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Proc. nº 623/2012
(Autos de Recurso Jurisdicional Administrativo Fiscal)

Data: 31 de Janeiro de 2013
Recorrente: A ENGENHARIA LIMITADA
Entidade Recorrida: Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da DSF

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I. Relatório 
A ENGENHARIA LIMITADA, Recorrente nos presentes autos e neles melhor identificado, vem nos termos da al. d) do nº 1 do artº 571º do CPCM, arguir a nulidade do acórdão de 25/10/2012 que lhe negou provimento ao recurso jurisdicional interposto, com fundamentos seguintes:
“...
1. Nos termos do disposição processual supra referida, é nula a sentença que "deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar".
Por outro lado,
2. A sentença de contencioso administrativo deve, nos termos do art.° 76° do C.P.A.C., "resumir com clareza e precisão os fundamentos e conclusões úteis da petição e das contestações ou das alegações,especificar os factos provados e concluir pela decisão final, devidamente fundamentada".
Ora,
3. Nas suas alegações perante o Tribunal de Segunda Instância, a recorrente "esforçando-se" por fundamentar a anulação da deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar, invocou falta de fundamentação da sentença recorrida e violação de lei.
4. Quanto à violação de lei invocou a recorrente, três questões, a saber:
* o facto dos prestadores individuais de serviços não serem "empresas ou sociedades";
* a violação do "princípio de celeridade" dos serviços tributários; e
* a violação dos princípios do R.I.C.R. quanto à determinação do lucro tributável.
5. Quanto às duas últimas questões, conquanto a recorrente não concorde com a posição assumida no acórdão em apreço - porquanto é manifesto que, por motivos inteiramente imputáveis ao atraso da administração tributária, a recorrente poderá ter que arcar com um lucro presumido que não corresponde ao real - estas questões, dizíamos, foram afloradas no mesmo.
6. Contudo, no tocante à primeira - o facto dos prestadores índividuais não serem nem "empresas ", nem "sociedades" - o acórdão em apreço, pura e simplesmente, não toma qualquer posição perante "os fundamentos e conclusões úteis" elencados pela recorrente.
7. Apenas se refere no acórdão, que "de acordo com o acto recorrido transcrito, acredita-se que uma pessoa normal, de inteligência média, sabe bem que a decisão está devidamente fundamentada de facto e de direito.
De facto a recorrente compreende as razões invocadas na decisão, mas não a aceita.
Pelo que a decisão do Tribunal "a quo" é correcta" (tradução nossa).
8. Ora, quanta a esta questão, a recorrente invocou:
(...)
Nos termos do disposto no art° 9° n° 1 do R.C.I., a recorrente - além do que supra se referiu quanto à estabilidade ou não dos prestadores singulares de serviços na RAEM - só estaria obrigada a certificar-se do cumprimento do disposto no artº 8º do R.C.I. se a contratação que efectuou fosse feita a "empresas ou sociedades".
Não foi o caso.
É que, não sendo sociedades as pessoas que lhes prestaram os serviços, também não eram "empresas" na definição que lhe é dada pelo Código Comercial (artº 2º), já que, aquelas pessoas, não obstante exercerem "uma actividade económica ... dirigida à produção de serviços", tal actividade não era "autonomizável do sujeito que a exerce".
De onde se conclui que não competia à recorrente a fiscalização da actividade dos indivíduos que, nos anos de 2006 e 2007, lhe prestaram os serviços de empreitada, não se lhe afigurando que possa ser solidariamente responsável pelo pagamento da contribuição industrial devida por aqueles prestadores, nem que os custos daqueles serviços não devam ser considerados para efeitos fiscais.
1. A sentença ora recorrida quanto a esta questão determinou:
" (...)
因此,在解釋《營業稅章程》第9條第1款的規定時,考慮法律制度整體性之前提下(見《民法典》第8條第1款之規定),所指的在本地區並應不僅限於指具有獨立法律人格之法人(公司),還包括具有獨立法律人格之商業企業主(商業企業經營者,包括自然人或法人)。
另一方面,從上訴人在稅務申駁中針對有關獲支付主體之稱謂為“判頭”,以至向財政局提交書證時(分別見附卷第63頁、第88頁、第107頁至第108頁),均清楚訂明上述獲支付主體為“承判商”,並負責執行及監管其屬下員工。
因此,本院認為,上訴人所支付之承判商屬《商法典》第1條a)項及第2條第1款a)項所指之商業企業主,經營商業企業並向上訴人提供有關服務,即使其僅屬自然人,從而被訴決議並沒有違反《營業稅章程》第9條第1款的規定。
(...) "
2. O aqui citado art. º 9º do R.C.I. estabelece o seguinte:
"(...)
Artigo 9.º
(Contratos com empresas ou sociedades que não tenham estabelecimento estável em Macau)
1. Sempre que as pessoas singulares residentes no Território ou quaisquer entidades com estabelecimento estável no mesmo contratem a prestação de serviços ou a realização de actividades, nos termos previstos no n.º 3 deste artigo, por parte de empresas ou sociedades que no Território não tenham estabelecimento estável, são obrigada a certificar-se, antes de efectuarem cada pagamento, de que a entidade beneficiária do mesmo cumpriu o disposto no artigo 8.º
 ... ...
4. As entidades que não cumpram a obrigação prevista no n.º 1 são responsáveis solidariamente pelo pagamento da contribuição industrial devida, não lhe sendo consideradas como custos para efeitos fiscais as importâncias contratualmente pagas ou incorrendo em multa de valor igual a 10% dessas importâncias se estiverem isentas de imposto complementar de rendimentos.
 (...)"
Como o Tribunal "a quo" refere, na interpretação da lei, deve ter-se "(...) sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, (...) "
e também
"..., as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada. " (art.º 8° do C.C.).
Pelo que,
Não pode a recorrente deixar de considerar as circunstâncias em que o diploma (Regulamento da Contribuição Industrial - RCI) em questão foi aprovado.
O diploma supra referido (RCI) foi aprovado pela Lei n.° 15/77/M, de 31 de Dezembro e, à data, vigorava o Código Comercial, não de 1999, mas de 1888. Por isso, a definição legal de "empresa" deve seguir o disposto no art.º 230.° do Código Comercial de 1888 que estava em vigor e que definia:
" (...)
Haver-se-ão por comerciais as empresas, singulares ou colectivas, que se propuseram:
1º Transformar, por meio de fábricas ou manufacturas, matérias-primas, empregando para isso, ou só operários, ou operários e máquinas;
2º Fornecer, em épocas diferentes, géneros, quer a particulares, quer ao Estado, mediante preço convencionado;
3º Agenciar negócios ou leilões por conta de outrem em escritório aberto ao público, e mediante salário estipulado;
4º Explorar quaisquer espectáculos públicos;
5º Editar, publicar ou vender obras científicas, literárias ou artísticas;
6º Edificar ou construir casas para outrem com materiais subministrados pelo empresário;
7º Transportar, regular ou permanentemente, por água ou por terras, quaisquer pessoas, animais, alfaias ou mercadorias de outrem.
(...) "
Ora,
Tal conceito, mesmo em sentido subjectivo, não abrange o de empreiteiro. Como a jurisprudência daquela altura se pronunciou: "Não pode considerar-se comerciante um empreiteiro de obras públicas que se dedique à construção de estradas, porque aquela qualidade exige o exercício profissional do comércio que, como função de intermediário entre a produção e o consumo, não se verifica nessa actividade de empreiteiro"; "Ainda que se prescinda do exercício da profissão comercial e se caracterize o comerciante pela prática de actos de comércio, continua este empreiteiro a não se dever considerar como comerciante, porque tais actos teriam de ser actos de comércio objectivos e a empreitada é um contrato meramente civil" (vide Ac. STJ, de 31-3-1960: BMJ, 97.º -405).
Aquele preceito do Código Comercial de 1888, foi expressamente revogado pela al. a) do nº 1, do art° 3.° do Decreto-Lei n.º 40/99/M, de 3 de Agosto que aprovou o actual Código Comercial.
Aqui, a definição legal de "empresa" ora em discussão passa a ser entendida como "toda a organização de factores produtivos para o exercício de uma actividade económica destinada à produção para a troca sistemática e vantajosa, (...)". (Cfr. o n.º 1 do artigo 2.° do Código Comercial de 1999, determinando-se que: "a organização de factores de produção para o exercício de uma actividade económica que não seja autonomizável do sujeito que a exerce" não é um empresa comercial (Cfr. o n.º 2 do artigo 2.° do Código Comercial de 1999).
O Coordenador do Código Comercial, Ilustre Professor Associado, Dr. Augusto Teixeira Garcia, salientou nas suas lições na disciplina de Direito Comercial I:
"(...)
O n.º 2 pretende excluir aquelas situações em que, muito embora possa existir uma organização de factores produtivos (se não existe organização de factores produtivos é certo que e sabido que não existe empresa), o exercício do processo produtivo é incindível, ou seja não autonomizável, do respectivo sujeito, "(...) não é empresa (...) a produção em que a pessoa do empresário tem um peso tão absorvente na formação do produto que o processo não se identifica nem subsiste sem ele" (cfr. Orlando de Carvalho, "Empresa cit.", p. 8), v.g., artesão, profissional liberal.
