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Processo nº 936/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 14 de Março de 2013
Descritores:
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso anual


SUMÁRIO:

I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1), permite a integração das gorjetas na segunda.

II- O trabalhador que preste serviço em dias de descanso anual ao abrigo do DL 101/84/M, mesmo tendo auferido o salário correspondente, terá direito ainda a uma compensação equivalente a mais um dia de salário médio diário, ao abrigo dos arts. 23º, n.1 e 24º, n.2 (salário médio diário x1).

III- Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante esses dias, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n.101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também apenas mais um dia de salário (salário médio diário x1).




Proc. nº 936/2012

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, com os demais sinais dos autos, instaurou no TJB acção de processo comum contra a STDM pedindo o pagamento da quantia de Mop$ 446.956,06 a título de compensação pelos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios não gozados, nem pagos, durante o tempo por que durou a relação laboral estabelecida com a demandada.
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No despacho saneador foram julgados prescritos os créditos salariais anteriores a 27/02/1988.
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Na oportunidade foi a acção julgada parcialmente procedente e a ré condenada a pagar ao autor a quantia de Mop$ 459,20 e juros de mora respectivos.
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A sentença viria, porém, a ser anulada, tendo sido determinada a repetição do julgamento da matéria de facto, o que foi feito.
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Foi, então, lavrada nova sentença, que julgou uma vez mais a acção parcialmente procedente e condenou a ré no pagamento ao autor das quantias de Mop$67,65 e HKD 3.230,00 e juros respectivos.
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É dessa decisão que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações o recorrente, autor da acção, apresenta as seguintes conclusões:
«A - Ao abrigo do disposto no art. 25º do RJRT, as gorjetas são parte integrante do salário da recorrente, sob pena de, não o sendo, o salário não ser justo;
B - A Sentença recorrida viola do Princípio da Igualdade, pois os direitos dos trabalhadores nas mesma circunstâncias do recorrente têm vindo a ser acauteladas pelos Tribunais da R.A.E.M., existindo sobre a questão Jurisprudência Assente e que considera serem as gorjetas parte integrante dos salário dos trabalhadores da recorrida.
C - Ao não considerar as gorjetas parte integrante do salário do recorrente, a Sentença proferida viola o constante do art. 25º do RJRT, o art. 23º, nº 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o art. 'JO do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, entre outros, com a consequente abertura de portas à violação do direito a uma existência decente e minimanente digna, sujeitando os trabalhadores a uma subsistência miserável, indigna, semelhante a uma possível “escravatura moderna”.
D - Tendo considerado provado na Base Instrutória e na matéria assente, em que ficou expresso que o salário do recorrente inclui as gorjetas recebidas e distribuídas aos trabalhadores pela recorrida, não pode vir o MMo Juiz a quo, a posteriori e em sede de Sentença, decidir que, afinal, tais montantes não integram o seu salário.
E - Inexiste qualquer identidade ou paralelismo entre a situação dos trabalhadores dos casinos em Portugal e os de Macau, porque aqueles recebem, desde logo, da entidade patronal um salário justo, i.e., que permite a sua normal subsistência, nunca inferior ao salário mínimo Nacional, sendo que caso as gorjetas não fizessem parte integrante do salário dos trabalhadores de Macau, seria o seu salário miserável e incapaz de prover à sua alimentação, quanto mais às restantes necessidades do ser humano.
F - Também, em Portugal, situação analizada na Douta Sentença proferida, as gorjetas não são recebidas e distribuídas ao belo prazer da entidade patronal, segundo regras e critérios desconhecidos dos trabalhadores, sendo a questão clara e transparentemente regulada por Lei.
