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Processo n.º 182/2013
(Recurso de Decisões Jurisdicionais )

Relator: João Gil de Oliveira

Data: 23/Maio/2013


ASSUNTOS:
    
    - Advogados
    - Pedido de certidões

SUMÁRIO:

1. O advogado, enquanto tal, requerendo nessa qualidade, fazendo-o expressamente ao abrigo do artigo 15º do Estatuto do Advogado, ainda que não munido de uma procuração, tem o direito a que lhe seja passada uma certidão, mesmo não indicando o fim a que a destina, desde que não se trate de matéria não confidencial, secreta ou reservada.
    2. O direito que decorre daquela qualidade de advogado, na recolha do material indispensável ao múnus de que está investido, encontra-se igualmente concretizado nos artigos 117º, n.º 2 e 124º, n.º 1 do CPC, nos termos do qual o advogado pode consultar ou pedir certidões de qualquer processo, mesmo não tendo tido intervenção no caso.
    3. A norma do Estatuto do Advogado é uma norma especial que se aparta do regime geral consagrado no CPA talhado para o acesso à informação em relação ao comum dos interessados.

                Relator,
                João A. G. Gil de Oliveira
  

Processo n.º182/2013
(Recurso de Decisões Jurisdicionais)

Data : 23 de Maio de 2013

Recorrente: A (XXX)

Entidade Recorrida: Director de Inspecção e Coordenação de Jogos

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A (XXX), Advogado, mais bem identificado nos autos, inconformado com a douta sentença que julgou improcedente o recurso da decisão do Exmo Senhor Director da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos que rejeitou o pedido de passagem de certidão que formulou ao abrigo do artigo 15º do Estatuto do Advogado, vem interpor recurso para este Tribunal, alegando em síntese conclusiva:

I. Em primeiro lugar, o recorrente salientou que o Tribunal não devia ignorar o facto a provar via certidão, isto é, quais concessionárias ou subconcessionárias estavam autorizadas a exercer a actividade de promoção de jogos duas promotoras de jogo licenciadas conforme Regulamento Administrativo n.º 6/2002.
II. Segundo o art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, a entidade recorrida dirige a entidade responsável por registo de promotor e passagem de certidões, sendo um órgão que tem competência de emitir certidão sobre o facto supracitado.
III. O conteúdo constante da certidão solicitada pelo recorrente não se relaciona com dados pessoais ou privacidade.
IV. Quanto à questão de não indicação de período e de indeterminação, o direito relativo à passagem de certidão é consagrado no Regulamento Administrativo n.º 6/2002, e o recorrente indicou manifestamente no pedido “estava autorizada”. Desde primeiro ano 2002 até 2013, a licença renova-se uma vez em cada ano, isto é, no total de 11 renovações. Se estas duas promotoras mudam sociedade de jogos em todas as 11 renovações, no total de 22 registos, quanto mais actualmente há apenas seis sociedades de jogos em Macau, pelo que não existe questão relativa ao período e à indeterminação.
V. Ao mesmo tempo, quais sociedades de jogos em que as duas promotoras sejam autorizadas a exercer actividades, facto esse deve ser constante da licença com modelo oficialmente aprovado. Não há nenhuma lei que se dispõe que o conteúdo da licença administrativa é confidencial ou secreto, ao invés, segundo o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, este conteúdo é constante da licença do promotor, além disso, quase todos os promotores nos casinos têm obrigação de utilizar o respectivo cartão de trabalho emitido por respectivas sociedades de jogos. Na aplicação das respectivas disposições jurídicas, nenhum fundamento pode sustentar que estes factos são confidenciais ou secretos.
VI. A natureza confidencial ou secreta de um determinado facto não é determinada pelos órgãos administrativos, mas sim pela lei.
VII. Segundo a lei, o advogado pode exercer, ao exercício da sua profissão, o direito consagrado no art.º 15.º n.º 1 do Estatuto do Advogado, o recorrente também indicou expressamente, no pedido, a sua qualidade de advogado e citou o artigo supra, isto é, é contestável o recorrente pedir a certidão com base no exercício da sua profissão – advogado.
VIII. Com se refere acima, o assunto e o pedido relativo ao presente caso satisfazem os pressupostos previstos no art.º 15.º n.º 1 do Estatuto do Advogado, logo, o recorrente tem direito ao pedido de passagem desta certidão. Manifestamente, o art.º 15.º do Estatuto do Advogado é uma norma especial em relação aos art.ºs 63.º e 67.º do Código do Procedimento Administrativo, deve prevalecer sobre a norma geral. Com efeito, o recorrente entende que o advogado, no exercício do direito consagrado no art.º 15.º n.º 1 do Estatuto do Advogado, só precisa de verificar a identificação de advogado, sem necessidade de mostrar a identificação da parte e os interesses, se não fosse assim, a disposição “sem necessidade de exibir procuração” teria meramente uma aparência sem significado.
IX. Portanto, o Tribunal de recurso deve condenar procedente o recurso e mandar a entidade recorrida emitir a certidão.
X. Se o Tribunal não concorde com os pontos de vistas supracitados e julgue que o advogado, no exercício do direito consagrado no art.º 15.º n.º 1 do Estatuto do Advogado, precisa de provar os interesses, o recorrente alegou que os interesses seriam estabelecidos imediatamente quando apresentou o pedido à entidade recorrida.
XI.Os chamados “interesses”, “interesses específicos” ou “interesses directos e pessoais” são conceitos abstractos. Analisando os factos concretos deste caso, o recorrente tem interesses em relação à certidão, e não às duas promotoras ou às sociedades de jogos. Os interesses do recorrente só têm relação com os factos que a certidão queria provar, sem nada mais. Quer dizer, o recorrente entende que, são os seguintes interesses quando pediu à entidade recorrida a emissão de certidão: o recorrente necessita de obter os dados e tem direito a obter. Nos termos do art.º 67.º n.º 4 do Código do Procedimento Administrativo, o recorrente pode pedir a certidão para obter um facto.
XII. A actividade de promotor de jogos é exercida perante ao público, o público tem direito a saber se um promotor detenha ou não uma licença válida e as limitações da licença. Igualmente, o recorrente tem direito a saber, através da autoridade administrativa, se um edifício seja um casino ou não, ou quem é que explora este casino. O recorrente tem direito a saber se uma pessoa seja promotor de jogos e qual casino da sociedade de jogos em que o promotor seja autorizado a exercer a sua actividade.
XIII. O público tem direito a saber se um promotor seja autorizado ou não para exercer a sua actividade num determinado casino, uma vez que nos termos do art.º 23.º n.º 3 da Lei n.º 16/2001, a concessionária é responsável por fiscalizar o cumprimento das obrigações dos promotores, e nos termos do art.º 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, as concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis, pelo que a concessionária dá uma maior garantia à exploração da actividade do promotor de jogos. O público tem direito a saber qual é a concessionária antes de estabelecer relação com o promotor. Igualmente, entrando num hotel, o público tem direito a saber se este hotel tenha ou não licença válida e quem é o proprietário deste hotel.
XIV. A Lei não se estipula que, só é permitido o público saber o conteúdo da licença do promotor depois de o público estabelecer relação com o promotor.
XV. Portanto, o Tribunal de recurso deve condenar procedente o recurso e mandar a entidade recorrida emitir a certidão.
XVI. Mesmo que o Tribunal de recurso não concorde com este ponto de vista, o recorrente pode também pedir a passagem de certidão nos termos do art.º 67.º do Código do Procedimento Administrativo.
XVII. Nos termos do art.º 67.º do Código do Procedimento Administrativo, 1. os particulares têm direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito. 2. o direito de acesso aos documentos nominativos é reservado à pessoa a quem os dados digam respeito e a terceiros que demonstrem interesse directo e pessoal.…. Mesmo que o recorrente pedisse a certidão com qualidade de advogado, o que não iria reduzir ou proibir o exercício dos direitos devidos dos cidadãos. Nos termos do art.º 67.º n.ºs 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo, o recorrente tem direito de acesso aos arquivos e registos administrativos que não são relativos aos dados pessoais. Como tal se refere, os dados solicitados pelo recorrente não relacionam com os pessoais, mas sim os nomes das sociedades de jogos, meramente uns nomes das sociedades anónimas, satisfazendo os pressupostos previstos no art.º 67.º n.ºs 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo.
XVIII. Portanto, o Tribunal de recurso deve julgar procedente o recurso e mandar a entidade recorrida emitir a certidão.
  
