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Processo nº 567/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 17 de Janeiro de 2013
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio


SUMÁRIO:

1- Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

2- Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

3- É de confirmar a decisão do Tribunal competente segundo a lei da Região Administrativa de Hong Kong que decreta o divórcio entre os cônjuges, desde que não se vislumbre qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública da RAEM ou qualquer obstáculo à sua revisão.




Processo nº 567/2012
(Revisão de sentença)

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, casado, portador do Bilhete de Identidade de Residente Permanente em Macau nº XXX, residente em Hong Kong, (doravante o “Autor”), representado por João Encarnação, Advogado com escritório em Macau, na Alameda Dr. Carlos D´Assumpção, Nº 180, Edifício Tong Nam Ah, 16º R-T, veio, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 1199º e seguintes do Código de Processo Civil, intentar
ACÇÃO ESPECIAL DE REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DE DECISÃO PROFERIDA POR TRIBUNAL DO EXTERIOR DE MACAU
contra B, divorciada, titular do Bilhete de identidade de Residente de Hong Kong nº XXX, com residência habitual em Hong Kong, (doravante a “Ré”), o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1.º
“O Autor e a Ré celebraram casamento civil na Conservatória de Registo de Casamentos de Tsim Sha Tsui na Região Administrativa Especial de Hong Kong (“Hong Kong”) no dia 7 de Agosto de 1994, conforme consta do Averbamento nº.1 da certidão narrativa de registo de nascimento do Autor que aqui se junta como Doc.nº.1.
2.º
Alguns anos após o casamento, o Autor deu entrada a uma acção de divórcio contra a Ré no Tribunal de Distrito de Hong Kong que correu termos com o número XXX.
3.º
Em tal acção o Autor e a Ré ocupavam exactamente as mesmas posições processuais que ocupam na presente causa.
4.º
O casamento civil celebrado entre o Autor e a Ré na Conservatória de Registo de Casamentos de Tsim Sha Tsui foi declarado dissolvido no dia 12 de Janeiro de 2006 através de decisão transitada em julgado proferida pelo Tribunal de Distrito de Hong Kong.
5.º
Junta-se o original da decisão, redigido em língua inglesa, devidamente traduzido para língua portuguesa, de acordo com o artigo 6º do Decreto-Lei nº 62/99/M de 25 de Outubro, como Doc. nº.2.
6.º
No dia 18 de Novembro de 2007, o Autor celebrou novo casamento civil na Conservatória de Sha Tin em Hong Kong desta feita com C, conforme se pode verificar através certidão de casamento emitida de acordo com a “Marriage Ordinance (cap. 181)”, devidamente traduzida para língua portuguesa, que aqui se junta como Doc.nº.3.
7.º
Acontece que, apesar de o Autor se ter divorciado da Ré em Hong Kong no dia 12 de Janeiro de 2006, conforme decisão judicial transitada em julgado que aqui se junta como Doc.nº.2., o divórcio necessita de ser confirmado em Macau para produzir os seus efeitos.
8.º
O Autor pretende dar entrada à .presente acção de revisão e confirmação de decisão estrangeira para que possa averbar na Conservatória de Registo Civil de Macau o seu divórcio com a Ré e de seguida averbar o seu novo casamento com C.
9.º
De facto, o Autor só pode registar o seu casamento com C na Conservatória de Registo Civil de Macau assim que tiver registado o seu divórcio com a Ré nessa mesma Conservatória”.
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A requerente não respondeu à matéria da contestação.
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O digno Magistrado do MP opinou no sentido do deferimento do pedido.
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Cumpre decidir, colhidos os vistos legais.
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II - Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
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III - Os Factos
1- O Autor e a Ré celebraram casamento civil na Conservatória de Registo de Casamentos de Tsim Sha Tsui na Região Administrativa Especial de Hong Kong (“Hong Kong”) no dia 7 de Agosto de 1994 (doc. fls. 12 e 19).
2- No tribunal distrital da região administrativa especial de Hong-kong (causas matrimoniais no.5767 de 2005) foi decretado o divórcio entre o autor A e a ré B, nos seguintes termos:
“No dia 12 de Janeiro de 2006, o Juiz considerou que o Autor e a Ré viveram separadamente por um período contínuo de pelo menos um ano, imediatamente anterior à apresentação da petição, que a Ré consente que um decreto seja concedido; e que o casamento solenizado no dia 7 de Agosto de 1994 na Conservatória de Registo em Registo do Casamento Tsim Sha Tsui em Hong Kong (TST(A)3260)
Entre
A Autor
e
B Ré
Foi destruído irremediavelmente e o casamento foi dissolvido a menos que causa suficiente seja demonstrada ao tribunal no prazo de seis semanas a partir da elaboração deste decreto como tal este decreto não deve se absoluto.
Datado no dia 12 de Janeiro de 2006”.
3- No dia 18 de Novembro de 2007, o Autor celebrou novo casamento civil na Conservatória de Sha Tin em Hong Kong desta feita com C, conforme se pode verificar através certidão de casamento emitida de acordo com a “Marriage Ordinance (cap. 181)”, devidamente traduzida para língua portuguesa (doc. fls. 19 e20 dos autos).
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IV- O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos, então, os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pelo autor. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio litigioso com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública da RAEM (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, resulta do documento de fls. 8 que a sentença de divórcio já transitou.
Por outro lado, a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na Região Administrativa e Especial de Hong Kong e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Distrital da Região Administrativa Especial de Hong Kong em 12/01/2006, que decretou o divórcio entre A e B, nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pelo requerente.
TSI, 17 / 01 / 2013
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan