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Recurso nº 32/2009
Recorrente: A – representada pela curadora especial B (A – 由特別保佐人B代表)
Recorrida: Serviços de Saúde (衛生局)





Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
   A, solteira, maior, estudante, por está em estado de inconsciente permanente e vegetal, representada pela curadora especial nomeado nos presentes autos (fl. 174), B, casada, residente permanente em Macau, propôs acção do pedido de indemnização contra a Direcção dos Serviços de Saúde, pedindo a condenação da ré no montante total de MOP$6.729.576,00 (composto pelos danos patrimoniais no montante de MOP$3.729.576,00 e danos não patrimoniais de MOP$3.000.000,00) e as despesas a prestar nos tratamentos ulteriores que ficam a liquidar na execução da sentença e a procuradoria digna, todos estes montantes serão acrescidos os juros a taxa legal a contar a partir da data de citação.1
   
   Citada a ré, esta contestou, tendo deduzido excepção dilatória de irregularidade da nomeação da curador especial e a falta de constituição de advogado por parte da autora e excepção peremptória de prescrição dos créditos, nos seus precisos termos da sua contestação constantes dos autos (fls. 178 a 218), pedindo subsidiariamente a improcedência dos pedidos.
   Por despacho-sentença de fl. 594 e verso, o Mmº Juiz do Tribunal Administrativo proferiu a seguinte decisão:
   “本院現就被告於答辯狀內提出原告之損害賠償請求權已因時效完成而消滅之永久抗辯進行審理。
   根據卷宗內所載事實,原告曾在2004年2月29日及3月6日兩度入院接受治療,並於同年3月9日經院方為其進行手術後便一直昏迷不醒。按照《民法典》第491條第1款所規定之時效一般規則,有關民事損害賠償的請求權已自該損害事實發生時起經過三年時效完成。
   在反駁中,原告XXX在2006年8月13日曾經提出刑事告訴,指控XXX醫生涉嫌向衛生局醫療活動申訴評估中心提交內容不實的醫療報告。由於該事實涉及偽造文件罪,有關刑事追訴時效為五年,且在檢察院於2008年1月15日以證據不足為由作歸檔決定後,原告隨即在2008年4月3日向本行政法院提起實際履行非合同民事責任之訴,故此,按照《民法典》第491條第3款的規定,“如不法事實構成犯罪,而法律對該犯罪所規定之追訴時效期間較長,則以該期間為適用期間;然而,如刑事責任基於有別於追訴時效完成之原因而被排除,則損害賠償請求權自發生該原因時起經過一年時效完成,但在第一款第一部分所指之期間屆滿前不完成。”原告認為被告提出的上述抗辯理由不成立。
   然而,本院對此不予認同,理由是本案不能適用上述第491條第3款的規定。
   刑事訴訟程序遵循依附原則,當有關刑事不法事實同時涉及民事責任時,法律僅在特定的情況下方容許當事人透過獨立的民事途徑追討賠償(參見《刑事訴訟法典》第61及62條的規定)。鑑於刑事歸責條件的限制,當時責任基於有別於追訴時效完成之原因而被排除時,為確保當事人能按其意願繼續行使民事追究的權利,立法者在時效規範上作出了上述特別的規定。
   事實上,經仔細分析本卷宗內所載的資料,本院認為上述涉嫌偽造虛假醫療報告的刑事不法事實並不導致本訴中原告所主張的損害,因即使證實了原告在起訴狀所陳述的事實,有關損害亦只是基於醫療失誤所造成的。換言之,原告所檢舉之刑事不法事實追訴程序的展開及進行並不妨礙原告依法追討醫療事故的民事損害賠償責任。
   基於此,根據《民事訴訟法典》第429條第1款b)項規定,裁定被告主張時效之抗辯理由成立。
   綜上所述,本院決定駁回原告請求,因其求償權之時效經已完成。
   訴訟費用由原告支付。
   作出通知。
   2008年9月19日
   法官…… “

   Com esta decisão absolutória não conformou, recorreu a autora para esta instância, alegando que:
1. Mediante o saneador-sentença de fls. 594 dos autos, o Excelentíssimo Juiz a quo rejeitou o pedido da A., ora recorrente, absolvendo a R., por ter entendido que o direito de indemnização civil da recorrente havia sido prescrito.
2. Todavia, o pai da recorrente só tomou conhecimento do erro de diagnóstico do médico Drº XXX (XXX), através do Ofício n.º 035/OUT/CAQ/05, datado de 20/10/2005, do Centro de Avaliação das Queixas Relativas a Actividades de Prestação de Cuidados de Saúde.
3. Nele consta: “(...) não concordamos que o ponto da vista de que a dor de cabeça foi derivada por ter tomado hormona” e “Se o médico responsável tivesse aumentado a vigilância e tomasse as precuauções antes do acontecimento, adiantando a hora para fazer a TAC (Por exemplo, na 1ª hospitalização), entretanto, mesmo que o resultado da TAC mostrasse que não havia hemorragia, facilitava pelo menos a comparação das evoluções resultadas dos TAC feitas posteriormente, facilitando não só o diagnóstico clínico, mas também a resolução das dúvidas e reocupações da família da paciente”.
4. A partir daí, o pai da recorrente começou a entender que as lesões sofridas pela sua filha tinham sido derivadas da omissão do Drº XXX, nomeadamente, a omissão que decorreu no lapso de tempo compreendido entre 29/02/2004 a 08/03/2004, omissão essa que foi o factor principal que provocou o estado de coma e subsequente estado vegetativo da recorrente.
5. Segundo o relatório elaborado no dia 26/05/2006 pelo Drº XXX e entregue ao Centro de Avaliação das Queixas Relativas a Actividades de Prestação de Cuidados de Saúde, foi descoberto que o mesmo tinha prestado falso depoimento escrito: “durante a hospitalização chegou a propor a realização de Esplenectomia, mas a família disse que teria de pensar”.