    O Exmo Senhor Director da Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), entidade recorrida, na acção identificada à margem contra-alega, em suma:
    1. A entidade ora recorrida oferece o mérito dos fundamentos e da decisão alcançada na douta sentença recorrida;
    2. No requerimento de certidão ao abrigo do artigo 15.º do EA a lei exige a prova da qualidade de advogado e da necessidade da certidão para o exercício da advocacia - prova mais pertinente quando o requerente não apresenta qualquer procuração;
    3. O artigo 15.º do EA não é norma especial nem prevalece sobre os artigos 63.º e 67.º do CPA;
    4. os artigos referidos na conclusão anterior devem ser interpretados tendo em conta a unidade e coerência do sistema jurídico da RAEM (n.º 1 do artigo 8º do Código Civil) e a sua aplicação deve visar a prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos;
    5. O pedido de certidão sub judice não cumpriu o disposto no artigo 15.º do EA e nos artigos 63.º e 67.º do CPA por ausência de qualquer prova da necessidade da certidão para o exercício da advocacia e por total omissão quanto ao interesse específico subjacente ao requerimento da certidão.
    Nestes termos e nos demais de direito a suprir pelo Tribunal ad quem deve ser confirmada a sentença recorrida, negando-se provimento ao recurso.
    
    O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
    Estabelecida, ou, melhor dizendo, inquestionada que se encontra pela douta sentença sob escrutínio a qualidade de advogado por parte do recorrente, teremos que, nos precisos termos do disposto no n° 1 do art° 15° do respectivo Estatuto, o mesmo poderia almejar a certificação que se arroga, conquanto a mesma se não reportasse a matéria com carácter secreto ou reservado, sem necessidade de exibição de procuração.
    Serve o sublinhado para salientar que, ao contrário do que parece ser o entendimento do Mmo Juíz "a quo", por reporte aos termos conjugados dos art°s 63° a 67°, CPA, se nos afigura que, salvaguardado aquele carácter eventualmente reservado ou secreto dos dados pretendidos, o advogado não necessitará de demonstrar o seu interesse legítimo (sob pena de ficar colocado na mesma situação que particular sem aquela qualidade), não carecendo, pois, de invocar no requerimento o fim a que se destinam os elementos ou informações solicitados.
    O pedido efectuado pelo recorrente - passagem de certidão em que se certifique junto de quais concessionárias ou subconcessionárias estavam autorizados a exercer a actividade de promoção de jogos a Sra XXX e o "XXX International XXX, Sociedade Unipessoal, Lda.'', não se nos afigura reportar-se, de todo, a matéria secreta, não se vendo, também, que os dados atinentes a vínculos de prestação de serviços se possam considerar como reservados, designadamente como dados pessoais concernentes à vida privada, como pretende a recorrida, tanto mais que, nos termos do art° 15° do R.A. 6/2002, a DICJ deve promover a publicação em B.O. até 1 de Janeiro de cada ano, a lista dos promotores de jogo licenciados, não se vendo que de tal publicitação até à indicação das concessionárias/subconcessionárias junto das quais cada promotor de jogo se encontra registado decorra ou exista qualquer justificativo razoável para especial reserva.
    Nestes parâmetros e porque, ao arrepio do pretendido pela recorrida, a praticabilidade do solicitado se mostra incontestável, quer porque, manifestamente, o que foi peticionado não foi informação sobre a autorização para o exercício da actividade de promoção do jogo, mas sim sobre o registo dos promotores em questão junto das concessionárias/subconcessionárias, matéria que compete à DICJ, nos termos do n° 2 do art° 23° do R.A. 6/2002, quer porque, mesmo a reportar-se a expressão "estava autorizada" constante do pedido, a toda a actividade, desde início das promotoras referidas, a quantidade de registos pretendida não ultrapassaria os 22, perfeitamente certificável e ao alcance da recorrida.
    Donde, pelas razões aduzidas, sermos a entender merecer provimento o presente recurso.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    III - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes que se extractam da douta sentença recorrida:
  
