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Processo nº 541/2011
Data do Acórdão: 17JAN2013


Assuntos:

Princípio do contraditório
Rejeição do recurso
Aperfeiçoamento da petição do recurso
Contra-interessado
Legitimidade passiva


SUMÁRIO


1. Ao autorizar o Tribunal a rejeitar liminarmente o recurso contencioso ou absolver liminarmente contra-interessados indicados pelo recorrente sem que tenha lugar a citação, a intenção do legislador é bem evidente no sentido de que a preterição do contraditório em prol do princípio da economia, ou seja, nas situações em que se verifique a falta manifesta e indesculpável de determinados pressupostos processuais, não se justifica o gasto do tempo na citação da entidade recorrida e de contra-interessados.

2. Contra-interessado é a designação que se dá aos que tenham interesse directo e pessoal em que não se dê provimento ao recurso, em regra, particulares nos processos dirigidos contra a Administração, embora também as entidades públicas se possam posicionar como contra-interessadas

3. Se a falta da indicação de contra-interessados é fundamento para a rejeição do recurso, a consequência legal da indicação, como contra-interessada, de uma pessoa ou uma entidade que não tem legitimidade passiva para intervir é absolvição dela da instância.


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 541/2011


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos de recurso contencioso administrativo, interposto por A, devidamente identificado nos autos, e que correm os seus termos no Tribunal Administrativo e foram registados sob o nº 748/10-ADM, foi proferido o seguinte despacho rejeitando liminarmente o recurso contencioso:

  Nos presentes autos, o recorrente vem, dentro do prazo legal, juntar nova petição inicial de recurso contencioso, indicando como entidade recorrida o Fundo de Pensões e, como contra-interessado, o Secretário para a Segurança do Governo da R.A.E.M, sem requerer a sua citação.
  Salvo respeito devido pela opinião diferente, entendemos que esta nova petição incical ainda sofre de deficiências merecedoras de indeferimento liminar.
  Senão vejamos.
  Estipula-se o art.º 37.° do C.P.A.C.:
"Artigo 37.º
(Legitimidade passiva)
  Considera-se como entidade recorrida o órgão que tenha praticado o acto, ou que, por alteração legislativa ou regulamentar, lhe tenha sucedido na respectiva competência. "
*
  À luz deste diploma legal, além de que nenhum documento junto nos autos indiciou a legitimidade do Fundo de Pensões como entidade recorrida, até pelo facto de que o Fundo de Pensões é uma pessoa colectiva de direito público, funcionando pela forma colegial por orgãos, designadamente, o Conselho de Administração, o Conselho Consultivo e a Comissão de Fiscalização; ou seja, o Fundo de Pensões, por si próprio, não poderia ser autor dos actos praticados no exercício das atribuições conferidas.
*
  Quanto à qualidade de contra-interessado do Secretário para a Segurança, não concordamos com os motivos invocados pelo recorrente, nomeadamente o prejuízo directo sobre o eventual provimento do recurso (vide art.ºs 2.° a 8.° da petição inicial).
  Estipulam-se o art.º 39.º e art.º 40.º, ambos do C.P.AC.:
"Artigo 39.º
(Contra-interessados)
  Têm legitimidade para intervir no processo como contra-interessados, as pessoas a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar.
Artigo 40.º
(Assistentes)
  1. Podem intervir no recurso como assistentes as pessoas, singulares ou colectivas, que demonstrem possuir um interesse idêntico ao do recorrente, ao da entidade recorrida ou ao dos contra-interessados, ou com ele conexo.
  2. O assistente pode intervir até à fase de alegações, deve aceitar o processo no estado em que se encontre e a sua posição subordina-se à do assistido, não modificando os direitos deste para livremente confessar ou desistir com as legais consequências."
*
  Pelo que, não basta a posse de interesses idênticos à entidade recorrida, o contra-interessado deve possuir um interesse directo na manutenção do acto recorrido.
  ln casu, o provimento dos autos não se repercutirá na esfera jurídica do Governo da R.A.E.M., nem do Secretário para a Segurança, será a própria R.A.E.M. que irá suportar todos os encargos subsequentes do eventual provimento.
  Por isso, não nos afigura haver legitimidade em considerar o Secretário para a Segurança como contra-interessado nos presentes autos.
*
  Em relação ao objecto processual, não se vislumbra na petição inicial uma indicação clara do acto recorrido.
  O recorrente relata logo no início da p.i. como acto recorrido, "a decisão que ora se impugna decorre do indeferimento – despacho da Srª. Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões de 13/08/2010 (cfr. Documento 1) – do pedido apresentado pelo Recorrente requerendo…”. (vide art.ºs 9.º a 10.º da p.i.).
  Porém, invoca posteriormente como acto recorrido "Parecer n.º 12/2010 de 13.08.2010, que lhe serve de fundamento". (vide art.º 17.º da p.i.).
  Quanto ao Documento n.º 1 (cfr. fls. 34 dos autos), constata-se que corresponde ao Ofício n.º 04131/1044/DRAS-DAS/FP/2010, datado de 08/10/2010 e assinada pela Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões, cujo assunto é “Recurso hierárquico necessário”, em que serviu para comunicar ao Recorrente da deliberação daquele conselho de 06/10/2010.
  Com efeito, esta confusão na identificação do acto recorrido corresponde à falta de indicação.
*
  Pelos expostos, decide rejeitar o presente recurso contencioso, nos termos do art.º 46.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b) e f) do C.P.AC..

Notificado e inconformado com o despacho, veio o recorrente A interpor recurso jurisdicional dele para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:

  1ª - A decisão recorrida efémera de erros analíticos, lapsos e pressupostos errados, bem como, se baseia em errada interpretação doutrinal e dos preceitos e legais aplicáveis ao caso concreto.
  2ª - O Fundo de Pensões foi e é o autor do acto enquanto entidade colectiva, porém, a recorrente aceita que, nos presentes autos o Fundo de Pensões, é representado pela Presidente do Conselho de Administração porque foi o órgão que dentro da sua estrutura que praticou o acto recorrido.
  3ª - Tal situação não faz que digamos que o Fundo de Pensões não é a pessoa colectiva autora do acto.
  4ª - O Tribunal recorrido não devia ter aplicado o excesso de formalismo e considerar a petição de recurso inepta!
  5ª - O recorrente sabe perfeitamente qual é a entidade que praticou o acto-que no caso concreto foi a Presidente do Conselho do Fundo de Pensões - e a menção que a entidade recorrida é o Fundo de Pensões vem no sentido de ter querido referir a instituição da qual o órgão que praticou o acto faz parte.
  6ª - O Tribunal tem conhecimento de quem praticou o acto foi o órgão do Fundo de Pensões designado por Conselho de Administração, através do Presidente.
  7ª - O recorrente ao referir o Fundo de Pensões e ao ter identificado bem qual o órgão que praticou o acto, quis objectivamente mencionar a entidade em causa por considerar que o órgão que o representa é no caso concreto a Presidente do Conselho.
  8ª - Tal imperfeição é plenamente desculpável e não retira que não se consiga vislumbrar quem é efectivamente a entidade recorrida, bem como, não é motivo para indeferimento liminar e considerar a petição inepta ao abrigo do artigo 46°, n.º 1 e 2, al. f) do CPAC.
  9ª - Só por mero lapso e não por erro indesculpável foi indicada como interveniente passivo Fundo de Pensões sendo perceptível da petição de recurso que o autor do acto é o Conselho de Administração através da sua Presidente e a rigidez imprimida no processo é contrária aos princípios do inquisitório e da adequação formal.
  10ª - Só poderá haver ineptidão da p.i. se for ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, situação que não se verifica no presente caso.
  11ª - Nos pontos 10 a 13 e 2ª e 4ª conclusão, todos da petição de recurso, o recorrente identifica claramente qual a entidade que praticou o acto recorrido.
  12ª - Os princípios anti formalistas e "pro actione" postulam a adopção, no que respeita, designadamente, à petição de recurso contencioso, de interpretação que, atendendo ao conteúdo de tal peça processual, não seja meramente ritualista e formal e se revele como a mais favorável ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, possibilitando o exame do mérito das pretensões deduzidas.
  13ª - A petição de recurso deve ser interpretada, como qualquer articulado das partes, segundo os princípios comuns à interpretação das declarações negociais e das leis, devendo prevalecer o sentido que um declaratario normalmente diligente pode e deve apreender dos seus termos verbais, postergando interpretações meramente ritualistas e formais.
  14ª – A falta de rigor técnico na formulação do interveniente passivo não impede a sua interpretação pelo juiz, sem necessidade de convite à parte para a sua correcção ou reformulação.
  15ª - Não deve rejeitar-se o recurso contencioso interposto de um acto administrativo perfeitamente identificável e cujo original se encontra junto com a petição de recurso, na qual o recorrente indica que é o autor do acto - logo a entidade recorrida, formula correctamente a causa de pedir, indicando os factos concretos que integram os diferentes vícios que, especificadamente, imputa ao acto recorrido e pelos quais sustenta que este deve ser anulado.
  16ª - Se na interpretação dos factos apresentados ao tribunal este tiver dúvidas de qual o acto que a recorrente pretende dirigir o seu recurso contra, se não puder suprir tal incorrecção, deve convidar o recorrente a corrigir a petição nos termos do art.º 51 CPAC .