6. Portanto, o pai da recorrente só tomou conhecimento, mais tarde, de que o Dr.º XXX poderia ser o responsável pelas lesões causadas à recorrente visto que tinha havido erro de diagnóstico e o médico em questão não tinha tomado as devidas precauções (refira-se o caso de considerar que a dor de cabeça se devia ao facto da paciente ter tomado um medicamento que continha hormonas e ainda o facto de não ter sido realizada nenhuma TAC).
7. Pelo que, o lapso da prescrição deve contar a partir do momento em que o pai da recorrente tomou conhecimento dos conteúdos do ofício referido no artigo 9º a 10º (datado de 20/10/2005) e do relatório referido no artigo 13º (datado de 26/05/2006), que não incorreu a prescrição, porque, a presente acção foi intentada no dia 03 Abril de 2008.
8. No fim, “incumbe ao réu que alegou a prescrição o ónus de provar que o autor adquiriu o conhecimento a que alude o n.º 1 do art.º 498º do Cód. Civil (corresponde o n.º 1 do art. º 491º do C. Civil de Macau)”, obviamente, isto não aconteceu no presente caso.
9. De acordo com o artº 491º, n.º 3 do C. Civil, se o facto ilícito constituir crime para cujo procedimento a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável; contudo, se a responsabilidade criminal ficar prejudicada por outra causa que não a prescrição do procedimento penal, o direito à indemnização prescreve no prazo de 1 ano a contar da verificação dessa causa, mas não antes de decorrido o prazo referido na primeira parte do n.º 1.
10. Devido às lesões sofridas pela sua filha e tendo suspeitado de que tinha havido negligência durante o tratamento da mesma, o pai da ora recorrente, XXX, apresentou queixa crime no dia 13 de Agosto de 2006, contra o médico Dr.º XXX, sindicando também, o relatório médico entregue pelo mesmo médico, ao Centro de Avaliação das Queixas Relativas a Actividades de Prestação de Cuidados de Saúde, contendo falsas afirmações. Conduta essa que só por si, substanciava o crime de falsificação praticada por funcionário.
11. De acordo com o douto despacho do Exmº Senhor Procurador-Adjunto elaborado no dia 12 de Abril de 2007, não foi mandada a instauração de qualquer processo de inquérito.
12. Não conformado com a referida decisão, o pai da recorrente reclamou no dia 20 de Abril de 2007,que posteriormente veio a ser deferida, tendo sido instaurado o Processo de Inquérito n.º 10528/2007, da 2ª Secção dos Serviços do Ministério Público, mediante despacho emitido pelo Exmº Senhor Procurador-Adjunto no dia 22 de Novembro de 2007, por crime de falsificação de documento, p.p. pelo artº 244º do Código Penal.
13. Mediante o douto despacho emitido no dia 15 de Janeiro de 2008, o Exmº Senhor Delegado do Procurador, responsável do processo em causa, ordenou o arquivamento do processo.
14. Não conformado com o despacho de arquivamento, o pai da recorrente reclamou no dia 23 de Janeiro de 2008, a que até a presente data ainda não foi dada qualquer resposta.
15. De acordo com o art.º 246º, n.º 1 do C. Penal, se os factos referidos no n.º 1 do art.º 244º forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
16. O art.º 110º, n.º 1, alínea d) do C.Penal determina que, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 1 ano, mas inferior a 5 anos, o procedimento penal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido o prazo de 5 anos.
17. Obviamente, de acordo com o n.º 3 do art.º 491º do C. Civil, mesmo que o despacho do arquivamento fosse lançado no dia 15 de Janeiro de 2008, o pedido de indemnização da presente lide não incorre em prescrição.
18. Por outro lado, tanto a recorrente como a R., consideram que a recorrente se encontra em estado de coma até a presente data, e ainda, a saúde da recorrente se está degradando.
19. Como não finaram ainda as lesões que veio a sofrer, muito pelo contrário, a gravidade das mesmas tem vindo a agravar-se daqui se infere que nunca pode decorrer prescrição.
20. O Juiz “a quo” entende que o crime de falsificação de documento não impede a prescrição, porque as lesões foram consequência de negligência médica. Quer dizer, a instauração e o desenvolvimento do processo não impede a recorrente de intentar acção de responsabilidade civil por negligência média.
21. Caso a conduta do médico, Dr.º XXX (XXX) correspondesse a tipicidade do crime de ofensa à integridade física por negligência, p.p. pelo artº 142º, n.º 3 do C. Penal, a prescrição também seria de 5 anos.
22. Segundo o acórdão o TR. 22-6-1995: BMJ, 448º - 445: “I – O art.º 498º do Cód. Civil (corresponde o art.º 491º do C. Civil de Macau) não apela de modo nenhum à existência de queixa e tão-só dá relevo ao prazo de prescrição do procedimento criminal. II – Assim, não tendo a lei qualquer conteúdo literal que suporte a existência de queixa, pode-se concluir que não é necessário que ela tenha existido para que o lesado possa beneficiar de prazo mais longo do que o prazo geral de três anos para exercer o seu direito à indemnização”.
23. Neste acto, pela força consagrada pelo art.º 110º, n.º 1, alínea d) do C. Penal, não prescreveu ainda o procedimento penal.
24. Ainda é cedo para que o Excelentíssimo Juiz a quo absolva a R. no despacho saneador, tendo que tomar-se em boa consideração o acórdão do STJ, 8-12-1998: BMJ, 482º-203º: “Não tendo ainda sido apuradas as circunstâncias em que ocorreu o acidente, nem as suas consequências, é intempestivo o conhecimento no saneador-sentença da excepção peremptória da caducidade”.