  A. Em 21 de Janeiro de 2013, o requerente apresentou o pedido com seguinte teor ao Director da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (vide fls. 7 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido):
  “Excelentíssimo Senhor
  Director da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos,
  A, advogado, com exercício do direito conferido pelo disposto no art.º 15.º do Estatuto do Advogado, requer que se digne mandar certificar junto das quais concessionárias ou subconcessionárias estava autorizada a exercer a actividade de promoção de jogos Sra. e , sociedade comercial com n.º de registo 38357SO, ambas promotoras de jogo licenciadas conforme Regulamento Administrativo n.º 6/2002.
  Pede deferimento
  (assinatura e carimbo)”
  
  B. Em 28 de Janeiro de 2013, foi indeferido o pedido supracitado. (vide ponto 3 da petição inicial)
  C. A entidade requerida notificou, através do ofício n.º 146/CONF/2013, ao requerente do seguinte teor: (vide fls. 8 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
  “(…)
  Assunto: Pedido da passagem de certidão
  Sr. Advogado, XXX:
  Face ao pedido da passagem de certidão apresentado pelo Senhor em 21 de Janeiro de 2013, a presente Direcção notifica-se, por este meio, ao Senhor que foi indeferido o respectivo pedido nos termos do art.º 15.º n.º1 do Regulamento Administrativo n.º 34/2003 (organização e funcionamento da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos) e do art.º 92.º do Contrato de Concessão, e devido à carência de legitimidade e à natureza reservada das informações solicitadas.
  Se o pedido apresentado pelo Senhor tenha finalidade do processo judicial, pode-se pedir as respectivas provas através do Tribunal.
  (……)
Director
(Assinatura)”

  D. Em 14 de Fevereiro de 2013, o requerente apresentou junto do presente Tribunal a acção sobre prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão.
    IV - FUNDAMENTOS
    1. O que está em causa no presente processo é saber se o advogado, enquanto tal, requerendo nessa qualidade, fazendo-o expressamente ao abrigo do artigo 15º do Estatuto do Advogado, ainda que não munido de uma procuração, tem o direito a que lhe seja passada uma certidão sobre as concessionárias ou subconcessionárias para quem uma determinada Senhora, por um lado, e, por outro, uma Sociedade Unipessoal, estão autorizadas a exercer a actividade de promoção de jogos.
    Foi o requerimento indeferido ao requerente com base no argumento de falta de legitimidade e carácter reservado da matéria, invocando-se ainda que o requerente não apresentou cópia da cédula profissional nem indicou o respectivo número profissional.
    Esta questão veio a ser apreciada na douta sentença recorrida, tendo-se considerado irrelevante essa pretensa falta de identificação, na medida em que tal qualidade (a de advogado) em que o requerente se apresentou junto da Administração não lhe terá suscitado quaisquer dúvidas.
    
    2. Não obstante este aspecto, permanece agora a apreciação dos argumentos usados no Tribunal Administrativo para denegar razão ao recorrente, argumentos esses que, em síntese, se basearam no seguinte:
    - O artigo 63º, n.º 1 do CPA (Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Dec.-Lei. n.º 57/99/M, de 11 de Outubro) prevê que os particulares têm o direito de ser informados pela Administração quando sejam directamente interessados;
    - O artigo 66ºdo CPA pressupõe que os interessados tenham um interesse legítimo;
    - O artigo 67º, n.º 2, tratando-se de pessoa a quem os documentos ou informações não digam directamente respeito, têm de demonstrar um interesse directo e pessoal;
    Alerta-se ali, ainda, em termos pedagógicos, para um desejável procedimento, em relação a alguns dos argumentos, para a boa prática de a Administração dever convidar o requerente a suprir deficiências formais em vez de seguir a via da rejeição liminar.
     3. Interposto recurso, responde o recorrente a argumentos que foram usados apenas na contestação e não já levados aos fundamentos do despacho de indeferimento, como a não delimitação temporal dos factos a certificar, responde à questão da legitimidade que diz retirar-se da sua qualidade de advogado e responde à questão da matéria concernente à reserva privada, questões estas que constituíram fundamento do despacho recorrido, mas que não foram abordadas na douta sentença recorrida.
    Na resposta, a entidade recorrida esgrime com o artigo 15º do EA (Estatuto do advogado), percebendo-se que diz que a dispensa de procuração não dispensa a prova da qualidade de advogado, que o EA não é norma especial e se aplicam os artigos 63º e 67º do CPA, tal como entendido na sentença proferida.
    
    4. Cumpre apreciar.
    Vejamos em primeiro lugar as disposições legais pertinentes, não sem que se refira que a primeira bateria normativa invocada na sentença, relativa aos artigos 63º a 65º do CPA, não rege no caso em presença, tratando-se aí de obtenção de informação relativa a um dado procedimento em curso, não obstante a remissão para o reconhecimento dos direitos aí conferidos, tal como resulta do art. 66º, n.º 1 do mesmo código, direitos, que não pressupostos do seu exercício.
    Assim, prescreve o artigo 66º do CPA:
    “1. Os direitos reconhecidos nos artigos 63.º a 65.º são extensivos a quaisquer pessoas que provem ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretendam.
    2. O exercício dos direitos previstos no número anterior depende de despacho do dirigente do serviço, exarado em requerimento escrito, instruído com os documentos probatórios do interesse legítimo invocado.”
    