  17ª - No caso do direito processual administrativo, existindo errada identificação da entidade recorrida e correcta identificação do autor do acto recorrido, pode corrigir-se a petição do recurso, através do tribunal oficiosamente ou a convite do tribunal, a menos que o erro seja manifestamente indesculpável que, então o declarante sofrerá o ónus da rejeição do recurso.
  18ª - O erro inicialmente cometido pelo recorrente não colocou o tribunal numa situação de incerteza intransponível quanto à identificação do autor do acto que é objecto do recurso contencioso (pelo contrário, é perfeitamente identificável que o autor do acto é a Presidente do Conselho do Fundo de Pensões e que foi a esta entidade que a recorrente pretendeu imputar a prática do acto impugnado).
  19ª - O Tribunal recorrido deveria respeitar e cumprir o artigo 6º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil - Poder de Direcção, e ordenar a citação do autor do acto - perfeitamente identificável na petição de recurso.
  20ª - O tribunal «a quo» deveria ter desaplicado a norma do artigo 46º, n.º 1 e 2, al. f) do CPAC e, caso não fosse possível suprir oficiosamente a incorrecção, convidado o recorrente a corrigir o erro que considerava verificar-se.
  21ª - A decisão recorrida violou os artigos artigo 46°, n.º 1 e 2, al. f) e 51°, todos do CPAC, e artigo 6°, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
- A decisão recorrida deve, pois, ser objecto de revogação para ser substituída por outra que determine que oficiosamente possa o Tribunal recorrente corrigir a petição de recurso por ser possível identificar o autor do acto e considerá-la como entidade recorrida.
  22ª - Caso assim não for entendido, dever ser feita a formulação ao recorrente de convite à correcção da petição de recurso.
  23ª - Incorreu o Tribunal recorrido em lapso manifesto desculpável porque não reparou que recorrente logo no inicio da petição identificada perfeitamente o acto recorrido (ponto 9) e que no seu ponto 17 é dito o seguinte: "Ora, o acto recorrido, o Parecer n.º 12/2010 de 13.08.2010 que lhe serve de fundamento, caracteriza-se, pela errada aplicação (. . .). "
  24ª - O recorrente identifica duas peças que lhe chegaram ao seu conhecimento, sendo a primeira o acto recorrido e a segunda o parecer que lhe serve de fundamento (ao acto recorrido) e disse que essas duas peças caracterizam-se pela errada aplicação e interpretação da lei.
  25ª - Da leitura do ponto 17 da petição de recurso, conjugado com a leitura do ponto 12 da mesma petição, verifica-se que nunca o recorrente confundiu o acto recorrido com o parecer que lhe serviu de fundamento, nem muito menos, referiu-se ao parecer como acto recorrido.
  26ª - O recorrente identifica o acto recorrido no ponto 9, 10 e 11, todos da petição de recurso e no ponto 12 da petição de recurso identifica o Parecer que lhe serviu de fundamento, sendo, por isso lógico que ao redigir o ponto 17 diga: "o acto recorrido, (virgula) o parecer que lhe serve de fundamento ( ... )"
  27ª- Nunca foi indicado que o parecer como acto recorrido! - Aliás, é dito explicitamente que o parecer é que serve de fundamento ao acto recorrido e é a fundamentação desse mesmo acto.
  28ª - Pelo acima exposto, deverá ser considerado que não existe qualquer confusão na identificação do acto recorrido.
  29ª - O tribunal «a quo» deveria ter desaplicado a norma do artigo 46°, n.º 1 e 2, al. f) do CPAC e, caso não fosse possível suprir oficiosamente a incorrecção, convidado o recorrente a corrigir o erro que considerava verificar-se.
  30ª - Ao não o fazer, a decisão recorrida violou os artigos artigo 46°, n.º 1 e 2, al. f) e 51°, todos do CPAC, e artigo 6°, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil não podendo, por isso, manter-se na ordem jurídica.
  31ª - A decisão recorrida deve, também aqui, pois, ser objecto de revogação para ser substituída por outra que determine o acto recorrido está perfeitamente identificável.
  32ª - Caso assim não for entendido, o que só à cautela de patrocínio se aceita, dever ser feita a formulação ao recorrente de convite à correcção da petição de recurso e sanar a eventual confusão.