25. Quando a recorrente entrou em estado de conta (09/03/2004), era menor de 15 anos (nascida em 11/08/1988)
26. “Sendo o titular do direito de indemnização menor, a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade, ainda que o menor tenha representante legal ou quem administre os seus bens (RP, 18-2-1988: BMJ, 374º - 533)”.
27. Estipula o art.º 312º, n.º 1 do C. Civil: “Salvo se respeitar a actos para os quais o menor tenha capacidade, a prescrição contra menores não se completa sem terem decorrido 2 anos sobre a data em que o menor passou a ter representante legal ou administrador dos seus bens, ou adquiriu plena capacidade”.
28. Segundo o acórdão do RC de 8.11.1994: BMJ, 441º-409º: “o vocábulo《incapaz》, contido no art.º 11º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil (corresponde o art.º 44º, n.º 1 do C.P.C. de Macau), abrange a incapacidade de facto”.
29. Nestes caso concreto, porque a recorrente se encontra em estado de coma, é considerada “incapacidade de facto”.
30. Portanto, é protegida pela instituição consagrada pelo art.º 312º, n.º 1do C. Civil, que suspende a prescrição do exercício do direito de reclamação à responsabilidade civil.
31. A sentença “a quo” violou claramente os art.ºs 491º, n.ºs 1 e 3, e 312º, n.º 1, ambos do C. Civil, conjugado pelos art.ºs 244º, n.º 1, 246º, n.º 1 e 110º, n.º 1, alínea d), todos do C. Penal, decisão essa deve ser revogada.
Termos em que, e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao recurso, revogado a douta sentença recorrida, ordenando-se a prosseguir os termos ulteriores até final.
   
   A este recurso respondeu a ré que contra-alegou que:
Da alegação extemporânea de fatos novos:
i. A alegação de que “(...) o pai da recorrente só tomou conhecimento do erro de diagnóstico feito pelo médico Dr. XXX (XXX), através do Ofício n.º 035/OUT/CAQ/05, datado de 20/10/2005, do Centro de Avaliação das Queixas Relativas a Actividades de Prestação de Cuidados de Saúde.” importa a apreciação de factos novo.
ii. Nem na P.I. e, sobretudo, nem na Réplica, aquando da resposta à excepção de prescrição, a Autora veio alegar que seu Pai só tomou conhecimento do alegado “erro de diagnóstico” através do Ofício n.º 035/OUT/CAQ/05, datado de 20/10/2005.
iii. O último momento processual adequado para a alegação da data em que o Pai da Autora terá tomado conhecimento do alegado “erro de diagnóstico” foi o momento da apresentação da Réplica em que, justamente, poderia a Autora ter-se defendido da excepção de prescrição com a invocação de tal facto.
iv. Contudo, não o fez, o que importa uma omissão particularmente indesculpável e inaceitável do ponto de vista processual quando, em sede de Contestação, e para fundamentação da excepção de prescrição, a ora Recorrida alegou, nos artigos 25º e 26º, que “O Pai da Autora acompanhou sempre todo o processo cínico da filha, tendo tomado conhecimento, no próprio dia 9 de Março de 2004, de que a mesma entrou em coma.” (artigo 25º) “Estado clínico que resultou de lesão cuja culpa imputa, desde essa altura, aos médicos da Ré.” (artigo 26º).
v. Termos em que todos os factos ora alegados quanto a esta matéria devem ser tidos por não escritos, porque manifestamente extemporâneos e, consequentemente, ser considerado improcedente o Recurso quanto a esta parte.
Contudo, caso assim não se entenda, sem conceder e apenas por mera cautela de bom patrocínio sempre se dirá:
Da alegação de factos novos contrários aos anteriormente alegados em sede de petição inicial: De Venire contra factum proprium:
vi. Os factos ora trazidos aos autos, relativamente ao momento em que o Pai da Autora terá tido conhecimento do direito que lhe compete, são contrários à factualidade alegada em sede de Petição Inicial, nos artigos 10º, 14º, 20º, 22º, 25º e 54º, intencionalmente omitidos.
vii. Naqueles artigos são alegados factos que, tem concede quanto à sua verdade e sem prejuízo da impugnação feita em sede de Contestação quanto aos mesmos, demonstram que o Pai da Autora (seu representante legal) acompanhou sempre todo o processo de internamento, com uma atitude de crítica depreciativa e acusatória face às decisões médicas que foram sendo tomadas.
viii. É a própria Autora quem afirma, na sua Petição Inicial, que o seu Pai, já em 1 de Março de 2004, vivenciou os seguintes factos:
a) Possuía conhecimentos médicos, que alega ter retirado da internet e da leitura de livros.
b) Que tais conhecimentos lhe permitiam produzi um juízo de valor relativamente aos procedimentos médicos de diagnóstico e terapêutica que seriam sendo adoptados;
c) Questionou o médico relativamente à razão das dores de cabeça;
d) Obteve do mesmo médico a mesma resposta que veio, quatro anos mais tarde a invocar no artigo 54º da P.I., como fundamento para o alegado erro de diagnóstico;
e) Teve conhecimento dos sintomas que se alega terem sido manifestados pela Autora;
f) Tinha conhecimento do que, no seu entender, e nos termos alegados, tais sintomas poderiam significar quanto ao quadro clínico da sua filha, podendo, já nessa altura, também confessadamente, produzir um juízo de valor relativamente à alegada omissão ou erro de diagnóstico por parte do Dr. XXX.