    E o artigo 67º desse diploma legal:
    “1. Os particulares têm direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito.
    2. O direito de acesso aos documentos nominativos é reservado à pessoa a quem os dados digam respeito e a terceiros que demonstrem interesse directo e pessoal.
    3. O acesso aos arquivos e registos administrativos pode ser recusado, mediante decisão fundamentada, em matérias relativas à segurança do Território, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
    4. O acesso aos arquivos e registos administrativos faz-se em regra mediante a passagem de certidões ou fotocópias autenticadas dos elementos que os integram, sendo possível a consulta directa dos documentos arquivados ou registados quando a lei a permita ou quando o órgão competente a autorize.
    5. A consulta directa ou a passagem de certidões ou fotocópias, quando permitidas ou autorizadas, devem ser asseguradas aos interessados no prazo máximo de dez dias úteis.”
    Por seu lado, o artigo 15º do EA (Estatuto do Advogado, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 31/91/M, de 6 de Maio e que teve alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 42/95/M, de 21 de Agosto, com versão aí republicada) dispõe:
    “1. No exercício da sua profissão, o advogado pode solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer verbalmente ou por escrito a passagem de certidões, sem necessidade de exibir procuração.
    2. Os advogados, quando no exercício da sua profissão, têm preferência para ser atendidos por quaisquer funcionários a quem devam dirigir-se.
    3. Os advogados não podem ser responsabilizados pela falta de pagamento de custas ou quaisquer despesas, salvo se tiverem recebido provisão para esse efeito.”
    
    5. Posto isto, deixando de lado as questões que se mostram resolvidas ou que caíram por si (a comprovação da qualidade de advogado e a delimitação temporal do objecto da certificação requerida, apenas colocada pela entidade recorrida fora do acto praticado), a primeira questão que se coloca é a de saber se o advogado tem um regime especial no que concerne ao acesso à informação e à passagem de certidões e que se aparte do regime consagrado para os leigos no CPA, questão que, como vimos, não foi tratada na douta sentença recorrida, mas não deixou de ser invocada pelo recorrente, não tendo deixado de ser refutada a tese da especialidade da norma pela entidade recorrida.
    
    6. Estamos em crer que sim, que estamos perante uma norma especial, pelas seguintes razões:
    O advogado deve ser visto como um colaborador da Justiça, um pilar do Estado de Direito, com um estatuto que lhe confere a dignidade inerente às suas funções, o que resulta de diversas disposições da Lei Básica (artigos 36º, enquanto assegura aos residentes a assistência pelo advogado na defesa dos seus direitos, 87º, enquanto faz o os advogados participar da indigitação de juízes, 92º, enquanto possibilita ao Governo o estabelecimento de disposições para o exercício da advocacia), posição reafirmada na Lei de Bases da Organização Judiciária (artigo 11º, n.º 2, 58º, 67º), papel plasmado nos diplomas que estruturam e regulamentam o exercício da profissão forense (regulação que a própria LB chama a si), tais como o EA, Estatuto da Associação Pública do Advogado, Regulamento do CSA (Conselho Superior da Advocacia), Código Deontológico, que impõem a sua participação em órgãos tutelares das magistraturas e a intervenção imposta em todos os diplomas adjectivos de natureza estruturante (CPC, CPAC e CPP - Código de Processo Civil, Código de Processo Administrativo Contencioso, Código de processo Penal)
     Depois, este direito que decorre daquela qualidade de advogado, na recolha do material indispensável ao múnus de que está investido, encontra-se igualmente concretizado nos artigos 117º, n.º 2 e 124º, n.º 1 do CPC, nos termos do qual o advogado pode consultar ou pedir certidões de qualquer processo, mesmo não tendo tido intervenção no caso, sem que se lhe exija que revele interesse atendível em as obter, consagrando-se até aí, nos tribunais, o princípio da publicidade do processo, salvaguardadas as excepções que vêm expressamente previstas, nomeadamente no artigo 118º.
    Acresce que as normas acima transcritas promanam de diplomas normativos de igual força hierárquica e nem se pode dizer que a lei posterior revoga a lei anterior, pois que não só o principio não vale para as normas especiais, face ao que dispõe o artigo 6º, n.º 3 do CC, como ainda os requisitos referentes à necessidade do requerente exibir um interesse legítimo já existia nas normas do pretérito CPA de 1994 (artigos 63º e 64º) e o legislador de 1995, ao republicar o EA não podia ignorar que havia já um diploma que restringia aquele acesso. Se essa restrição abrangesse o advogado, a norma do artigo 15º ficaria sem sentido. Ora, não estamos em crer que tenha sido intenção do legislador de 99 revogar o direito concedido ao advogado, vista a natureza particular e as regras próprias, técnicas e deontológicas, do exercício da sua profissão.
    Aduz-se ainda um outro argumento que pode justificar um regime especial para o acesso do advogado à informação sem as restrições de que comunguem quaisquer outros interessados. Salvaguardado que fica o direito ao acesso a matérias sigilosas, reservadas, sujeitas a segredo, relativas à reserva e intimidade pessoal, também ele, o advogado, está sujeito ao dever de segredo e, assim, ter de justificar para que pretende uma determinada informação, digamos que em matéria aberta, estar-se ia a onerar desequilibradamente os interesses em jogo, podendo essa imposição comprometer o êxito do seu constituinte ou ainda mero consulente, pois que teria que anunciar os fins de um procedimento porventura cautelar que sempre haveria que salvaguardar.
    