  33ª - O Secretário para a Segurança é a entidade que representa o Governo da RAEM no caso concreto que em representação da RAEM vai ter de cumprir directamente a decisão que vier a ser proferida sobre o objecto do recurso, visto que a contabilização ou não, por parte do Fundo de Pensões, do tempo de serviço para efeitos de aposentação, com respectiva bonificação e a possibilidade de o recorrente poder fazer os respectivos descontos, vai repercutir-se directamente na esfera patrimonial do Governo da RAEM, no caso concreto, caso exista provimento, vai repercutir-se, através do serviço do recorrente, cuja entidade máxima, no sentido de representação, é feita pelo Secretário para a Segurança.
  34ª - A regularização da situação jurídica do recorrente como subscritor, mediante o pagamento dos respectivos descontos, caso haja provimento, vai obrigar a que o serviço do recorrente assuma a sua quota-parte no que respeita à reposição patrimonial dos montantes devidos por causa do tempo e serviço contabilizado para efeitos de aposentação.
  35ª Tal obrigação que terá de ser assumida pelo seu serviço só será vinculativa se o Secretário para a Segurança fizer parte do processo como entidade contra interessada, sob pena, de correr-se o risco de só ficar o Fundo de Pensões vinculado pelo provimento da decisão.
  36ª - A entidade recorrida e o contra interessado têm já interesses idênticos e já anteriormente no Acórdão n.º 478 do Tribunal da Segunda Instância e no Acórdão n.º 12/2009 do Tribunal de Ultima Instância, assumiram posições idênticas por terem interesses idênticos e complementares no que respeita a questão controvertida do tempo de serviço para aposentação, com respectiva bonificação e os respectivos descontos.
  37ª - Faz todo o sentido no presente recurso, no qual estamos a analisar a questão sobre a contabilização do tempo para efeitos de aposentação e contabilização dos descontos a fazer, o Secretário para a Segurança fazer parte do processo como entidade contra-interessada e o Fundo de Pensões - representada pela Presidente do Conselho de Administração, fazer parte como entidade recorrida.
  38ª - A contabilização do tempo de aposentação é um mecanismo feito pelo Serviço do recorrente e posteriormente pelo Fundo de Pensões e o eventual provimento do recurso vai ter repercussões directas na reposição de quantias por parte do Governo da RAEM, no caso concreto, através do seu serviço que é representado pelo Secretário para a Segurança.
  39ª - O contra-interessado sobre a questão dos descontos de quantias para o Fundo de Pensões sempre terá uma palavra a dizer, porque, sempre poderá alegar que tal descontos não são devidos ou poderá invocar qualquer outra situação jurídica que só seja do seu conhecimento e que obste às pretensões do recorrente no que respeita aos descontos que quer efectuar.
  40ª - O que se pretende é que a questão do recorrente, caso haja provimento do recurso, seja discutido pelas entidades (Fundo de Pensões e seu Serviço) que directamente vão ser afectadas pelos seus efeitos,
  41ª - O Secretário para a Segurança tem interesse directo na questão vertida no recurso interposto, sendo o seu chamamento justificado porque o seu provimento vai prejudicar directamente na obrigação patrimonial em repor a sua quota-parte nos descontos do tempo de serviço para efeitos de aposentação anteriormente prestado e contabilizado para efeitos de aposentação.
  42ª - Sempre deveria esta entidade recorrida ser citada e dizer se os fundamentos do recorrente para ser contra-interessada se justificam e para dizer se fica ou não afectada directamente pela procedência do recurso.
  43ª - O despacho recorrido violou o artigo 39° do CPAC e o princípio da iniciativa das partes e do contraditório plasmado no artigo 3º do Código do Processo Civil.
  Termos em que deverá o recurso interposto pelo ora recorrente ser julgado procedente, devendo o despacho recorrido ser anulado, e, em consequência, ser determinado que a petição de recurso não é inepta, devendo ser considerado que a entidade recorrida está identificada, que o acto recorrido está identificado e que o Secretário para a Segurança deverá ser considerado contra-interessado, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos.
  Caso assim não seja entendido, deve o recurso ser julgado procedente, devendo o despacho recorrido ser anulado, e, em consequência, ser determinado que o recorrente seja convidado a suprir as deficiências da legitimidade passiva e do acto recorrido, bem como, deverá ser citada a entidade contra-interessada para dizer se o recurso pode causar prejuízo directo caso obtenha provimento.