ix. Para efeitos da determinação da “data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete”, importa aferir da data em que o mesmo teve conhecimento dos factos constitutivos dos requisitos de responsabilidade, não relevando o momento a partir do qual o mesmo teve “consciência de que há uma possibilidade legal de ressarcimento”. Nesse sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, datado de 01/06/2006, em que foi Relator Madeira dos Santos, no qual ficou decidido que “(...) II – O《conhecimento》, pelo lesado,《do direito que lhe compete》 – referido no art 498º, n.º 1, do Código Civil[correspondente ao artigo 491º n.º do Código Civil de Macau] – consiste em ele conhecer os factos constitutivos dos requisitos da responsabilidade, pelo que não traduz a consciência de que há uma possibilidade legal de ressarcimento. III – Ao dispor que o início do prazo prescricional não depende do conhecimento《da extensão integral dos danos》, o art. 498º, n.º 1 do Código Civil faz remontar o《dies a quo》 daquele prazo ao momento em que o lesado soube que se iniciaria a conduta lesiva, ainda que, depois disso, esta e os consequentes danos se prolongassem no tempo.” – negro nosso. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/06/2006, em que foi Relatora Manuela Gomes, e em que pode ler-se o seguinte: “De acordo com o art. 498º n.º 1 do C. Civil (...), o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar do momento em que o lesado soube ter direito à indemnização, conhecimento este que não tem de ser um conhecimento jurídico, bastando que conheça efectivamente os factos constitutivos desse direito, ficando em condições de formular um juízo subjectivo pelo qual possa qualificar aquele acto ou actos como gerador de responsabilidade civil e seja perceptível que sofreu danos em consequência daquele.” – negro nosso.
x. Contudo, o direito à indemnização só surge, no caso concreto, com a exist6encia do dano ou prejuízo. E o dano invocado no atrigo 32º da P.I., do qual decorreram todos os demais, é o facto de a doente ter ficado “inconsciente e em estado vegetativo desde a cirurgia [em 9 de Março de 2004] até agora.”. Facto de que os Pais da Autora tiveram conhecimento no próprio dia da cirurgia.
xi. A data a partir da qual deve contar-se, para todos os efeitos, o prazo de prescrição do direito à indemnização é o dia 9 de Março de 2004, uma vez que, desde essa mesma altura, os Pais da Autora têm conhecimento de todos os elementos constitutivos de responsabilidade civil, nos termos alegados na P.I. e conforme alegado pela ora Recorrida nos artigos 22º, 25º e 26º da Contestação.
xii. É com base nesse conhecimento que o Pai da Autora vem, desde 2004,acusando o Dr. XXX de ser responsável pelo estado da sua filha, assentando a sua acusação num juízo de valor que atribui aos procedimentos adoptados pelo referido médico, de que teve sempre conhecimento imediato, a causa do estado clínico de sua filha, após a cirurgia, alegando um nexo de causalidade entre aqueles procedimentos e este estado clínico.
xiii. Pelo que a alegação ora feita em sede de Recurso quanto ao momento do conhecimento do direito à indemnização consubstancia um venire contra factum proprium que também por esse motivo deve improcedência , importando a concomitante improcedência do Recurso.
Da contra-alegação de factos e apresentação de documentos comprovativos de que os Pais da Autora tomaram conhecimento dos elementos constitutivos da responsabilidade civil invocada antes de 21/05/2005 (data citação da Requerida)
xiv. Em 17 de Janeiro de 2005, o Pai da Autora apresentou uma queixa contra o Dr. XXX junto do Gabinete do Utente da ora Recorrida, na sequência da qual foi elaborado um Relatório por aquele mesmo médico, datado de 23 de Março de 2005 junto como Doc. 46 da contestação.
xv. Muito antes de 20/10/2005, o Pai da Autora considerava que havia motivos de queixa relativamente ao Dr. XXX, que claramente expressou na sua queixa de 17 de Janeiro de 2007, em que apresenta as mesmas alegações que podemos ler na sua Petição Inicial de 2008.
xvi. Em 23 de Março de 2005 já havia uma resposta escrita às dúvidas apresentadas na queixa de 17 de Janeiro, em que pode ler-se que no internamento de 29/02/2004 a 04/03/2004 não foi feito nenhum TAC cerebral e o motivo pelo qual este exame não foi feito, e que coincide com as explicações dadas pelo Dr. XXX ao Pai da Autora no dia 1 de Março de 2004.
xvii. À queixa apresentada foi dada mais uma resposta, agora pela Recorrida, em 17 Maio de 2005, em que é dito claramente que não houve qualquer erro médico por parte do Dr. XXX.
xviii. Não satisfeito com o Relatório apresentado pelo referido médico em 23 de Março de 2005, nem com a resposta que lhe foi dada em 17 de Maio de 2005 pela Recorrida, o Pai da Autora apresentou mais uma queixa junto do referido Gabinete do Utente, em 09/06/2005, persistido na tentativa de imputação dos danos à actuação do referido médico e afirmando que em 1 de Março de 2004 tinha já conhecimento de todos os elementos considerados, na P.I., como constitutivos dos requisitos de responsabilidade civil.
xix. Em 19 de Julho de 2005 e 8 de Agosto de 2005, o Pai da Autora voltou a apresentar queixas, desta feita junto do Centro de Atendimento de Queixas.
xx. É patente a confissão, quer na queixa de 09/06/2005 quer no “Registo de Queixa” assinado pelo Pai da Autora em 19/07/2005, de que durante o primeiro internamento, foram dadas ao Pai da Autora, pelo Dr. XXX, todas as respostas às perguntas que fez mais tarde na queixa de 17 de Janeiro de 2005, e que insistiu repetidamente em fazer em todas as queixas subsequentes.
xxi. Conhecimento esse que havia já sido confessado no artigo 25º da P.I. (sem prejuízo da impugnação efectuada em sede de Contestação).
xxii. E, mais tarde, na queixa de 17 de Janeiro de 2005.
xxiii. Nos termos do n.º 1 do artigo 299º do Código Civil de Macau, “O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (...).”.
