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Processo n.º 274/2013 Data do acórdão: 2013-5-16 (Autos de pedido de escusa)
Assuntos:
– requerimento de escusa
– art.o 34.o, n.o 1, do Código de Processo Penal
– causa de impedimento de juiz
– art.o 311.o, n.o 1, alínea c), do Código de Processo Civil
– juiz denunciante de crime
– interesse em agir
S U M Á R I O
1. Segundo o art.o 34.º, n.o 1, do Código de Processo Penal vigente, a escusa de um juiz do Tribunal Judicial de Base deve ser pedida por este juiz perante a secção competente do Tribunal de Segunda Instância.
2. Onde houver fundamento para impedimento de juiz, não pode verificar-se o incidente da escusa.
3. De acordo com o art.o 311.o, n.o 1, alínea c), do actual Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal, “O juiz está impedido de exercer as suas funções quando: Tenha intervindo na causa ... tenha que decidir questão sobre que tenha dado parecer...”).
4. O juiz que tiver subscrito a participação criminal contra algum indivíduo suspeito não pode, naturalmente e sob pena de comprometer irremediavelmente a estrutura acusatória vigente na lei penal processual positivada, vir a julgar, no processo instaurado com base nessa participação, o mérito do crime então denunciado e pelo qual se encontrar efectivamente acusado ou pronunciado o indivíduo suspeito.
5. Cabendo assim a esse juiz, à luz da referida causa de impedimento da alínea c) do n.o 1 do art.o 311.o do Código de Processo Civil, cumprir o seu dever legal de se declarar impedido no julgamento da dita causa penal, em cujos autos ele deve ser considerado como já tendo materialmente intervindo através do acto de subscrição da participação criminal que, por sua vez, consubstanciou já um parecer seu sobre a questão de prática do crime pelo suspeito ora arguido em causa, não assiste realmente ao mesmo juiz o interesse em agir para pedir a escusa com base na aludida situação fáctica.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 274/2013
(Autos de pedido de escusa de juiz)
Pretendente de escusa: Mm.a Juíza Dr.a Lou Ieng Ha (盧映霞法官)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Veio afirmar a M.ma Juíza de Primeira Instância Dr.a Lou Ieng Ha, no seu despacho exarado em 6 de Maio de 2013 nos autos de Processo Comum Colectivo n.º CR4-13-0026-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), a sua pretensão, com base nas normas dos art.os 32.º, n.os 1 e 3, e 34.º do actual Código de Processo Penal (CPP), de ordenação, através do M.mo Magistrado Judicial titular do processo, de extracção da certidão de alguns elementos documentais desses autos, para ser remetida ao Tribunal de Segunda Instância (TSI), a fim de pedir a escusa de intervenção no julgamento nos mesmos autos, por entender que como o procedimento penal foi instaurado com base na participação criminal feita pelo Tribunal Colectivo julgador do anterior Processo Comum Colectivo n.o CR4-08-0112-PCC do TJB, do qual ela era vogal, a intervenção dela no julgamento do dito novo processo iria fazer com que a sua imparcialidade fosse desconfiada por outrem, e daí a necessidade de formulação do pedido de escusa (cfr. esse despacho judicial cujo teor se encontra certificado a fl. 14 do presente processado, com referência também ao teor certificado da acta de audiência de julgamento do processo anterior).
Ulteriormente, a Secção de Processos do 4.º Juízo Criminal do TJB remeteu a este TSI a certidão pretendida por aquela M.ma Juíza, sem que esta tenha apresentado o pedido de escusa ao TSI.