G - Na exclusiva parte recorrida, é a Douta Sentença proferida nula, de acordo com todo o exposto e o contido no art. 571º, nº 1, alíneas b) e c) do C.P.C..
H - Devendo os montantes em que foi condenada a Ré, a título de compensação ao Autor pelos dias de descanso semanal e anual não gozados, serem devidamente re-calculados por forma a neles se incluir o valor correspondente à parte variável do salário, i.e., o valor correspondente às gorjetas.
Termos em que, e nos melhores de Direito, sempre com o mui Douto suprimento de V. Exªs, Venerando Juízes, deverá ser declarada nula a Sentença proferida quanto à não integração das gorjetas no salário do recorrente, com as legais consequências, assim se fazendo a esperada JUSTIÇA!»
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A STDM respondeu ao recurso e, simultaneamente, recorreu subordinadamente, concluindo as respectivas alegações do seguinte modo:
«1. Não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo que entendeu que as gorjetas oferecidas pelos clientes de casino da Recorrida não constituem remuneração ou salário do Recorrente.
2. Resulta provado nos presentes autos que o rendimento global auferido pelo Recorrente durante a vigência do seu contrato de trabalho era composto por duas partes - uma fixa diária e outra variável resultante das gorjetas entregues pelos clientes da R..
3. Não se verifica na legislação de Macau qualquer especificidade que possa levar o julgador a um entendimento diverso do conceito de salário daquele que é seguido pela doutrina e jurisprudência em geral, nomeadamente a portuguesa.
4. A retribuição caracteriza-se por quatro elementos essenciais e cumulativos, a saber:
(i) é uma prestação regular e periódica;
(ii) realizada em dinheiro ou em espécie;
(iii) a que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal;
(iv) como contrapartida do seu trabalho.
5. As gratificações suportadas por terceiros (e não pela entidade empregadora) não constituem o salário ou a retribuição de um trabalhador porquanto não correspondem a um dever jurídico da entidade patronal perante o trabalhador, mas sim a uma liberalidade efectuada por um terceiro.
6. Um trabalhador não pode exigir judicialmente à sua entidade empregadora o pagamento de gorjetas quando não o mesmo não ocorra voluntariamente.
7. “Dar gorjetas” não cabe (nem pode caber) à Recorrida, não se enquadrando tal prestação na relação sinalagmática típica de um contrato de trabalho e não sendo a Recorrida obrigada a substituir-se ao Cliente que não deu uma gorjeta ou deu uma gorjeta de menor valor.
8. O pagamento de gorjetas não tem carácter de obrigatoriedade.
9. Afirmar o contrário poderá levar ao extremo de, deixando os Clientes de casinos da Recorrida de “dar gorjetas”, os trabalhadores virem exigir desta o pagamento de uma quantia que não existe, que não tinha carácter de obrigatoriedade, que a Recorrida não tinha recebido por qualquer forma ou meio e da qual não podia, mesmo querendo, dispor.
10. É pacífico o entendimento de que as gorjetas dadas por terceiros aos empregados de casino não constituem retribuição ou salário porquanto não correspondem a uma prestação do empregador, mas sim de um terceiro, e não são juridicamente obrigatórias, tendo uma natureza eventual.
11. Estando em causa gorjetas comprovadamente oferecidas por terceiros, estas dependem do seu recebimento do animus donandi desses terceiros, aos quais a Recorrida é alheia e que são estranhos à relação jurídico-laboral estabelecida entre A. e R., só se pode entender que tais quantias não constituem salário.
12. Atenta a factualidade provada nos autos, o contexto normativo e a doutrina existente, a verdade é que a Recorrida nada mais era do que uma intermediária, que apenas geria o dinheiro das gorjetas e, na ausência de regulamentação legislativa, criou as linhas orientadoras para a sua distribuição por todos os seus trabalhadores.
13. O mero facto de haver um processo de distribuição das gorjetas definido pela Recorrida - quando não existe um procedimento definido por lei - não pode implicar a descaracterização das mesmas enquanto gorjetas.