xxiv. Nada impedia, nem impediu, logo em 2004, na posse das primeiras explicações dadas pelo Dr. XXX ao Pai da Autora (vide artigo 54º da P.I., acima transcrito) e após a ocorrência da lesão, nem mais tarde, em 17 de Janeiro de 2005, aquando da apresentação da queixa contra aquele médico, que o Pai da Autora tivesse apresentado, em sua representação, um Pedido de Indemnização Cível contra o mesmo médico e contra a ora Recorrida.
xxv. Uma vez que era conhecedor de todos os factos invocados em sede de P.I. como constitutivos do direito à indemnização, e era, como ainda é, o legal representante de sua filha, tendo sempre actuado nessa qualidade.
xxvi. Contudo, até 2008, nenhuma acção judicial foi intentada em representação da Autora contra a ora Recorrida, e até ao momento nenhuma acção judicial foi intentada em representação da Autora contra o Dr. XXX.
Da irrelevância do teor do Ofício a que se reporta o artigo 10º das alegações de Recurso:
xxvii. O conhecimento do teor do Ofício a que se reporta no artigo 10º das Alegações de Recurso em nada releva para o início da contagem do prazo de prescrição por dois motivos:
a. Primeiro, porque naquele documento não se diz que houve erro no diagnóstico por parte do Dr. XXX, ao contrário do que alega a A..
b. Segundo, porque aquele documento é apenas uma opinião emitida por uma entidade que não a Ré/Recorrida, que não coincide na sua totalidade, nem representa, a opinião dos Serviços de Saúde, nem sequer tem foros de Junta Médica, e poderia ter sido emitida em qualquer momento, mesmo daqui a 10 anos...
xxviii. Muito antes daquele Ofício ser enviado ao Pai da Autora, já este lutava pelo reconhecimento do nexo de causalidade entre a alegada actuação do Dr. XXX e o dano sofrido pela sua filha, designadamente, pela apresentação da queixa de 17 de Janeiro de 2005.
xxix. Por quatro vezes o Pai da Autora recebeu explicações relativamente ao processo clínico da sua filha, duas delas em que se considera que o Dr. XXX agiu de acordo com todas as regras técnicas de medicina a que estava obrigado, e ainda assim acabou por intentar a presente acção judicial.
a. A primeiro, quando lhe foram dadas as explicações pelo Dr. XXX, durante o rimeiro internamento de sua filha, em Março de 2004,
b. A segunda quando aquando do Relatório do médico da Ré, Dr. XXX, em 23 de Março de 2005;
c. A terceira, aquando da resposta da Ré, de 17 de Maio de 2005.
d. E a quarta quando recebeu o Ofício cuja cópia foi junta à P.I. como Doc. 16, com as conclusões que acima se transcreveram.
xxx. Não obstante a informação transmitida naqueles quatro momentos, absolutamente esclarecedora quanto à correcção dos procedimentos adoptados pelo Dr. XXX, veio a ser intentada a presente acção, com base numa interpretação redutora e descontextualizada do Doc. 16 junto com P.I.. O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21/01/2003, em que foi relator António Madureira é claro quando decide que “I – O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, conhecimento esse que tem sido interpretado, quer na doutrina, quer na jurisprudência, como o conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade. II – Esse conhecimento não é, contudo, um conhecimento jurídico, bastando que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, ou seja, que o lesado esteja em condições de formular um juízo subjectivo, pelo qual possa qualificar aquele acto como gerador de responsabilidade civil e seja perceptível que sofreu danos em consequência dele. III – Não obstante apenas ser reconhecido, por Junta Médica de Revisão de 14/7/96, o nexo de causalidade entre a doença sofrida por um funcionário do Ultramar e a prestação de serviço em determinado local (em apenas 10%), que o levou a ser aposentado em 1971, data a partir da qual sempre tem vindo a lutar pelo reconhecimento desse nexo de causalidade, o prazo de prescrição do seu direito indemnizatório começou a correr a partir da referida data de 1971, pois que o facto do nexo de causalidade entre a prestação de serviços ao Estado no novo local de trabalho não estar por ele reconhecido, não impedia que ele propusesse a acção e nela viesse a provar a sua verificação, como nada impedia que o recorrente pudesse impugnar o despacho que não considerou, com base na Junta Médica, haver nexo de causalidade centre a sua doença e a referida transferência, sendo certo que, na acção que deu origem ao presente recurso, também se não estribou no 10% de incapacidade, que foi considerado ser causa da transferência, mas sim em 100%, de que sempre se considerou afectado. (...) o seu direito não nasceu com o estabelecimento do nexo causal pela Junta, mas sim com a provocação dos danos pela transferência. E o início da contagem do prazo de prescrição começou com a sua tomada de consciência desses pressupostos, que sabia serem geradores de responsabilidade do Estado.” – negro nosso.
xxxi. Em 9 de Março de 2004, os Pais da Autora tinham já conhecimento de todos os factos constitutivos da responsabilidade civil requerida no âmbito dos presentes autos, nos termos em que é alegada, pelo que deverá ser aquele o dia a partir do qual se considera que “(...) o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete.”.
Contudo, caso assim não se entenda, o que não se concede e apenas se admite por mera cautela de bom patrocínio, sempre se dirá que:
xxxii. Constam dos autos elementos que permitem a prova de que, muito antes de 21/05/2005 e, sobretudo, muito antes de 21 de Maio de 2005, o Pai da Autora tinha conhecimento dos elementos constitutivos do direito a indemnização, nos termos alegados na P.I., designadamente:
a. Em 1 de Março de 2004 tomou conhecimento do diagnóstico feito pelo Dr. XXX em função da sintomatologia apresentada e dos motivos pelos quais não foi feito um TAC durante o primeiro internamento:
b. Em 9 de Março de 2004 tomou conhecimento da lesão de que a sua filha foi vítima:
c. Desde 17 de Janeiro 2005, o Pai da Autora apresentando queixas escritas contra o Dr. XXX, pugnando pelo reconhecimento de um erro médico daquele médico e do nexo de causalidade entre esse erro e o dano sofrido por sua filha.
xxxiii. Tendo em conta que, desde 9 de Março de 2004, ou desde 17 de Janeiro de 2005, até 21 de Maio de 2008 (data em que a Ré foi citada para a presente acção) decorreram mais de três anos, encontra-se prescrito qualquer direito, nos termos do n.º 1 do artigo 491º do Código Civil de Macau.