Notificados tanto a Senhora Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões como o Senhor Secretário para a Segurança, veio apenas este último, indicado pelo recorrente como contra-interessado do recurso contencioso, responder, pugnando pela improcedência do recurso.

Subidos os autos a esta segunda instância e devidamente tramitados, o Ministério Público emitiu oportunamente em sede vista o seu douto parecer pugnando pela improcedência do recurso.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

II

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Assim, as seguintes questões que constituem o objecto do presente recurso:

1. Da violação do princípio contraditório;
2. Da identificação do acto recorrido; e
3. Do contra-interessado.


Apreciemos.

1. Da violação do princípio contraditório

Como o último argumento, o recorrente imputa ao despacho recorrido a violação do princípio do contraditório na parte que diz respeito à pretendida intervenção do Secretário para a Segurança como contra-interessado, alegando para o efeito que, “Sempre deveria esta entidade recorrida ser citada e dizer se os fundamentos do recorrente para ser contra-interessada se justificam e para dizer se fica ou não afectada directamente pela procedência do recurso.” (sic) – cf. 42ª das Conclusões da petição do recurso.

Ora, ao autorizar o Tribunal rejeitar liminarmente o recurso contencioso ou absolver liminarmente contra-interessados indicados pelo recorrente sem que tenha lugar a citação, a intenção do legislador é bem evidente no sentido de que a preterição do contraditório em prol do princípio da economia, ou seja, nas situações em que se verifique a falta manifesta e indesculpável de determinados pressupostos processuais, não se justifica o gasto do tempo na citação da entidade recorrida e de contra-interessados.

Portanto, trata-se de uma decisão proferidas nos termos autorizados pela lei, não se percebe como é que é possível imputar a ela, como imputou o recorrente, o vício da violação do princípio do contraditório.

Assim, o recurso improcede nesta questão.

2. Da identificação do acto recorrido

Um dos motivos que levaram o Tribunal a quo a rejeitar liminarmente o recurso é a confusão na identificação do objecto do recurso, o que na óptica do Tribunal a quo, corresponde à falta da indicação do objecto do recurso e constitui fundamento da rejeição do recurso.

In casu, o presente recurso tem por objecto um despacho de rejeição liminar, ou seja, a entidade recorrida não chegou a ser citada para contestar e remeter o processo instrutor administrativo, não nos são disponíveis todos os elementos constantes do respectivo processo instrutor.

Portanto, são escassos os elementos a que podemos recorrer para nos inteirar de todas as vicissitudes ocorridas no procedimento administrativo que culminou com a prática do acto que o recorrente pretende ver anulado.

De qualquer maneira, para resolver a presente questão, afigura-se-nos suficiente o teor do documento nº 1 que o próprio recorrente juntou para instruir a petição do recurso.

Trata-se de um ofício do Fundo de Pensões, assinado pela Senhora Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões e dirigido ao recorrente na pessoa do seu Ilustre Mandatário constituído, comunicando-lhe a decisão do recurso hierárquico necessário.