14. Dispõe o n.º 1 do art. 25.º do RJRTCT que os trabalhadores têm direito a um salário justo pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, conceito que se encontra plasmado em outros normativos legais, nomeadamente na al. b) do n.º 1 do art. 7.º e no n.º 2 do art. 27.º do RJRTCT, no art. 23.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no art. 7.º do Pacto sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, tendo como base a dignidade da pessoa humana.
15. Se em países como Portugal - e mais recentemente na RAEHK - existe um quantitativo imposto por lei como retribuição mínima garantida, em Macau o salário é fixado sempre por acordo entre empregador e trabalhador.
16. Há que olhar para cada relação laboral individualmente e, in casu, analisar em concreto a situação do Recorrente.
17. O Recorrente acedia a uma atribuição patrimonial muito elevada em virtude de trabalhar para a Recorrida, sendo-lhe garantida uma simbólica retribuição fixa, mas uma importante oportunidade de ganho, que efectivamente se concretizava.
18. O rendimento total do Recorrente decorrente da execução do seu contrato de trabalho com a Recorrida é um salário justo para efeitos do n.º 1 do art. 25.º do RJRTCT.
19. Andou bem o Tribunal a quo ao considerar, tal como o Tribunal de Última Instância da RAEM o tem vindo a fazer, que as gorjetas recebidas pelos empregados de casino, em Macau, não fazem parte do salário.
20. Não merece qualquer censura a fórmula de cálculo adoptada pelo Tribunal a quo para apurar os montantes eventualmente devidos à Recorrente.
Por outro lado, conclui-se também, em relação ao Recurso Subordinado ora apresentado do seguinte modo:
21. Assim, na eventualidade de vir a ser confirmada a obrigação de indemnizar o Recorrente, devem ser aplicadas as seguintes as fórmulas para o cálculo do quantum indemnizatório a título de trabalho em dias de descanso anual:
i. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x0 (porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o A. de gozar quaisquer dias de descanso).
22. Caso assim não se entenda, devem ser aplicadas as fórmulas adoptadas nos Acórdãos do Tribunal de Última Instância proferidos no âmbito dos Processos n.º 28/2007, 29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente;
23. Conforme resulta da posição defendida e mantida pela ora Recorrente Subordinada nestes autos, não merece qualquer censura a fórmula de cálculo adoptada pelo Tribunal a quo para apurar os montantes putativamente devidos ao ora Recorrido Subordinado, na parte em que o mesmo faz relevar para efeito do cálculo apenas a remuneração fixa (ou base) deste.
24. No entanto, atenta a factualidade assente nos autos e o Direito ao qual é subsumível tal factualidade, andou mal o Tribunal a quo quando determinou os multiplicadores aplicáveis ao cálculo do quantum indemnizatório a título de descansos anuais.
25. Assim, na eventualidade de vir a ser confirmada a obrigação de indemnizar o ora Recorrido Subordinado, devem ser os seguintes os multiplicadores aplicáveis na fórmula destinada ao cálculo do quantum indemnizatório:
26. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x0 (porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o A. de gozar quaisquer dias de descanso).
27. Caso assim não se entenda, devem ser aplicadas ao referido cálculo as fórmulas adoptadas nos Acórdãos do Tribunal de Última Instância proferidos no âmbito dos Processos n.º 28/2007, 29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente.
28. Salvo melhor entendimento e posições doutrinais e jurisprudenciais em contrário, a ora Recorrente subordinada entende que não se encontra em mora relativamente a quaisquer compensações enquanto o crédito reclamado não se tomar líquido, com o trânsito em julgado da decisão condenatória,
29. É que, como se sabe, nos termos do disposto no número 4 do artigo 794º do CC, se o crédito for ilíquido não há mora enquanto não se tomar líquido e, no entendimento da ora Recorrente subordinada, tal iliquidez não lhe é imputável.
30. Quanto à natureza ilíquida do crédito não restam dúvidas, pois logo na P. I. e na Contestação, A. e R. deixaram bem patente que não estão de acordo quanto ao quantum de um montante indemnizatório eventualmente devido.