Dos factos que constituem crime:
xxxiv. Na queixa crime apresentada pelo Pai da Autora contra o Dr. XXX, pelo crime de “falsificação de documento” não vêm relatados quaisquer dos factos alegados em sede de P.I., nem tampouco alegados quaisquer dos danos invocados nesta última peça.
xxxv. Para que se pudesse sequer considerar a hipótese do n.º 3 do artigo 491º do Código Civil aproveitar à Autora, no caso concreto, com a invocação da referida queixa crime, teria a mesma de ter alegado, em sede de P.I., os factos constantes naquela queixa, e os danos que de tais factos decorreram.
xxxvi. Os ilícitos relatados na queixa e na P.I. são diferentes, e os danos resultantes dos mesmos são também diferentes.
xxxvii. Termos em que, sem mais considerandos, deve o argumento relativo à queixa-crime apresentada cair, por absolutamente infundado e desadequado ao caso concreto.
xxxviii. No que respeita ao argumento de que “Se a conduta do médico Dr. XXX (...) correspondesse a tipicidade do crime de ofensa à integridade física por negligência, p.p. pelo art.º 142º, n.º e do C. Penal, a prescrição também é de 5 anos (art.º 110º, n.º 1, alínea d) do C. Penal).”, para além de se tratar de matéria nova nunca antes alegada, nem sequer nas Réplica, parte de um pressuposto que não existe no caso dos autos: a exist6encia do direito de queixa.
xxxix. Nos termos do n.º 2 do artigo 62º do Código Penal de Macau, “No caso de o procedimento [criminal] depender de queixa ou de acusação particular, a dedução do pedido em acção cível separada pelas pessoas com direito de queixa ou acusação vale como renúncia a este direito.”.
xl. Nos termos do n.º 4 do artigo 142º do Código Penal, que prevê e regula o crime de ofensa à integridade física por negligência, ”O procedimento penal depende de queixa.”, pelo que estamos perante um dos casos em que a acção judicial, com pedido de indemnização cível, “vale como renúncia” ao direito de queixa.
xli. O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 29/04/1993, em que foi Relator Salreta Pereira, pronunciou-se sobre esta matéria no seguinte sentido: “I – Constituindo o comportamento do Réu um crime de ofensas corporais por negligência para o qual a lei comina uma pena de prisão até um ano, o A. aproveita, em acção cível, do prazo de prescrição de cinco anos, por força do preceituado no artigo 117, n.º 1, alínea c) do Código Penal e no artigo 498, n.º 3 do código civil, ainda que o processo crime seja arquivado por falta ou insuficiência de prova ou por amnistia. II – O mesmo não acontece no caso de extinção do direito de queixa ou do seu exercício extemporâneo, pois em tal situação não há prazo de prescrição do procedimento criminal, porque a este mesmo se perdeu o direito. (...).” – negro nosso.
xliii. A partir do momento em que se optou pela presente acção judicial, perdeu-se o direito de queixa relativo aos factos que, eventualmente, poderiam constituir o ilícito criminal que, por sua vez, suportaria o aproveitamento do prazo de prescrição de cinco anos resultante da al. d) do n.º 1 do artigo 110º do Código Penal, conjugado com o n.º 3 do artigo 142º do mesmo Código.
xliii. Pelo que aqueles artigos do Código Penal relativos ao prazo de prescrição não têm aplicação no presente caso.
xliv. Acresce que, em momento algum, na Petição Inicial, foi alegado pela Autora que os factos por si trazidos aos autos integram o crime de ofensas à integridade física, alegação a que estava obrigada caso quisesse fazer-se valer do prazo de prescrição previsto para aquele tipo de crime.
xlv. Nesses sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância da RAEM, de 10 de Junho de 2004, em que foi Relator João A. G. Gil de Oliveira: “(...) não se sabe, não se alegou, nem comprovou a existência de um crime, para daí poder extrair um prazo prescricional de cinco anos.
Para que fosse aplicável este último prazo, seria necessário que o autor invocasse que a indemnização formulada assentava ou tinha origem em facto ilícito criminoso para o qual a lei estabelece prazo mais longo, sendo este, neste caso, o prazo de prescrição aplicável, por força do disposto no artigo 498º, n.º 3, do Código Civil de 1966.” – negro nosso. Trata-se de Jurisprudência consentânea com o que vem sendo defendido também em Portugal, designadamente, e a título de exemplo, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/12/2004, em que foi Relator Freitas Carvalho, no qual pode ler-se: “(...) No caso em apreço, nem em sede criminal se apurou que a conduta dos aqui Rr. ali denunciados, fosse susceptível de integrar qualquer tipo de crime, nem na petição inicial é feita a mínima alegação de que o facto ilícito de que fazem derivar a responsabilidade civil dos RR constitui crime cujo prazo prescricional ultrapasse o prazo geral de três anos fixado no n.º 1, do artigo 498º, do C. Civil, pelo que, tendo sido a acção proposta muito depois do terminus deste último prazo, o direito que os Autores pretendiam exercer se encontrava já prescrito.” – negro nosso.