De acordo com teor desse ofício, verifica-se o seguinte:

* Por requerimento datado de 28MAIO2010, o ora recorrente pediu ao Fundo de Pensões, nomeadamente, a contabilização do determinado tempo de serviço e a regularização da situação jurídica como subscritor do Fundo de Pensões para efeitos de aposentação;

* Por despacho da Senhora Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões proferido em 13AGO2010, o pedido foi indeferido;

* Despacho esse que foi notificado ao ora recorrente por ofício datado de 19AGO2010;

* Inconformado com o despacho que lho indeferiu, o ora recorrente interpôs recurso necessário do mesmo despacho para o Conselho de Administração do Fundo de Pensões;

* O Conselho de Administração do Fundo de Pensões, por deliberação tomada em 06OUT2010, sob o parecer nº 15/2010, da autoria do Ilustre Advogado Paulino Comandante, confirmou o despacho da Senhora Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões datado de 13AGO2010;

* Deliberação essa que tendo sido lançada sobre o dito parecer nº 15/2010, consiste nos seguintes dizeres: “O Conselho de Administração do Fundo de Pensões, reunido em 06.10.2010, deliberou no sentido de concordar com o presente parecer e confirmar o despacho da Presidente do Conselho de Administração de 13.08.2010, pelos fundamentos expostos, e anteriormente citados no parecer nº 12/2010, de 13.08.2010”.; e

* Por via do ofício datado de 08OUT2010, a deliberação que decidiu o recurso hierárquico necessário foi notificada ao recorrente na pessoa do seu Ilustre Mandatário.

Com esses elementos fácticos, já estamos em condições para analisar se a Exmª Juiz a quo andou bem ao rejeitar liminarmente o recurso.

Então vamos ver como é que o recorrente, ao longo da petição do recurso, identificou o objecto do recurso.

Logo no intróito do petitório, diz o recorrente que “.....vem, notificado da deliberação do 6/10/2010 que indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto junto do Conselho de Administração do Fundo de Pensões de Macau, do mesmo, interpor RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO”.- cf. fls. 164 dos p. autos.

No ponto III com a epígrafe Do acto recorrido, alega o recorrente que:

“A decisão que ora se impugna decorre do indeferimento – despacho da Srª Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões de 13/08/2010……” – cf. fls. 167 dos p. autos; e

“O despacho recorrido tem a seguinte redacção: “O Conselho de Administração do Fundo de Pensões, reunido em 06.10.2010, deliberou no sentido de concordar com o presente parecer e confirmar o despacho da Presidente do Conselho de Administração de 13.08.2010, pelos fundamentos expostos, e anteriormente citados no parecer nº 12/2010, de 13.08.2010”. – cf. fls. 167 dos p. autos

Ora, dando uma vista de olhos à forma como foram identificados o objecto do recurso e o seu autor, cremos que embora haja confusão na identificação do acto recorrido e do seu autor, o certo é que não merece logo um despacho de rejeição in limine, mas sim uma notificação para aperfeiçoamento nos termos autorizados no disposto no artº 51º do CPAC.

Assim, é de revogar o despacho ora recorrido e determinar que seja proferido pelo Tribunal a quo um outro despacho notificando o recorrente para vir aperfeiçoar a petição por forma a satisfazer os pressupostos processuais quanto à identificação do acto recorrido e do seu autor, caso outros motivos inexistam para a rejeição.

3. Do contra-interessado

O recorrente indicou o Senhor Secretário para a Segurança como contra-interessado.

Para a Exmª Juiz a quo, não tendo o Senhor Secretário para a Segurança prejuízo directo sobre o eventual provimento do recurso, a mesma entidade não é contra-interessado.

Diz o artº 39º do CPAC que têm legitimidade para intervir no processo como contra-interessados, as pessoas a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar.

Contra-interessado é a designação que se dá aos que tenham interesse directo e pessoal em que não se dê provimento à acção, em regra, particulares nos processos dirigidos contra a Administração, embora também as entidades públicas se possam posicionar como contra-interessadas – Cf. José Carlos Vieira de Andradae, in A JUSTIÇA ADMNINISTRATIVA (Lições), 10º edição, pág. 287.

Tratam-se de pessoas que sejam beneficiárias do acto administrativo que seja objecto do recurso contencioso da anulação.

In casu, o que pretende o ora recorrente junto do Fundo de Pensões é a contabilização do determinado tempo de serviço e a regularização da sua situação jurídica como subscritor do Fundo de Pensões para efeitos de aposentação.

