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Processo nº 728/2013 Data: 12.12.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “condução em estado de embriaguez”.
Pena.
Suspensão da execução.



SUMÁRIO

1. O instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade.

2. Devem-se evitar penas de prisão de curta duração.

Porém, não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 728/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 45 dias de prisão e na pena acessória de inibição de condução por 1 ano e 6 meses; (cfr., fls. 21 a 24 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado com o assim decidido, o arguido recorreu.
Pede a suspensão da execução da dita pena de 45 dias de prisão, alegando violação do art. 48° do C.P.M.; (cfr., fls. 29 a 31).

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Sem resposta, vieram os autos a este T.S.I., onde, em sede de vista emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:

“Na óptica do recorrente, entende que "a pena curta" de prisão deve ser evitada, e o tribunal não deveria ter optado uma pena efectiva, argumentando que o tribunal ainda pode depositar confiança relativamente ao seu comportamento futuro, lançando mão de instituto de suspensão de execução da pena, visto que se registou uma confissão integral e sem reserva dela.
Salvo o respeito, discordamos com este entendimento.
Em primeiro lugar, face aos factos dados como provados, para além de confissão, não se registou qualquer outra circunstância atenuante. Bem pelo contrário, regista-se que o recorrente já tinha sido condenado uma vez numa pena suspensa pela prática do mesmo crime.
E no que se diz respeito à pretendida suspensão de execução da pena, ao abrigo da norma legal em questão (art° 48 do C.P.M.), os verdadeiros factores principais que determinam a execução imediata ou não da pena são os de prevenção geral e especial de crime. E só quando o julgador concluir que no caso se satisfizer as exigências de prevenções tanto ao nível geral como ao nível especial, é que pode, legitimamente, lançar mão ao instituto de suspensão de execução da pena.
Aliás, a tese acima exposta também é aceite pacificamente pelas jurisprudências da R.A.E.M., por exemplo, no Acórdão de T.S.I. n° 203/2007.
No caso em apreço, não nós pareça que tivessem verificados quaisquer elementos de facto que se apontam para afirmar, positivamente, a necessidade de suspender a execução da pena.
Bem pelo contrário, tudo aponta para uma imprescindibilidade de aplicação e execução da pena.
Começamos pela finalidade de prevenção especial.
Na verdade, há de partir de factos actuais e passados para avaliar e prever a conduta futura do agente do crime, especialmente, no que se toca à personalidade dele. Podemos até dizer que a confiança necessária do tribunal baseia-se inevitavelmente na análise positiva da personalidade do agente.
In casu, o recorrente não é primário, já tinha sido condenado pela prática do mesmo crime, e até já lhe beneficiou uma vez a suspensão de execução da pena na decisão judicial anterior.
 Na tese do recorrente, o tribunal "a quo" não ponderou o facto de que o recorrente tem mantido bom comportamento durante todo o período de suspensão anteriormente aplicada, e assim poderia formular ainda um juízo de prognose favorável ao seu futuro comportamento.
Para nós, pensamos que não se deveria considerar o recorrente como uma criança que fosse!
E não se pode pedir, sem limite, oportunidades aos tribunais.
Na verdade, sendo o recorrente um homem capaz e imputável, é suposto que já tem compreendido o significado da pena e a finalidade de suspensão concedida no processo anterior.
Acresce que o seu dever de acatar leis e padrões sociais nunca é um dever com carácter temporário, válido só durante o período de suspensão.
Bem pelo contrário, a concessão de suspensão de execução da pena tem por objectivo, para além de ser uma ameaça, uma educação completa do condenado, no sentido de lhe permitir fazer uma reintegração social, visando sim para toda a vida futura dele.
Pelo que o cumprimento das leis e manter bom comportamento durante o período de suspensão da pena anterior é um "dever básico" do condenado, mas nunca é fundamento ou pretexto de pedir a "segunda" suspensão.
Por outro lado, é um facto inegável que com um lapso temporal quase de um ano (entre a extinção da pena anterior e a prática de novo facto) o recorrente voltou a delinquir e foi condenado pela prática do crime com a mesma natureza do crime anterior!
Para nós, a única conclusão racional que nós podemos tirar daí é que o recorrente não está preparado para pautar a sua conduta em conformidade com os padrões sociais. Sendo uma pessoa ainda carecida de ressocialização e não nós pareça que o recorrente possua capacidade suficiente para auto-controlar sob à sombra de mera ameaça de prisão, uma vez o seu passado mostra já a sua fraqueza da personalidade.
Razão pela qual já não há justificação nenhuma para que o tribunal "a quo" continue a depositar nele confiança sobre a sua capacidade de observar patrões sociais básicos.
E em termos de prevenção geral, é do conhecimento geral de que mesmo com a entrada em vigor da nova lei rodoviária, o fenómeno de condução sob influência do alcóol nunca tenha sido diminuído, especialmente nos últimos anos, tem registado uma evolução significativa dos casos.
Neste contexto, não se prevê que a sociedade diminua a sua vontade colectiva em combater este fenómeno, e daí que resulta, quanto a nós, a necessidade firme em salvaguardar a validade da norma violada.
Pelo que o recorrente não satisfaz, minimamente, tanto a exigência de prevenção especial como de exigência geral.
Face ao exposto, entendemos que o recurso deve ser logo rejeitado por sua manifesta improcedência.
Eis o nosso parecer”; (cfr., fls. 42 a 44).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 22 a 22-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Com o presente recurso pretende o arguido dos autos a revogação da sentença que o condenou pela prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 45 dias de prisão e inibição de condução por 1 ano e 6 meses.

E, como resulta do que se deixou relatado, bate-se (tão só) pela suspensão da execução da dita pena de 45 dias de prisão, alegando “violação do art. 48° do C.P.M.”.

Vejamos.

No que ao estatuído no art. 48° do C.P.M. diz respeito, tem este T.S.I. entendido que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 31.10.2013, Proc. n° 648/2013).

Como recentemente temos também entendido, o instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., o Ac. de 21.11.2013, Proc. n.° 649/2013).

Nesta conformidade, “quid iuris”?

Ora, resulta dos autos que o Tribunal a quo decidiu não suspender a execução da pena em virtude de não ser o arguido “primário”.

Pois bem, como temos vindo a entender, devem-se evitar penas de prisão de curta duração.

Porém, como igualmente tem este T.S.I. afirmado, “não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta”; (cfr., v.g., o Ac. de 14.11.2013, Proc. n.° 692/2013).

No caso dos autos, constata-se que o ora recorrente já sofreu outras condenações (desde 1996), cumpriu penas de prisão, beneficiou de liberdade condicional em 2003, sendo também “reincidente” no crime de “condução em estado de embriaguez”; (cfr., C.R.C. a fls. 12 e segs.).

E perante estes “antecedentes criminais”, que não deixam de revelar uma personalidade com tendência para a prática de ilícitos criminais, manifestamente inviável é a pretensão apresentada.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 4 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$1.200,00.

Macau, aos 12 de Dezembro de 2013

José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 728/2013 Pág. 12

Proc. 728/2013 Pág. 13