xlvi. Da leitura daquele Acórdão podem retirar-se duas conclusões:
a. Primeira: Para beneficiar do prazo penal nos termos permitidos pelo n.º 3 do artigo 491º do Código Civil é necessário alegar que os factos trazidos aos autos para além de constituírem ilícito civil, passível de responsabilidade civil, constituem ilícito penal ou crime cujo prazo de prescrição ultrapasse o prazo geral de 3 anos;
b. Segunda: Para beneficiar do prazo penal nos termos permitidos pelo n.º 3 do artigo 491º do Código Civil é necessário que pelo menos um dos Réus seja o autor dos factos que consubstanciariam o crime.
xlvii. A presente acção judicial foi proposta apenas contra os Serviços de Saúde de Macau e não contra o Dr. XXX.
xlviii. Quem alegadamente praticou os factos que eventualmente poderiam consubstanciar o crime de ofensas à integridade física (não alegado) não veio demandado nos autos, pelo que não pode a Autora querer fazer-se valer de um prazo penal perante um alegado responsável civil a quem não é imputada a autoria daqueles mesmo factos.
xlix. Esta mesma tese foi sustentada num outro Acórdão de 25/09/2008, do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, em que foi Relator Costa Reis: “(...) o prazo prescricional previsto no n.º 3 do citado art.º 498º do CC, só é aplicável quando o Réu é o autor do crime que fundamenta o pedido indemnizatório e porque a ilega emissão do B.I. pelos serviços de identificação em nome de pessoa errada não configura crime por parte destes serviços, aquele prazo não tem aplicação se a acção for apenas dirigida contra o Estado.” – negro nosso.
Da alegada suspensão da prescrição a favor da incapacidade
l. Nos termos do n.º 1 do artigo 312º do Código Civil de Macau, “Salvo se respeitar a actos para os quais o menor tenha capacidade, a prescrição contra menores não se completa sem terem decorrido 2 anos sobre a data em que o menor passou a ter representante legal ou administrador dos seus bens, ou adquiriu plena capacidade.”.
li. A Autora, desde que nasceu e enquanto menor, sempre esteve devidamente representada por seus Pais, pelo que há muito decorreu já o prazo de dois anos sobre a data em que A passou a ter representante legal, ou seja, desde o dia 11 de Agosto de 1990, data em que completou dois anos de idade.
lii. No que respeita à suspensão que começaria no dia em que a Autora adquirira plena capacidade, também não há lugar à sua aplicação, uma vez que, não obstante a Autora ter completado 18 anos em 11 de Agosto de 2006, acabou por não adquirir plena capacidade devido ao seu estado clínico.
liii. Já no que respeita à real situação de “incapacidade de facto” em que a Autora se encontra, sempre se repetirá que a Autora sempre teve representantes legais, designadamente os seus pais.
liv. Tanto assim é que o regime especial de curadoria foi autorizado unicamente para efeitos de representação na presente acção judicial, com base na alegação de que o legal representante da Autora, seu Pai, será arrolado como testemunha.
lv. Não obstante a Autora ter já atingido os dezoito anos de idade, a sua incapacidade de facto de governar a sua pessoa e bens é confessada na P.I. e aceita-se para todos os efeitos legais, subsumindo-se aos casos previstos no n.º 1 do artigo 122º do Código Civil.
lvi. O instituo jurídico criado para este tipo de situação é a tutela. Nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 126º do Código Civil, a tutela dos indivíduos que se mostram incapazes de governar as suas pessoas e bens deve ser deferida aos progenitores.
lvii. Ainda, estipula o artigo 127º do Código Civil que, “Recaindo a tutela sobre os progenitores, ou algum deles, estes exercem o poder paternal como se dispõe no artigo 1733º e seguintes da secção correspondente.”.
lviii. De acordo com a cópia da sentença proferida no âmbito da Acção de Divórcio Litigioso, que constitui parte do Documento 2 junto com o requerimento junto aos autos em 5 de Maio de 2008, o poder paternal da Autora, enquanto menor, foi atribuído a sue Pai, que está vivo e que tem vindo a exercer, ininterruptamente, aquele poder paternal, sem que tenha havido qualquer alteração até à presente data, com excepção da propositura da presente acção judicial.
lix. Sendo certo que a curadoria especialmente autorizada para efeitos de propositura da presente acção tem por base uma declaração passada pelo Pai da Autora, na qualidade de seu representante legal.
lx. Para todos os efeitos, tudo se passou e ainda passa como se a Autora fosse ainda menor, uma vez que se mantém a sua incapacidade, ainda que por motivos diferentes, e não houve qualquer interrupção na forma com a mesma tem vindo a ser representada, uma vez que seu Pai continua a exercer o poder paternal nos termos em que sempre exerceu.
lxi. Nada se alterou quanto à representação da Autora que justifique um qualquer cuidado quanto a prazos de prescrição dos seus direitos, uma vez que:
a) Quem a representa actualmente para todos os efeitos legais, com excepção da presente acção judicial, pelos motivos apontados é quem a representava um Março de 2004 e quem sempre a representou desde a sua nascença até ao momento;
b) Quem a representa está e sempre esteve em condições de propor a presente acção em representação da sua filha, e se não o fez, autorizando o requerimento da curadoria por parte de sua irmã, Tia da Autora, foi por motivos de estratégia processual e não porque a isso estivesse impedido;
c) Quem a representa está e sempre esteve ciente e conhecedor de todos os factos que, nos termos alegados na P.I., seriam constitutivos do direito da Autora à indemnização.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente porque infundado, mantendo-se a decisão recorrida.
  
    Conhecendo.
    Nos presentes autos, o Tribunal a quo julgou improcedentes os pedidos de indemnização por ter entendido que os seus direitos de indemnização estava já prescritos,essencialmente com fundamento de ter ocorrido o prozo de prescrição previsto no artigo 491º nº 1 do Código Civil, não tendo colhido a defesa da causa de prejudicialidade do procedimento criminal contra o médico envolvido, por entender que tais factos não prejudica a dedução dos pedidos de indemnização resultante da prestação dos serviços médicos.
