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Processo n.º 86/2013
(Recurso Laboral)

Data: 16/Maio/2013

RECORRENTE : S.T.D.M.

RECORRIDO : A

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    
    I - RELATÓRIO
A, mais bem identificado nos autos, patrocinado pelo MP, veio interpor contra Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L.”, Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada, com sede em Macau, Região Administrativa Especial de Macau, no Hotel Lisboa, 9º andar, acção de processo comum de trabalho, pedindo a condenação da Ré, a pagar-lhe determinada quantia, a título de créditos laborais.
    Julgada a causa, foi decidido condenar a Ré a pagar o montante de MOP$182.385,65, acrescido de juros de mora à taxa legal a contar da data da sentença.
    Dessa decisão vem recorrer a STDM, Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L., R. alegando, em grande síntese:
    Carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do peticionado direito de indemnização, i.e., a ilicitude do seu comportamento.
    Deve considerar-se que o salário em causa era um salário diário.
    Cabia à parte A., ora Recorrida, provar que a empregadora obstou ou negou o gozo de dias de descanso.
    Não concluindo - e nem sequer se debruçando sobre esta questão - pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos auferidos - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da sentença ora em crise.
    A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
    Ao trabalhar voluntariamente em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), a parte trabalhadora optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
    O trabalho prestado em dias de descanso foi sempre remunerado em singelo, importando, sempre, reformular as fórmulas.
    As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário e bem assim as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da STDM.
    
    
    Pronunciando-se sobre quais as fórmulas aplicáveis e sobre o momento a partir do qual devem ser contados os juros, pugna pela procedência do recurso.
    
    Não foram oferecidas contra alegações.
    
    Oportunamente, foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS

Vem provada a factualidade seguinte:
    “Da confissão e das provas documentais resultam provados os seguintes factos:
    Da Matéria de Facto Assente:
    - Entre o A. e a R. foi estabelecida uma relação laboral em 11 de Setembro de 1979, a qual cessou em 1 de Agosto de 1996 (alínea A) dos factos assentes).
    - Da relação referida em A) dos factos assentes, o A. recebia uma quantia fixa no valor de MOP$10,00 por dia, desde o início até à data de cessação (alínea B) dos factos assentes)
    - As gorjetas eram provenientes do dinheiro dado pelos clientes dos casinos da R. (alínea C) dos factos assentes).
    - Ao gozo de dias de descanso pelo A. não corresponderia qualquer remuneração (alínea D) dos factos assentes).
    - As gorjetas eram diariamente reunidas e contabilizadas e, de dez em dez dias, distribuídas (alínea E) dos factos assentes).
    - Os trabalhadores da R. eram expressamente proibido de guardar com quaisquer gorjetas entregues pelos clientes dos casinos (alínea F) dos factos assentes).
    - As gorjetas eram distribuídas pelos trabalhadores, consoante a respectiva categoria e o tempo de serviços e departamento em que trabalhavam por critério fixada previamente pela R. (alínea G) dos factos assentes),
    - Os rendimentos efectivamente recebidos pelo A. da R. entre os anos de 1984 a 1996 eram de (alínea H) dos factos assentes):
    
    • MOP$129.135,00 em 1984;
    • MOP$123.899,00 em 1985;
    • MOP$1l5.152,00 em 1986;
    • MOP$134.531,00 em 1987;
    • MOP$141.889,00 em 1988;
    • MOP$165.261,00 em 1989;
    • MOP$186.966,00 em 1990;
    • MOP$164.081,00 em 1991;
    • MOP$169.842,00 em 1992;
    • MOP$197.112,00 em 1993;
    • MOP$216.841,00 em 1994
    • MOP$226.952,00 em 1995;
    • MOP$114.480,00 em 1996.
    