    Nem sequer o interesse do advogado é sempre recondutível, disjuntivamente a um interesse de um seu actual ou potencial cliente ou a um interesse particular e pessoal do advogado. Pode perspectivar-se uma terceira possibilidade, como a dos casos em que o advogado, que se identifique como tal, mediante exibição da respectiva cédula profissional, pretenda ponderar se aceita ou não o patrocínio ou a defesa e isto sem necessidade de juntar ou sequer exibir procuração. Não deixará ele de proceder a uma avaliação do assunto entre mãos, conflituante ou não com outros interesses de cujo patrocínio esteja incumbido, só a ele cabendo avaliar, tratando-se, reafirma-se, de matéria não reservada.
    Para além de que as normas do CPA e a referida norma do EA têm natureza diferente; estas são normas permissivas, enquanto aquelas que permitem a luminosidade da actividade administrativa perante um determinado interesse concreto que ali é debatido ou se cruza com qualquer outro, se podem considerar mais não proibitivas. A conciliação não deixa de ser possível se se considerar que um advogado, enquanto tal, é um permanente interessado, detentor de um interesse privado e, ao mesmo tempo, de um interesse público. Este argumento que se recolhe em parecer da Ordem dos Advogados portuguesa1 reforça a natureza diferente das normas e a especialidade das matérias reguladas numas e noutras. Nas primeiras estamos perante situações que posicionam o interessado sobre um determinado objecto numa qualquer situação jurídica, devendo ser a acessibilidade ao objecto da consulta aferida em função desse concreto interesse; na norma do EA, trata-se de uma norma estatutária que concede uma prerrogativa, um privilégio, facilita um instrumento de trabalho a um certo tipo de profissionais que não deixam também de participar da prossecução do interesse público.
    Depois, se assim não se entendesse, a norma do EA mostrar-se-ia inútil, na medida em que sem procuração (com ela já age em nome do seu representado), justificando o interesse, enquanto terceiro, sempre teria acesso à informação e certidões nos termos do artigo 67º, n.º 2 do CPA. Não sem que se anote que a intervenção do advogado “corresponde algo mais do que o simples poder de uma pessoa se fazer representar no procedimento, porque envolve uma representação institucionalizada, em que o representante aprece investido das especiais prerrogativas e privilégios da sua profissão”.2
    Várias têm sido as decisões, em termos de Jurisprudência Comparada3 - não obstante bastantes em sentido contrário, reconhece-se4 -, que vão no sentido de considerar esta norma do EA de natureza especial num quadro normativo que nos é próximo, proclamando-se o princípio da “administração aberta” ou do arquivo aberto”5, princípio do arquivo aberto que se destina a “superar a tradicional «arcana imperii» tornando os arquivos administrativos acessíveis a qualquer um (...) e, sobretudo, na prática, às organizações dedicadas à promoção de interesses colectivos e aos representantes dos «mass media». Ele facultará aos cidadãos «uti universi» informações em primeira mão sobre as atitudes, orientações e projectos da Administração, munindo-os de meios indispensáveis à sua participação, enquanto agentes cívicos, em quaisquer campos da acção administrativa, sobretudo naqueles que mais interesse despertam na opinião pública. Sob este ponto de vista o princípio do arquivo aberto organiza, no plano administrativo, o direito cívico que se filia na liberdade de dar, de receber e de procurar informações. É, portanto, um instrumento do direito à informação, hoje incluído por muitos no catálogo dos direitos fundamentais do cidadão.” 6Na verdade, o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos vem sendo considerado como um direito fundamental cujo sacrifício só se justifica quando confrontado com direitos e valores constitucionais de igual ou maior valia, como são os relativos à segurança, à investigação criminal e á reserva da intimidade das pessoas.7
    
    7. Claro, que este acesso não pode ser universal, ilimitado e irrestrito, mesmo para o advogado, não podendo esse direito e prerrogativa do advogado conviver com o capricho, a teimosia, a devassa, mas tudo que não seja contemporizável com os princípios do equilíbrio, do bom senso, havendo que descortinar do requerimento do advogado se ele se compagina abstractamente com qualquer interesse abstractamente configurável como decorrente ou servindo os fins profissionais que se propõe. É nesta conformidade que entendemos o interesse que a citada Jurisprudência requer e que alguma dela não deixa de plasmar nas diferentes fundamentações.
    É assim que nos inspiram os doutos ensinamentos vertidos em recente acórdão deste TSI - Processo n.º 214/2013, de 9 de Maio - relatado pelo Mmo Juiz 2º Adjunto deste Colectivo, mas no sentido de nos apartarmos um pouco das conclusões extraídas, apenas no que respeita à necessidade da explicitação do fim a que o advogado destina a certidão, respigando da doutrina aí explanada o seguinte «Este direito de acesso aos documentos nominativos existentes em arquivos ou registos administrativos é reservado à pessoa a quem os dados digam respeito, mas também pode ser accionado por “terceiros que demonstrem interesse directo e pessoal”(nº2).
    Não pode ser um interesse qualquer, claro. É preciso que seja directo e pessoal. Ora, um interesse directo, para este efeito, afigura-se-nos ser aquele que traz um aporte à esfera do requerente, que satisfaz a necessidade de informação do requerente com vista à obtenção de uma posição de vantagem ou utilidade presente ou futura. Quer dizer, enquanto o direito à informação procedimental por parte do próprio interessado no procedimento (art. 63º, CPA) não carece mais do que a simples qualidade de administrado que desencadeou ou contra quem foi desencadeado o procedimento (salvo nos casos em que o que dele pretendam seja confidencial, secreta ou reservada: art. 64º do CPA), já de acordo com o art. 67º do CPA a Administração só se abre perante terceiros que mostrem dispor de um interesse sério, real e proveitoso à sua esfera carecida de tutela. Deste modo, não pode o interesse radicar num mero desejo de “saber o que se passa” de “estar a par” de aplacar o anseio da mera curiosidade, já que isso poderia representar uma intolerável intromissão na vida de certas pessoas, órgãos e instituições, razão pela qual tais propósitos estão excluídos da dimensão tituladora do interesse. É forçoso, pois, que, ao atingir o conhecimento do elemento pretendido obter, o requerente passa a dispor de um instrumento capaz de lhe proporcionar a realização de um direito conexo.
    E também tem que ser pessoal o interesse, diz a lei. Logo, tem que dizer respeito ao próprio requerente. É, pois, necessariamente suposto que haja, uma descrita relação essencial entre a pessoa e o pedido, de modo que se possa fazer uma conexão fundamental de vantagem entre a pretensão e a sua satisfação ou de lesão entre pretensão e o seu indeferimento.
    Nada disto está em colisão com o art. 15º do Estatuto do Advogado. Na verdade, se eles “podem solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos…, bem como requerer verbalmente ou por escrito a passagem de certidões, sem necessidade de exibir procuração”, a satisfação dessa solicitação carece da revelação de dois importantes requisitos: a) que tais documentos ou que a certidão não recaiam sobre elementos ou documentos, com carácter secreto ou reservado; b) que a solicitação perante o tribunal ou repartição pública esteja a ser feita “No exercício da sua profissão”.
     (…)
    Assim sendo, o simples apelo a este dispositivo não surte os desígnios de uma pretensão certificativa, se o advogado (mesmo que não precise de exibir procuração) não mostra representar os interesses de alguém (seu constituinte) no exercício do seu “munus” ou não revela que o interesse lhe pertence particularmente e em exclusivo. Ou seja, se o advogado se dirige à Direcção de Serviços e pede uma certidão de um elemento arquivado ou ali registado, deve dizer se a informação que solicita é para si mesmo ou se é para o seu representado; e, em qualquer circunstância, deve revelar a utilidade concreta da informação requerida pela via da certidão, de modo a que a entidade emitente possa avaliar do interesse directo e pessoal nos moldes acima referidos. Na hipótese de o interesse directo e pessoal ser do próprio advogado, deverá esclarecer em que termos ele o demonstra.»
    