31. Na esteira do Acórdão do TUI proferido no âmbito do Processo n.º 69/2010, em 02/03/2011 “ (...) em caso de litígio judicial quanto ao valor dos danos, o crédito só se toma líquido quando o juiz o fixa, seja na sentença em l.ª Instância, seja na decisão em recurso, quando o valor fixado anteriormente é alterado ou quando em 1.ª Instância, por uma razão ou por outra, nenhum valor é fixado. Podendo mesmo acontecer que o devedor só entre em mora na execução, se o montante dos danos só nesta fase for liquidado (art. 564.º, n.º 2 do Código de Processo Civil) ”
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o recurso apresentado pelo Recorrente ser julgado improcedente por não provado, procedendo o Recurso Subordinado, deste modo fazendo Vossas Excelências a habitual e costumada Justiça.»
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
«1. O A. iniciou a relação contratual com a R. em 11 de Setembro de 1984.
2. O A. cessou a relação contratual com a R. em 6 de Fevereiro de 1994.
3. O A. foi admitido como empregado de casino (樓面, 庒荷), recebendo de dez em dez dias da R., desde o início da relação contratual até à data da sua cessação, duas quantias, uma fixa, no valor de MOP$4.10 por dia, desde o seu inicio até 30 de Junho de 1989, e de HKD$10.00 por dia, desde 1 de Julho de 1989 até à data da cessação da relação contratual, e ainda outra parte variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por gorjetas.
4. As gorjetas eram distribuídas por todos os empregados de casinos da R., e não apenas aos que têm “'contacto directo” com clientes nas salas de Jogo.
5. Os empregados que não trabalhavam directamente nas mesas ou os que não lidavam com clientes tinham também direito a receber quota-parte das gorjetas distribuídas.
6. As gorjetas eram provenientes do dinheiro recebido dos clientes de casinos.
7. Dependentes, pois, do espírito de generosidade desses mesmos clientes.
8. Pelo que o rendimento dos trabalhadores da R. tinha uma componente quantitativamente incerta.
9. O A. como empregado de casino, foi expressamente avisado pela R. que era proibido guardar com quaisquer gorjetas entregues pelos clientes de casinos.
10. O A. prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela R..
11. O A. tinha direito a pedir dias de dispensa ao serviço, mas não eram pagos, quer com rendimento diário fixo, quer com gorjetas correspondentes.
12. As gorjetas oferecidas a cada um dos seus trabalhadores pelos seus clientes eram reunidas e contabilizadas diariamente pelos seguintes indivíduos: um funcionário do Departamento de Inspecção de Jogos de Fortuna ou Azar, um membro do departamento de tesouraria da R., um “floor manager” (gerente do andar) e trabalhadores das mesas de jogo da R., e depois distribui das, de dez em dez dias, por todos os trabalhadores dos casinos da R..
13. A composição do rendimento a que se alude na alínea C) da matéria de facto assente foi acordada através de acordo verbal celebrado entre A. e R..
14. Durante o período em que prestava serviço à R., o A. recebeu nos anos de 1984 a 1994, os seguintes rendimentos:
a) 1984 = 11,178;
b) 1985 = 40,594;
c) 1986 = 57,300;
d) 1987 = 92,488;
e) 1988 = 111,185;
J) 1989 = 145,065;
g) 1990 = 179,018;
h) 1991= 182,625;
i) 1992 = 192,291;
j) 1993 = 201,399;
k) 1994 = 21,660.
15. Ficou acordado que o A. tinha direito a receber gorjetas conforme o método vigente adoptado pela R..
16. O tal modo de pagamento (do rendimento variável) foi sempre regular e periodicamente cumprido pela R. e o A. sempre teve a expectativa do seu 1 recebimento.
17. Os trabalhadores, incluindo o autor, recebiam quantitativo diferente de gorjetas, consoante os respectivos cargos.
18. Durante a vigência da relação contratual, nunca o A. foi dispensado pela R. de um dia de descanso por cada semana de serviço prestado.
19. Nem a R. pagou ao A. qualquer compensação pecuniária pelo serviço prestado nesses dias.
20. Nem lhe concedeu outro dia de descanso.
21. Durante a vigência da relação contratual, nunca o A. foi dispensado pela R. de seis dias de descanso por cada ano de serviço prestado.
22. Nem a R. pagou ao A. qualquer compensação pecuniária pelo serviço prestado nesses dias.
23. A R. nunca pagou ao A. qualquer compensação pecuniária a título de serviço prestado em dias de feriado obrigatório.
24. A ré apenas pagou ao autor as quantias referidas no quesito 6.º.
25. E tal foi expressamente esclarecido aquando da sua contratação.
26. Aquando da contratação do A. pela R., esta propunha o seguinte:
1. O rendimento seria pago à razão diária, mas apenas pelos dias em que fosse efectivamente prestado trabalho;
2. Caso pretendesse gozar dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios, simplesmente esses dias não seriam pagos.
27. O autor aceitou livre e espontaneamente essas condições.
28. O A. era livre de pedir o gozo de dias de descanso sempre que assim o entendesse, desde que tal gozo não pusesse em causa o funcionamento da empresa da R..
29. Aquando da contratação do A., como com todos os trabalhadores da R., esta informava os trabalhadores de que a quota-parte das gorjetas doadas pelos clientes da R., por ser variávc1 imprevisívc1, representava um risco para os trabalhadores.
30. O A. estava ciente de que, se por qualquer motivo, em determinado dia, os jogadores não dessem gorjetas, não receberia qualquer rendimento relativo à sua quota-parte das gorjetas.
31. Os trabalhadores optavam por trabalhar nos dias de descanso semanal, anual e dias de feriados obrigatórios para auferir os respectivos rendimentos.»
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III- O Direito
1 – Introdução
A sentença em crise decidiu o seguinte:
a) Por não se ter provado quantos dias de descanso em feriado obrigatório o autor da acção terá trabalhado – pois apenas se provou que a Ré nunca pagou ao A. qualquer compensação pecuniária a título de serviço prestado nesses dias – considerou improcedente a pretensão do demandante a esse título;
b) Julgou totalmente procedente a pretensão indemnizatória quanto aos dias de descanso semanal e anual, por se ter provado que o A. nunca gozou qualquer dia de descanso nesses dias.
E quanto a estes consignou que a compensação deveria ser apurada com:
- 1 salário diário por cada dia de descanso semanal não gozado (apenas para o período posterior a 3/04/1989);
- 1 salário diário por cada dia de descanso anual não gozado entre 1984 e 2/04/1989; e
- 3 salários diários por cada dia de descanso anual não gozado no período posterior a 3/04/1989.
No cálculo da indemnização apenas levou em linha de conta o valor do salário reportado à quantia fixa, excluindo portanto as gorjetas.
Nas conclusões A a F e H das alegações, o recorrente, autor da acção, defende que as gorjetas fazem parte do salário. Na conclusão G opina no sentido da nulidade da sentença ao abrigo do art. 571º, nº1, als. b) e c). do CPC.
Isto é, circunscreveu o recurso à questão de direito que envolve o conceito de salário, concordando expressamente (ver ponto 2 das alegações) com a sentença quanto ao demais nela decidido.
Temos assim que acatar o que a sentença decidiu quanto ao período atendível para efeito do cálculo do valor da indemnização pelos dias de descanso semanal (portanto, apenas está em causa o que vai de 3/04/1989 até 6/02/1994), assim como temos que aceitar, por não fazer parte do objecto do recurso, o período definido para o valor dos dias de descanso anual (28/02/1988 até 6/02/1994), tal como, finalmente, não podemos deixar de acriticamente admitir os factores de multiplicação utilizados para o cálculo da indemnização (1, para os dias de descanso semanal e 1 e 3, consoante o período, para os dias de descanso anual).
Ou seja, o que resta apurar é, portanto, se o valor do salário integra ou não o das gorjetas e daí extrair as devidas consequências.
*
Na resposta ao recurso, a STDM limitou-se a sustentar a bondade da sentença sob censura no que concerne ao valor da massa salarial.
No recurso subordinado, porém, insurge-se contra a sentença no que respeita aos factores multiplicadores a aplicar na fórmula de cálculo da indemnização dos dias de descanso anual e, bem assim, no que concerne ao início da contagem dos juros de mora.
*
Exposta a matéria impugnativa, e deste modo apurado o objecto dos recursos, cremos que importará, efectivamente, começar pela análise do recurso principal quanto à dimensão da massa salarial e suas partes componentes, para posteriormente daí se mergulhar na análise conjunta e simultânea de ambos os recursos, haja em vista o apuramento da indemnização em função dos factores aplicáveis.
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2- Do recurso principal
2.1- Da nulidade da sentença
Imputou à sentença o recorrente a nulidade de que trata o art. 571º, nº1, als. b) e c), do CPC.