    - O A. prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela R. de seguinte forma (alínea I) dos factos assentes).
    1. 1° e 6° turnos: das 07H00 até 11H00, e das 0300 até 0700;
    2. 3° e 5° turnos: das 15H00 até 19H00, e das 23H00 até 03H00;
    3. 2° e 4° turnos: das 11H00 até 15H00, e das 19H00 até 23H00.
*
    Da Base Instrutória:
    - Dessa relação, o A. recebia ainda uma outra parte variável proveniente das gorjetas (resposta ao quesito da 1º da base instrutória),
    - A contabilização do quantitativo de gorjetas entregues pelos cliente aos trabalhadores da R. era feita exclusivamente por esta (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
    - Desde o início até a cessação da relação, nunca o A. descansou um período consecutivo de 24 horas em cada período de 7 dias, sem perda do respectivo rendimento (resposta ao quesito da 5º da base instrutória) .
    - Nunca o Autor gozou 6 dias de descanso anual sem perda do respectivo rendimento (resposta ao quesito da 6° da base instrutória),
    - Desde 3 de Abril de 1989 até à data da cessação, nunca o A. descansou nos dias de 1 de Janeiro, 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio, 1 de Outubro, tendo trabalhando nesses dias (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
    - Sem que a R. tivesse proporcionada qualquer compensação salarial ao A. (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
    - Nem compensado com outro dia de descanso (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).
    - Os casinos explorados pela R. há de funcionar 24 horas por dia e 365 dias por ano (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
    - O Autor aceitou que a retribuição seria paga à razão diária, pelos dias em que fosse efectivamente prestado trabalho (resposta ao quesito da 13º da base instrutória),
    - O A. aceitou que caso pretendesse gozar de descanso, tais dias não seriam retribuídos (resposta ao quesito da 14º da base instrutória). “
    
    III - FUNDAMENTOS
    
    1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
    - Da natureza jurídica do acordo celebrado entre recorrente e parte recorrida;
- Do salário justo; determinação da retribuição; as gorjetas auferidas pelos trabalhadores de casino integram ou não o seu salário?
- Do não gozo de dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios;
. prova dos factos; prova do impedimento do gozo;
. liberdade contratual; da admissibilidade de renúncia voluntária ao gozo de dias de descanso semanal, anual, feriados obrigatórios;
- Integração da natureza do salário; mensal ou diário;
 - Determinação dos montantes compensatórios dos dias de trabalho prestado em dias descanso e festividades.
- Dos juros.
    
    As diferentes questões foram abordadas em vários e abundantes arestos dos Tribunais de Macau, referindo-se que em praticamente todos eles se conseguiu uma unanimidade de entendimento, tanto na 1ª Instância, como neste Tribunal de Segunda instância.1
    Depois disso, sobrevieram algumas decisões do TUI2, que decidiu contrariamente à posição que granjeara unanimidade total numa questão fundamental, qual seja a de saber se as gorjetas dos trabalhadores dos casinos da STDM integravam o salário.
    Perante tais decisões daquele Alto Tribunal, essa questão, bem como as outras que se colocavam, foram já tratadas devidamente numa série de acórdãos deste Tribunal de Segunda Instância e nesta secção em particular, aí se explicando, com o devido respeito, as razões do não acatamento da interpretação do TUI, cientes de que a responsabilidade pela uniformização da Jurisprudência não pode depender unicamente do critério de cada julgador, devendo ser implementada pelo legislador.3
    
    Por essa razão, nessa, bem como nas restantes questões, remetemo-nos para a Jurisprudência deste Tribunal de Segunda Instância.
    
    Ressalva-se a inflexão nessa Jurisprudência, a partir de 31/3/2011, v.g. com o processo n.º 780/2007, de 31/3/2011, deste TSI, apenas para os cálculos de algumas compensações relativamente aos descansos não gozados.
    
    2. Posto, isto, passa-se de imediato à abordagem das questões que vêm colocadas no recurso, o que se fará, pelas razões acima aduzidas, em termos sintéticos.
    A primeira questão que se deve apreciar é a da caracterização da relação jurídica existente entre a recorrente e a recorrida, o que se reconduz, no fundo, a saber se estamos ou não perante um contrato de trabalho entre ambos celebrado.
    Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a parte autora e a ré, em que aquela, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções desta, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar.
    Temos assim por certo que o contrato celebrado entre um particular e a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A., para aquele trabalhar naquela área dos casinos, sob direcção efectiva, fiscalização e retribuição por parte desta, deve ser qualificado juridicamente como sendo um genuíno contrato de trabalho remunerado por conta alheia, contrato esse que deve ser remunerado com uma retribuição justa.
    