    8. Somos então a analisar o pedido que foi formulado, perspectivando dois desideratos: se o pedido raia abuso; se cai no âmbito de matéria excluída ao livre acesso do advogado.
    Acompanha-se neste passo a reflexão do Exmo Senhor Procurador- Adjunto que aqui se dá por reproduzida.
    Desde logo se alcança poder tratar-se de uma matéria abstractamente enquadrável na satisfação de um interesse de um profissional forense, ao pretender saber onde trabalham dois promotores de jogo, para fins que se podem configurar e que porventura convirá acautelar em termos preventivos e cautelares, eventualmente em benefício legítimo de credores, por via da intervenção de um profissional da advocacia. Ou de eventuais incompatibilidades ou conflito de interesses por si prosseguidos no âmbito da sua actividade causídica.
    Não resulta, numa primeira aparência, usando aqui um critério de ponderabilidade, adequação, normalidade e bom senso, que a pretensão do Senhor Advogado seja meramente caprichosa. A comprovar-se um uso indevido e ilegítimo da informação não deixaria ele de dever ser sancionado, em primeira linha, pela sua associação de classe. Censura esta que já não existe na actuação de um qualquer interessado leigo.
    Com estes pressupostos se afasta a configuração de uma situação abusiva, situação que a concessão de um dado privilégio ou vantagem não pode deixar de repudiar, como acima se assinalou.
    
    9. Por outro lado, saber onde trabalham dois promotores de jogo, devidamente identificados e designados promotores, publicamente, em Boletim Oficial, o local do seu trabalho nada tem de reservado, sigiloso, íntimo ou secreto.
    A actividade de promotor de jogos é exercida perante o público e o público tem direito de saber se um promotor detém ou não uma licença válida e onde está habilitado a desenvolver a sua actividade. Tal como qualquer cidadão tem o direito de saber quem explora um dado casino, também não deixará de ter interesse em saber quem promove aí o jogo. Aliás, a especificidade de tal indústria, o peso que tem para a economia e a transparência que deve revestir afastam as preocupações que se possam abstractamente configurar sobre a reserva e alguma discrição que uma pessoa possa pretender quanto ao seu local de trabalho.
    A reserva sobre o local de trabalho pode abstractamente configurar-se como algo de reservado, mas a partir do momento em que pelo exercício profissional é revelada ao público deixa de ter aquela protecção. Um juiz que enfrenta uma audiência não pode pretender que o exercício da sua profissão não seja conhecido. E a partir do momento em que é conhecido ou passível de conhecimento pelo público deixa de ter aquele carácter de reservado, de algo que merece a tutela da reserva privada.
    O público não pode deixar de saber quem trabalha em determinados serviços, mesmo particulares, até para se reger nas suas escolhas. Digamos que a exposição pública de uma determinada pessoa é inversamente proporcional ao grau de reserva que lhe possa advir do mero facto de se entender que o local de trabalho integra matéria reservada.
    
    10. Há profissões, admite-se, que possam ter um carácter reservado. É evidente que um Governo não pode dizer onde trabalha um espião, como o não pode dizer sobre o serviço dos seus agentes secretos. Objectiva ou subjectivamente até pode entender-se que uma determinada pessoa ou entidade patronal, pelo carácter melindroso da actividade exercida, pretenda que não sejam conhecidos os seus colaboradores.
    Mas não assim, de todo, com os promotores de jogo, que estão numa indústria regulada e que se quer transparente, sob pena de perniciosamente se defender até uma actividade mafiosa que, como sabe, tem tanta apetência por esta actividade por esse mundo fora.
    Poderíamos ficar por aqui, mas desçamos à regulação concreta da actividade do promotor do jogo a fim de indagar se daí resulta algo que infirme esta posição.
    
    11. O público tem direito de saber se um promotor está autorizado ou não a exercer a sua actividade num determinado casino, uma vez que nos termos do art.º 23.º n.º 3 da Lei n.º 16/2001, a concessionária é responsável pela fiscalização e pelo cumprimento das obrigações dos promotores, e nos termos do art.º 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, as concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis, pelo que a concessionária deve garantir a exploração da actividade do promotor de jogos.
    Necessidade que se faz sentir também em saber quem é o responsável pela actividade de um dado empregado em cada um dos casinos, na hipótese de esse trabalhador depender de um dado promotor de jogo, tal como decorre do artigo 31º: “Os promotores de jogo são responsáveis solidariamente com os seus empregados e com os seus colaboradores pela actividade desenvolvida nos casinos por estes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis.”
    
