisão de 1.ª instância.
Custas pela recorrida, nas duas instâncias.
                 
                 Macau, 22 de Janeiro de 2014
                 
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
                 


1 Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Edição, 2005, p. 504.
2 Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Reimpressão, 2003, p. 233.
3 Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Reimpressão, 2003, p. 237 e 238.
4 Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Edição, 2005, p. 513 e 514.
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Processo n.º 81/2012