打印全文
Processo nº 7/2013 Data: 17.01.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.


SUMÁRIO

A liberdade condicional é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 7/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no artº 56º do C.P.M.; (cfr., fls. 91 a 97-v que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

*

Em resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 100 a 104).

*

Em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta o seguinte douto Parecer:

“Entedemos que não deve ser reconhecida razão ao recorrente A, por não estarem preenchidos os pressupostos da aplicação da liberdade condicional.
Por força do art.° 56 n.° 1 do Código Penal de Macau, a concessão da liberdade condicional depende da co-existência de pressupostos de natureza formal e material.
É considerado como pressuposto formal da concessão da liberdade condicional, que o condenado tenha já cumprido dois terços da pena de prisão e no mínimo seis meses. Já o pressuposto material abarca a ponderação global da situação do condenado à vista da necessidade da prevenção geral e prevenção especial, sendo a pena de prisão objecto de aplicação da liberdade condicional quando resultar um juízo de prognose favorável ao condenado em termos da aceitável reintegração do agente na sociedade e da defesa da ordem jurídica e da paz social.
Neste sentido, a aplicação da liberdade condicional nunca é feita pela lei com carácter automático, ou seja, não é obrigatório aplicá-Ia mesmo estando preenchido o pressuposto formal, tendo de mostrar-se satisfeito o pressuposto material.
Apesar de o recorrente satisfazer em absoluto o pressuposto de natureza formal, tendo já cumprido dois terços da pena de prisão e no mínimo seis meses, não vemos uma conclusão paralela em relação ao pressuposto material previsto no art.° 56 n.° 1 al. b) do C.P.M.. Duvidamos assim de possibilidade da incompatibilidade da ordem jurídica com a concessão da liberdade antecipada.
In casu, face ao comportamento e à vida prisional do recorrente, não lhe foi merecido parecer favorável pelo Director do E.P.M., por ter em conta o registo de punição disciplinar sofrida, bem como a falta de apoio familiar, durante o período de cumprimento da pena de prisão, e de concreto suporte comunitário do recorrente.
Por outro lado, analisados os autos, o recorrente cometeu crime de elevada gravidade, perturbando seriamente a ordem jurídica e a paz social desta R.A.E.M..
A natureza e gravidade dos actos criminais cometidos são sempre partes dos elementos de consideração de que o Tribunal a quo tem de curar, quer na fase de julgamento, quer na decisão da aplicação da liberdade condicional.
Em referência à natureza e à consequência jurídica do crime de tráfico de estupefacientes, são evidentes a gravidade do crime, o prejuízo para a saúde pública e a perturbação da tranquilidade social, 'tudo consequência do acto ilícito praticado pelo recorrente.
Como é do conhecimento geral a criminalidade relacionada com o tráfico e consumo de produtos estupefacientes e de substâncias psicotrópicas tem criado muitos e sérios problemas sociais, relevando exigências de prevenção geral relativamente a este tipo de actividade ilícita, que se constituem como riscos sérios para a saúde pública e a paz social.
In casu, tendo em consideração a realidade social de Macau e a rigorosa exigência da prevenção geral quanto ao tipo de crime praticado pelo recorrente, bem como a influência negativa que a liberdade antecipada do recorrente virá trazer para a comunidade, nomeadamente, o prejuízo da expectativa da eficiência das leis, temos de afirmar que a concessão da liberdade condicional seria, muito provavelmente, incompatível com a ordem jurídica e a paz social, nos termos do disposto n.° 56 n.° 1 do C.P.M..
Pelo exposto, concordando como douta mente exposto na resposta à motivação do recurso, não conseguimos chegar a uma conclusão favorável ao recorrente para lhe conceder a liberdade condicional, por não vermos que as condições em que o recorrente se encontra encontrem eco no disposto n.° art.° 56 n.° 1 do C.P.M..
Concluindo, entendemos que deve ser rejeitado o recurso interposto por manifestamente improcedente”; (cfr., fls. 113 a 114).

*

Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 08.10.2007, foi, A, ora recorrente, condenado na pena única de 9 anos e 3 meses de prisão e multa de MOP$10.000,00 ou 66 dias de prisão subsidiária, pela prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”;
– o mesmo recorrente deu entrada no E.P.M. em 12.08.2006, e em 24.11.2012, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 11.11.2015, se pagar a multa, e em 16.01.2016, se não o fizer;
– em 2010 sofreu uma punição disciplinar;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com a sua família no Nepal, tencionando dedicar-se ao artesanato e sua comercialização.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

   “1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
   
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.

3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).

“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 12.08.2006, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.

Na verdade, e na esteira do decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 26.07.2012, Proc. nº 629/2012, de 06.09.2012, Proc. nº 712/2012 e o de 11.10.2012, Proc. n.° 730/2011).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta, mostrando-se-nos de subscrever o teor do douto Parecer da Ilustre Procuradora Adjunta que, aqui, por uma questão de economia processual, se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

De facto, (e independentemente do demais, nomeadamente da punição disciplinar ocorrida em 2010), atento o tipo de crime pelo ora recorrente cometido, o de “tráfico de estupefacientes”, importa pois acautelar a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).

Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$900.00.

Macau, aos 17 de Janeiro de 2013

José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa


Proc. 7/2013 Pág. 12

Proc. 7/2013 Pág. 1