    Vejamos.
    Quanto ao prazo ordinário da prescrição prevê o artigo 302º do Código Civil que “o prazo ordinário da prescrição é de 15 anos.”
    Porém, em especial, prevê o artigo 491º do Código Civil, quanto à prescrição do direito de indemnização, como o caso do presente, que:
  “1. O direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
  2. Prescreve igualmente no prazo de 3 anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
  3. Se o facto ilícito constituir crime para cujo procedimento a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável; contudo, se a responsabilidade criminal ficar prejudicada por outra causa que não a prescrição do procedimento penal, o direito à indemnização prescreve no prazo de 1 ano a contar da verificação dessa causa, mas não antes de decorrido o prazo referido na primeira parte do n.º 1.
  4. A prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação nem da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra.”
    Quer dizer, no caso normal, o prazo de prescrição do direito de indemnização é de 3 anos.
    Seguidamente, tem que considerar os factores que obstar o início do curso do prazo, nomeadamente a suspensão do prazo.
    Quanto ao início do curso da prescrição, o artigo 299º do Código Civil prevê que:
  “1. O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.
  2. A prescrição de direitos sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial só começa depois de a condição se verificar ou o termo se vencer.
  3. Se for estipulado que o devedor cumprirá quando puder, ou o prazo for deixado ao arbítrio do devedor, a prescrição só começa a correr depois da morte dele ou, caso se trate de pessoa colectiva, da sua extinção.
  4. Se a dívida for ilíquida, a prescrição começa a correr desde que ao credor seja lícito promover a liquidação; promovida a liquidação, a prescrição do resultado líquido começa a correr desde que seja feito o seu apuramento por acordo ou sentença transitada em julgado.”
    Sendo menor a vítima (nascida em 11 de Agosto de 1988), na data do acidente (9 de Março de 2004), não se beneficiava o disposto no artigo 312º do Código Civil,2 por ter sempre o representante legal, o seu pai a quem incumbia o exercício do poder paternal (determinado na acção de divórcio entre os seus pais da menor), na data em que a menor completou 18 anos ou seja passou a ser maior (11 de Agosto de 2006), o prazo de prescrição correu (desde 10 de Março de 2004) apenas 2 anos e 5 meses, e como a vítima não podia exercer o seu direito nos termos e para os efeitos previstos no artigo 299º nº 1 do Código Civil, a vítima pode beneficiar o disposto no artigo 313º do Código Civil, que se prevê:
  “Artigo 313º (Suspensão por motivo de força maior ou dolo do obrigado)
  1. A prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos 3 meses do prazo, não se completando nunca antes de decorrido 1 mês após o termo da causa de suspensão.
  2. Se o titular não tiver exercido o seu direito em consequência de dolo do obrigado, é aplicável o disposto no número anterior.”
    Não obstante o facto de, depois a maioridade da vítima, a continuação do exercício do poder paternal pelo pai por iniciativa deste inclusive a proposição da presente acção, e o facto de recusar o exercício por motivo de ser testemunha importante da acção, a vítima, após atingido à maioridade, nunca podia deixar de estar impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior pelo facto de encontrar-se em coma e na situação vegetal.3
    Nesta conformidade, como a acção fora proposta no momento da suspensão do prazo da prescrição, deve a acção ser considerada proposta em tempo.
    Finalmente, não podemos deixar de referir, este decidido fará inutilizar a tese da aplicação do disposto nos artigos 61º e 62º do Código do Processo Penal.
    Pelo que, a decisão recorrida deve ser revogada, e em consequência o Tribunal deve ordenar o prosseguimento do processo até ao seu termo, se outra causa não o impeça.
    
    Ponderado resta decidir.
    Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em conceder provimento ao recurso interposto por A – representada pela curadora especial B – e em consequência revogar a decisão recorrida, devendo ordenar o prosseguimento dos autos até final, se outro motivo não o impeça.
    Sem custas nesta instância, e a da primeira instância pelo vencimento final, sem prejuízo da isenção legal.
RAEM, aos 10 de Janeiro de 2013

Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
José Cândido de Pinho

Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho
1 請求判處被告支付原告合共:MOP$6,729,576.00,當中包括:
a. 財產上損失:澳門幣$3,729,576.00元;
b. 精神損害賠償:澳門幣$3,000,000.00元;
c. 原告仍然需要接受治療的費用,留待執行判決時方另行結算;及
d. 合理的訴訟代理費用及由傳喚被告開始計算直至完全支付為止之法定利息。
2 Artigo 312.º (Suspensão a favor de menores, interditos ou inabilitados)
   1. Salvo se respeitar a actos para os quais o menor tenha capacidade, a prescrição contra menores não se completa sem terem decorrido 2 anos sobre a data em que o menor passou a ter representante legal ou administrador dos seus bens, ou adquiriu plena capacidade.
   2. É igualmente aplicável o disposto no n.º 2 do artigo anterior.
   3. Fica sempre ressalvado o direito de o menor reclamar a responsabilidade civil contra o representante legal ou administrador de bens, cuja negligência haja dado causa à prescrição.
   4. O disposto nos números anteriores é aplicável aos interditos e inabilitados que não tenham capacidade para exercer o seu direito, com a diferença de que a incapacidade se considera finda, caso não tenha cessado antes, passados 3 anos sobre o termo do prazo que seria aplicável se a suspensão se não houvesse verificado.

3 É duvidoso que a nomeação do tutor especial da lide durante o decurso do processo pode ser considerado como factor que faz cessamento da causa do impedimento do exercício do direito da vítima.
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TSI-32-2009 Página 35