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Processo n.º 148/2013 Data do acórdão: 2013-5-16 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– qualificação jurídica dos factos
– questão de conhecimento oficioso
– tráfico de menor gravidade
– consumo ilícito de estupefacientes
– concurso efectivo
– Lei n.o 17/2009
– longo cadastro criminal
– suspensão de execução da prisão

S U M Á R I O
1. A questão de qualificação jurídico-penal dos factos é de conhecimento oficioso.
2. Há concurso efectivo entre o crime de tráfico de menor gravidade e o de consumo ilícito de estupefacientes, p. e p. respectivamente pelos art.os 11.o, n.o 1, e 14.o da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, por serem distintos os bens jurídicos que se procura tutelar nessas duas normas incriminadoras.
3. Tendo o arguido recorrente já um longo cadastro criminal por causa de delitos relativos à droga, é patentemente inviável qualquer juízo de prognose favorável à sua pretensão de suspensão da pena de prisão por que vinha condenado nesta vez pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 148/2013
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 408 a 416 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR3-12-0121-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou materialmente como autor de um crime consumado de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.o 11.o, n.o 1, alínea 1), da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de um ano e seis meses de prisão efectiva, veio o 1.º arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar a suspensão da execução dessa pena de prisão (cfr. a motivação do recurso apresentada a fls. 432 a 433 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público (a fls. 435 a 437v) no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 466 a 467v), preconizando também a improcedência do recurso, para além de suscitar a possibilidade de alteração da qualificação jurídico-penal dos factos provados em primeira instância, no sentido de os mesmos passarem a integrar também a prática, pelo recorrente, de um crime de consumo ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 14.º da Lei n.º 17/2009.
Notificado, ficou o recorrente silente quanto à eventualidade dessa alteração da qualificação jurídico-penal dos factos (cfr. o processado a fls. 476 a 478, a contrario sensu).
Concluído subsequentemente o exame preliminar, corridos os vistos legais, e com audiência já feita neste TSI, cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto já julgada como provada pelo Tribunal a quo (e descritos como tal a fls. 410 a 413 dos autos), é de tomar a mesma factualidade como a fundamentação fáctica do presente aresto de recurso, por aval do art.º 631.º, n.º 6, do Código de Processo Civil vigente, ex vi do art.º 4.º do actual Código de Processo Penal (CPP).
Segundo essa factualidade provada: o recorrente deteve livre, voluntária e conscientemente parte das substâncias estupefacientes descobertas pela Polícia em Dezembro de 2010 no âmbito do presente processo penal, para seu consumo pessoal, apesar de saber que essa conduta sua era proibida e punível por lei, e o recorrente tem longo cadastro criminal por delitos relativos à droga.
E na fundamentação da decisão penal ora recorrida, o Tribunal a quo afirmou que o recorrente não confessou os factos relativos ao crime de tráfico de menor gravidade.
Outrossim, do exame dos autos sabe-se que o Ministério Público, na parte final do texto da acusação pública (deduzida a fls. 195 a 196v), entendeu, a nível de direito falando, haver concurso ideal entre a conduta do 1.o arguido (ora recorrente) de consumo de estupefacientes, referida no art.o 14.o da Lei n.o 17/2009, e a conduta de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art.o 11.o, n.o 1, da mesma Lei, pelo que acusou este arguido pela autoria material de um crime consumado de tráfico de menor gravidade.
A este respeito, o Tribunal a quo veio afirmar, na fundamentação jurídica do acórdão ora recorrido, que apesar da jurisprudência unânime no sentido de haver concurso efectivo entre esses dois crimes referidos, tinha que condenar o 1.o arguido nos termos acusados pelo Ministério Público, devido à limitação do objecto do processo (cfr. a explicação dada pelo Tribunal a quo nas 15.a a 17.a linhas da página 12 do seu acórdão).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, vê-se que o recorrente só colocou a questão de suspensão de execução da pena de prisão.
Entretanto, tendo ele já um longo cadastro criminal por causa de delitos relativos à droga, é patentemente inviável qualquer juízo de prognose favorável a essa sua pretensão de suspensão da pena, sem mais indagação por ociosa (cfr. o critério material para suspensão da pena, plasmado no art.º 48.º, n.º 1, do actual Código Penal).
Há, pois, que decidir agora da questão de nova qualificação jurídico-penal dos factos, suscitada pela Digna Procuradora-Adjunta.
Sendo esta questão de conhecimento oficioso, e cumprido já o princípio do contraditório, é de passar a condenar também o recorrente pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de consumo ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 14.º da Lei n.º 17/2009.
De facto, tendo em conta o bem jurídico que se procura tutelar nesse tipo legal de crime, o mesmo delito não pode ser considerado como já absorvido pelo tipo-de-ilícito de tráfico de menor gravidade (que, como se sabe, tutela bem jurídico distinto).
Na medida da pena do crime de consumo, não se pode optar pela pena de multa, por serem muito prementes, no caso do recorrente, as necesssidades de prevenção especial desse delito (art.º 64.º do CP).
Assim sendo, e considerando toda a factualidade e as circunstâncias já apuradas pelo Tribunal a quo, e sob os padrões da medida da pena plasmados nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º do CP, há que impor ao recorrente a pena de dois meses de prisão pelo crime de consumo, e em sede de cúmulo jurídico, nos termos do art.º 71.º, n.os 1 e 2, do CP, dessa pena com a pena de um ano e seis meses de prisão já imposta no acórdão recorrido para o crime de tráfico de menor gravidade, é de passar a aplicar ao recorrente a pena única de um ano e sete meses de prisão, naturalmente também efectiva (por adaptação das razões já acima expendidas), pena única essa que, porém, ficará reduzida praticamente a um ano e seis meses de prisão, por força do princípio da proibição de reforma para pior plasmado no art.o 399.o, n.o 1, do CPP, aplicável à presente lide recursória, instaurada só por causa do recurso interposto pelo arguido recorrente.
III – DECISÃO
Dest’arte, acordam em:
– julgar improcedente o recurso do 1.o arguido A;
– e alterar oficiosamente a qualificação jurídica dos factos provados em primeira instância, passando a condenar o recorrente pela prática, também, em autoria material e na forma consumada, de um crime de consumo ilícito de estupefaciente, p. e p . pelo art.º 14.º da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de dois meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessa pena com a pena de um ano e seis meses de prisão já aplicada no acórdão recorrido pela autoria material de um crime consumado de tráfico de menor gravidade do art.o 11.o, n.o 1, alínea 1), da mesma Lei, na pena única de um ano e sete meses de prisão efectiva, pena única essa que fica concretamente reduzida a um ano e seis meses de prisão efectiva, por força do princípio do art.o 399.o, n.o 1, do Código de Processo Penal vigente.
Custas pelo recorrente, com quatro UC de taxa de justiça, e três mil e oitocentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor, honorários esses a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 16 de Maio de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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