Pretensão essa que lhe foi negada.

Então pergunta-se, enquanto órgão administrativo superior de que depende o Corpo de Polícia de Segurança Pública a cujo quadro de pessoal pertence o ora recorrente, quê benefício tem o Senhor Secretário para a Segurança com essa decisão negatória emanada do Fundo de Pensões.

A resposta é nenhum.

Assim, a eventual procedência do presente recurso e a consequente anulação da decisão que ao recorrente negou a contabilização do determinado tempo de serviço e a regularização da situação jurídica como subscritor do Fundo de Pensões para efeitos de aposentação só represente um interesse directo para o própria recorrente, mas não um correspectivo prejuízo pessoal, muito menos um prejuízo directo, para o Senhor Secretário para a Segurança.

Mesmo na hipótese alegada pelo recorrente, de que o eventual provimento do recurso vai ter repercussões directas na reposição de quantias por parte do Governo da RAEM, o correspectivo “prejuízo” hipotético nunca é directo nem pessoal para o Secretário para a Segurança, não directo porque carece sempre de um acto administrativo a praticar que ordena a reposição das quantias em falta, não pessoal para o Secretário porque face ao disposto no artº 259º/5-b) do ETAPM, a compensação, a cargo da Administração a favor do Fundo de Pensões, para o regime de aposentação, no valor correspondente a 18% do vencimento único acrescido dos prémios de antiguidade do subscritor, é suportada por verba adequada das tabelas de despesas dos serviços que a processem, que in casu, é o Corpo de Polícia de Segurança Pública e não o Secretário para a Segurança.

Assim, em princípio, não tendo legitimidade passiva para ser citada como contra-interessado, o Senhor Secretário para a Segurança não pode ser chamado para intervir.

Se a falta da indicação de contra-interessados é fundamento para a rejeição do recurso, a consequência legal da indicação, como contra-interessada, de uma pessoa ou uma entidade que não tem legitimidade passiva para intervir é absolvição dela da instância.

Não constituindo fundamento para a rejeição do recurso a indicação, como contra-interessado, do Secretário para a Segurança por falta da legitimidade passiva, não é de manter o despacho de rejeição recorrido na parte que se apoiou na falta da legitimidade passiva do Secretário para a Segurança.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência julgar parcialmente provido o recurso, determinando:

1. A revogação do despacho recorrido;
2. A absolvição do Secretário para a Segurança da instância; e
3. A prolação pelo Tribunal a quo de um outro despacho notificando o recorrente para vir aperfeiçoar a petição, no prazo a fixar, por forma a satisfazer os pressupostos processuais quanto à identificação do acto recorrido e do seu autor, caso outros motivos inexistam para a rejeição.

Custas pelo recorrente na proporção do decaimento, com taxa de justiça fixada em 4 UC.

Registe e notifique.

RAEM, 17JAN2013

Lai Kin Hong (com declaração de voto)
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
Estive presente
Mai Man Ieng

Processo nº 541/2011
Declaração de voto

Enquanto relator, submeti à apreciação em conferência, o projecto do Acórdão, no que diz respeito à questão da identificação do acto recorrido, nos seguintes termos:

Da identificação do acto recorrido

Ora, um dos motivos que levaram o Tribunal a quo a rejeitar liminarmente o recurso é a confusão na identificação do objecto do recurso, o que na óptica do Tribunal a quo, corresponde à falta da indicação do objecto do recurso e constitui fundamento da rejeição do recurso.

In casu, o presente recurso tem por objecto um despacho de rejeição liminar, ou seja, a entidade recorrida não chegou a ser citada para contestar e remeter o processo instrutor administrativo, não nos são disponíveis todos os elementos constantes do respectivo processo instrutor.

Portanto, são escassos os elementos a que podemos recorrer para nos inteirar de todas as vicissitudes ocorridas no procedimento administrativo que culminou com a prática do acto que o recorrente pretende ver anulado.

De qualquer maneira, para resolver a presente questão, afigura-se-nos suficiente o teor do documento nº 1 que o próprio recorrente juntou para instruir a petição do recurso.

Trata-se de um ofício do Fundo de Pensões, assinado pela Senhora Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões e dirigido ao recorrente na pessoa do seu Ilustre Mandatário constituído, comunicando-lhe a decisão do recurso hierárquico necessário.