(...)"
9. Exigir-se-ia, que o acórdão ora em apreço decidisse fundadamente sobre as questões "úteis" elencadas pela recorrente e, diremos nós, perfeitamente plausíveis e sustentadas em doutrina e jurisprudência sumariamente referida.
O que não aconteceu, salvo o devido respeito.
É ou não verdade que os prestadores individuais de serviços não são empresas nem sociedades?
É ou não verdade que, nos termos dos nºs 1 e 2 do art.º 2 do Cód. Com., "a organização de factores produtivos para o exercício de uma actividade económica ... que não seja autonomizável do sujeito que a exerce" não é uma empresa comercial?
É ou não verdade que o Ilustre Professor, Dr. Augusto Teixeira Garcia, assume uma posição idêntica à do recorrente quanto a esta questão?
10. É, pois, aqui, na resposta a estas questões - que, salvo o devido respeito, não foi dada - que reside a resolução do conflito da recorrente com a administração tributária da R.A.E.M..
11. É que, como sempre se foi dizendo, se as pessoas singulares que lhe prestaram serviços não são nem empresas nem sociedades, então, a recorrente não estava (nem está) obrigada a certificar-se se eles, as pessoas singulares, haviam ou não cumprido o disposto no art.º 8° do R.C.I..
(...)”
*
Devidamente notificado, a Entidade Recorrida nada se pronunciou.
*
II. Fundamentação
Adiantamos desde já que não assiste razão à Recorrente.
A nulidade de sentença/acórdão prevista na al. d) do nº 1 do artº 571º do CPCM traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no nº 2 do artº 563º do mesmo Código, nos termos do qual “O juíz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Repare-se, a lei fala de “questões” e não de “razões” ou “argumentos”, daí que é pacífico, quer ao nível da doutrina1, quer da jurisprudência2, que só há lugar a nulidade da sentença/acórdão por omissão da pronúncia quando o tribunal deixar de se pronunciar sobre questões suscitadas e não sobre simples argumentos e opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes.
No caso em apreço, este Tribunal pronunciou-se sobre todas as questões suscitadas pela Recorrente, concluindo e decidindo a final pela improcedência do recurso.
Sobre a questão concreta que a Recorrente entende não ter sido objecto de pronuncia, este Tribunal optou por usar a faculdade prevista no nº 5 do artº 631º do CPCM (ex vi dos artºs 149º, nº 1 e 1º, do CPAC), nos termos do qual “Quando o Tribunal de Segunda Instância confirmar inteiramente e sem voto de vencido o julgado em primeira instância, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, pode o acórdão limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos invocados na decisão impugnada”.
Aliás, como a própria Recorrente reconhece que o tribunal, “pura e simplesmente” não tomou qualquer posição perante “os fundamentos e conclusões úteis” por si elencados.
Como já referimos anteriormente, a não pronúncia de simples argumentos e opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes nunca constitui nulidade da sentença/acórdão por omissão da pronúncia.
Face ao expendido e sem necessidade de mais delongas, não deixará de se julgar improcedente a arguida nulidade.
*
III. Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente a referida arguição da nulidade.
*
Custas do incidente pela Recorrente, com 4UC taxa de justiça.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 31 de Janeiro de 2013.


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Ho Wai Neng Mai Man Ieng
(Relator) (Estive presente)
(Magistrado do M.oP.o)

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José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)


1 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, quer de Alberto dos Reis, quer de Abílio Neto
2 Acs. do TSI de 01/03/2012 e de 31/05/2012, Procs. nºs 867/2010 e 167/2012, respectivamente, bem como, no Direito Comparado, Acs. do STJ, de 11/01/2000 e de 28/03/2000, in Sumários 37º-19 e 39º-26, respectivamente.
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