Autuada essa certidão no TSI como sendo autos de pedido de escusa, feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre emitir decisão.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame do presente processado, resulta que:
– a M.ma Juíza pretendente de escusa não chegou a apresentar o pedido de escusa ao TSI, mas a Secção de Processos do 4.o Juízo Criminal do TJB veio remeter ao TSI a certidão de alguns elementos documentais dos autos de Processo Comum Colectivo n.o CR4-13-0026-PCC, na sequência do despacho exarado pela mesma M.ma Juíza em 6 de Maio de 2013 nesses autos, em sede do qual esta afirmou, com base nas normas dos art.os 32.º, n.os 1 e 3, e 34.º do CPP, a sua pretensão de ordenação, através do M.mo Magistrado Judicial titular do processo, de extracção da certidão de alguns elementos documentais desses autos, para ser remetida ao TSI, a fim de pedir a escusa de intervenção no julgamento nos mesmos autos, por entender que como o procedimento penal foi instaurado com base na participação criminal feita pelo Tribunal Colectivo julgador do anterior Processo Comum Colectivo n.o CR4-08-0112-PCC do TJB, do qual ela era vogal, a intervenção dela no julgamento do dito novo processo iria fazer com que a sua imparcialidade fosse desconfiada por outrem, e daí a necessidade de formulação do pedido de escusa (cfr. sobretudo o teor da certidão ora em causa);
– a mesma M.ma Juíza interveio no julgamento, em audiência de 22 de Abril de 2010, do Processo Comum Colectivo n.o CR4-08-0112-PCC do 4.o Juízo Criminal do TJB, na qual, e após ouvidos o arguido e as testemunhas de acusação e de defesa, o respectivo Tribunal Colectivo considerou que dois Advogados estariam envolvidos no cometimento de um crime de falsificação de documento, e, por isso, ordenou que se extraísse certidões de todo o processado dos autos e da acta da audiência, para serem enviadas nomeadamente ao Ministério Público para os efeitos tidos por convenientes (cfr. o teor dessa acta, certificado a fls. 12 a 13v do presente processado);
– em 24 de Janeiro de 2013, foi distribuído ao 4.o Juízo Criminal do TJB o Processo Comum Colectivo n.o CR4-13-0026-PCC, instaurado na sequência da pronúncia criminal inclusivamente de um dos Advogados acima referidos, pela prática de um crime de falsificação de documento, precedida da acusação deduzida pelo Ministério Público no mesmo sentido (cfr. o teor de fls. 3 a 11v do presente processado).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de observar que como o art.o 34.º, n.o 1, do CPP dispõe inclusivamente que “a escusa deve ser pedida ... perante a secção competente do Tribunal...”, assim, à falta de um requerimento de escusa propriamente apresentado pela M.ma Juíza ora pretendente de escusa, afigura-se que se deve recusar o conhecimento do presente processado.
E independentemente dessa razão de ordem meramente procedimental, haverá que recusar logo também o conhecimento da pretensão de escusa afirmada pela mesma M.ma Juíza no seu despacho do dia 6 do corrente mês, por seguintes motivos:
Já se entendeu no acórdão de 19 de Janeiro de 2012 do Processo n.o 46/2012 (de pedido de escusa) do TSI, que onde houver fundamento para impedimento, não pode verificar-se o incidente da recusa ou escusa.
Como a situação fáctica descrita pela M.ma Juíza pretendente de escusa no referido despacho é subsumível à norma – subsidiariamente aplicável ao processo penal por aval do art.o 4.o do CPP – do art.o 311.o, n.o 1, alínea c), do actual Código de Processo Civil (em sintonia com a qual “O juiz está impedido de exercer as suas funções quando: Tenha intervindo na causa ... tenha que decidir questão sobre que tenha dado parecer...”), a M.ma Juíza tem assim o dever de se declarar logo impedida no julgamento da acima identificada nova causa penal, posto que um juiz que tiver subscrito a participação criminal contra algum indivíduo suspeito (participação essa que equivaleu materialmente a um parecer emitido sobre a questão de cometimento de crime por esse suspeito) não pode, naturalmente e sob pena de comprometer irremediavelmente a estrutura acusatória vigente na lei penal processual actualmente positivada, vir a julgar, no processo instaurado com base nessa participação, o mérito do crime então denunciado e pelo qual se encontrar efectivamente acusado ou pronunciado o indivíduo suspeito.
Existindo, pois, o mecanismo de declaração de impedimento para resolver tal situação fáctica, cabe à mesma M.ma Juíza cumprir o seu dever legal de se declarar impedida no julgamento da dita nova causa penal, em cujos autos ela deve ser considerada como já tendo materialmente intervindo através do acto de subscrição da participação criminal que, por sua vez, consubstanciou já um parecer seu sobre a questão de prática do crime pelo suspeito ora arguido em causa, não assiste realmente à mesma M.ma Juíza o interesse em agir para pedir a escusa com base na aludida situação fáctica.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em recusar o conhecimento do presente processado.
Sem custas.
Macau, 16 de Maio de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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