Ora, não se vê espelhada nas respectivas alegações matéria impugnativa que tenha a virtualidade de corresponder sequer à previsão de nenhuma das causas de nulidade.
Na verdade, se o M.mo Juiz tiver errado na aplicação do direito à matéria factual assente, como o autor-recorrente assevera no ponto 13 das suas alegações, então o caso não se subsume ao disposto na al. b), do nº1, do citado artigo. Do que se tratará é de um errado julgamento e, então, a solução só poderá ser o provimento do recurso com a consequente revogação da decisão.
No que respeita à al. c), do nº1, do art. 571º, defende o mesmo recorrente nos pontos 18 e 19 das suas alegações, que, se o M.mo Juiz deu como provado que o autor auferiu determinados “ rendimentos anuais” (em que estavam incluídas as gorjetas), então não podia depois disso concluir que os salários diários eram apenas constituídos pelas quantias fixas.
Ora, também aqui, salvo o devido respeito, nos parece que o recorrente não tem razão. Não cremos, efectivamente, que haja aqui qualquer contradição entre fundamentação e decisão, uma vez que a circunstância de o tribunal “a quo” ter consignado que o recorrente auferiu determinados rendimentos em nada o impedia de considerar que deles estavam excluídas as gorjetas. Quer dizer, embora estas fizessem parte dos rendimentos globais do recorrente, nem por isso o M.mo juiz estaria a aceitar que neles estavam necessária e juridicamente englobadas as gorjetas, pois para si estes eram rendimentos extraordinários que estavam subtraídos ao conceito de salário.
Improcede, pois, a arguição das referidas nulidades.
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2.2- Do mérito do recurso
O recorrente começou a trabalhar para a STDM como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até à cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos, para o efeito, do aresto lavrado no Ac. de 19/03/2009, Proc. nº 690/2007:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
Aliás, e para terminar este ponto, não podemos deixar de salientar uma questão que emerge da própria matéria assente. Com efeito, se é líquido que o autor da acção recebia desde o início da contratação uma parte fixa e outra variável (ver facto C) e ponto 3 da fundamentação de facto), e se a composição do rendimento a que se alude na referida alínea C) foi acordada entre A e R (facto M) e ponto13 da fundamentação de facto), então dificilmente se aceita que entre as partes não tenha sido estabelecida desde logo a fórmula de composição do salário de modo a que abrangesse tanto a contrapartida fixa, como a parte variável das gorjetas.
É para nós, portanto, questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
*
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. E certo também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Mas, o certo é que, para estes casos, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 03h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, vejam-se os acórdãos proferidos nos Processos nºs 780/2007, de 31/03/2011, 423/2008, de 23/06/2011 e 726/2012, de 22/11/2012, entre tantos outros.
Quer isto dizer, por conseguinte, que procede o recurso do autor da acção.
*
3- Do recurso subordinado
3.1- Importa agora averiguar qual o valor indemnizatório a atribuir ao autor da acção, sem esquecer, contudo, que por ele não ter feito uso do recurso para contrariar os factores de cálculo utilizados na sentença, neste momento a impugnação está reservada expressamente pela STDM aos que a decisão recorrida empregou (1 e 3) relativamente aos dias de descanso anual.
Assim, avancemos
a) Descanso semanal
Na vigência do DL n. 101/84/M
Nada está em causa no recurso no que respeita ao período da relação laboral abrangido pelo DL nº 101/84/M. A sentença entendeu que nada era devido ao abrigo desse diploma e o recorrente conformou-se com o decidido.
Na vigência do DL n. 24/89/M
Entendeu a sentença que o factor multiplicativo era o 1. Como nada está em discussão no recurso a esse propósito, resta apurar o valor indemnizatório em razão dos valores diários consideráveis, agora que o salário se redefiniu como incluindo as gorjetas. Ater-nos-emos para tanto aos rendimentos apurados nos diversos anos, conforme resposta ao quesito 6 (facto 14 da fundamentação de facto).