De acordo com teor desse ofício, verifica-se o seguinte:

* Por requerimento datado de 28MAIO2010, o ora recorrente pediu ao Fundo de Pensões, nomeadamente, a contabilização do determinado tempo de serviço e a regularização da situação jurídica como subscritor do Fundo de Pensões para efeitos de aposentação;

* Por despacho da Senhora Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões proferido em 13AGO2010, o pedido foi indeferido;

* Despacho esse que foi notificado ao ora recorrente por ofício datado de 19AGO2010;

* Inconformado com o despacho que lho indeferiu, o ora recorrente interpôs recurso necessário do mesmo despacho para o Conselho de Administração do Fundo de Pensões;

* O Conselho de Administração do Fundo de Pensões, por deliberação tomada em 06OUT2010, sob o parecer nº 15/2010, da autoria do Ilustre Advogado Paulino Comandante, confirmou o despacho da Senhora Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões datado de 13AGO2010;

* Deliberação essa que tendo sido lançada sobre o dito parecer nº 15/2010, consiste nos seguintes dizeres: “O Conselho de Administração do Fundo de Pensões, reunido em 06.10.2010, deliberou no sentido de concordar com o presente parecer e confirmar o despacho da Presidente do Conselho de Administração de 13.08.2010, pelos fundamentos expostos, e anteriormente citados no parecer nº 12/2010, de 13.08.2010”.; e

* Por via do ofício datado de 08OUT2010, a deliberação que decidiu o recurso hierárquico necessário foi notificada ao recorrente na pessoa do seu Ilustre Mandatário.

Com esses elementos fácticos, já estamos em condições para analisar se a Exmª Juiz a quo andou bem ao rejeitar liminarmente o recurso.

Então vamos ver como é que o recorrente, ao longo da petição do recurso, identificou o objecto do recurso.

Logo no intróito do petitório, diz o recorrente que “.....vem, notificado da deliberação do 6/10/2010 que indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto junto do Conselho de Administração do Fundo de Pensões de Macau, do mesmo, interpor RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO”.- cf. fls. 164 dos p. autos.

No ponto III com a epígrafe Do acto recorrido, alega o recorrente que:

“A decisão que ora se impugna decorre do indeferimento – despacho da Srª Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões de 13/08/2010……” – cf. fls. 167 dos p. autos; e

“O despacho recorrido tem a seguinte redacção: “O Conselho de Administração do Fundo de Pensões, reunido em 06.10.2010, deliberou no sentido de concordar com o presente parecer e confirmar o despacho da Presidente do Conselho de Administração de 13.08.2010, pelos fundamentos expostos, e anteriormente citados no parecer nº 12/2010, de 13.08.2010”. – cf. fls. 167 dos p. autos

Ora, bastar um olhar para a forma com foi identificado o objecto do recurso, cremos que nos é legítimo concordar com o juízo da Exmª Juiz a quo, isto é, há confusão na identificação do acto recorrido e do seu autor, pois, com base no alegado, não se sabe qual é a decisão que o recorrente pretende ver anulada, é a deliberação do Conselho de Administração do Fundo de Pensões, tomada em 06OUT2010? Ou é o despacho da Senhora Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões proferido em 13AGO2010?

Sinceramente não sabemos.

A mesma confusão sucede com a forma como o recorrente identifica o autor do acto recorrido, é a Senhora Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões? Ou o Conselho de Administração do Fundo de Pensões?

Igualmente não sabemos.

São dois actos distintos e não confundíveis, apesar de a deliberação do Conselho ser a decisão de recurso hierárquico necessário que tem por objecto o despacho da Presidente do Conselho.

Portanto, na falta desses elementos essenciais ao exame da tempestividade do recurso e da impugnabilidade contenciosa do acto recorrido, não nos resta outra alternativa que não seja a confirmação da decisão recorrida no sentido de rejeição liminar do recurso.

Fundamento esse e solução essa que não foram aceites pelos Exmº Colegas do Colectivo, o que me levou a votar vencido nessa parte do Acórdão antecedente.

Vencido mas não convencido, continuo a defender que é de rejeitar o recurso.


RAEM, 17JAN2013


O relator,


Lai Kin Hong