     3. Fundamentalmente, o que está em causa é saber se as gorjetas integram o salário do trabalhador. Anote-se que o que interessa é a consideração do que seja o salário para efeitos das compensações a contemplar, face ao que reclamado vem nos autos.
     O cerne da questão residirá em saber se, face à matéria de facto, melhor apreendida pelas Instâncias, filtrada e burilada através de tantos e tantos outros processos, se ela não predispõe num outro sentido compreensivo mais abrangente da realidade com que deparamos nos casos da STDM e neste em particular.
     A questão não pode ser desenquadrada do seu todo, do rendimento efectivo expectável, da prática adoptada e reiterada anos e anos a fio, da natureza específica da exploração e actividade de um casino, da realidade diversa da de outros ordenamentos em termos de Direito comparado.
    O carácter de liberalidade e eventualidade das gorjetas é contrariado pelo facto de as mesmas, no caso dos casinos da STDM, serem por esta reunidos, contabilizados e distribuídos e não se diga que o sistema de contabilização e distribuição pela empresa representa o sistema mais justo e que mais beneficia o trabalhador não é argumento decisivo, pois que sempre se pode entender que essa prática se insere no próprio processo contratual entre as partes e que por isso mesmo o trabalhador espera com uma forte probabilidade vir a auferir uma massa de rendimentos, só por via dela anuindo à celebração daquele contrato de trabalho.
     É verdade que quanto à perspectiva tributária incidente sobre as gorjetas esse argumento não se mostra decisivo.
    Na perspectiva tributária de direito público, o imposto profissional é um imposto parcelar, estruturado cedularmente, mediante o qual se submete a regime específico de incidência, determinação da matéria colectável e taxa os rendimentos decorrentes do trabalho, por conta de outrem ou por conta própria. Englobam-se nesse tipo de rendimento as gratificações ou gorjetas espontânea e livremente entregues, na sequência de uma reiterada prática social, pelos beneficiários de um determinado serviço ou trabalho, e por causa deste, aos que executaram esses serviço ou trabalho.4
   Não obstante o princípio da autonomia privada, há que ter em conta, principalmente no que respeita à liberdade de estipulação do conteúdo, determinadas normas que não podem ser afastadas pela vontade das partes, as quais limitam a liberdade contratual, impondo, pelo menos, um conteúdo mínimo imperativo.
    As gorjetas dos trabalhadores da STDM, na sua última ratio devem ainda ser vistas como "rendimentos do trabalho", sendo devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não originariamente como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, estando nós seguros de que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que na sua base é um salário de miséria.
    Não se deixam de encontrar no Direito Comparado situações em que a gorjeta integra o valor da remuneração, assim acontecendo no Brasil, compreendendo-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago directamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber e considerando-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada à distribuição aos empregados.
    Salvaguardando a diferença de sistemas, assim acontece igualmente nos EUA.
    Assim acontece em Hong Kong, onde o Court of Final Appeal decidiu ratificar o entendimento do Court of Appeal no sentido de que as gorjetas deviam integrar o salário com argumentos próximos dos acima expendidos.5
    Por outro lado, em Portugal, não minimizando a douta doutrina citada pelo TUI, não se deixa de assinalar, como acima se referiu, que a realidade fáctica diverge em ambos os ordenamentos e num ponto que se nos afigura essencial, qual seja o de em Portugal o rendimento mínimo estar garantido por lei.
    
    4. Do não gozo de dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios;
    . prova dos factos
  . liberdade contratual; da admissibilidade de renúncia voluntária ao gozo de dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios.
  
    Provou-se que o trabalhador em questão trabalhou nos dias de descanso semanal, anual e também feriados obrigatórios e não recebeu qualquer acréscimo.
    Para que haja erro manifesto na apreciação da prova tem de resultar da alegação da parte recorrente e dos elementos dos autos a probabilidade de existência de erro de julgamento, o que decorre da indicação não só dos pontos considerados incorrectamente julgados, como da indicação dos concretos meios probatórios que impunham uma decisão diversa (cfr. artigo 599º, n.º 1, a) e b) e 629º do CPC).
    
    No que ao ónus da prova respeita só importaria apreciar a questão em caso de falta de prova dos factos alegados pela parte a quem cabia o ónus de provar os factos integrantes do seu direito (cfr. o n.º 1 do art. 335° do CC), de forma a daí retirar as devidas consequências.
    
    5. Da liberdade contratual.
    Ao interpretar e aplicar qualquer legislação juslaboralística em sede do processo de realização do Direito, temos que atender necessariamente ao “princípio do favor laboratoris”, princípio que para além de “orientar” o legislador na feitura das normas juslaborais (sendo exemplo paradigmático disto o próprio disposto no art.º 5.º, n.º 1, e no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril), deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou a solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir.
    Do que acima fica exposto decorre que se A. e Ré podiam acordar nos montantes da retribuição (e o problema que se põe nessa sede não é já o do primado da liberdade contratual mas sim o da determinação da vontade das partes quanto à integração dessa retribuição) já o mesmo não acontece quanto ao gozo dos dias de descanso, férias e feriados e sua remuneração.
    