Nº de dias de descanso semanal
Salário médio diário
Factor:
X1
Valor da indemnização
3/04/89 a 31/12/1989
39
402,96

15.715,44
1990
52
497,27

25.858,04
1991
52
507,29

26.379,08
1992
52
534,14

27.775,28
1993
52
559,44

29.090,88
1994 (de 01/01 a 6/02)
5
585,41

2.927,05
TOTAL: 127.745,77
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b) Descanso anual
A sentença procedeu ao cálculo da indemnização, aplicando o factor 1 para o período compreendido no âmbito da vigência do DL nº 101/84/M (excluindo o que ficou abrangido pela prescrição), e o factor 3 para o período reportado ao DL nº 24/89/M.
Vejamos.
- Na vigência do DL n. 101/84/M
O art. 23º, n.1 reza assim:
“O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios”.
O art. 24º, por seu turno, dispõe do seguinte modo:
“1- O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2- No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período”.
A solução coerente e harmónica com todo o espírito que perpassa no diploma, já vista nos restantes casos, não pode deixar de ser a que impõe ao empregador o dever de pagar mais uma unidade salarial. Expliquemo-nos mais uma vez, tanto por uma, como por outras das perspectivas que temos vindo a desenhar.
1ª Perspectiva (pagamento do devido):
Suponhamos que o empregador pagou ao trabalhador a importância que ele sempre teria que receber pelo gozo dos dias de descanso anual – sem perda de salário, diz o art. 23º, n.1; sem possibilidade de desconto no salário mensal, diz o art. 28º.
Como ele trabalhou nesse dia, falta pagar-lhe o salário correspondente ao serviço prestado. Ou seja, tem a receber 1 (um) crédito salarial correspondente a um dia de salário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado):
Se o empregador já pagou ao trabalhador o serviço prestado em cada um desses dias, falta pagar-lhe o valor correspondente aos dias de descanso não gozados e que sempre lhe seria devido. Portanto, 1 (um) dia de crédito salarial.
A fórmula é, em qualquer caso, salário médio x 1, tal como decidido na 1ª instância.
*
Na vigência do DL n. 24/89/M
São seis os dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2.
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar” (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1, ao passo que enquanto a sentença considerou ser o factor 3 e a recorrente STDM defendeu o factor 0, sendo assim parcialmente procedente o recurso da STDM.
Assim, temos


Nº de dias de descanso anual
Salário médio diário
Factor:
X1
Valor da indemnização
28/02/1988 a 31/12/1988
5
308,85