    Ora, por via desta responsabilidade não faria sentido, em nome da transparência, da protecção dos jogadores, que estes não pudessem saber, ao lidarem com um promotor de jogo quem é o seu co-responsável, a concessionária ou subconcessionária para onde trabalha.
    O público tem direito de saber qual é a concessionária antes de estabelecer relação com o promotor, tal como o doente tem o direito de saber se um determinado médico trabalha ou não em determinado hospital.
    Também do lado das entidades patronais, os dados solicitados pelo recorrente não se relacionam com os dados pessoais, mas sim com os nomes das sociedades de jogos, meramente sociedades anónimas.
    
    13. Uma peregrinação pelo regime do tratamento da Lei de Dados Pessoais pode ajudar no deslindamento do que se possa entender por matéria reservada ou secreta.
    Ainda que nos termos do artigo 3º, n.º 3, da Lei de Protecção de Base de Dados Pessoais, Lei 8/2005, ela se aplique apenas “à videovigilância e outras formas de captação, tratamento e difusão de sons e imagens que permitam identificar pessoas sempre que o responsável pelo tratamento esteja domiciliado ou sediado na Região Administrativa Especial de Macau, doravante RAEM, ou utilize um fornecedor de acesso a redes informáticas e telemáticas ali estabelecido.”
    E ainda que nos termos do n.º 4 tal lei se aplique tão-somente “ao tratamento e dados pessoais que tenham por objectivo a segurança pública, sem prejuízo do disposto em normas especiais constantes de instrumentos de direito internacional e acordos inter-regionais a que a RAEM se vincule e de leis específicas relativas àquele sector e outros correlacionados.”, podemos daí apurar o que constitui matéria merecedora de tutela em termos de reserva a partir do artigo 7º, n.º 1 que prevê: “É proibido o tratamento de dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação em associação política ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos.” Sendo que, mesmo no desenvolvimento dessa norma, se retira a limitação desta reserva, seja pelo consentimento do protegido, titular dos dados, seja pela exposição do mesmo.
    
    14. Vejamos então o que resulta do regime jurídico dos promotores de jogo em Macau de forma a aquilatar do grau de exposição, não sendo difícil chegar à conclusão de que ela é total.
    Do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, já acima citado, artigo 23.º, nº 1 “ A actividade dos promotores de jogo está sujeita a licenciamento e o respectivo exercício fica submetido à fiscalização do Governo” e nos termos do n.º 2 “Para exercer a actividade nos casinos, os promotores de jogo têm ainda que se registar junto de cada concessionária com que pretendam operar.”
    Ainda nos termos do n.º 5:
    “Cada concessionária submete anualmente à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, para aprovação do Governo, uma lista com a identificação dos promotores de jogo com os quais pretende vir a operar no ano seguinte.
    6. O Governo fixa anualmente o número máximo dos promotores de jogo autorizados a operar junto de cada concessionária.
    7. Os promotores de jogo podem dispor, para o exercício da sua actividade, de colaboradores por si escolhidos, até um número máximo a ser fixado anualmente pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, devendo, para o efeito, entregar-lhe através das concessionárias, uma lista com a identificação dos seus colaboradores para o ano seguinte.”
    
    14. A necessidade de conhecimento de quem, nesse domínio, trabalha com quem, não pode ser apenas como interessando à entidade fiscalizadora, mas também ao público em geral.
    Tanto assim que o artigo 5.º determina que os “Os factos relativos a promotor de jogo que seja um empresário comercial, pessoa singular, são levados a registo comercial após a atribuição de uma licença de promotor de jogo.”, devendo, art. 15º, “A Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos deve promover a publicação no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, até 31 de Janeiro de cada ano, da lista dos promotores de jogo licenciados.”
    A este respeito há uma obrigação que acentua bem o que vimos evidenciando e comprova o carácter aberto, público e supressor de qualquer reserva e se prende com a obrigatoriedade de identificação dos promotores nos lugares de trabalho, o que decorre do artigo 25º, “Os administradores, principais empregados e colaboradores dos promotores de jogo que sejam sociedades comerciais, bem como os promotores de jogo que sejam empresários comerciais, pessoas singulares, seus principais empregados e colaboradores, e, ainda, todas as pessoas que desempenhem funções, a título principal ou acessório, junto de promotor de jogo são obrigados a usar dentro dos casinos, no exercício das suas funções, um cartão de identificação pessoal, com fotografia, emitido pela concessionária junto à qual se encontrem registados, cujo modelo é aprovado pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos.”
    Nos termos do artigo 28º, n.º 1 “1. As concessionárias são obrigadas a submeter anualmente, até 31 de Outubro, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos uma lista nominativa dos promotores de jogo com os quais pretendam operar no ano seguinte.”
    E n.º 3 “As concessionárias são obrigadas a elaborar e a manter actualizada uma lista nominativa de todos os promotores de jogo junto dela registados, seus administradores, principais empregados e colaboradores, bem como de todas as pessoas que desempenhem funções, a título principal ou acessório, junto dos promotores de jogo.”
    Sendo que todas estas obrigações são extensivas às subconcessionárias, “ex vi” artigo 30ª-A.
    15. Perante este regime, perguntamos, onde está o carácter confidencial da informação respeitante à identificação da concessionária ou subconcessionária para quem um dado promotor de jogo trabalha? Parece até que se impõe uma conclusão exactamente em sentido contrário, isto, é da necessidade de abertura e transparência quanto a esse elemento.
    E mesmo que, no limite, se admitisse que para segurança e protecção dos trabalhadores dos casinos houvesse que preservar esse elemento, visto até, se atentarmos nos elementos que constam do diploma respeitante às bases de dados relativos tão somente aos principais trabalhadores dos promotores de jogo, tal como do respectivo Formulário resulta, anexo ao Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 63/2004 (Nome completo, Data de nascimento, Sexo, Estado Civil, Naturalidade, Nacionalidade, N.º de Documento de Identificação, Data de emissão, Entidade emitente e local de emissão, Data de validade, Dados familiares, Filiação, Pai, Mãe, Cônjuge, Nome do cônjuge, Endereço do domicílio, Endereço para efeitos de correspondência, N.º de telefone do domicílio, N.º de telefone actual do trabalho, N.º de fax, N.º de telemóvel, Antecedentes criminais, Identificação da entidade patronal/Promotor de jogo, Data do início do contrato de trabalho, Data de cessação do contrato de trabalho, Renovável ou não) não é difícil compreender que eventual razão de natureza securitária ou outra, (por exemplo em nome da concorrência), não é extensível aos promotores, antes pelo contrário, devem estes estar perfeitamente identificados, com indicação para quem trabalhem, vista até a sua responsabilização, tudo como acima visto.
    Somos assim a concluir no sentido da procedência do recurso, o que determinará a revogação da sentença recorrida e, nos termos do artigo 112º do CPAC, a fixação de um prazo para a passagem da certidão requerida.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, em revogar a sentença proferida, determinando a passagem da certidão que foi requerida no prazo de 10 dias.
    Sem custas por não serem devidas.
Macau, 23 de Maio de 2013
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho (vencido, conforme voto anexo)
Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho

Proc. nº 182/2013
Não voto favoravelmente o acórdão pelas seguintes razões:
Antes de mais nada, não se pretende reprimir o direito de alguém saber se X ou Y é promotor de jogo (isso é elemento tornado público pela publicitação da actividade). Não estamos é de acordo com a afirmação de que toda a gente tem direito a saber onde aquela actividade é concretamente exercida. Se o legislador tivesse querido que esse dado fosse público, facilmente teria tornado obrigatória a sua divulgação. De “iure constituendo”, talvez até devesse fazê-lo, atendendo à matéria em causa e aos interesses envolvidos. Mas não é assim que está plasmado “de iure constituto”. A este propósito, não se confunda a actividade do juiz, que é do domínio público, no quadro de um processo judicial público, e em prol de um serviço público de justiça, com a actividade privada de um promotor de jogo, desenvolvida em seu próprio benefício e, concomitantemente, em favor de uma concessionária do jogo. E porque falamos nisso, vale a pena lembrar que a própria publicidade do processo judicial, se permite o acesso livre de qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial é porque assim o estatuiu especificamente o Código de Processo Civil numa clara opção do legislador (art. 117º, nº1, do CPC), que terá tido na devida conta a matéria jurídica envolvida e os interesses em presença, dos quais o advogado é um importante baluarte. Ora, sendo público o processo judicial capaz de justificar tal opção do legislador processual no que respeita a esses concretos poderes do advogado, o mesmo não podemos dizer dos elementos constantes dos registos e dos arquivos administrativos, a cujo acesso, de acordo com o pensamento e a vontade manifestada na norma pelo legislador procedimental (art. 67º do CPA), o advogado não se posta em diferente posição jurídica da de qualquer outro interessado.
Depois, sem deixar de notar que o regime do “tratamento dos dados” não é igual ao do “acesso aos dados”, a necessidade do licenciamento da actividade dos promotores do jogo e da comunicação da lista desses profissionais nos termos do art. 28º, nº1 do Regulamento Administrativo nº 6/2002 não é razão suficiente para a declarar a publicidade da identificação da concessionária do jogo a que eles estão afectos. São coisas diferentes, pensamos nós, “actividade” e “identificação da entidade” privada para quem aquela é exercida. Porém, mesmo que se entendesse que sim, isto é, ainda que fosse de conceder que o vínculo dos promotores a um casino tivesse necessariamente esse carácter público (e a lei não abre expressamente a porta a esse entendimento), nem por isso parece que o interesse do advogado haveria de ser diferente do de qualquer outra pessoa, a ponto de ficar dispensado de revelar o interesse na obtenção desse dado, tal como tivemos oportunidade de fundamentar no acórdão deste TSI de 9/05/2013, Proc. nº 214/2013.
Enfim, com todo o respeito por opinião contrária, continuamos a pensar que o art. 15º do Estatuto do Advogado não colide com o comando geral do art. 67º do C.P.A., nem estabelece coisa diferente ou paralela que autonomamente possa ter disciplina própria. Quer dizer, a circunstância de o advogado poder ter acesso a certidões “sem necessidade de exibir procuração” não significa que ele não tenha que demonstrar o interesse nos elementos a certificar, seja para si mesmo, pessoalmente portanto, seja para o constituinte que ele representa, tal como o asseverou o STA no Ac. de 24/11/1988, Proc. nº 042729, numa situação especificamente referente a Macau e ao citado art. 15º do EA (no mesmo sentido, v.g., os acórdãos do STA citados no projecto datados de 26/11/87, Proc. nº 025435, de 19/08/19886, Proc. nº 024148, de 01/12/1995, Proc. nº 036495 e ainda os acs. do mesmo STA de 03/04/1997, Proc. nº 041860, de 18/04/1995, Proc. nº 037296, bem assim como o do TCA/N de 15/07/2004, Proc. nº 00133/04).
Neste sentido, negaria provimento ao recurso jurisdicional interposto e confirmaria a sentença recorrida.
TSI, 23/05/2013
José Cândido de Pinho

1 - Pareceres do CD da AO, Carlos Pinto de Abreu, www.oa.pt/, consulta n.º 10/2010
2 - Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, CPA Comentado, Almedina, Reimp. 2001, 2ª ed., 266
3 - TCA Norte, 00133/04, de 1577/2004
4 - V.g., Acs do STA, procs. n.ºs 025435, de 26/11/87; 024148, de 19/8/8,
036495
de 01/12/1995
5 - Ac. do STA, proc. n.º 020303, de 14/2/1996.
6 - Barbosa de Mello, As garantias administrativas na Dinamarca e o princípio do arquivo aberto, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, LVII, 1981, 269

7 - Ac. do STA, proc. n.º 0896/07, de 17/1/2008
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182/2013 36/36