    6. Da errada interpretação e aplicação do n.° 4, do art. 26° do RJRT - da violação do n.° 2 do art. 564º do CPC
    
     E ainda da configuração do salário como mensal.
    
    As características e natureza do trabalho, tal como vem provado, harmonizam-se mais com o considerar que se tratava de um salário mensal, estando a remuneração não já dependente do resultado de trabalho efectivamente produzido, nem, tão-pouco, do período de trabalho efectivamente prestado.
    Da redacção do n.º 4 do artigo 26º decorre uma consequência importantíssima na interpretação das normas que atribuem as compensações pelo trabalho prestado nesses dias. É que o n.º 1 do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, atentos os termos empregues na redacção da sua parte final, - os trabalhadores que auferem um salário mensal...não podendo sofrer qualquer dedução pelo facto de não prestação de trabalho nesses períodos (períodos de descanso semanal e anual e feriados obrigatórios) - visa tão-só proteger o trabalhador contra eventual redução do seu salário mensal por parte do seu empregador sob pretexto de não prestação de trabalho nesses períodos e, por isso, já não se destina a determinar o desconto do valor da remuneração normal na compensação/indemnização pecuniária a pagar ao trabalhador no caso de prestação de trabalho em algum desses dias.
    Essa posição, no respeitante ao tipo do salário da parte A., releva para aplicação do n.º 6 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, na actual redacção dada pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, já que na hipótese de pagamento do trabalho prestado em dia de descanso semanal, por força do n.º 6, é ao disposto na sua alínea a) que se atende e já não ao determinado na sua alínea b).

7. Da lei aplicável.

Ainda aqui nos remetemos para o desenvolvimento feito nos acórdãos já citados.
     Posto isto, assim se entra na análise da correcção da sentença recorrida quanto ao apuramento das compensações devidas pela entidade patronal, por violação dos diferentes tipos de descanso do trabalhador e assim do invocado erro de direito em relação às pertinentes normas reguladoras daquelas compensações.
    
    Neste caso particular acompanhamos as fórmulas adoptadas na Jurisprudência quase unânime deste Tribunal, unanimidade que sofreu até ao momento apenas a excepção da compensação do trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios e a inflexão a partir de 31/3/2011, com o processo n.º 780/2007, de 31/3/2011, deste TSI6 (para os descansos anuais e semanais no âmbito do Decreto-Lei n.º 101/84/M e anuais no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M).
    
    
    
    Donde resultam as seguintes fórmulas:
    
    
    

No âmbito do
Descansos semanais
Descansos anuais
Feriados Obrigatórios
DL101/84/M
X17
X1
X18
DL24/89/M
X2
X19
X3

    
    8. Os rendimentos do trabalhador deste processo constam da matéria acima dada como provada.


Ano
Salário Médio Diário
1
1984
358.71
2
1985
344.16
3
1986
319.87
4
1987
373.70
5
1988
394.14
6
1989
459.06
7
1990
519.35
8
1991
449.50
9
1992
465.30
10
1993
540.00
11
1994
594.10
12
1995
621.80
13
1996
537.50
    
9. Trabalho prestado em dia de descanso semanal
    
    Em sede do DESCANSO SEMANAL, importa alterar o decidido, já que se jogou na sentença recorrida com o factor x3, devendo os cálculos reconduzir-se à fórmula x2, donde se apurar o valor de MOP$265.951,80, valor este contido dentro do pedido.
  
10. Trabalho prestado em dia de descanso anual
    Em sede do DESCANSO ANUAL, nada a alterar, considerando que se entrou com a fórmula adequada.
  
    11. Feriados obrigatórios
    Nada a alterar por, não obstante a recorrente defender x1, se ter entrado com a fórmula x2 e a fórmula adoptada por este Tribunal ser x 3, não vir interposto recurso do trabalhador.