1.544,25
1/01/1989 a 2/04/89
1,5
402,96

604,44
3/04/89 a 31/12/1989
4,5
402,96
Factor X1
1.813,32
1990
6
497,27

2.983,62
1991
6
507,29

3.043,74
1992
6
534,14

3.204,84
1993
6
559,44

3.356,64
01/01/1994 a 06/02/1994
1
585,41

585,41
TOTAL: 17.136,26
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c) Feriados obrigatórios
A sentença não atribuiu qualquer valor indemnizatório. Ora, como nem o autor da acção, nem a STDM incluíram essa matéria no objecto dos respectivos recursos, está o TSI impedido de se pronunciar sobre o tema (art. 589º, nº4, do CPC).
*
Face ao vem de ser dito, o valor indemnizatório global apurado será de Mop$ 144.882,03.
*
3.2- Mas o recurso subordinado também coloca em crise a decisão recorrida no que respeita ao momento a partir do qual devam ser contados os juros, que a sentença considerou devidos “desde a data supra referida até integral pagamento”.
A recorrente STDM começa por não entender a que se refere o tribunal “a quo” com a expressão “ desde a data supra referida…”, embora suponha que ele se esteja a reportar à data da conclusão aposta na página 1 da sentença. Por outro lado, considera que não se acha em mora e que os juros só deveriam ser devidos a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória.
Ora, independentemente da data a que a sentença se reporte com a supra transcrita expressão, certo é que se não estava a referir à data em que foi proferida. Partamos, pois, desse axioma.
Esta questão, porém, tem já a solução que o Ac. do TUI de 2/03/2011 consagrou a título de uniformização de jurisprudência, no Proc. nº 69/2010, de que transcrevemos a seguinte fundamentação:
“A simples mora, ou seja, o mero o atraso no cumprimento da obrigação de indemnizar, constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (artigo 793.º, n.º 1 do Código Civil), sendo que “O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido” (artigo 793.º, n.º 2 do Código Civil).
Resta saber (…) quando é que se dá a constituição do devedor em mora.
A regra geral é a de que “O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir” (artigo 794.º, n.º 1 do Código Civil).
Há casos, no entanto, em que a interpelação não é necessária para que o devedor fique constituído em mora e, assim, obrigado a indemnizar os danos causados por esta.
Um destes casos, em que há mora do devedor independentemente de interpelação para cumprir, é o de a obrigação provir de facto ilícito [artigo 794.º, n.º 2, alínea b) do Código Civil].
Desta norma, com origem no Direito Romano, resulta que quando a obrigação provem de facto ilícito extracontratual a mora conta-se a partir do facto ilícito (ANTUNES VARELA, Das Obrigações..., Volume II, reimpressão da 7.ª edição, 2001, p. 119).
Contudo, mesmo que a obrigação provenha de facto ilícito, “Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor” (artigo 794.º, n.º 4 do Código Civil).
Esta regra (in illiquidis non fit mora) “é correntemente justificada pelo facto de o devedor não poder cumprir, enquanto se não apura o objecto da prestação. É necessário, em primeiro lugar, que o obrigado saiba quanto deve” (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume II, 3.ª edição, 1986, p.65.). Ora, conjugando este preceito com aquele outro, atrás mencionado, segundo o qual “... a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (n.º 5 do artigo 560.º do Código Civil), temos que, em caso de litígio judicial quanto ao valor dos danos, o crédito só se torna líquido quando o juiz o fixa, seja na sentença em 1.ª instância, seja na decisão em recurso, quando o valor fixado anteriormente é alterado ou quando em 1.ª instância, por uma razão ou por outra, nenhum valor foi fixado. Podendo mesmo acontecer que o devedor só entre em mora na execução, se o montante dos danos só nesta fase for liquidado (artigo 564.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
Embora se não considere aplicável o n.º 5 do artigo 560.º do Código Civil à fixação dos danos não patrimoniais, a solução descrita também é aplicável a estes danos, já que estes devem ser determinados no momento mais recente possível, como se disse atrás.
Relegar tal momento para a ocasião em que a decisão final transitasse em julgado seria premiar injustificadamente o lesante à custa do lesado, incentivando o uso dilatório dos meios processuais, apenas com o fim de protelar o momento de constituição em mora”.
O referido aresto do TUI fixou, por isso, a seguinte jurisprudência:
“A indemnização pecuniária por facto ilícito, por danos patrimoniais ou não patrimoniais, vence juros de mora a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante, nos termos dos artigos 560.º, n.º 5, 794.º, n.º 4 e 795.º, n. os 1 e 2 do Código Civil, seja sentença de 1.ª Instância ou de tribunal de recurso ou decisão na acção executiva que liquide a obrigação”.
É esta a solução!
Ora, descendo ao caso dos autos, uma vez que a condenação da Ré emerge de facto ilícito seu - enquanto entidade empregadora, não cumpriu os seus deveres emergentes da relação laboral - e porque os valores indemnizatórios a atribuir ao autor da acção só agora estão liquidados, uma vez que a quantia apurada na 1ª instância está incorrecta e não pode manter-se pelas razões acima aduzidas, os juros de mora devem contar-se a partir da data do presente aresto.
Nesta parte, portanto, procede o recurso.
***
IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 – Conceder provimento ao recurso do autor da acção;
2 – Conceder parcial provimento ao recurso subordinado da STDM.
Em consequência:
Revoga-se a sentença recorrida na parte afectada pelo presente aresto e condena-se a STDM a pagar ao autor da acção a quantia de Mop$ 144.882,03, acrescida de juros de mora contados da data do presente acórdão.
Custas pelo A e Ré da acção em ambas as instâncias em função do decaimento.
TSI, 14 / 03 / 2013

_________________________
José Cândido de Pinho
(Relator)

_________________________
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Declaração de voto
Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)