12. Juros
    Defende a recorrente que os juros só se devem vencer com o trânsito e não com a data da sentença conforme decidido.
    Importa apreciar.
    Não tendo o pagamento sido feito em tempo, considera-se que o empregador se constituiu em mora, ficando a partir desse momento obrigado a reparar os danos causados ao trabalhador-credor (art. 793º do C.C.).
    O art. 794º do Código Civil estabelece, por seu turno, o momento da constituição em mora, apresentando como regra geral o da interpelação judicial ou extrajudicial para o respectivo cumprimento feita pelo credor (n.º 1), ao mesmo tempo que estabelece excepções (n.º 2). Contudo, para os casos em que o crédito é ilíquido10 no momento em que é reclamado judicialmente – como sucede nos autos – a mora só existe a partir do momento em que ele se torna líquido (n.º 3), o que, em regra, sucederá com a sentença da 1ª instância pois é nesse instante que o direito fica materialmente definido e revelada toda a sua dimensão.
    Só que a definição do direito pode não ter ainda um carácter definitivo, atendendo ao facto de poder haver recurso jurisdicional da sentença. Portanto, o trânsito da sentença é crucial, na medida em que estabiliza o julgado. Mas também aqui há que distinguir entre duas situações, conforme a decisão do recurso confirma ou não a sentença recorrida. Se a confirmação é total, a liquidez definida na 1ª instância mantém-se e, então, entende-se que a mora se reporta à data da sentença. Se a decisão do recurso altera a dimensão quantitativa do direito (leia-se, do crédito), então a mora começa a contar-se somente a partir da data desta.
     Esta tem sido a posição deste TSI (v.g., Acs. de 22/06/2006, Proc. n. 14/06 e de 12/03/2009, Proc. n. 683/2007), confirmada em acórdão do TUI tirado em sede de uniformização de jurisprudência (Ac. de 2/03/2011, Proc. n. 69/2010).
  
    13. Concluindo,
    
    Não vindo recurso interposto pelo trabalhador, o pedido e o objecto do recurso hão-de limitar necessariamente o campo cognoscitivo deste Tribunal, donde alterar-se tão somente o valor da compensação dos descansos semanais e ficar intocável o valor encontrado para as compensações, relativas aos descansos anuais e feriados obrigatórios.
    
     
     Tudo visto e ponderado, resta decidir,
     
     IV - DECISÃO
     
    Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam os Juízes que compõem o Colectivo deste Tribunal, em conferência, em julgar parcialmente procedente o recurso da sentença recorrida, interposto pela STDM, condenando a ré a pagar à autora a quantia de MOP$265.951,80 (duzentos e sessenta e cinco mil novecentos e cinquenta e uma patacas e oitenta avos), a título de compensação pelos descansos semanais, com juros a partir da presente data, mantendo o mais que foi decidido na sentença proferida em 1ª Instância.

Custas pelo A. e R., recorrido e recorrente, em ambas as instâncias, na proporção dos decaimentos.

Macau, 16 de Maio de 2013,
              
              

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)
(vencido apenas quanto às fórmulas na parte divergente da Jurisprudência dominante deste Tribunal até 31/3/11, de acordo, designadamente, com os Acs n.ºs 330/05, de 11/5/06; 76/06, de 22/6/06 e 295/06, de 5/10/06)

_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
    
    
1 - Processos 241/2005, 297/05, 304/05, 234/05, 320/05, 255/05, 296/05, respectivamente de 23/5/06, 23/2/06, 23/2/06, 2/3/06, 2/3/06, 26/1/06, 23/2/06, 330/2005 , 3/2006, 76 /2006.
2 - Processos 28/2007, 29/2007, 58/2007, de 21/7/07, 22/11/07 e 27/2708, respectivamente
3 - Cfr. processos, deste TSI, de 19/2/09, 314/2007, 346/2007, 347/2007, 360/2007, 370/2007
4 - Parecer da PGR n.º P001221988, de 18/11/88
5 - Proc. 55/2008, de 19/1/09, betweeen Lam Pik Shan and HK Wing On Travel Service Limited, in http://www.hklii.org/hk
6 - Vd. douto voto vencido nos Acórdãos 234/2005 e 257/2007, de 2/3/06 e 9/3/06, respectivamente
7 - Na Jurisprudência uniforme deste TSI até 31/3/11 não havia compensação no âmbito do DL101/84/M, de 25 de Agosto
8 - Na Jurisprudência uniforme deste TSI até 31/3/11 não havia compensação no âmbito do DL101/84/M, de 25 de Agosto
9 - Na Jurisprudência uniforme deste TSI até 31/3/11 a fórmula era x2
10 A obrigação diz-se ilíquida quando, apesar de existência certa, o seu montante não está ainda apurado (Antunes Varela, Obrigações, 2ª ed., pag. 113).
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